A Promessa



Água e Vinho





Capítulo Dezoito - A Promessa






Desviei o olhar de Potter, incomodada.



-Permita-me lembrá-lo, Potter, de que na realidade eu não tenho nenhuma obrigação de ouvir qualquer de suas idiotices que queira me dizer.



Eu tinha me saído muito bem forçando frieza na frase, até que no final em escapou uma tremida no tom que deu mais esperança a ele.



-Não me importa se é sua obrigação ou não. - ele retorquiu. - O que importa é que eu gastei uma verdadeira eternidade criando coragem pra vir falar com você, e não estou disposto a ouvir sua teimosia idiota.



-Você veio até aqui pra me insultar ou pra tentar falar comigo? E aliás, sobre o quê?



Não me odeie. A princípio a idéia central era mesmo não dar oportunidade para que ele tivesse coragem de dirigir a palavra a mim, mas quando ele me segurou pelo braço algo pareceu sair dos eixos dentro de mim e eu me sentia horrível só de imaginar deixá-lo se afastar de novo.



Provavelmente encarando a minha resposta como uma permissão, Potter sentou-se à beira de uma mesinha, ficando diretamente em frente a mim.



-Eu vim falar sobre... Sobre tudo que aconteceu nos últimos tempos. É muita coisa, por isso acho que vou ter que roubar a atenção da monitora da Grifinória por um bom tempo. - concluiu, com um toque de humor negro.



Sentei-me de volta no sofá e cruzei os braços. Se tudo que eu tinha a fazer era ouvir, que ouvisse. Depois só teria que virar as costas e me livraria dele definitivamente.



-Estou esperando. - repliquei, áspera.



-Bem... Você escutou toda aquela discussão que eu tive com o Aluado da última vez. Sabe porque nos distanciamos.



-Sim, eu sei. - retruquei, forçando um tom frio de voz.



-Lílian, apenas me escute - ele me cortou, e eu me encostei com força no sofá, frustrada. - Sendo absolutamente honesto com você, há muito tempo, tanto que nem me lembro quando começou, que eu meio que... proibi o Almofadinhas, o Rabicho e também o Aluado de chegarem perto de você... Do modo como você está pensando. Eles sempre me disseram que não teríamos nenhum problema com isso, que... Ah, você já entendeu. E quando descobri, ou melhor, descobrimos que o Aluado gostava de você, acho que me senti traído...



Bufei, incrédula com a quantidade de absurdos numa história tão curta, mas não falei nada.



-Eu sei que é esquisito, mas sempre tinha sido meio que uma promessa entre nós, os Marotos. Por isso, quando eu soube daquilo, acabei não confiando muito mais no Aluado. Bem, a próxima parte da história o Almofadinhas já te contou. Eu planejei uma vingança, como que querendo fazer o Aluado pagar por ter quebrado na nossa palavra, e como Almofadinhas estava tão indignado quanto eu, me ajudou a atrair o Seboso para baixo do Salgueiro Lutador, lá dentro da Casa dos Gritos, para que ele descobrisse e espalhasse para quem pudesse contar. Agora que eu lembro não sei onde eu estava com a cabeça, apenas conseguia juntar um monte de coisas... Como a traição do Remo, umas provocações irritantes do Seboso e umas conversas que costumávamos ter com o Aluado, dizendo que talvez ele devesse assumir o que era, pra se livrar de tantas desculpas uma semana por mês pra sumir da escola.



Não sei se Potter percebeu que eu estava respirando fundo para não sair quebrando tudo à minha volta. Estava até surpresa por não ter ainda liberado magia suficiente para arrebentar com a janela inteira da sala comunal. Aquela história ridícula...



-O caso foi que então nós realizamos o plano. Lá estava Snape, a caminho de um encontro com um lobisomem adulto. Só que até ali eu apenas tinha pensado nas conseqüências a longo prazo, com o Seboso contando pra todo mundo que nosso amigo era um lobisomem, não tinha me passado pela cabeça que ele poderia não ter sobrevivido ao nosso plano. Quando o Seboso entrou pra baixo da árvore, Almofadinhas começou a se divertir pra valer, me perguntando se deveríamos ajudar ou atrapalhar quando ele saísse correndo de medo.



-Eu estava transformado quando Aluado encontrou o Seboso - Potter continuou, encarando o chão. - Vou confessar que achei o máximo a cara de pavor daquele idiota. Logo então Aluado partiu pra cima dele, e... Eu não sei explicar o que deu em mim depois.



-Juízo? - não consegui me conter.



Potter me olhou seriamente antes de continuar, quase me fazendo sentir vergonha pelo comentário.



