O Nome dela é Hermione



Hermione colocou-se a caminhar na frente de Rabbit sem ao menor saber que caminho seguir até chegar ao tal Acampamento Xadrez. Seria difícil tentar seguir apenas as indicações dos animais, já que ela nunca prestara atenção em animais que não se pareciam com gatos ou corujas. E nesses casos, ela sempre tinha algumas suposições quanto às respostas deles. Ela decidiu diminuir o passo e deixar que Rabbit assumisse a dianteira novamente, sem dizer uma só palavra.


Porque ela rejeitara o rapaz daquele jeito? Apenas porque seus pensamentos eram teimosos o suficiente para levá-la de volta àquela noite com Draco, não queria dizer que ela devia afastar Rabbit e correr sem nem saber que caminho seguir. Ele caminhava silencioso ao seu lado, lançando-lhe olhares de esguelha, altamente curiosos. Os pássaros continuavam piando e se ela ficasse muito quieta, poderia escutar sons que apenas pessoas faziam. Como eles seriam?


- Hermione? – Chamou Rabbit com a voz muito baixa, afastando o pensamento de Hermione dos rebeldes no tal acampamento. Ela o olhou, respondendo ao chamado sem usar a voz, que falharia, com certeza. – Está tudo bem? Você pulou em pé de um jeito estranho, até mesmo para uma humana. – Ela sacudiu a cabeça em confirmação, ainda sem falar. Sua confirmação não foi suficiente, então ele continuou: - É culpa da minha aparência, não é? É porque eu pareço com o seu garoto?


- Draco Malfoy não é meu garoto, Rabbit! – Ela rebateu, grunhindo com a voz fraca. Ele realmente não era seu garoto, muito menos nada seu. – Não entendo como ele entrou na nossa conversa.


- Nós ao menos estávamos conversando. – Rabbit rebateu, apertando as sobrancelhas. – Você não estava conversando.


Hermione mordiscou o lábio inferior, pensando profundamente em algo para dizer. Porém, não lhe ocorria nada, que não a verdade. A verdade vergonhosa para a sangue ruim atraída pelo sonserino arrogante. Rabbit observava o rosto dela, esperando pela resposta pacientemente. Agora os barulhos humanos eram mais audíveis e eles quase conseguiam enxergar as luzes.


- É esse lugar que está mexendo comigo. – Ela começou, parando de andar. Se fosse analisar a velocidade com que eles andavam e a quantidade de coisas que ela queria e tinha para dizer, terminaria quando os dois estivessem dentro do tal lugar. Preferia parar e conversar tranquilamente.


- Só o lugar?


- E essa semelhança maluca que você tem com ele. Eu me sinto atraída por você, principalmente porque você parece com ele. – Ela respondeu sincera. – Porém, existe um outro lado. Você tem expressões, usa certos tons de voz e se mexe de um jeito que ele nunca faria, nem em mil anos. Se eu tentar resumir alguma coisa, você seria uma mistura perfeita do que eu acho essencial.


Ela disse tudo muito rápido, sem parar para respirar nenhuma vez, usando as mãos para ilustrar coisas que não tinham ilustrações. Hermione hesitou em olhar para cima e ver a expressão no rosto dele, por isso decidiu continuar a falar. Era melhor que fosse completamente sincera com ele e expusesse seus motivos. Fora ele quem pedira.


- Eu me sinto muito atraída por você. – Ela continuou com os olhos baixos, guardando as mãos nos bolsos do casaco. – E quando eu digo muito, quero dizer muito mesmo. E não é só porque você parece com Draco, mas porque é diferente dele também, mas começou porque você é igual a ele. – Ela apertou as sobrancelhas, lutando para entender o que ela mesma quisera dizer. – Ah, você entendeu!


Ela virou-se para continuar andando, sem se preocupar em esperar por Rabbit para lhe dar a direção certa, já que agora ela conseguia enxergar muito bem onde ficava ao Acampamento Xadrez. Um novo som foi chegando aos seus ouvidos, agora que os animais e os pássaros pararam de soprar o caminho nos ouvidos do acostumado morador do País das Maravilhas. Era um som que remetia a movimento, a lentidão e a força. Um som que ela não ouvia desde sua última viagem à França, três anos antes.


- O Acampamento fica no litoral? – Ela perguntou, surpresa, com um sorriso ganhando seu rosto e um calor invadindo seu peito. Hermione gostava do mar, gostava de como as ondas batiam nas pedras com sofreguidão e amor ao mesmo tempo. Era uma pena que morasse em uma grande metrópole e apenas tivesse contato com o oceano quando se via em uma viagem.


- Metade dele fica na praia, mais especificamente. – Rabbit respondeu.


