O Veneno



País das Maravilhas! Hermione bufou para si mesma, enquanto lutava para passar por entre algumas árvores que dificultavam sua caminhada na única trilha que lhe era visível. Aquela trilha tinha de levar a algum lugar e deveria ser um bom lugar, ou então não haveria uma trilha. Mas a todo o instante, aquela floresta parecia querer afastá-la da trilha e mandá-la diretamente para o emaranhado de folhas e barulhos esquisitos que as árvores e todo aquele verde faziam.


Era tudo lindo, é claro, mas quando se está sozinha e perdida em um mundo onde Draco se chama Rabbit e Luna desaparece como nunca poderia ter desaparecido, as coisas tendem a parecerem piores do que são. Então, permanecer em uma trilha parecia a melhor coisa a se fazer, mesmo que ela levasse onde não se deveria ir. Aquele pensamento fez seus pés pararem de se mexer. Não que ela quisesse permanecer por entre as folhas ásperas que dificultavam seu caminho, mas seus pés não queriam continuar.


Talvez por um reflexo automático e inconsciente de sua mente. O que lhe restava, se não podia continuar pela trilha e nem se perder por entre as árvores? Ficar sentada na beirada daquela trilha, esperando que mais um rosto conhecido aparecesse e lhe dissesse coisas sem nexo? Acho que posso mudar meu nome para Alice, ela brincou sem achar muita graça, conseguindo finalmente passar por entre as folhas e acabar com os pés na trilha.


Não fazia muito tempo que saíra de perto do buraco onde conversara com Rabbit. A exploração sem destino daquela floresta não era tão ruim, mas seu maior desejo era voltar para perto do buraco e ficar por lá mesmo, enquanto esperava que alguém aparecesse e lhe ajudasse. Agora era quase impossível voltar, mesmo seguindo a trilha ela não fazia ideia de como voltar. Devia haver alguém que lhe ajudasse a encontrar seu caminho. Se havia Rabbit e sua família Coelho de nome latino, era claro que existiam outras pessoas.


Outras pessoas com nomes estranhos também, que ela não fazia ideia de como imaginar que se chamavam. Mas Hermione tinha quase certeza de que o sobrenome de Cheshire era Felis. Para quem sabia algumas poucas palavras de latim e tinha bons olhos para o visual das pessoas daquele lugar, era fácil reconhecer uma família daquelas. Seus pés continuaram parados, sem que ela tomasse uma atitude quanto ao que faria.


Hermione pousou os casacos na grama que cobria a trilha, sentando-se sobre eles. Se alguém passasse por ali, pararia no mesmo instante ao ver uma garota forasteira sentada no meio do caminho. Era essa sua intenção quando colocou as nádegas no chão e encarou muito quieta o emaranhado de folhas em frente. As perguntas que iam e vinham em sua cabeça beiravam as razões de estar naquele lugar, mas a que realmente lhe incomodava naquele instante de quietude era uma pergunta referente à que lugar era aquele.


Ela nunca soubera que no túnel que levava a Casa dos Gritos, havia um túnel mais longo e vertical que levava as pessoas a outro lugar. Era quase certo em sua cabeça que ela apenas deixara aquela informação passar quando pisou naquele túnel há três anos. No entanto, ela tinha certeza de que aquele mundo em que estava não pertencia ao mundo da magia. Ora, ela saberia, já que vivia em Hogwarts há seis anos. Alguém teria comentado alguma coisa.


Hermione deitou-se de costas na grama, ajeitando os casacos com os olhos se fechando. Segundo seu relógio eram oito horas da noite, mas o sol estava a pino naquele mundo. O tal País das Maravilhas que a menina se referira, por certo não seguia o horário do mundo humano. Cheshire, a bruxa pensou consigo, cravando a imagem da menina de roupas listradas em seus mais recentes pensamentos. Ela tinha exatamente as mesmas feições de Luna, assim como seus cabelos e seu ar aluado. De onde vinham aquelas pessoas tão iguais àquelas que ela conhecia?


O ar batia quente em seu corpo. Uma temperatura agradável comparada ao inverno de dezembro que Hermione estava vivendo em Hogwarts. Era quase confortante pensar naquele clima enquanto ela gritava por dentro, implorando por um conhecido que lhe fosse realmente conhecido ou um caminho que ela pudesse pegar e chegar em casa. País das Maravilhas, ela pensou consigo mesma, tentando reunir todas as informações que podia sobre a narrativa de Carrol e as aventuras de Alice.


Seu conhecimento sobre o conto era pequeno, já que ela nunca se interessara tanto pelo conto de Alice quanto se interessava pelos contos medievais do Rei Arthur e as aventuras policiais de Sherlock Holmes. Ela sabia que Alice era uma menina curiosa, que seguia um coelho até o País das Maravilhas e que lá, ela conhecia muitas criaturas e enfrentava uma Rainha tirana. Hermione bufou, levando a mão à testa, ainda de olhos fechados.


Ela estava vivendo o papel de Alice? Alice estava dormindo, não estava? E se ela, Hermione, tivesse dormido enquanto alisava o pelo de Bichento, lia seu novo livro e sonhara com aquele mundo? Faria algum tipo de sentido, já que sua mente poderia ter projetado as imagens conhecidas por ela em personagens que há muito estavam esquecidos dentro de sua cabeça e os transportado para aquele sonho. Draco sendo um Coelho? Ela riu de sua mente imaginativa com um sorriso sádico. Seu conhecimento em latim também havia colaborado.


