O Segundo Ano



O Segundo Ano

Certo, Neville é uma boa pessoa, é verdade, mas não me estimulava de jeito nenhum. Aos 22 anos não me achava madura o bastante para ficar apenas com ele. Não que eu tivesse outra escolha. No natal, ele me deu um casaco de lã e não um anel com um diamante, pequeno porém perfeito. E se não ganhei, como eu poderia atirar na cara dele? Como eu ia chamar minhas amigas e dizer que eu tinha rompido o noivado e cancelado o casamento, quando não havia nenhum casamento?
É, Neville era uma boa pessoa, mas era ruim de cama, dava presentes ruins e não dava para levar ele a qualquer lugar. Não é verdade. Neville era o tipo de pessoa que não se podia levar a lugar nenhum . Harry se encaixava em qualquer lugar, Neville não.
Em janeiro do nosso segundo ano em Manhattan, Gabrielle arrumou um papel numa peça chamada Renascimento . ela era a quarta atriz principal. Todos os atores usavam roupas pretas e maquiagem branca e diziam, durante a peça, muitos “foda-se” e “que merda”. Naturalmente, ficamos muito orgulhosos dela. E o que tudo isso tinha ver com Neville?
Gina e eu fomos convidadas para a noite de estréia. Tivemos que pagar entrada, mas era agradável ser convidada de qualquer maneira. Também fomos convidadas para a festa depois da peça. Bem, uma festa de noite de estréia não é exatamente onde se leva alguém como Neville.
Ali estava a minha chance. Podia sair sem Neville para ver como eu me saia. Provavelmente, um cara maravilhoso e eu íamos conversar, ele me levaria para casa, ficaria com o número do meu telefone. Ai eu começaria a sair com ele e pararia de ver Neville. Fiquei imaginando se eu devia convidá-lo para o casamento.
Convidei Colin para ir comigo. Não era difícil falar com ele. Passava três noites por semana no nosso sofá. Nas outras, ia a festas. E não eram festas no sábado ou na sexta à noite ou em ocasiões especiais. Eram apenas... Festas. Não procurava emprego, não tinha tempo. Entre preparar-se para as festas, ir a festas e recuperar-se das festas, não havia tempo para mais nada.
E assim, Colin, o bonito; Hermione, a sem graça; Gina, a maravilhosa e Harry, o perfeito pegaram um táxi e foram assistir a Renascimento .
Eu gostava de sair com Colin. Não abria portas, não puxava cadeiras e não segurava a mão, mas era muito bonito. E já fazia muito tempo que eu não era vista com alguém apresentável.
Peça estranha, aquela. Uma peça que parecia ser inteligente. Uma coisa que enchia mortalmente o saco, mas que as pessoas tem medo de revelar que acham um saco para não serem classificadas de estúpidas por aqueles que pareciam intelectuais. As frases eram do gênero “A Mãe-Terra impera sobre nós”. Gabrielle e mais cinco atores andavam pelo palco berrando e ajoelhando-se.

No intervalo:
-adoro o uso que o diretor faz do movimento abrupto, em oposição direta á fluidez do texto do autor. (Colin)
-Sinto que o autor tenta nos comunicar o bem e o mal que existem em todos os homens. (Hermione)
-Com o emprego das máscaras, que eu acho brilhante, o que estão querendo dizer realmente é que somos todos iguais (Harry – nossa, ele é lindo!)
-O tema me parece ser a fraternidade, como se todos nós pudemos usar o “renascimento” ou a fraternidade que existe dentro de nós. Se todo mundo visse essa peça, o mundo seria um lugar melhor. (Gina)

O Segundo ato era igual ao primeiro. A peça terminou com os seis atores na beira do palco com os braços estendidos, enquanto a luz passava do verde para o vermelho, de volta ao verde e apagava. Aplausos, aplausos. Uma luz vermelha acendia e os atores agradeciam com reverências dramáticas. Aplausos, aplausos. Apagam a luz. Eles saiam do palco, luzes normais se acendiam e a platéia, cerca de 24 pessoas, amigas ou parentes dos membros da equipe, saiu em silencio.
Nos bastidores, Gabrielle bancava a estrela, usando o roupão de plumas azuis. Será que Harry ia reconhecê-lo?
-Fico tão contente que tenham vindo – ela disse, parecendo que estava na estréia de um filme em Hollywood e que ela era a Angelina Jolie, a super estrela do filme.
Na festa, todos falavam bem da peça e o anfitrião era o diretor. Não havia críticos de jornais, porque eles não assistem aquele tipo de peça. É do tipo de peça que os atores trabalham sem receber, enquanto o diretor promete que o critico do New York Times vai aparecer na próxima quarta.
Colin e eu nos separamos assim que chegamos lá. ele foi falar com o diretor e eu fui falar com os amendoins. Gina e Harry estavam tendo uma “conversa” bem intima num canto e por isso eu fiquei bebendo refrigerante,comendo meus amendoins e tentando me misturar as pessoas. Foram três conversas.

Número Um

Era um homem atraente mais ou menos da minha idade. Fui eu quem comecei.
-Oi, o que acho da peça? Eu gostei muito.
-Achei pretensiosa.
-Sei o que quer dizer.
-Sobrecarregada demais.
-Sei o que quer dizer.
-Se eu tivesse dirigido, seria diferente. Entende o que eu quero dizer?
-Entendo. Você é diretor?
Ele faz uma cara insultada e se afasta.
Fim da conversa número um.

Número Dois

Foi com uma amiga, chamada Parvati Patil, que trabalhava em uma loja de bolsas. Ela que começou a falar e era uma perca de tempo, pois eu estava à caça de um namorado.
-Oi – ela disse.
-Oi.
-O que há de novo?
-Nada de especial – eu tentando fugir da conversa.
-Consegui um novo cargo na loja e agora posso tirar o tempo que eu quiser para o almoço.
Um cara! Ele está andando... Graças a Deus, está falando com outro homem. Ele não parece ser gay.
-Desculpe, Parvati, tenho que...
-Espere, preciso contar quem eu vi outro dia. Lembra do Bob? [não]. Rimos muito conversando...
-Desculpe, Parvati.
-Não gostaria de saber do que estávamos rindo?
-Não.
Fim da conversa número dois, fim da amizade com Parvati e fim da chance de conseguir bolsas com desconto.

Conversa número três

-Oi – eu disse para o homem que eu tinha visto antes.
-Oi – um sorriso amigável e eu me joguei.
-Assistiu à peça de hoje?
-Não, mas minha mulher assistiu. – epa. Não estou acostumada com casados.
-E o que ela achou? – como eu vou sair dessa?
-Ela não gostou. Você gosta de cenas?
-O que?
-Uma cena... Está interessada?
Será que eu estava sendo descoberta como atriz?
-Acho que sim.– que nome devo adotar? Mione Le Grange?
-ótimo! Minha mulher adora cenas.
-sua mulher gosta de cenas?
-É, mas não gosta de lésbicas. Você é lésbica?
Fim da conversa número três.

Colin estava entediado, Gina e Harry já tinham ido embora, então eu e Colin fomos também.
O que eu consegui com essa noite? Nada.
Achei que se eu saísse sem Neville eu ia encontrar o príncipe encantado, mas o que eu consegui? Um cara agora me odeia porque eu achei que ele era diretor, perdi uma amiga e me ofereceram uma cena. Ou seja, nada.
Por que a vida de solteira é tão difícil?

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