Correndo contra o tempo
O rapaz apertou os olhos, parecendo calcular dentro de si mesmo se seria Draco ou não. Era claro, tanto por suas feições, quanto pelo modo como ele agora levantava a cabeça, quase apontando o nariz para o céu, que ele era Draco. Hermione colocou o restante do corpo para fora do buraco, ficando perfeitamente firme em seus pés. A abertura do buraco batia em seus cotovelos agora.
- Hum, não – o rapaz corrigiu, depois de três segundos que pareciam séculos. Ele olhava para si mesmo, quase levando as mãos até o corpo para certificar-se de que estava certo sobre o que afirmara. Hermione levantou um dos lados de sua boca.
- Oh desculpe – ela disse, levando a mão à boca num ato dramaticamente exagerado. Era claro que ela estava fazendo chacota. – você prefere ser chamado de Malfoy? Quer que eu brigue com você para que seus amigos não desconfiem de nada? – ela urrava, erguendo-se do buraco e sentando na base deste, virada inteiramente para o loiro. – Afinal de contas, o que você fez com o clima? Estamos no inverno!
- Eu realmente não entendo do que você está falando – o rapaz permaneceu onde estava, perplexo com as frases e expressões dela. O corpo dele estava rígido e seus olhos parados no rosto dela. – Mas ajudaria dizer que você parece perdida?
- Você não é o Draco? – ela perguntou, quase convencida de que havia batido a cabeça com força demais ou então de que estava louca.
- Não – ele negou, sacudindo a cabeça, finalmente largando os olhos do rosto dela.
- Mas é que você é tão parecido com ele! – Hermione quase choramingava.
- Eu, parecido com um draco? – o rapaz estourou, erguendo-se do chão, mostrando-se tão alto quanto Draco. A raiva brilhava em seu rosto, deixando evidente que a comparação não era benvinda. Hermione esticou as costas, projetando o corpo para trás com um susto repentino. O rapaz tinha as sobrancelhas muito juntas, numa expressão difícil de encontrar no rosto afinado do sonserino.
- Não um draco, mas o Draco – ela corrigiu, ainda mantendo-se arqueada para longe.
- Ah – o rapaz deu um tapinha no ar, jogando os cabelos acompridados para trás das orelhas e preparando-se para caminhar. Ele tinha como objetivo a trilha que se estendia em sua frente, como bem se podia notar pelos olhos cinzentos que varriam toda a extensão da trilha. Mal ele havia dado dois passos, voltou-se para a menina perdida. – Desculpa, mas você me achou parecido com um draco?
- Eu já...
- Porque me compararem com um copas é até aceitável, agora, dizer que pareço um draco? – Ele a interrompeu, falando sem parar. – Não me parece certo!
Hermione esperou que ele terminasse de falar, tamborilando os dedos no tronco grosso da árvore onde se segurava. Girava os olhos, sentindo tanto raiva quanto alívio, porque encontrara alguém a quem perguntar onde estava. O rapaz terminou de falar, levando a mão de repente até o queixo. Parecia ser um gesto que não lhe exigia muito e que não implicava em outra explicação do que simplesmente de levar a mão ao queixo. Hermione abriu a boca para falar, mas ele a cortou outra vez.
- Então, eu pareço um draco?
- Merlin – ela sussurrou consigo mesma, balançando a cabeça levemente. Teria de se explicar e dessa vez, tentaria colocar os detalhes e a vagareza de quem conversava com uma criança como elementos importantes da narrativa. – Você se parece fisicamente com um colega meu que se chama Draco. Eu ao menos sei o porquê de você achar que eu posso ter achado que você tem alguma semelhança física com um dragão, já que em latim, o nome do meu amigo quer dizer dragão. – ela suspirou, pensando profundamente em Draco. – você não parece um dragão, já que meu colega não parece um dragão, pelo contrário.
Aos poucos a menina baixava os olhos, lembrando-se do tal colega com nome latino. Draco, Draco, Draco, ela pensava enquanto tentava se explicar. Era inútil tentar evitar que o pensamento viesse à sua cabeça, mas ainda assim ela tentava. Quase varrendo da mente o eco que o nome do sonserino fazia, ao balançar a cabeça. Ela cerrou os olhos, ainda sacudindo a cabeça, afastando o nome e a lembrança, enquanto sentia seu corpo balançar e se desequilibrar.
- Socorro!
Hermione gritara, enquanto caía de frente no buraco baixo e largo da base da árvore. Sentiu que o rapaz tinha corrido para perto dela e, numa tentativa de ajudá-la a não despencar, caíra junto da garota, pressionando seu corpo contra o dela quando os dois atingiram o chão em menos de dois segundos. Fora uma queda pior do que a anterior, porque dessa vez ela tinha, pelo menos, setenta quilos por sobre seu corpo magro.
- Ai – ela sussurrou, jogando os braços por sobre sua cabeça, deixando que o dorso das mãos tocasse a grama fofa e quente. O rapaz só se mexeu depois de corridos, pelo menos, cinco segundos do acontecido.
