A Fase Colorida
O som metálico não era apenas um ruído agora. As espadas em colisão com escudos, com os corpos alheios e principalmente com outras espadas era ensurdecedor e ainda mais apavorante do que Hermione imaginara. Algo havia dado errado, isso era claro de se perceber enquanto os dois rebeldes tentavam escapar dos golpes provocados pelos soldados já suados e alguns muito machucados. Eles não deviam ter desaparatado no pátio. A cena era um verdadeiro caos e o chão, anteriormente bem cuidado do pátio do palácio, agora se tingia de vermelho, como numa visão macabra. Como na visão que a bruxa tivera.
- Venha! - Gritou Rabbit, puxando-a para debaixo de uma marquise, onde conseguiram se esconder atrás de um punhado de feno. Ali, provavelmente era um ponto de parada para cavalos, mas agora os únicos movimentos e vozes que se podiam notar eram os presentes na batalha. Hermione mantinha os olhos arregalados sem perceber. - Como você nos trouxe para cá?!
Rabbit estava apavorado, tanto com a visão que tinha da batalha quanto e principalmente com a habilidade de Hermione de poder levá-los até o pátio sem precisarem mover os pés. Ao longe, ele conseguia reconhecer algumas das faces dos guerreiros. Alguns eram seus amigos, como Dodô e Caterpillar, que lutavam ao mesmo tempo com dois soldados do Reino de Copas cada um. O rapaz baforava exausto, quase sem conseguir aguentar-se mais em seus próprios pés, mas Caterpillar ainda dançava manejando a espada, sem parecer nem um pouco cansada.
- Temos que ajudá-los! - Rabbit estourou, ignorando a pergunta que ele mesmo fizera, assim ignorando também a resposta que a bruxa daria. Ora, o que importava mais no momento do que ajudar seus amigos e seus conhecidos? O exército xadrez estava precisando deles.
- Calma, Rabbit! - Ela o segurou pelos braços, puxando-o para baixo. Hermione tinha a coroa pendurada no cinto dos jeans e agora preparava a varinha, apontando em frente. Não poderiam enfrentar qualquer pedaço daquela batalha sem o mínimo de proteção. - Accio! - Ela murmurou, puxando até eles as armaduras de alguns soldados do Reino de Copas que jaziam desmaiados no chão do pátio.
Rabbit ainda encarava a mágica com olhos arregalados, mas não conseguia proferir mais nenhuma pergunta e muito menos pedir informações. Seu coração pulsava e ele precisava ajudar seus amigos. Os dois vestiram as armaduras, sentindo o peso extra levar seu corpo para baixo, porém antes que eles conseguissem se acostumar com o peso, Rabbit disparou para a cena de batalha, caçando em seu caminho a espada de um soldado que caía ao chão, derrubando mais dois enquanto acabava com a distância entre ele, Dodô e uma Caterpillar que avançava na batalha, encontrando-se cada vez mais longe de Rabbit.
- Ei, espera! - Ela gritou, mas já era tarde e ele já havia atravessado a multidão, atingindo com gosto os dois soldados que seu amigo enfrentara. Era nobre. Com certeza, uma atitude louvável, mas era arriscado. Muito arriscado, ela frizou dentro de si mesma, respirando fundo ao considerar pela segunda vez levantar-se de onde estava e entrar naquela batalha.
O que estava acontecendo com ela? Estava com medo? A garota que enfrentara comensais da morte estava com medo de adentrar naquela batalha simples, que apenas contava com armas de metal? Ela era uma bruxa, poderia paralisar tudo aquilo, arrancar a cabeça da Rainha de Copas e fazer da Rainha Branca soberana com apenas dois toques de sua varinha. Mas algo a impedia... E ela tinha certeza de que esse 'algo', se chamava medo.
Ela abaixou-se mais um pouco, apenas para sentir pela última vez naquela tarde o prazer de se esconder e estar segura de qualquer investida. Abaixou-se apertando o corpo contra a armadura pesada, causando a maldita incomodação ardida em seu tronco. Dessa vez ela não pode apertá-lo com as mãos, então apenas apertou o corpo mais fortemente. Levantou os olhos, conseguindo enxergar, por sobre o monte de feno, Rabbit e Dodô investirem contra vários soldados ao mesmo tempo.
