Falso Alívio



Água e Vinho


Capítulo Vinte e Oito – Falso Alívio


Lá estava eu, com a prova de História da Magia na minha frente. Já duas vezes, durante a minha redação, eu conseguira trocar a palavra “trasgos” por “Tiago”. Na primeira vez eu tive um acesso de risos, o que com certeza convenceu todo o sexto ano de que eu estava enlouquecendo finalmente, mas das outras ocasiões eu consegui me controlar.

A prova não foi difícil. Quero dizer, foi, mas nada que não pudesse ser contornado. Ao menos agora não viriam dias que eu gastaria roendo unhas e rezando para que realmente o ingrediente mais importante da Poção de Nocaute fosse um bom maço de Urtiga da Guiné... Esse foi o meu grande trauma do quarto ano. Mais tarde, acabei descobrindo que nem existem urtigas na Guiné. Simplesmente têm esse nome porque o bruxo que as descobriu não queria chamá-las de Urtigas do Congo, dizendo que era um nome pouco sonoro.

Mas chega de pensar em matéria. Duvido que isso também interesse a vocês, mas devo adiantar que a parte mais assustadora da minha história está chegando. Mas antes, o final do ano letivo.

-Oi, Lily – Mark me abraçou na saída da prova e me deu um beijo rápido. – Você se deu bem?

-Acho que sim – respondi, respirando fundo. – E você?

-Não tenho certeza... – ele parecia mesmo inseguro na resposta. – Em que ano foi mesmo a guerra entre trasgos e sereianos?

-1678. – repliquei, sem pensar duas vezes. Todas as minhas anotações sobre aquela guerra tinham um “1678” gigante e vermelho em cada topo.

-Venha – disse ele, com um sorriso. – Acho que temos que aproveitar o fato de que as provas estão acabadas...

Qualquer coisa menos sentar à beira do lago com os pés na água, pensei, lembrando-me do ano passado, quando tudo começara. Deixei que ele me levasse pela mão até o Salão Principal, com vários alunos espalhados pelas mesas com uma cara exausta. Tive pena daqueles que estavam no sétimo ano; tinham acabado de sair dos N.I.E.M.s, e isso não deveria ser uma experiência muito confortadora, ao menos pelo que diziam.

Mas antes que pudéssemos sair completamente entre os alunos que estavam ali com expressões derrotadas, Mark deu um tranco no meu braço e me encostou na parede, beijando-me de uma hora para a outra. Ainda em choque, correspondi, tentando também aliviar a pressão daqueles dias. A cena, para mim, acabou não sendo das mais românticas, pois ao fechar os olhos eu vi as anotações de História da Magia, mas meu namorado não precisava saber disso.

-Ah, faz tempo que não temos oportunidade para sair apenas por diversão, não acha, Lily? – ele disse, com o olhar fixo nos meus olhos, e eu me encolhi por dentro. Não gostava que ele fizesse isso. Olhar nos olhos é algo que me assustava muito. Revelava sentimentos. E eu, que nunca fui boa em atuar, sempre me dava mal com isso. Vide cena em que eu e Potter temos aquela conversa falsa.

Lembrando de Potter, desviei o olhar. Maldito Maroto. Ele tinha virado minha vida de ponta cabeça. Por culpa dele eu estava ali, namorando e não conseguindo me apaixonar. Era como se eu estivesse amarrada a Potter de alguma forma estranha, com algum laço que eu não conseguisse encontrar para desfazer.

Mark notou minha reação.

-Você parece muito triste – disse ele, me estudando. – Alice anda preocupada com você, sabia?

-Sabia... – resmunguei, com o olhar no chão. Subitamente, voltei-me para Mark. – Alice andou falando com você?

-Ela disse umas coisas esquisitas – confessou Mark, reticente. – Pareceu que queria dizer que você não gostava de mim, Lílian – então o tom dele ficou sério e eu sinceramente me preocupei. – E eu fiquei pensando por que ela diria aquilo.

Alice, é melhor que você esteja a caminho da Sibéria neste momento, se quiser escapar da minha fúria,, amaldiçoei mentalmente. Eu tentei arquitetar uma resposta, gaguejei algumas coisas, tentando não mentir. Eu sabia; se dissesse “claro que é invenção, Mark, eu gosto de você”, a fala sairia falsa e ele perceberia. Mark não era burro.