- Desculpe – ele pediu, mas sem mexer-se muito.
Hermione sentia a dificuldade em respirar por conta do peso dele, mas não conseguiu pedir que ele saísse de cima dela. Parecia que as palavras haviam sumido de seu conhecimento. Ela abriu os olhos a tempo de conseguir inspirar o ar morno e ver o rapaz rolar para longe do corpo dela, também jogando as mãos por sobre a cabeça.
- E você? – ele perguntou, depois de segundos de silêncio. Parecia ter algo importante para completar aquela primeira pergunta, porque seus dedos se chocavam e o queixo tremia, excitado. – A julgar pelos seus cabelos castanhos, eu diria que você é uma arbor. Mas a julgar pela sua delicadeza ao cair, eu afirmaria que você é uma flos.
- Como? – Hermione apertou as sobrancelhas, se segurando para não chamar o rapaz de maluco, ou estúpido. – Do que você está falando?
- Seu nome, sobrenome. – ele esclareceu.
- Ah – a bruxa puxou uma das mãos e a ergueu, apontando-a para ele, preparando-se para cumprimentá-lo formalmente. – Sou Hermione Granger e você é...?
- Rabbit – o rapaz apertou a mão dela com uma força mínima, voltando a colocar a sua atrás da cabeça. Hermione segurou-se para não rir. Ele se chamava coelho? – Rabbit Cuniculus, responsável pelas relações internacionais do reino.
- Espera – Hermione não prestara total atenção ao cargo que ele ocupava no reino, qualquer que fosse a monarquia, mas sim, prestara enorme atenção ao nome completo dele, usando de seu pequeno conhecimento em latim. – Você se chama Coelho... Coelho?
- Não, me chamo Rabbit Cuniculus. – Ele gesticulou no ar, abanando o que quer que fosse. – Você andou estudando demais, garota. – ela crispou os lábios. – e você? Hermione Granger...? – ele pareceu analisar o sobrenome, demorando-se demais nas sílabas. – Uma variação da Família granum?
- O que?
- Que tipo de família são os Granger?
Perguntou ele, inocente, sem perceber que algo fervia dentro da bruxa e que ela estava prestes a explodir, erguendo-se até que estivesse sentada, encarando o rapaz. Seu corpo estava torto, mas ela não se importava. Aquele era exatamente o tipo de atitude que ela esperava de Draco. Não demoraria até que aquela conversa partisse para o campo das famílias. Ela ainda não sabia como, mas aquela poderia muito bem ser uma das brincadeiras de Draco. Isso se ele tiver poder sobre o clima e puder mudar a aparência de uma floresta, ela lembrou a si mesma, arrancando risadas de seu ego.
- São trouxas! – ela disse, por fim.
- Trouxas? – Rabbit pareceu não entender. Sua mão fina e muito branca tocou seu queixo pontudo novamente e ele apertou as sobrancelhas. Aquela posição durou alguns segundos, até que ele sentou-se, assim como ela. O rapaz deu de ombros, sem entender.
- Sim, aqueles que não são bruxos. – ela tentou mais uma vez, sendo sarcástica.
- Você claramente não entendeu minha pergunta. – ele ergueu as mãos novamente, para se explicar. - Eu me chamo Rabbit Cuniculus. Rabbit, coelho em inglês. Cuniculus, coelho em latim. – ele parou – devo agradecer meus pais pelo nome criativo, mas o que vem ao caso não é a criatividade dos meus pais, mas o nome da sua família. – ele respirou fundo. – Os Granger são o que, já que os Cuniculus são coelhos?
- Isso é muito confuso! – ela reclamou, jogando-se de costas novamente na grama. – Eu não sei, os Granger são uma família normal da Inglaterra. Não sei o que Granger significa.
Mesmo sem entender o que acontecia, Hermione viu que havia algo errado. O rosto de Rabbit estava ainda mais sem cor, evidenciando os olhos cinzentos fora de foco. Ele ergueu-se nos joelhos, tocando o teto da cavidade na base da árvore com o topo de sua cabeça loira. Hermione ergueu-se também e, nem de longe tocando a cabeça no teto.
- O que foi? – ela perguntou, passando dedos saltitantes pela frente do rosto dele.
- Onde você estava antes de sair desse buraco?
A pergunta era estranha, mas ele a fez com tanta seriedade e num tom que parecia tão importante do alto de toda a sua superioridade, que a bruxa foi incapaz de responder de outra maneira, que não a verdadeira e da forma mais correta possível. Rabbit havia erguido os olhos e agora a estava encarando, preocupado.
- Hogwarts – ela respondeu, com a voz trêmula.
- A escola? – ele perguntou, quase como se quisesse ouvir que Hogwarts não era uma escola. Hermione sacudiu a cabeça, concordando demoradamente, vendo a expressão autoritária no rosto dele dar espaço a uma expressão cabisbaixa e tensa.
- O que aconteceu? – perguntou preocupada, ajeitando as costas.