- Uau! - Ela sussurrou, erguendo-se detrás do feno e caminhando decidida para onde sabia que seria vista e atacada. Os cabelos estavam presos e os tênis bem amarrados. A varinha estava em punho pronta para ser usada e os feitiços de defesa e ataque começavam a fazer sua língua coçar. Ela não sabia exatamente o que fazer, mas abrir caminho até Rabbit e Dodô parecia um ótimo começo.
Já nos primeiros passos que dera, conseguira desacordar um soldado, degladiando com outros dois que conseguiram escapar de seus feitiços por pura sorte. Ela conseguiu desviar das espadas, caindo ao chão e levantando-se logo em seguida, atingindo um deles com um estupefaça. O outro parecia esperá-la e quando finalmente ganhou sua atenção, a varinha já estava pronta e o feitiço saía de sua boca. Não foi preciso mais de um segundo para que o soldado fosse derrubado com outro estupefaça, assim como o soldado anterior.
Hermione conseguiu correr até Rabbit e Dodô sem encontrar mais nenhum soldado disposto a lhe atacar. Podia ser só o ataque momentâneo de adrenalina em seu corpo, mas ela tinha a forte impressão de ver os soldados se afastarem ou olharem para outro lado quando ela se aproximava. Adoro magia, ela quase podia ver-se dando gritinhos de felicidade. Mesmo estando no meio de uma batalha muito diferente das que estava acostumada, estava feliz por ter um meio de combater os soldados sem precisar arriscar mais ainda seu pescoço. Estava feliz em não precisar ter de manusear uma espada.
- E toda aquela conversa de precisar aprender a se defender com os punhos? - Dodô brincou, puxando-a para fora do caminho de uma espada quando ela chegou mais perto. Ele ergueu sua própria, jogando a garota para trás de si e atingindo o soldado na clavícula.
- Você não precisa me jogar para longe! - Ela ralhou, apontando a varinha na direção de alguns soldados que chegavam perto deles. - Estupefaça! - gritou, derrubando alguns deles enquanto Dodô e Rabbit partiam com suas espadas para cima dos que restaram.
- Admita que você apenas queria ficar ao meu lado. - Dodô brincou mais uma vez, piscando os olhos na direção dela. Hermione riu, mesmo tendo de se abaixar para escapar dos golpes de um soldado desavisado que partiu para cima dela sem notar o poder que emanava de sua varinha.
Mesmo abaixando-se, a espada cortou-lhe o braço, fazendo com que a varinha caísse a seus pés e que sangue escorresse com vontade pelo corte. Hermione desequilibrou-se e caiu de joelhos, apertando o corte com a mão. O soldado ergueu a espada novamente, mirando diretamente em sua cabeça. A varinha estava a centímetros de distância e ela tinha a vantagem de aquele soldado ser um homem que não usava uma armadura completa. No intervalo de um segundo, ela caiu de costas propositalmente, ergueu um dos pés e atingiu em cheio a virilha do homem.
- Isso é golpe baixo! - Ela ouviu a voz de Rabbit ralhar com um sorriso no rosto.
O soldado caiu aos pés da bruxa contorcendo o rosto pela dor que sentia na virilha. Sua espada estava caída ao seu lado, mas Hermione não se importou com ela, já que erguera a própria arma do chão e apontava para o homem, desacordando-o. Ela virou a cabeça na direção dos outros soldados, conseguindo capturar o momento em um segundo que conseguiu permanecer longe das espadas que desciam cortando próximas às suas orelhas.
Dodô agora estava mais afastado dela, assim como rabbit. Ela pode perceber naquele mínimo segundo, que todo o treinamento a que Hatter submetia o Exército Xadrez, realmente servia para alguma coisa. Hermione não poderia contar o numero exato, mas podia chutar que havia, pelo menos, dez soldados do Reino de Copas para cada um do Exército Xadrez. Hatter também parecia ensinar uma espécie de dança, pois os movimentos eram coordenados, parecidos e muito precisos. Os guerreiros mexiam os braços e dobravam os pescoços nos momentos exatos.