Ele apertou o passo, quase correndo para alcançá-la. A menina havia avançado um bom pedaço sem se dar conta, mas seus pés a estavam levando na direção do som do oceano e não da entrada pouco iluminada do Acampamento Xadrez. Era possível se notar o quão animada ela estava. O sorriso quase desaparecia com seu rosto.


- Podemos ver? – Ela pediu, dando pulinhos exageradamente singelos.


Rabbit confirmou com a cabeça, pondo-se ao lado dela, apontando para uma fenda que possibilitava que os dois vissem uma saída daquela floresta. A areia da praia seria visível em pouco tempo, quase tempo demais para uma mente tão animada quanto a de Hermione. Ela andava mais rápido, tropeçando sem se importar em alguns galhos sobressalentes. O rapaz sorria consigo mesmo, uma Flos não seria tão animada quanto ela com coisas tão triviais. As mãos dela estavam se chocando uma com a outra quando ela derrubou a barreira imaginária entre a imensidão do oceano e a imprevisível floresta.


- Por Merlin... – Ela sussurrou, ao colocar os pés na areia branca e muito quente. Agora, longe da floresta, Hermione quase conseguia sentir uma espécie de calor inocente que tomava seus pés, subindo demoradamente por suas pernas. – É lindo!


Realmente, era lindo mesmo. A areia era prateada, tingida pela luz cinzenta mandada pela lua enorme no céu, mas mesmo que a lua não estivesse raiando, Hermione tinha certeza de que a cor da areia seria diferente daquela que ela conhecia. O barulho do mar era exatamente como ela lembrava: Suave, mas pesado. As ondas faziam o mesmo barulho que as ondas do oceano humano, mas o movimento delas era muito mais lento, como se o vento não influenciasse em nada.


Ela ergueu os olhos, andando mais em frente. A água provavelmente estaria gelada, mas ela tinha os olhos grudados na imensidão de estrelas que brilhavam sobre si. Existiam mais estrelas do que no céu da Inglaterra e muito mais brilho. Ela conseguia enxergar perfeitamente os traços do rosto impressionado de Rabbit, que agora a observava. Ele sorria, como quem via uma criança realizada.


- Eu me empolguei. – Ela deduziu, colocando as mãos nos bolsos e se afastando da água. O movimento a deixava hipnotizada. – Eu vejo poucas coisas assim.


- Eu também.


- Você vive aqui. – Ela apertou as sobrancelhas.


- O que não quer dizer que eu vá sempre ao oceano sem fim.


- Ele não tem fim?


- Aparentemente. – Ele constatou, apontando para o horizonte. Não havia nada mesmo, o que não queria dizer nada, afinal do litoral oeste da Inglaterra não era possível se enxergar os Estados Unidos.


- Esse lugar pode ser uma ilha. – Hermione brincou, andando mais para perto dela, fazendo menção de finalmente adentrar no Acampamento, mas ele não se mexeu.


- Alguém teria nos achado. – Ele disse, encarando sem ver o oceano sem fim.


- Humanos erram.


- Eu não posso concordar com você. – Ele sorriu, virando o rosto para o dela, que o olhava com os olhos erguidos e apreensivos. – Nunca conheci mais do que um humano. Ou melhor, uma humana.


- E os acordos com os humanos? – Hermione perguntou, confusa. Ele havia conversado e conhecido com vários humanos, por conta das pedras preciosas.


- Nunca tentei fazer acordo algum.


Hermione ergueu as sobrancelhas, enquanto seu queixo caía apenas um pouquinho. Não o suficiente para fazê-la parecer um animal com fome, mas o bastante para que Rabbit percebesse que ela estava chocada. Como ele conseguia se arriscar tanto? Depois de segundos naquela expressão desagradável, ela se sentiu a vontade para sorrir, achando uma graça no fundo da confissão dele.


- Você é maluco.


- Você não sabe o que é ser maluco até conversar com a Cheshire. – Ele brincou, recomeçando a andar na direção contrária ao mar, passando gentilmente o braço pelo ombro de Hermione. Não parecia haver mais nenhuma intenção naquele ato, apenas uma camaradagem muito bem escondida.


- Ah, eu sei sim. – Ela rebateu, lembrando-se da conversa com a garota lunática vestindo listras que parecia muito Luna. Isso elas tinham em comum, a insanidade em alto grau. – Eu a conheci. E, na verdade, convivo com alguém exatamente como ela.


- Fala sério? – Ele perguntou, mexendo os pés numa velocidade muito lenta se comparada com a que ele usava na floresta. Apenas andava mais lentamente porque agora tinha seu braço envolvendo os ombros da garota.


- Na verdade, ainda espero encontrar mais pessoas com rostos parecidos com os que eu conheço por aqui. – Ela confidenciou. – Você, Cheshire e até o Valete não tem rostos com feições estranhas para mim. Aposto que a Rainha Branca vai ter o rosto da Gina. – Ela refletiu, rindo para si mesma. – Ela é ruiva?


