Amizade



Água e Vinho





Capítulo Dezesseis - Amizade






Com a cabeça latejando, tomei o café da manhã no Salão Principal. Eu estava tão confusa, era como se nada estivesse fazendo sentido... Antigamente, nessas horas eu sempre ia conversar com Alice, mas naquela ocasião, desabafar tudo que eu estava sentindo implicaria numa briga absurda. Ela ficaria furiosa por eu não ter contado nada a ela.



Ao mesmo tempo, ela também não me contava mais cada suspiro seu, como era antes, nos tempos em que ela saiu com Black. Eu não a culpava. Sabia que andava muito distante e que, mesmo que eu tenha discordado da minha mãe nas férias de verão, eu realmente tinha voltado pra Hogwarts diferente naquele ano. Eu sempre soube dessas tais organizações de Comensais da Morte, mas nunca tinha me dado conta da ameaça que realmente eram. E, como monitora da Grifinória, eu devia me manter atenta, ainda mais agora que Lúcio Malfoy iria ser pego e obviamente iria tramar alguma vingança, contra mim e contra... Potter. Eu não podia contar com Remo, afinal ele tinha seus próprios problemas naquela época do mês, e eu não tinha o direito de importuná-lo. Ele talvez nem saiba que eu fui atacada enquanto ele se transformava sob o Salgueiro Lutador, não sei se Potter chegou a contar a ele.



Não sei no que andava meu pensamento pra não ter prestado atenção quando uma coruja trouxe um cartão para Alice, que ainda se sentava comigo nas refeições. Um pedaço de papel decorado, cheio de enfeites, que eu não pude deixar de estranhar.



-Alice, o que é isso? - perguntei. - Recebendo cartas de admiradores?



Ela me olhou, indignada. Eu devia ter andado distante mesmo; pela cara dela, eu deveria saber do que aquilo se tratava.



-Lílian, não seja ridícula - ela disse. - Eu te contei anteontem que o Frank me beijou, esqueceu?



Minhas entranhas reviraram. Como eu podia não ter ouvido quando ela me contou isso? Justamente eu, que torcera tanto para que Frank conseguisse ficar com Alice... Eu sou uma grande retardada!



-Uau... - disfarcei. - Eu não sabia que isso já jogava vocês dois na fase dos cartões de amor...



-Mas eu te disse que ele se declarou pra mim! E que ele é tão fofo... E que eu acho que estou apaixonada por ele... Lílian, ONDE você estava quando eu estava falando tudo isso?



Negligência com as histórias da amiga? Isso é falta grave no código da amizade! Como eu pude fazer isso?



Repentinamente, me veio à memória quando, dois dias atrás, nós estivemos fazendo os deveres de Transformações e Alice não parava de falar um só momento, até que eu desisti de prestar atenção porque só tinha escrito três centímetros da minha redação. Que espécie de monstra insensível eu sou?



Ela me olhava, furiosa.



-Você não estava ouvindo uma palavra! - acusou.



Baixei a cabeça para o meu prato, tirando uma mecha de cabelo do rosto.



-Me desculpe. - falei, humildemente, aproveitando que nenhum dos Marotos estava por perto para me ver.



-Desculpe? - Alice repetiu, incrédula. - Lílian Evans, o que anda acontecendo com você este ano? Você parece estar sempre a quilômetros de distância quando conversamos!



-Não é nada, Alice... - tentei mentir, mas, é claro, as palavras soaram falsas até pra mim.



-Por que você não quer me dizer?



Era uma história tão comprida... Tanta coisa que não fazia sentido na minha cabeça... O sorriso de Potter refletia na minha cabeça, depois Malfoy me erguendo no ar e rindo de mim, a prof.ª McGonagall falando que iria tomar medidas...



Falando nisso, não sei bem se imaginei coisas, mas Malfoy chegou atrasado ao café naquele dia, e olhando pra mim do pior jeito que vocês podem imaginar. Era melhor eu me manter bem segura e bem à vista dos professores por uns tempos.