Rabbit conseguiu desvencilhar-se de alguns soldados e correu até onde Hermione estava. Ele estava muito cansado, suava muito e tinha os cabelos colados em seu rosto. Era de se admirar que ainda estivesse em pé e que houvesse apenas pequenos arranhões e pontos arroxeados em sua pele. Ele correu, tropeçando em alguns corpos desacordados de soldados que Hermione havia derrubado.
- Eles estão mortos? – Ele perguntou, tremendo.
- Desacordados. – Ela quase gritou em resposta, empurrando o corpo dele para que pudesse atingir um por um do grupo de soldados que vinham na direção deles, gritando desvairados. – A essa altura, eles já deviam ter parado de lutar!
- Porque diz isso? – O loiro encostou-se em uma parede atrás deles, descendo as costas até o chão, respirando rápida e profundamente.
- Porque eles já deviam estar com medo de mim!
- Porque eles deviam ter medo de você? – Rabbit perguntou, fingindo não entender. – Você é apenas uma intrusa no País das Maravilhas carregando um pedaço de madeira que emite luz.
- E que se emitir uma luz verde poderia matá-los!
- Você se preocupa demais com detalhes – Ele ralhou sem ter razão para aquilo, levantando-se e assoviando para Dodô. O outro ergueu a espada, atingindo a cabeça de um soldado que caíra imediatamente ao chão. – Venha lutar de verdade, é divertido.
- Eu prefiro desacordar as pessoas. – Ela resmungou, andando atrás dele, lançando mais alguns estupefaças pelo caminho. Ao redor dela acumulavam-se os corpos desacordados dos soldados do Reino de Copas.
- Mas essas pessoas não são apenas capazes de desacordar você.
- Eu também não sou apenas capaz de desacordá-los! – Ela brigou, parando na metade do caminho e erguendo uma espada nas mãos, guardando a varinha no bolso traseiro das calças. Sentiu-se verdadeiramente magoada pelas palavras dele. Desde quando Hermione Granger não era capaz de fazer alguma coisa?
A espada era leve, de lâmina muito fina, diferente daquela que Dodô carregara durante o treinamento. Hermione tentou seguir alguns dos movimentos que os dois faziam, espelhando-se também em Catterpilar, já do outro lado do pátio. Hermione travava movimentos incertos e erráticos com a espada, mas conseguiu ferir alguns soldados.
- Isso não é certo! – Ela reclamou, empunhando a espada sobre a cabeça ao travar uma luta desengonçada com um soldado. O homem tinha a testa lustrosa pelo suor e a respiração acelerada, mas ainda assim mantinha-se firme destilando golpes precisos contra os movimentos desastrosos da humana.
Àquela altura, eles já haviam se deslocado quase ao centro do pátio, afastando-se cada vez mais dos muros onde antes podiam encostaram-se. Assim como ela, Dodô e Rabbit enfrentavam com dificuldade apenas um soldado. Hermione não saberia responder se suas habilidades mágicas sendo largadas com o estupefaça haviam ajudado, mas o número de soldados do Reino de Copas ainda em pé era menor.
Seu corpo reclamava, tanto pela respiração ainda mais curta e barulhenta, quanto pelos músculos que demoravam a responder. Por conta de seus movimentos por vezes mais lentos, ela ganhou mais dois cortes nos braços e alguns prováveis hematomas nas pernas. Seu tronco, como anteriormente, reclama alto, porém sem atrapalhar seu desempenho. Os cabelos haviam se desamarrado e voavam rebeldes e armados.
- Já chega! – Ela exclamou, deixando-se cair para desviar de um dos golpes do soldado. No milésimo de segundo que levou caindo, deixou que a espada caísse ao seu lado e esticou a mão ao bolso traseiro, trazendo a varinha empunhada em direção ao soldado, que caiu desmaiado no mesmo instante em que os lábios dela soltaram o feitiço.
Não conseguiu resistir e desacordou os dois soldados com quem Dodô e Rabbit ainda lutavam. Os dois viraram-se alarmados para a origem da luz vermelha que atingira seus oponentes, sem admirar-se ao ver Hermione de joelhos, arfando enquanto tentava recuperar o fôlego e os movimentos das pernas. Estava realmente exausta, como se estivesse há muitos dias sem dormir. Suas pálpebras estavam pesadas, quase se fechando sem aviso prévio.