-De repente eu pensei em como seriam as coisas para o Aluado se toda Hogwarts soubesse o que ele era... Quero dizer, eu sempre imaginei que isso seria horrível, mas no dia que demorou para que eu e Almofadinhas bolássemos esse plano o modo como eu me sentia traído pareceu pior do que o que ele passaria. Pensei... - ele fez uma pausa, muito longa, como se decidisse se diria alguma parte que não gostava muito. - em um monte de coisas, e então eu pulei na frente do Seboso, antes que pensasse mais e perdesse mais tempo. Então comecei e empurrá-lo para a saída. Claro que Aluado dificultou um pouco o trajeto, principalmente Almofadinhas. O único que não interferiu muito em todo o decorrer das coisas foi o pobre Rabicho, que não tinha gostado do plano desde o começo mas que ainda assim não podia nos impedir. Não com uma ameaça de darmos um jeito de fazê-lo vomitar todas as refeições por uma semana.



Eu estava cada vez mais impressionada, e cada vez sentia mais raiva, e cada vez mais tentava controlar os meus impulsos. Quis odiar Potter por toda aquela sujeira que ele fizera.



-Bom, quando consegui empurrar o Seboso pra fora, imediatamente busquei o Sirius e o fiz correr atrás dele, para que desse um fim naquela história toda. Sei lá como, que usasse um Feitiço de Memória, o ameaçasse ou qualquer outra coisa. Não sei porque não fui eu mesmo. Agi de um modo estranho naquela noite. Mas bem, eu descobri que já era tarde demais. O Almofadinhas me contou como encontrou justamente você e a Alice junto com o Seboso, sendo levados pelo Filch.



Eu permanecia quieta, mas havia uma dezena de coisas que eu queria perguntar. Uma delas, que me parecia ser uma das maiores injustiças, me escapou entre os lábios.



-E posso saber por que andaram fazendo pouco caso do Remo?



Potter franziu as sobrancelhas, confuso.



-Pouco caso? Acho que você viu errado. Precisava ter visto como ele ficou ao saber de tudo que tinha acontecido. Como o tempo todo estivera transformado, não se lembrava de nada, mas teve basicamente a mesma reação que você. Continuou andando junto com a gente, na frente de todo mundo, mas nem oi ele nos falava mais. Começou a ignorar a nossa existência, bem como você fez.



-E sabe de uma coisa, no começo eu até achei isso ridículo, pensei que isso não teria o menor efeito sobre mim. - Potter passou a mão pelos cabelos inconscientemente, e eu respirei fundo de novo. - Mas com o tempo isso ficou quase insuportável, comecei a me sentir horrível! - o tom de voz dele se ergueu então, mas quando alguns segundanistas olharam para ele, controlou-se. - Conversei com Almofadinhas várias vezes, e a única conclusão a que conseguimos chegar era que eu deveria falar com você e contar tudo o que aconteceu.



Tomei fôlego para falar, e meio que por antecipação, Potter baixou a cabeça.



-Potter - murmurei lentamente. - nos últimos tempos você não tem feito nada além de me decepcionar. Eu... Certa vez cogitei a possibilidade de que você pudesse estar finalmente criando cérebro, mas... Ah, o que eu estou dizendo? Você nunca vai mudar. Eu não deveria ter estranhado. Tudo isso era até previsível, vindo de você. O modo como só pensou em você, em SEUS sentimentos, em SUA diversão, mas se esqueceu que existem outras pessoas no mundo!



No fundo, estava chocada comigo mesma. Como pudera deixar escapar que tinha pensado haver alguma esperança para ele? Por acaso havia outra Lílian dentro de mim, totalmente diferente do que eu era?



-Eu sei. - Potter disse, pela primeira vez em vida, num tom humilde de voz. - Você não precisa me acusar de novo de tudo isso. As coisas já estão bastante ruins.



-Portanto, acho que eu gostaria de saber por que resolveu me contar toda essa historinha asquerosa. - falei, forçando frieza de novo.



Só percebi que estava passando dos limites com a minha arrogância quando Potter se levantou, evidentemente de saco cheio; olhou-me de cima, nem um pouco bem humorado.



-Olha aqui, Evans, você pode ter certeza que eu não contei tudo isso pra você apenas pra ouvir você me recriminar como se fosse a minha mãe! Dúzias de garotas de toda Hogwarts dariam um braço para estar no seu lugar. - acrescentou, com um olhar convencido.



Ele voltara a ser o maldito Tiago Potter que eu conhecera desde os meus onze anos. Com aquele, eu sabia lidar muito bem.



-Mas talvez eu deva lhe lembrar, Potter, de que eu não pedi essa situação.