- Loira. – Ele agora andava mais lentamente, quase contando seus passos, guiando a garota, que já não precisava ser guiada, pois o acampamento era cada vez mais visível em tamanho real por seus olhos. – Você não prefere as loiras? – Ele brincou, erguendo os cantos da boca com certa hesitação.


- Os loiros. – Ela disse com a voz contida, desvencilhando-se do abraço dele e apertando o passo para que chegasse ao acampamento, mais do que visível, antes dele. Ela tinha muito bem ter se referido a Draco, mas uma segunda intenção brotou daquelas palavras. Uma intenção que talvez nem ela mesma tenha percebido, mas aquela frase poderia muito bem ter se referido a Rabbit também.


O acampamento não era nada mais do que um amontoado de barracas feitas de um tecido encardido erguidas sobre hastes de madeira ou penduradas nos galhos das árvores, caindo soltas até o chão. Uma pequena porção de barracas parecia serem barracas mesmo, feita de tecidos mais grossos que não pareciam um lençol velho e erguidas sobre hastes fortes de metal. Era uma porção muito pequena, já que Hermione apenas conseguira notar duas delas na visão que tinha do enorme acampamento. Uma delas deveria pertencer à Rainha Branca.


Não havia movimento e indícios de pessoas em lugar nenhum do acampamento. Talvez já fosse muito tarde, contando que ela nem ao menos sabia a que horas era costumeiro dormir no País das Maravilhas. Rabbit a alcançou antes que ela entrasse no emaranhado de barracas que era o acampamento. Podia se ver, ao longe, uma grande faixa de fumaça subindo aos céus, onde deveria ter sido uma fogueira mais cedo.


- Grande exército. – Hermione comentou, encarando as barracas, enquanto passava por elas, em silêncio, rumando para a fumaça que deveria ser o centro do acampamento, se seguisse à lógica de acampamentos.


- Nem todas essas barracas pertencem aos rebeldes ativos contra a Rainha de Copas. – Rabbit cochichou, andando mais perto dela, mas sem tocá-la novamente. – Pode-se dizer que o Acampamento Xadrez é um campo de refugiados. Eles não têm mais onde morar.


A menina engoliu em seco. Agora ela conseguia enxergar com seus próprios olhos até onde alguém podia chegar em busca de poder. Pela primeira vez, desde que entrara no País das Maravilhas, Hermione conseguiu entender que aquilo não era uma brincadeira e que as pessoas precisavam mesmo de ajuda. Ela poderia apostar qualquer coisa que havia crianças e pessoas que não conseguiam se defender sozinhos naquelas barracas. Por um pequeno instante, parecia que seu coração parara de bater.


Rabbit não disse mais nada depois da frase esclarecedora. Ao chegar ao centro do acampamento, ele se viu obrigado a não focar seu olhar nos vestígios de lágrimas que a menina forasteira fazia questão de ignorar. O rosto dela tinha uma aparência fragilizada e a ponta de seu nariz estava avermelhada, uma triste marca do choro. Ele virou-se para uma das barracas erguidas em hastes de metal, sussurrando:


- Rainha Branca? – As palavras foram ditas em uma voz muito baixa, porém alguém dentro daquela barraca pareceu o ter ouvido, pois um barulho morno e baixo, porém muito rápido, foi seguido do aparecimento de um corpo esguio e dotado de um ar majestoso que não parecia poder pertencer a mais ninguém que não fosse aquele corpo. – Rainha Branca – Rabbit fez uma reverência, apontando para a humana. – Essa é Hermione Granger.


A Rainha Branca não tinha nenhum traço ou feição que Hermione esperasse ver naquela que deveria ser seu conforto e a esperança do povo do País das Maravilhas. Sem variação alguma, ela estava certa em achar que a Rainha teria um rosto conhecido por ela, mas aquele rosto não pertencia à Gina. A bruxa apertou os olhos, demorando a conseguir fazer à mesma reverência que Rabbit fizera quando percebeu os olhos profundos e sorriso frouxo nas linhas faciais de Lilá Brown.


- Seja bem vinda. – A garota lhe desejou.


Ela era um tanto jovem demais para ter a pretensão de se tornar a governante do Reino xadrez com seus cabelos presos em um rabo de cavalo e usando os jeans e camiseta mais atuais e juvenis que Hermione jamais imaginara encontrar no País das Maravilhas. A Rainha chegou mais perto dela, analisando sem intenção alguma a humana. Os olhos de um azul profundo projetavam a esperança que o povo precisava.


Agora que olhava a garota pouco mais alta do que ela, se mexendo com uma delicadeza inumana e projetando aquele olhar esperançoso e cheio de confiança contra o pessimismo de Hermione, estava claro que a Rainha Branca chegaria ao seu objetivo principal.

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