Ela lutou para colocar-se em pé novamente, segurando firme e automaticamente a coroa presa em seu cinto. Não demorou para que Rabbit e Dodô chegassem até ela, já que suas pernas eram compridas e a corrida atingia velocidade extrema. Hermione não se permitiu desmaiar e perder o que ainda estava por vir. Nenhum dos dois rebeldes pode notar, pois estavam de costas para a batalha que ainda acontecia, mas a Rainha de Copas e a Rainha Branca atravessavam o pátio, encarando os rostos uma da outra.
O contraste entre as duas era gritante, assim como o contraste de suas expressões e de seus soldados. Por mais que ainda restassem guerreiros em pé, tanto de um exército quanto do outro, todos pararam de se golpear para virar-se na direção dos passos confiantes, mas apreensivos das duas governantes. Por mais diferentes que fossem, as duas espelhavam intenções.
- Você está bem? – Perguntou Rabbit, ajudando Hermione a permanecer em pé. Ela não respondeu, mas segurou a mão dele com uma das suas e com a outra apontou para a situação que se formava em frente a eles. Rabbit virou-se com lentidão, coisa que Dodô já havia feito, mas rapidamente. Os rostos dos dois tinham a mesma expressão: a boca entreaberta e os olhos arregalados. Eles também sabiam o que estava por vir.
A Rainha de Copas parou de andar, batendo fortemente com os saltos no chão, provocando um eco que parecia impossível no grande pátio aberto. As pernas estavam afastadas uma da outra e suas mãos voltaram a envolver a cintura. De um belo cinto largo, pendia a bainha da espada dourada. Ela ergueu um dos lados da boca num sorriso categórico e desafiador. Ela era estonteante, mesmo exalando a ironia e frieza que insistia em exalar.
- Então, finalmente nos encontramos. – Ela sibilou, abrindo pouco a boca, como se quisesse manter aquelas palavras no ar o tempo suficiente para que a Rainha Branca pudesse ouvir e depois quisesse engoli-las novamente.
- Esse encontro não seria necessário – Começou a Rainha Branca, sorrindo com apenas um dos lados da boca, mas com uma delicadeza tal que sua voz, um tanto esganiçada, parecia um cantar rapino. Ela não usava roupas dignas de uma festa, como a Rainha de Copas fazia. Pelo contrário, usava roupas simples que mais pareciam as roupas de Hermione: Jeans justos, tênis bem amarrados, cabelos puxados para o alto num rabo de cavalo esvoaçante e uma armadura pesada por sobre uma blusa de mangas longas, já surrada e encardida.
- E poderíamos resolver tudo com amor – A Rainha de Copas ironizou, elevando as mãos até que estas tocassem seu rosto, numa dramatização exagerada. – Eu quero é arrancar seu pescoço, Selene! – Ela sibilou, fechando a expressão e baixando as mãos até tocar a bainha de sua espada.
- Isso não é certo tia-avó, você sabe – Selene disse, apertando os dedos ao redor da espada já desembainhada que levava na mão direita. Ela estava suada e aparentemente cansada.
Hermione arregalou os olhos, conseguindo manter-se em pé sem a ajuda de Rabbit. Ele tinha os braços estendidos para frente, a meio caminho do corpo já em pé da humana, mas seu rosto estava apático, claramente espantado e surpreso com a colocação de Selene. Então, elas eram parentes? A Rainha de Copas tinha um sorriso irônico estampado em dos cantos da boca, no que parecia ser uma expressão permanente e imutável. Voltando o olhar para a Rainha Branca, Hermione espantou-se ao encontrar a mesma expressão no rosto delicado com feições de Lilá.
- Porque você nunca me conta as coisas? – Ela ralhou com Rabbit, segurando o tronco por cima da armadura. Ele não lhe respondeu, mas mesmo assim, ela não esperou por uma resposta dele. Ela estava mais preocupada em escutar o comentário da Rainha de Copas.
- Está errada – Corrigiu a Rainha de Copas erguendo um dedo. –, eu sou tia avó da sua avó, portanto não posso ser sua tia avó, Selene.
