Sobre Apartamentos



Sobre Apartamentos

Encontrei Gina bem debaixo do arco da Washington Square. Não era difícil vê-la. Gina Weasley, descalça, mede 1,77m. Para algumas pessoas é uma bela estatura, mas, em Gina, todos aqueles centímetros não eram graciosos. Naquela época ela era grandalhona, e não majestosa. E desajeitada, além do mais. Apenas por estar parada lá, fazia o arco de Washington Square parecer estranho. Sabem o que diziam sobre ela? Que tinha um rosto muito bonitinho. E tinha. Ruiva, grandes olhos cor de avelã e um nariz que não atrapalhava.
Naquela bela sexta-feira, usava os cabelos lisos presos no alto da cabeça em um rabo de cavalo. Usava aquele batom rosa meio esquisito, e uma espécie de bata que parecia meio curta. Os sapatos eram de tamanho 40... Vermelhos e de salto baixo. Ela usava uma bolsa daquelas grandes, preta. Na minha lembrança, Gina se vestia como tantas outras garotas recém formadas e que mal tinham começado a trabalhar. Mudara de posição, mas não de guarda roupa. Acontece nas melhoras famílias. Estava parada lá, lendo uma revista de moda. Não, não era difícil encontrá-la.
Estávamos com os classificados do New York Times e do,Village Voice , com os anúncios marcados. Íamos moram no Village, mesmo que fosse num porão. Tantas estrelas tinham feito isso. Por que não nós duas?
- oi.
- oi.
- meus pais não deram nem uma palavra comigo quando eu sai hoje de manhã. Estão muito irritados porque vou sair de casa. E a sua mãe? Como recebeu a noticia?
- muito bem. Sem problemas. E ainda me desejou boa sorte.
- ta brincando!
- claro que to. Ela preferia me congelar no freezer a me deixar ter meu próprio apartamento.
- são todas iguais.
- é mesmo.
Não, não são todas iguais. Tive uma amiga, uma vez, chamada Emily. Tinha 18 anos e estava saindo com um malandrão, e os pais a expulsaram de casa, aquela sortuda.
Todos os anúncios de apartamento são mentirosos. Todos. Todos os mentirosos patológicos saem direto dos sanatórios para escrever anúncios classificados.
No primeiro apartamento que vimos, havia três mentiras. Falava em três quartos e tinha um. Em 180 dólares por mês e eram 220. Dizia Rua 12 Oeste, 213, e não existe nenhuma. Era 12 Leste, 213. Algum recém saído do hospício deve ter escrito.
Jamais conseguimos localizar o segundo da lista. O numero do telefone estava errado.

“Oi, Myrtle, sabe o que foi que eu fiz hoje?”

“Não, o que foi, Henry?”

“Inventei um numero de telefone e botei nos classificados do New York Times .”
“Essa foi boa, Henry. O que você vai fazer na próxima semana?”

“Vou botar o número dos Alcoólicos Anônimos”.

“Henry, você é de morte. Espero que não o levem de novo para aquele hospício”.