-E eu fiquei pensando – ele continuou, sabendo que eu não tinha o que responder. – Você nunca disse nada sobre gostar de mim. Nunca mencionou de forma alguma que pudesse estar interessada por mim. A princípio eu achei que você fosse tímida nestes aspectos, mas eu já não tenho tanta certeza.

Eu sempre imaginara que Mark suspeitava que eu não sentia nada por ele; mas se ele tinha tocado o nosso relacionamento até ali sem nenhuma palavra a respeito, pensei que ele não precisasse dessa certeza.

-Fale alguma coisa – ele disse, seriamente.

-Mark, eu realmente gostaria que você não desse ouvidos a Alice – eu falei num fôlego só. – Ela acha que esse meu desânimo de ultimamente é porque eu poderia não estar satisfeita com você... Foram só as provas. Foi só o estresse. Agora esqueça... Alice está vendo asas em unicórnios.

Mais tarde, eu me censurei ao lembrar do que dissera. Satisfeita, eu dissera, mas não feliz.

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

No Banquete de Despedida, Mark e eu não estávamos muito próximos. E certamente, Alice estava tão furiosa comigo quanto eu estava com ela.

-Eu tive que tomar alguma atitude – sibilou ela confidencialmente, enquanto comíamos. – Você está desfalecendo, Lílian, e NÃO é por causa do período de provas. Você já levou isso longe demais!

-Você não tem o direito de decidir o que fazer na minha vida – retruquei, amarga.

-Tenho, se isso implica tirar você da fossa na qual você mesma saltou – ela replicou sem piscar. – Se você não terminar com o Mark antes de irmos para casa, eu mesma vou dizer que você não tem coragem de fazer isso com ele, apesar de não agüentar mais o namoro.

-Não vai não! – exclamei, mais alto do que queria. – Alice, quantas vezes eu vou ter que dizer que estou fazendo o certo? O que eu ganharia se...

-Ganharia sossego. O seu namorado só serve pra se apoiar quando você precisa, Lílian! Você está sugando o rapaz. É uma crueldade com ele. Estou avisando, você não vai continuar nessa situação porque eu não vou...

Mas naquele momento Dumbledore levantou-se com o discurso de final de ano. Eu, francamente, nem ouvi. Entretanto, o diretor acabou chamando mesmo à minha atenção no fim de sua fala, quando havia chegado o momento de entregar a Taça das Casas ao vencedor.

Sacudi a cabeça, tentando despertar, quando ele tirou duzentos pontos da Sonserina, por conta de todos os Comensais da Morte que haviam sido expulsos da escola. Os alunos daquela Casa se levantaram, furiosos, alguns até mesmo gritando tantos impropérios quantos você puder pensar. A Lufa-Lufa perdeu também alguns pontos, por apenas um que fora descoberto dali e já mandado pra casa.

-Os Comensais da Morte não são nada de que suas Casas possam se orgulhar. – Dumbledore disse, sua voz retumbando acima das exclamações exaltadas. – O poder atrás deles é muito mais do que vocês imaginam. É algo que destrói e que consome suas almas por dentro. Acredito que todos os alunos presentes aqui desejem sinceramente manter suas almas intactas nos próximos anos... Sendo assim, devo avisar que o poder que rege os Comensais – os adultos, não aqueles que estavam entre vocês, apenas garotos em treinamento – é algo cheio de ódio e que ainda vai desestruturar todo o mundo mágico se não nos prepararmos da devida forma. Quando voltarem para casa, amanhã, é provável que tenham uma idéia clara do que o poder daquele chamado Voldemort significa.

Todo o Salão Principal caiu num silêncio mortal. Dumbledore tinha enlouquecido! Como ele dizia o nome dele em voz alta, daquela maneira, diante de todos? Engoli em seco. Como um nome podia me apavorar tanto? Minhas entranhas até mesmo reviraram. E eu só tinha ouvido histórias dele! Que na realidade deviam ser muito piores!