- Isso não é relevante! – Selene gritou, deixando-se manchar os olhos com lágrimas pesadas que se depositavam principalmente em seus cílios translúcidos.
- Claro que não é. – A outra baixou o dedo até que ele tocasse em seu queixo. – Pelo que consigo me lembrar, acompanhei cada geração da nossa família.
- E ainda sente o orgulho corroendo seus órgãos quando lembra que foi responsável pela morte de todas elas? – A Rainha Branca bradou, deixando a voz num tom muito agudo.
- Isso sim é irrelevante. – A Rainha de Copas ponderou, recolocando as mãos na cintura, sem se mexer de onde estava. – Eu não tenho culpa se minhas máquinas de escavação sempre escolhiam passar por sobre as casas de todas as gerações da nossa família. – Ela deu de ombros com extrema ironia. – Ainda não sei como isso aconteceu.
- Como se você se importasse. – A Rainha Branca apertou os dedos ao redor da espada, movendo-a centímetros no chão. Seu rosto ainda estava molhado com as lágrimas, mas ela já mantinha a voz estável e a expressão decidida.
- Eu sei o que você está tentando fazer e pode ter certeza de que não vai funcionar. – Ela ergueu o dedo mais uma vez apontando para a Rainha Branca com raiva nos olhos castanhos. – Ela era igual a você, sabe.
- Ela?
- Minha irmã Máni, a verdadeira Rainha Branca. Sempre tão sentimental e bondosa. Sempre tão manipuladora e dissimulada! – Ela sorriu de canto, visivelmente nostálgica, mas ainda com aquele brilho perverso no rosto. Selene também sorriu de canto, mas seu sorriso durou milésimos de segundo, porque a Rainha de Copas avançava em sua direção com a espada erguida. – Não haverá duas rainhas nessa terra!
O som metálico das duas espadas se chocando foi alto o bastante para ensurdecer qualquer um que estivesse perto o suficiente da luta. As espadas batiam-se com vontade por sobre as cabeças das duas mulheres, também revelando em suas expressões o que, verdadeiramente, estavam sentindo. Como anteriormente, elas eram quase um espelho uma da outra: As duas tinham os dentes cerrados e a pele enrugada ao redor dos olhos pelo esforço. O barulho dos saltos da Rainha de Copas já não era audível, enquanto o ranger courino dos tênis simples da Rainha Branca eclodiam.
- Elas são boas! – Hermione observou, abaixando a varinha, mas ainda mantendo-se preparada. Ela sentia um vibrar exagerado nas calças, então virou-se absorta para encarar a coroa brilhosa de rainha quase rasgando seu cinto. Ela tremia, como que excitada em ver sua merecedora, qualquer que fosse ela.
- O que está acontecendo, Hermione? – Dodô vinha correndo ao encontro dela, com as mãos ao alto. Ele parecia ainda mais absorto do que ela. Não era para menos, já que a coroa puxava seu cinto, puxando-a automaticamente para cima, erguendo suas calças e praticamente a levantando do chão.
- Não faço idéia, mas essa coroa tem que ficar aqui! – Ela gritou por entre o barulho metálico, segurando a coroa fortemente com as mãos. O objeto, claramente, queria voltar à sua dona. – Ela não pode sair voando simplesmente.
- Ela quer a rainha. – Rabbit disse, ajudando a manter Hermione em terra firme.
- Para o bem dela, que seja a Rainha Branca! – Ela não conseguiu não dar um sorriso, porque no mesmo instante a coroa estancou-se onde estava, repousando novamente no cinto com um ruído brando. – Ela ficou com medo da minha ameaça? – A garota perguntou, achando-se mais idiota a cada palavra, mas mesmo assim mantendo o pensamento, afinal, qual seria a melhor explicação? – Um objeto animado...?
- Pertence à Rainha de Copas, não duvide. – Dodô tremeu.
Ela sorriu, arqueando o corpo, aliviada, mas mantendo a mão sobre coroa mesmo assim. O ruído metálico continuava e agora era acompanhado pelo visual já cansado, mas ainda assim persistente das duas rainhas. As cenas pareciam passar em câmera lenta diante de seus olhos e cada baque metálico era praticamente copiado por sua mente, tão lenta era sua reprodução. Hermione arfou, apertando os lábios um contra o outro involuntariamente, enquanto respirava cada vez mais lenta e pesadamente.