O terceiro dizia: Quarto Separado. Não havia nenhum.
Olhamos todos os casarões dentro do nosso orçamento. Havia dois, e estavam péssimos. Um com quatro andares para subir, o outro um andar abaixo do nível da rua. Nem janelas ou ar. Lugares horrendos.
A pior parte em ver apartamentos em casarões é ter que pedir ao zelador para mostrá-los.
- Bom dia. Por favor, é sobre o apartamento anunciado.
- e daí? – disse o homem.
- Seria possível... Vê-lo? Será que o senhor poderia... Não gostaríamos de incomodá-lo.
Fui muito mais educada com esse homem do que jamais fui com a minha mãe.
Com os olhos brilhando de ódio e todo suado, fez sinal para que o seguíssemos pela estreita escada acima e depois por estreitos corredores. Abriu a porta e os armários, e ficou parado lá. Não era exatamente um bom vendedor. Sabia que éramos duas garotas mortas de vontade de morar no Village.
O lugar era escuro e sujo e nós não conseguíamos ver nada. Gina e eu ficamos com medo de dizer que não havíamos gostado. Por fim, criei coragem de dizer que íamos pensar a respeito.
Ele ficou furioso. Por que não havíamos deixado ele em paz? Havia baratas no chão. Dei graças a deus por não termos sidos estupradas.
Andamos por todos apartamentos que havia no Village e nos arredores. As pernas doíam e estávamos com bolhas nos pés. Banheiros por toda a parte e nenhum que se pudesse usar. Fiquei com vontade de ir no banheiro o dia inteiro.
De um deles jamais vou me esquecer (mesmo depois que bater as botas. Será que existe vida após a morte? Será que vou continuar solteira? Oh, meu deus!). O anuncio dizia Village Leste. Ficava no Lower East Side. O apartamento era feito de cubículos. Não havia quartos, só cubículos. Havia dois para dormir, um de estar e um, juro, cubículo-banheiro. Não havíamos gostado dele, mas já estava no fim do dia, estamos cansadas e 160 dólares era o que podíamos pagar. Por isso ficamos com ele.
Cheguei em casa, um pouco deprimida com todos aqueles cubículos. Minha mãe me esperava na porta.
- e então?
- conseguimos achar um lugar. É ótimo. Tem um monte de cubículos lindos.
- É por isso que vai se mudar? Por nós não termos cubículos?
- Mamãe, por favor.
- E onde fica sua nova casa?
- No Village.
- Mas em que lugar no Village? Qual é o endereço?
- Que diferença faz? Você não conhece o Village.
- Conheço um pouco, sim. Seu pai e eu costumávamos ver lá. Acha que é a única que já ouviu falar do Village? Eu já lá muito antes de você nascer.
- Fica na Rua 3 Leste e tem uma porção de cubículos lindos, onde podemos botar umas cortinas... – aqui eu repetindo o que a corretora tinha dito. Maravilhoso.
- Na Rua 3 Leste? Mas em que altura?
(Oh, Meu Deus!)
- Rua 3 Leste, 280. E cada uma delas pode ser separada...
Minha mãe não teve uma crise histérica de choro, como eu esperava, e sim de riso.
- Edd, Edd, vem cá. Adivinha só onde Hermione achou um apartamento para morar! Rua 3 Leste, 280. Não ficava bem em frente de onde seu pai e sua mãe, que Deus os tenha, moraram assim que chegaram nos Estados Unidos?
Meu pai também achou muito engraçado. E dois se divertiram muito com o que sua esperta filha fez.
- Quanto? – perguntou meu pai.
- 160 por mês.
Isso os fez parar de rir.
Você está louca? Ficou biruta? Os meus pais, que descansem em paz, viviam do outro lado da rua e pegavam 27 dólares por dois quartos e achavam muito.
- Papai, isso foi há quase 40 anos. Os preços subiram.
- É ridículo. Eu pagava por sala e dois quartos, 85 por mês.
- Você quer mesmo viver em Nova York, onde moças jovens e bonitas como você são assassinadas? E está tão suja.
Não sei o que mais a preocupava, a sujeira ou os assassinatos.
- É uma região muito divertida.
- Ser assassinada é divertido?
- Eu assinei um contrato.
- Você assinou um contrato? Seu pai vai contratar Amos Diggory para cancelá-lo. Se existe alguém capaz de tirar você disso é ele. É o melhor advogado do país!
- Não quero que Amos Diggory me tire disso. Gosto do lugar, com todos aqueles cubículos. Você vai ver.
- Eu conheço. Seu avô e sua avó moraram lá.
- Mãe, por favor. Tenho 21 anos e deveria ser capaz de decidir onde eu vou morar.
- Escute aqui, Srta. Recém Formada. Você se acha muito esperta. Com 21 anos, ainda é uma criança. Ouça sua mãe. Ainda não é velha demais para que eu lhe diga o que é certo e o que é errado. Deixe para Amos Diggory livre você desse negocio e vai me agradecer pelo resto da vida.
Não estou te agradecendo, mamãe.
Toc, toc, toc...
Quem seria? Minha mãe fazia tap, tap, tap. Minha irmã tinha saído numa Ferrari vermelha (uma FERRARI, dá para acreditar?). Era meu pai batendo na porta.
- Hermione? É o papai?
Coloquei o roupão. O homem que havia trocado minhas fraldas não devia me ver de camisola agora.
- Entre.
Nenhum de nós conseguiu dizer uma palavra. Falamos tão pouco um com outro durante todos esses anos. Conheci Justin Finch-Fletchley melhor do que aquele homem parado perto da janela.
Não o conhecia porque nunca conversávamos. Sempre se dirigia a mim através de Clichês. Como quando me dizia que tratasse bem dos pés que eles sempre me tratariam bem. E eu nunca sabia o que lhe dizer. Meu pai é tão mediano, tão absolutamente mediano em tudo. Nossa casa não é pequena nem grande. Seu trabalho não é pequeno nem grande.
Papai, porque você resolveu falar comigo? Nunca fez isso em 21 anos. E a única resposta seria a velha piada: “Nunca falei com você por 21 anos porque não havia necessidade”.