Por um momento, lembrei de casa. Como eu voltaria para casa, onde eu era a única bruxa, para pôr toda a minha família em risco? Se eles haviam passado perto de mim no ano passado, o que fariam agora que todos da Sonserina já tinham praticamente certeza de que eu estava envolvida em todas as perseguições a eles?

Eu não posso voltar pra casa, concluí, num momento dramático. Eu simplesmente não podia sujeitar a minha família àquilo. Se invadissem a minha casa e matassem a minha família, eu não sei do que eu poderia ser capaz... Mas para onde eu poderia ir? Chegando em King’s Cross, eu teria que ir para algum lugar. Sem dizer que provavelmente meus pais viriam me receber. Como fugir deles?

Quando me dei conta, bandeiras enormes, vermelhas e amarelas, estavam despencando em todo o Salão Principal. Foi só quando me lembrei; com a derrocada da Sonserina, a Grifinória assumia a ponta e ganhava a Taça das Casas! Uma centelha de alegria perspassou minha mente. Eu devia estar mais feliz pela minha Casa... Mas eu ainda tinha que lidar com o fato de que teria que fugir de casa!

Alice me puxou de pé, enquanto todos os nossos colegas voltavam para a Torre, comemorando.

-Festa na sala comunal!

-Lílian! – Alice me olhou mais atentamente, notando logo meu rosto consternado. – O que foi?

Eu poderia dizer a ela? Alice era minha melhor amiga. E desconsiderando uma certa vez em que saíra comigo à noite, quando Snape nos encontrara e logo depois Filch nos surpreendera, não estava envolvida de forma alguma na história. Contar a ela com certeza a impeliria a me ajudar, o que sem dúvida a colocaria em perigo.

-Nada – resmunguei, me afastando entre a multidão, fugindo das perguntas da minha melhor amiga.

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

Na sala comunal, o perfeito caos se espalhou rapidamente. Todos estavam muito alegres e despreocupados... Os Marotos estavam logo ali, diante da lareira, rindo e rodeados de várias meninas, entre o quinto e o sétimo ano. Alice estava abraçada a Frank com um copo de cerveja amanteigada na mão, quase derrubando tudo no tapete, olhando em volta o tempo todo, provavelmente me procurando. Quando a mim, estava encolhida num canto da sala comunal, atrás de uma reentrância no formato da sala, vendo tudo sem ser vista, sem ser notada.

Sim, talvez se eu fosse falar com Dumbledore... Quem sabe ele tivesse algum lugar onde eu poderia ficar, e também arrumasse um jeito de avisar os meus pais que eu não poderia vê-los por um tempo...

Por um momento, hesitei. O que garantia que eles iriam me atacar tão logo? Eu não havia causado transtornos muito grandes a... A ele, vocês sabem. Além do mais, nem maior de idade eu era ainda. Que importância eu poderia ter?

Não, não, minha outra voz retrucou mentalmente... Eles matavam nascidos trouxas e suas famílias, sem deixar ninguém, apenas por diversão... E por que não uniriam o útil ao agradável? Pois eu realmente não tinha em mente deixá-los em paz dali pra frente. Sim, eu tinha muito medo, mas existem coisas mais importantes do que o medo. E enfrentar os Comensais era uma dessas coisas.

Repentinamente, minha atenção foi atraída para Potter. Ele estava debruçado sobre uma menina do quinto ano, de cabelos castanhos e olhos claros, não sei bem a cor exata; era baixinha e estava sentada no sofá, pendurando-se em cada palavra do que ele dizia... Pensei por um momento se ele não estaria ainda com a Silvertorn, mas me lembrei logo em seguida que namoradas nunca haviam sido um empecilho para Tiago Potter.

Aquelas torturantes ondas de ciúme estavam voltando. Tentei desviar o olhar mas mais uma vez não consegui. A garotinha só faltava puxá-lo de uma vez e acabar com aquela paquera idiota, que estava levando exatamente aonde ela queria... Enquanto aquela minha raiva mórbida voltava e eu tinha vontade de jogar um caldeirão de Poção de Derreter, que era bastante ácida e acabaria com aquele sorrisinho convencido de quem achava que simplesmente podia...