Pela primeira vez naquela missão, ela pensou que poderia haver sim alguma coisa errada. E essa coisa errada podia ser muito mais séria do que ela imaginava. Com certeza, ela não havia saído ilesa da luta com a vermelha. Apesar dos hematomas e arranhões, os machucados não poderiam ter sido apenas visíveis, já que seu tronco inteiro doía agora e ela tinha a sensação de ter algo se mexendo dentro de si.
Ela cerrou os olhos, tentando não chorar ou tremer, porque sua mente prática e lógica lhe dava a certeza de que ela havia quebrado pelo menos uma costela. Merlin, ela disse o nome dentro de si, afastando as mãos de perto da armadura para que não fosse tentada a apertar as costelas. Pessoas morriam por costelas fraturadas e ela não tinha a mínima idéia de como consertar os ossos. Hermione sabia curar fraturas e machucados mais simples, mas consertar ossos deslocados de costelas era um conhecimento avançado de enfermagem que ela não tinha.
Ela ergueu os olhos para Rabbit, pronta para fingir que estava tudo bem, apesar da expressão de puro sofrimento no rosto, mas foi interrompida pelo grito alto da Rainha Branca. Hermione segurou a respiração pelo que pareceu a eternidade, demorando inclusive para colocar-se de frente à luta. Não podia negar que estava com medo de que um golpe muito bem ensaiado da Rainha de Copas a acertasse em cheio.
Rabbit segurou a mão de Hermione por puro impulso, enquanto esta observava a razão do grito: a Rainha Branca despojara um golpe que acertara o braço esquerdo da outra soberana, deixando nele um corte profundo, que despejava sangue. A Rainha de Copas olhava do corte para o rosto bondoso, mas visivelmente cansado de Selene.
- Isso não precisa terminar assim. – Selene disse, ainda segurando a espada por sobre a cabeça, apontada para a Rainha de Copas. Esta tinha sua própria espada apontada para o chão, mas ainda assim, muito bem segura entre seus dedos.
- Sabe o porquê de minha irmã ter tido o fim que teve? – Sigel quase sussurrou, como quem explicava algo a uma criança. – Ela era boa. – A Rainha de Copas riu dramaticamente. – Ela era boa!
- E o que há suficientemente errado em ser bondosa que mereça a morte? – A Rainha Branca era categórica, respirando muito rápido, ainda apontando firmemente a espada. Hermione já havia entendido o plano da Rainha de Copas: ela já havia percebido que Selene estava apontando seu corpo ao extremo... Tentava vencer no cansaço.
- As pessoas boas nunca fazem o que deveriam, de veras, fazer.
Dito isto, a Rainha de Copas ergueu a espada com uma destreza tal que a lâmina mal era enxergada enquanto cortava o ar em direção à cabeça da Rainha Branca. Sem hesitar e muito menos pensar, Hermione ergueu sua varinha, murmurando o primeiro feitiço que lhe veio à cabeça:
- Protego! – A voz saiu muito alta, chamando a atenção de todos no pátio, principalmente da Rainha de Copas, que agora tinha sua espada magicamente parada a centímetros dos cabelos da loira. A Rainha de Copas apertou os olhos, deixando apenas identificáveis as íris castanhas por trás das rugas que os olhos formavam. Sua boca se crispou e delas saíram as palavras que mudaram todo o destino daquela luta.
- Ela está interferindo! – Gritou, apontando a espada na direção da Rainha Branca mesmo por sobre a proteção mágica, mas apontando com o olhar para a bruxa. Hermione sentiu o tronco tremer com a acusação da outra. – Valete! – Ela gritou ainda mais alto, enquanto o Valete avançava por entre os soldados na direção da menina.
Por alguns segundos, ela ficou parada no mesmo lugar, apenas movimentando a cabeça de um lado para o outro, pensando inutilmente em fugir para qualquer lugar. Covarde! Gritou consigo mesma, erguendo a varinha. Valete não poderia deter seus feitiços, ainda mais portando apenas uma espada. Ela o viu mandando seus soldados atacarem ao mesmo tempo em que a proteção caiu e a Rainha Branca ficou visível para ataque novamente.