-Evans, eu sinceramente não te entendo! Eu resolvi te dizer tudo aquilo porque não suportava mais que você me ignorasse! - parou de repente, como que se arrependendo do que dissera. - Só que eu me esqueci que você é tão arrogante quanto diz que eu sou, e que preferiria morrer a dar o braço a torcer sobre alguma coisa! Pelo jeito, um Maroto se revelou mais maduro do que a ilustre monitora. -resmungou, por fim.



As palavras dele tiveram seu devido efeito, isso eu garanto, mas na hora eu não compreendi exatamente o que ele estava querendo dizer. Fiquei mais confusa, me levantei.



-Pois é, sou tão arrogante que sei que NUNCA faria com Alice o que você se atreveu a fazer com o Remo! Aliás, já está muito tarde e eu preciso dormir.



-Eu ainda não terminei. - retorquiu Potter, agressivo. - Mas já que você se acha tão dona na verdade, talvez não queira me ouvir.



Olhei em volta. Não restavam muitas pessoas. Apenas dois primeiranistas em frente pa lareira, jogando Snap Explosivo.



-Se for algo rápido, talvez você consiga dizer antes que eu chegue ao dormitório. - falei, já andando em direção ao portal das escadarias.



Às minhas costas, ouvi Potter falar em voz baixa, antes que se impedisse de fazê-lo:



-Eu quero tentar mudar. - disse ele, quase num sussurro, e eu parei de andar imediatamente, ainda que não tenha me virado para trás.



-O que... disse? - perguntei automaticamente.



-Você me ouviu. - ele respondeu, um toque de fúria em sua voz. - Eu quero mudar, mas sozinho até hoje não consegui. Queria que você pelo menos voltasse a brigar comigo. Que pelo menos jogasse uma estátua na minha cabeça.



Lentamente, comecei a me virar. Quando dei por mim, minha voz denunciou como eu estava comovida.



-Quer... mudar? - balbuciei.



-Inferno, quer parar de me fazer repetir tudo que eu digo??



Fiquei calada. Acho que estava olhando de um modo estranho para ele, pois Potter olhou pra mim e mudou a postura agressiva. Aquele Potter estranho, com quem eu não sabia lidar, estava de volta.



-Será um trato. - disse eu, respirando fundo. - Voltaremos ao nosso normal de brigas e insultos se você pedir desculpas para o Remo.



Potter baixou a cabeça e ficou em silêncio.



-Eu já tentei isso. - ele disse. - Mas não deu certo.



-Terá que fazer de novo. É o mínimo que você pode fazer para tentar reparar a cachorrada que você fez com o Remo.



Potter continuou de cabeça baixa e andou alguns passos em minha direção. Eu queria me afastar dele, mas meus pés não saíram do chão.



-Você também vai me impedir de ser o panaca que eu fui nesses tempos.



-Foi o que eu me esforcei para fazer nos últimos seis anos, Potter. Mas você nunca se importou.



-Agora eu me importo, droga.



-Está bem. - falei depressa.- Me desculpe.



Potter riu baixinho.



-Prometo que vai ficar entre nós que Lílian Evans me pediu desculpas. - disse.



Olhei-o severamente, mas com um sorriso no canto dos lábios.



-Acho bom. - falei, mais mansamente do que gostaria ter dito.

E então ele ergueu os olhos. Olhos castanhos que se fixaram bem no fundo dos meus. Foi como se eu estivesse sendo invadida por dentro. Como se ele estivesse lendo todos os meus pensamentos. Ao mesmo tempo, o fogo da lareira parecia refletido nos olhos dele, e seu rosto tinha os contornos mais nítidos do que eu imaginada. Por Merlin, ele estava perto demais.



Mas ainda não parecia satisfeito. Aproximou-se de novo, lentamente, e tocou o meu rosto. Senti que ficava vermelha, vermelha, infinitamente vermelha. Nem queira saber o modo como ele me olhava. Eu mesma não me atrevo a descrever mas... Ele segurou o meu queixo suavemente - eu também não sabia como a mão dele era macia... - e aproximou-o do seu...



Os nossos lábios se tocaram, mas logo então soou um alarme dentro de mim. O que eu estava fazendo? A outra mão dele foi escorregando pelo meu ombro até as minhas costas. Eu estava o beijando? NÃO! Não podia fazer aquilo!



A muito custo consegui me separar dele. Ele abriu os olhos e me olhou, decepcionado, e imediatamente eu desejei apenas voltar pros braços dele.



Pela graça de Merlin, onde eu estava com a cabeça? Dei dois passos pra trás, sem tirar o olhar dele, sem saber o que devia dizer, ou pior, SE devia dizer alguma coisa. Então virei as costas e entrei no dormitório, me segurando nas paredes, perdida, desnorteada. Não olhei pra trás.



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