Bem, Malfoy me distraiu e eu estava fazendo de novo. Alice estava brigando comigo e eu não estava prestando atenção.



-Alice - a interrompi de repente. - Está bem, vou contar tudo a você. Mas pode ser depois das aulas? Já está na hora...



Ela pareceu um pouco mais satisfeita, mas continuou me olhando furiosa. Suspeito que seja por isso que ela derrubou purê de batatas na minha blusa.



*-*-*-*-*-*-*-*



Tomei o cuidado de me manter bem longe dos Marotos e dos sonserinos durante todo o dia. Malfoy não apareceu na aula que tinha em comum com a Grifinória. Preferi não pensar no que poderia estar acontecendo. De noitinha, eu estava sentada no sofá da sala comunal, tentando ler um pouco, quando o retrato girou e entraram Frank e Alice, de mãos dadas. Fiquei feliz por Frank, mas ainda assim meu humor estava longe de melhorar.



-Namorados? - perguntei meramente.



Alice sorriu e Frank assentiu com a cabeça.



-Eu queria ter ajudado de verdade - falei. - Acho que devo desculpas aos dois por não ter feito o que devia.



-Ora Lílian, não importa - Frank sorria feito bobo. - Lembra-se daquela vez em que você sumiu e me deixou sentado com a Alice na frente da lareira?



Confirmei tristemente. Ao menos disso eu me lembrava.



-Bom, foi quando eu criei coragem pra pedir pra sair com ela. - ele contou, com um braço por cima dos ombros da minha amiga. - De certa forma, sim, você nos ajudou.



-Mas agora - Alice disse seriamente, olhando pra mim. - Lílian me disse hoje de manhã que tinha algumas coisas para contar. Você não vai ficar bravo comigo, vai, Frank?



O outro sorriu, disse que não havia problema algum e foi saindo. Quando chegou no portal para o dormitório masculino, pareceu ter batido em alguma coisa e foi impulsionado para trás.



-Mas o que diabos foi isso? - ele perguntou, assustado.



Óbvio que eu sabia o que era. Potter, Black e Pettigrew estavam ali, sob a maldita Capa da Invisibilidade. Estavam indo fazer companhia a Remo...



Frank girou os braços em volta, e um ligeiro barulho de panos deu pra ser ouvido. Alice também estava estranhando muito a situação.



-Mas o que...



-Tem certeza que não tropeçou, Frank? - perguntei em voz alta, tentando encobrir o barulho do pano. - Porque os alunos do primeiro ano andaram largando algumas armadilhas invisíveis por aí... Estou tendo um trabalhão pra recolher todos.



Sabia que os três deviam estar me olhando espantados. Frank me olhou, considerando o que eu dissera. Devia ter tropeçado no pé de Pettigrew, o mais desajeitado, se estava acreditando em mim.



Quando ele saiu, tomei o cuidado de fazer Alice se sentar de costas para a saída, torcendo para que não fizessem muito barulho ao sair. Enquanto o retrato girava, comecei a falar que muitas coisas andavam esquisitas nos últimos tempos, que eram como peças de quebra cabeça que não se encaixavam... Quando o retrato se fechou e eu finalmente continuei a falar.



Omiti os dois beijos. Achei que não eram relevantes. Ela entenderia se eu estivesse confusa só por ele não me deixar em paz um só segundo. Mas tive que contar todos os detalhes do trouxa morto que encontramos nas férias. Depois, quando chegou a hora de dizer que Remo era um lobisomem, pensei duas vezes. Ele talvez não quisesse que eu saísse espalhando seu segredo tão bem guardado para todas as minhas amigas.



Mas Alice estava me olhando com o rosto mais compreensivo do mundo; ela sempre mudava quando me ouvia, e me fazia sentir um peso na consciência por não ter o mesmo dom.



-Lily... Acho que quem tem que se desculpar sou eu... - ela disse. - Eu não sabia que o que estava acontecendo era tão sério... Foram você e o Remo que descobriram essas reuniões de Comensais...