E lá estava Potter então, beijando a menina com toda a paixão que conseguia demonstrar sem termos uma imagem raio-x de dentro da boca dos dois. O beijo não me deu mais raiva, mas me entristeceu mais ainda. Como ele se atrevia?

Pare de pensar besteiras, recriminei a mim mesma, ele não tem nenhuma obrigação de esconder suas garotas de você... Afinal, você conseguiu convencê-lo de que não gostava dele, e aí está o seu Oscar pela maravilhosa atuação...

O que mais doía era que eu podia perfeitamente me refletir naqueles gestos carinhosos dele e naquela forma de beijar, e naquele olhar, e em tudo o mais...

Eu precisava de ar, decidi.

Talvez sair da Grifinória. Talvez dizer que ia fazer uma ronda e aproveitar para falar com Dumbledore. Eu ainda não tinha uma idéia pronta sobre o que fazer, mas sabia que o diretor me ajudaria com isso...

Saí das sombras, de cabeça baixa, ajeitando o distintivo de monitora nas vestes. Caminhei categoricamente até o retrato da Mulher Gorda, quando senti uma mão sobre o meu ombro. Desejei por tudo no mundo que fosse...

-Black! – exclamei, decepcionada, enquanto o retrato da Mulher Gorda girava. – O que você quer...?

-Onde você vai? – questionou ele, com um olhar estranho.

-Você pergunta como se isso fosse da sua conta – retorqui, saindo da sala comunal e me vendo na paz dos corredores, com Black atrás. – Só vou fazer uma ronda.

-Sozinha? – Black ergueu uma sobrancelha. – Se você vai se encontrar com o seu namoradinho, fale logo. O Aluado não tem precisamente nada pra fazer essa noite, então não me venha com idéias de ronda...

-Cale a boca! – exclamei, exasperada. – Eu não vou encontrar ninguém, que droga! É uma ronda o que eu vou fazer sim. Só que eu decidi agora, não quero ficar na festa.

-Hum – fez Black, malicioso, me seguindo. – Entendo. Mas você não pode ir sozinha! Até parece que não viu o quanto os caras da Sonserina estão nervosinhos. Seriam capazes de fazer algumas brincadeiras nada simpáticas com alguém da Grifinória andando sozinho pelos corredores.

-Ah sim, e você vai me proteger – retorqui, irônica.

-É melhor do que ficar sozinha, não acha?

-Não tenha tanta certeza – sibilei. – Inclusive, está me parecendo muito suspeito que de repente você se interesse em saber se eu vou ou não ser atacada pelas cobrinhas estressadas.

-Deveres de melhor amigo – Black suspirou. – O Pontas me mataria se soubesse que aconteceu alguma coisa com...

-Ah, pare de inventar histórias – cortei, com mais mau humor do que pretendera. – Potter não parecia nada desconfortável e nada preocupado comigo enquanto agarrava aquela ninfeta.

Black virou com olhos, com um sorrisinho fino.

-Ela só é um ano mais nova do que você – retrucou ele, entediado. – E permita-me lembrar que foi você quem deu o fora nele.

-E você nem faz idéia dos meus motivos, não é? – parei e praticamente gritei em pleno corredor.

-Se você não tivesse acabado junto daquele cara esquisito da Corvinal vocês já estariam juntos há muito...

-Pare, pare AGORA! – daquela vez eu tinha decididamente gritado.

Foi quando um dos quadros, pendurado a cerca de meia dúzia de passos atrás de nós, acordou e começou a dizer:

-Ei, vocês sabem que horas são? Há quadros querendo descansar aqui!

Nem Black nem eu olhamos pra trás; eu por estar ainda muito incomodada com os assuntos daquele Maroto desgraçado, e Black por estar se divertindo às custas das minhas reações.

-Sabe você devia ser mais sincera consigo mes... – Black repentinamente cortou a si mesmo, dando uma olhada pra trás; sua expressão mudou de uma hora para a outra. – Evans, olhe...

Mas antes que pudesse terminar o que diria, um jato de luz esverdeada o atingiu, e enquanto eu o via caindo desacordado no chão, um jato igual me atingiu, vindo das sombras, e a pouca luz que eu enxergava ali sumiu completamente.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.