- Estupefaça! – Gritou, apontando diretamente em valete, mas o homem ergueu sua espada e fez o feitiço ricochetear, mandando-o na direção de Dodô, que caiu desmaiado. – Só pode ser brincadeira! – Arfou, andando passos largos para trás, ainda atirando feitiços na direção de Valete, mas ele os desviava. A todos eles.
Rabbit havia corrido até o corpo desmaiado de Dodô, a fim de escondê-lo atrás de uma montanha de corpos desmaiados por Hermione, mantendo-o seguro, então não tinha como perceber a movimentação raivosa e quase prazerosa de Valete para sobre a bruxa. Os cabelos rebeldes do Valete, tão característicos de Harry, mexiam-se nervosamente quase no mesmo ritmo que seus lábios trêmulos. Mas não trêmulos de medo ou ansiedade, mas tremiam com certa maldade.
Hermione terminou por bater as costas na parede, realizando dentro de si com certa tristeza inclusive, que ela não conseguiria mais fugir para trás de si. Muito menos para os lados porque aos poucos o pátio voltava ao ritmo da batalha, com seus sons metálicos abafados, gritos desesperados e suores densos escorrendo das testas. Valete sorriu com o canto dos lábios, enquanto ela estava acuada pelos braços que vinham de encontro à parede, deixando-a realmente sem ter para onde fugir.
- Você mexeu com o reino errado. – Ele disse entredentes, chegando com a boca malcheirosa muito perto da orelha dela. – Pensou que seria uma tarefa fácil, chegar aqui e tentar matar a Rainha de Copas?
- Sabe qual é o seu problema? – Ela arfou, dizendo as palavras com raiva. Ironicamente, a bruxa tinha uma carta na manga e, para usá-la, não precisaria de muito esforço. – Com apenas um dos olhos não se é possível cuidar sua presa e sua retaguarda, ao mesmo tempo.
Hermione cerrou os olhos, quando uma espada desceu deslizando pelo chapéu estranho em formato de coração que Valete usava, deixando-lhe um belo corte na nuca. Ele não desmaiou, mas seu corpo cambaleou por sobre Hermione, usando do corpo da bruxa como apoio.
- E, além disso, eu nunca quis matar sua Rainha de Copas, idiota! – Ela urrou, empurrando-o para longe, enojada. O homem apertou os lábios, segurando de leve a nuca, enquanto levantava do chão com destreza e desfiava golpes na direção de quem o havia acertado.
Hermione não se viu surpresa quando Hatter, num puro golpe de sorte, surgiu de trás de um grupo de soldados, empoçando a espada densa por sobre a cabeça. O chapéu que usava parecia colado em sua cabeça, pois nem agora que ele praticamente dançava desviando dos golpes de Valete e assentando os seus, o chapéu deslizava. A bruxa agradeceu com um aceno de cabeça, empunhando a varinha em frente a si com uma das mãos e com a outra segurando muito firme a coroa brilhosa de rainha.
- Já está na ho
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ra de acabar com essa palhaçada! – Disse, mais para si mesma do que para quem estava a sua volta. Pode ver ao longe a luta das duas rainhas. Era algo estranhamente ridículo, já que as duas estavam muito cansadas e os golpes que desenfreavam eram fracos e sem direção. Agora, até mesmo a Rainha de Copas exibia cansaço e certa deformação na expressão permanentemente irônica.
É uma cena engraçada, observou dentro de si, enquanto seu coração batia pesado e parecendo muito mais lento do que realmente era. As coisas moviam-se lentamente, ela quase podia ver todos os movimentos de todos os soldados e ouvir todos os ruídos de todas as espadas em choque. Seus passos eram lentos também, mas sua cabeça estava muito rápida.
A coroa vibrava forte em sua cintura, erguendo seu cinto novamente, quase a tirando do chão. Ela vibrava e se direcionava para a Rainha de Copas, acostumada a estar em sua cabeça há muito tempo. Não vai não, Hermione urrou, segurando-a mais forte, sentindo o vibrar diretamente em sua pele, como se algo dentro de si tivesse assumido vida própria. A luta das duas rainhas não estava longe, mas ela ainda não sabia exatamente o que fazer.
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