- Eu cometi um erro muito grave – ele ergueu a cabeça, encarando com um olhar pesado a saída da cavidade, erguendo-se e saltando para fora do buraco no espaço de um segundo. Hermione o seguiu, demorando mais do que devia.
- Espera – gritou, vendo-o parar de andar em direção à trilha. – Não estou mais na Inglaterra, é isso? – perguntou, sentindo um peso enorme afundar suas costas e uma dor terrível lhe cortar o coração, quase lhe fazendo derrubar lágrimas grossas. Rabbit confirmou com a cabeça, sem olhar para ela. – Você pode me ajudar a voltar para casa?
- Posso – ele confirmou, fazendo brotar um sorriso no canto dos lábios dela. – Mas não agora. Primeiro tenho que me certificar de que ninguém sabe que há uma humana nessas terras. – ele sacudiu a cabeça, negativamente, culpando-se. – esse não é um lugar para humanos e eu posso perder minha cabeça por ter trazido uma humana para cá.
- Ninguém me trouxe para cá! – rebateu.
- Eu sei, mas a rainha não vai enxergar as coisas dessa maneira. – ele teimou, dando as costas para Hermione e voltando a andar passos lentos na trilha bem marcada. – Eu estou atrasado. – ele verificou um relógio no bolso do paletó. – não deixe que os soldados da Rainha de Copas vejam você, ou não será apenas a minha cabeça a ser cortada.
Rabbit disse aquelas palavras numa voz ligeira e com uma ótima dicção. Fora possível entender tudo o que ele dissera, mesmo que a junção dessas palavras fossem frases totalmente alienígenas ao seu conhecimento. Rainha de Copas, ela pensou consigo mesma, mas isso é coisa de livros! Hermione juntou os casacos do chão, correndo atrás de rabbit.
- Rainha de Copas? – ela repetiu, sem conseguir alcançá-lo, já que a velocidade do rapaz aumentava em escala avançada. – isso é sério? – ela tentou confirmar, mas ele, agora, corria. Hermione corria também, mas seus pés não eram tão rápidos. – Onde eu estou? – ela gritara a pergunta ao nada, já que Rabbit desaparecera tão rápido quanto um coelho.
As pernas de Hermione eram pouco fortes, nem um pouco trabalhadas e aos poucos foram perdendo velocidade, dando-se por vencidas depois dos minutos em que a bruxa passara correndo. Percebeu de que nada adiantaria correr. Rabbit já havia desaparecido pela trilha e os barulhos da floresta a estavam ensurdecendo. Por um lado era bom. Se deixar ensurdecer e esquecer-se de que estava em um lugar que não era mais Hogwarts. A Inglaterra parecia o lugar mais seguro do mundo agora.
Ela parou de andar, encostando as costas em um grande carvalho, tentando recuperar o fôlego que parecia impossível de ser pego. Cerrou os olhos, prestando atenção aos barulhos da floresta, ouvindo um canto afinado soar baixinho. Canto, ela pensou, abrindo os olhos de repente, a tempo de ver a figura listrada de uma menina empoleirada em um dos galhos mais baixos da árvore. Hermione ergueu os olhos, assustando-se.
- Ele foi por ali! – disse a voz feminina de menina sonhadora. A voz saía de lábios finos que enfeitavam um rosto aluado, emoldurado por cabelos claros que pareciam sujos e mal cortados. Hermione colocou as mãos na cintura, de um modo que sua avó costumava fazer, ao encarar as feições de Luna Lovegood.
- Ali? – Hermione tentou confirmar, apontando na mesma direção em que a menina olhava. Estava sem jeito de perguntar se aquela era Luna, já que o rapaz que pensava ser Draco era, na verdade, um Cuniculus.
- Ali o que? – A outra levou a mão ao queixo.
- O caminho que o Rabbit pegou!
- Que Rabbit?
- Você só pode estar brincando!
- Brincando? – a menina tirou a mão do queixo, levando-a aos cabelos, como quem os penteava. – Não brincamos aqui há algum tempo, forasteira. Apenas tentamos sobreviver. – a menina balançou a cabeça. – Sou Cheshire.
- Hermione – a bruxa apresentou-se, sem fazer questão de esticar a mão. Agora tinha certeza de que a menina usando roupas totalmente listradas não era Luna ou então não teria se apresentado como Cheshire. – Onde eu estou? – perguntou num tom choroso que já se tornara típico de sua voz.
A menina no galho arqueou o corpo para frente, buscando se aproximar da jovem bruxa. Hermione andou dois passos, ficando frente a frente com ela. Cheshire começou aos poucos a desaparecer, assim como fumaça. Seu corpo ficava invisível aos poucos, num ato que era praticamente impossível de se acontecer no mundo da magia que a bruxa conhecia.
- Já que seu anfitrião Rabbit não o fez, eu lhe dou as boas vindas, Hermione. – A voz ainda estava audível, mesmo que a boca risonha da menina já tivesse desaparecido, deixando que os olhos enormes, muito azuis, fizessem as honras. – Benvinda ao País das Maravilhas.
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