Eu costumava ter ciúmes de todos os garotos dos seriados da TV porque conversavam com os pais. Sempre que havia um problema, iam procurar o pai e conversar a respeito.
- Hermione?
Eu estava a beira de lagrimas. Ele sempre me provocava isso. Lembra-se de quando eu tinha 5 anos e queria casar com você? O meu complexo de Édipo. Ou seria de Electra? Por que não se casou comigo, papai? “Por que não posso me casar com você, papai?” “Porque já sou casado, Hermione...” “Quando eu crescer, vou me casar com você”. “Dá um beijo no papai”.
- Hermione? Estou falando com você.
- Desculpe.
- Sua mãe está muito nervosa.
-Sinto muito que esteja assim. Sua mãe a ama e quer o melhor para você.
Duas coisas que não necessariamente se complementam.
- Eu também a amo. Tudo que eu quero é escolher minha própria casa. Tudo mundo escolhe sua própria casa.
- Não estou interessada em todo mundo, e sim em você.
Exatamente como quando eu tinha 15 anos: “mas, papai, todo mundo levou bomba no teste” “não estou interessado em todo mundo, e sim em você”.
- Se estivesse realmente interessado em mim, me deixaria viver do jeito que eu quero.
- Não posso impedi-la. Já é uma mulher. Só queria que soubesse como eu me sinto.
Ele estava mentindo sobre mamãe. Ele queria falar comigo.
- Papai, eu gosto do apartamento. Sinto muito.
- Então me faça um favor. Entre na lista telefônica como H. Granger. Nunca se sabe, com todos esses tarados a solta pela cidade. Ouça seu pai e entre na lista como H. Granger. Assim não tem como saber se é homem ou mulher.
Sabem sim, papai. Só garotas com pais assustados colocam as iniciais na lista.
Ele se foi, e fiquei me sentindo culpada. Sofro de culpa materna, paterna e por desejar ser órfã. “Não... Não... Não pode sair ainda do orfanato. Só tem 21 anos”.
Na manhã seguinte...
Trim, Trim, Trim.
- Alo.
- Alo, Mione?
- é ela. Gina?
- Bem...
Silencio... Silencio... Silencio...
-Mione, minha mãe está transtornada. Não gosta da vizinhança para onde vamos nos mudar.
Posso ver que a minha mãe vai sorri agora. Oi, mamãe, estou morta. Você já sabia disso?
- É, entendo o que quer dizer.
- Meu primo em terceiro grau, Guy Weasley, é o melhor advogado do país, que pode nos livrar daquele contrato.
- O que vamos fazer?
Mas que pergunta. O que podíamos fazer com duas mães, com dois advogados, ambos os melhores do país, pendurados no nosso pescoço?
- Não sei. O que você quer fazer?
- Não sei. – fiz uma pausa - Você gostou tanto assim daquele lugar?
- Não. Com todos aqueles cubículos. Meu Deus, o que era aquilo?
Aquilo significava nossa liberdade, liberdade de decisão, Gina.
- Eu também não fiquei muito entusiasmada – eu admiti.
É, Gina, por que você não foi firme? Por que eu não fui firme? Se tivesse me mudado para aquele apartamento, toda a minha vida talvez pudesse ter sido diferente. Pelo menos, um pouco mais longa.
E assim, as duas insignificantes donzelas judias permitiram que suas poderosas mães e os dois maiores advogados do país as livrassem do contrato. E as mães foram encontrar uma moradia adequada para suas princesinhas. Algo que estivesse à altura. Algo com ar-condicionado e cavalheiros de armadura reluzente (mais conhecidos como porteiros) nas portarias para proteger-lhes as virtudes.
Mas ai, infelizmente, o reino era pobre. As duas princesas não podiam pagar o lindo castelo que as mães encontraram. Prometeram que lhe dariam o dinheiro necessário, mas as princesas disseram: “Não, temos que depender de nós mesmas. Precisamos achar outra princesa para rachar as despesas”.
Procuraram por todo o reino durante muitos dias e estavam quase desistindo quando uma fada madrinha apareceu (lembram de Colin, da UNY?)
- Achei uma companheira para vocês! – disse
E assim, as duas filhas mudaram para a Rua 13 Oeste, 25, junto com Gabrielle Delacour, membro da Igreja Episcopal, fim da história.
Vou contar tudo sobre Gabrielle Delacour, e falo sem rodeios, pois sei que ela jamais vai ler isso. “Gabrielle?” “Sim?” “Hermione Granger se matou e escreveu um longo bilhete de suicídio. Sei que a conhecia, Gabrielle. Quer ler suas ultimas palavras?” “Não”.
Gabrielle Delacour cursava a Escola de Dramaturgia da UNY quando eu estava lá. Usava a mesma roupa de baixo por uma semana e essa não é só a minha opinião – todo mundo do departamento sabia. Que nunca diga que Hermione arruinou uma reputação em seu leito de morte.
Jamais gostei dela. Quando entrava em algum lugar, conseguia deixar todo mundo sem graça. Formou com nota 5,0, foi falar com o professor responsável, fez um pouco de manha e conseguiu 6,5. Conseguiu o papel principal em uma peça importante e abandonou a peça por não suportar o resto do elenco. O diretor teve que suplicar que voltasse, apesar de ser uma idiota. Enquanto o resto de nós ia acampar, Gabrielle fazia cursos de teatro no verão. E para completar, os pais eram divorciados. Os dois casaram se de novo. Ela era a filha única dos quatro, e todos os quatros a deixavam em paz.
E daí? Sempre odiei Gabrielle Delacour. E daí? Eu tinha ciúmes dela. E daí? Fiquei feliz quando nos formamos e achava que nunca mais veria ela de novo. E daí? E daí, não é irônico que eu acabei morando com aquela maldita cadela? Sim, é irônico, mas não foram vocês que tiveram que viver com ela – eu tive. Precisávamos de uma terceira moça.

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