-Não, Alice - insisti. - Eu devia ter te contado desde o começo. Você é minha melhor amiga e merece isso... Mas eu ainda não terminei...



Ela continuava me olhando com aquela cara de "vamos lá, Lily, vou guardar qualquer segredo que você queira me contar..." e quando dei por mim, estava contando sobre noite passada. Sobre como eu brigara com Potter na ala hospitalar e sobre como ao chegar na sala comunal dera de cara com Black, Remo e Pettigrew.



O relógio devia estar marcando umas nove e meia quando cheguei na parte em que Potter me deixava no Salão Principal, dizendo que a enfermeira o mataria quando visse que ele não estava mais lá.



Baixei a cabeça ao terminar. Fui até a janela, como se olhar Alice nos olhos me fizesse sentir pior ainda.



-Então era isso... TUDO isso... - ela murmurava. De repente se levantou e olhou pra mim. - Pode contar comigo, Lily. Logo a escola toda vai saber quem são os Comensais e você vai correr muito perigo por ter sido quem os denunciou... Vou ajudar você, ouviu bem? Não sei direito no quê; mas duas varinhas se defendem melhor do que uma, não?



Um segundo depois, nós estávamos abraçadas.



Três segundos depois, eu me virei para a janela e vi um vulto correndo desesperado nos jardins.



-O que é aquilo? - Alice obviamente também o notara.



-Vamos até lá. - eu disse.



-Já deu a nossa hora... - ela murmurou, confusa.



-Alice, querida - eu falei, segurando o meu distintivo. - Eu sou monitora. Se há um aluno em perigo, eu posso estar lá.



*-*-*-*-*-*-*-*



Corremos feito doidas pelos corredores até o Salão Principal. Alice empurrou os portões pesados e logo chegamos aos jardins. Acendi a varinha e nós vimos quem estava correndo na nossa direção.



Snape. Com as vestes rasgadas e a varinha cheia de arranhões compridos, suado e à beira do pânico.



-Evans! - ele gritou ao me ver, como se enxergasse um fantasma. - O que faz aqui...?



-EU sou monitora e vi um maluco correndo pelos jardins. - eu disse, impondo autoridade. - Acho que é você quem tem que responder essa pergunta.



-Lupin! - ele exclamava sem fôlego. Acho que o susto o fizera esquecer de me tratar como escória. - Ele é um lobisomem!



Ouvi Alice soltar uma exclamação, não de surpresa, mas de tristeza. Se Snape tinha descoberto, estávamos perdidas. Hogwarts inteira estaria sabendo de manhã. Tentei manter a calma.



-E daí?



-E DAÍ?- repetiu Snape, parecendo à beira da loucura. - Temos um monstro assassino estudando em Hogwarts e você diz E DAÍ?? Vou falar com o diretor imediatamente! Ele é uma ameaça! Quase me matou!



-E se importa se eu perguntar, Snape - eu falei, a voz irônica. - O que estava fazendo às voltas do Salgueiro Lutador a essa hora da noite?



Em sua raiva, ele gaguejou por um momento.



-Isso... Isso não é da sua conta, sangue ruim! - ah, estava demorando. - Lupin tem que ser expulso!



Ia passando, mas eu o segurei.



-Me solte, sua trouxa imunda! - ele gritou, sua voz ecoando no Hall de Entrada.



-Cale a boca! Está querendo que o Filch te pegue aqui?



-Quem você não quer que os pegue, menina?



Na pior hora possível, eu me virei e a luz da minha varinha caiu sobre o rosto horroroso de Filch, o zelador. Parecia um monstro com aquela luz baixa, e ainda à noite. Tomei um susto e recuei.



-Parece que realmente vocês vão conversar com o diretor. - ele disse, com um sorrisinho. Sorriso esse que era um péssimo agouro, para nós três. - Venham comigo.



Daquela vez, nós estávamos encrencados de verdade.


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