Hermione se viu rindo sozinha em um volume que ela não saberia classificar. Estava sozinha em meio a uma floresta assustadora, então preocupar-se com o volume de uma gargalhada parecia um problema muito menor. Suas mãos ainda cobriam seus olhos, quando ela resolveu erguer-se nas nádegas novamente e tentar pensar no que fazer. A resposta veio como um jato. Isso se aquela fosse mesmo a resposta.


- Eu devo acordar. – Ela disse para si mesma, abrindo bem os olhos. – Apenas acordar. – Suas mãos esfregaram os olhos, esticando-se logo em seguida. Como faria para acordar a si mesma de um sonho? Ela pressionou os olhos. Beliscões funcionavam na ficção, então deveriam funcionar na vida real. Hermione esticou os dedos para o braço, coberto pela camiseta justa, agarrando dois pedaços de sua pele.


A dor durou menos do que o susto. Seus pelos se arrepiaram e ela pulou bons centímetros do chão muito rápido, sem nem mesmo querer pular. Seu coração batia mais rápido do que ela já havia sentido. Seu pulso queria explodir, enquanto seus músculos se esticavam. Ela não estava dormindo e aquilo estava acontecendo mesmo. Draco era um Cuniculus e Luna cantava sobre um galho de árvore mais louca do que parecia ser capaz de ficar. Num ato de pura tolice, Hermione esticou os dedos para o braço novamente, dando mais beliscões do que conseguia. Sua pele se repuxava e doía, mas ela queria acordar daquele pesadelo.


- Você não está dormindo. - Uma voz conhecida proferiu. Hermione, que estava de olhos fechados, os abriu de imediato, virando a cabeça para a origem daquele som, que estava sentada em um galho mais baixo de uma grande figueira. As árvores pareciam maiores ali do que eram no mundo humano. Cheshire a olhava com ternura, mas com um misto de fervor.


- Quando você disse País das Maravilhas, você estava brincando, não estava? – Começou Hermione, chegando perto dela. A menina suspirou, como quem se preparava para um grande discurso, mas de sua boca saíram poucas palavras.


- Eu não brincaria com uma coisa dessas.


- Então, isso aqui é mesmo o País das Maravilhas?


- Se ninguém mudou o nome, sim. - Cheshire olhou para os lados, conferindo.


- E aquele buraco de onde eu saí, é uma passagem para o mundo humano?


- Buracos geralmente são tocas de coelhos.


- E passagens para o mundo humano.


- Ora, isso é assunto dos coelhos. – A menina tinha um ar amalucado algumas vezes piorado do que o que Luna tinha. – Já que eles são os únicos que comandam suas tocas. – Ela balançou-se no galho, deixando que alguns figos caíssem ao chão. – A Rainha de Copas gosta dos Cuniculus, você sabia?


- Porque eles cavam buracos para elas? – Hermione cruzou os braços em frente ao peito, odiando cada momento em que aquela menina fazia charadas e não dizia coisa com coisa.


- Não! – Cheshire disse em voz alta, num tom que revelava que a associação de fatos era óbvia. – Porque são eles que guardam as passagens para o mundo humano. Um por vez.


A cabeça de Hermione pareceu pegar fogo com a informação. Encontrar Rabbit era sua única chance de voltar para Hogwarts, já que ele era o Cuniculus responsável pela passagem pelo mundo humano, daquela vez. O “um por vez” que ela usara, talvez fizesse alusão a um cargo passado de pai para filho, o que queria dizer que ele era sua única esperança, mesmo.


- Rabbit é minha única chance de voltar ao mundo humano? – Disse.


- E quais eram as de Alice?


- Acordar do sonho. O que eu não posso fazer, já que, obviamente, não estou dormindo!


- E quem afirmou que Alice estava sonhando? – A menina começou a desaparecer do mesmo modo como havia desaparecido antes. Seu corpo começava a ficar transparente aos poucos. – Vai escurecer logo. - Agora apenas seus olhos eram visíveis novamente quando ela deu uma informação que podia ser importante. – A propósito, essa trilha vai levá-la diretamente ao castelo da Rainha de Copas.


Hermione continuou com os braços cruzados em frente ao corpo, observando por um longo momento o galho da figueira de onde a garota tinha desaparecido. Agora suas ideias estavam mais misturadas e confusas do que antes. Tudo bem, ela respirou fundo, descruzando os braços e buscando um dos figos que a garota derrubara, eu só tenho que encontrar o Rabbit. O que era uma missão e tanto num lugar onde ela só podia contar com informações distorcidas de uma garota que desaparecia em pleno ar. Podia contar, pelo menos, com a certeza de que havia apenas um Rabbit Cuniculus no País das Maravilhas.


A bruxa tentou se lembrar daquilo que Rabbit lhe dissera. Ela devorava o figo recém colhido enquanto tentava ignorar a aparência do rapaz, que teimava em atrapalhar sua busca pelas palavras exatas. Ele falara algo referente a perder a cabeça se descobrissem que ele havia trazido uma humana ao País das Maravilhas. Também havia comentado sobre um trabalho para a Rainha de Copas. Hermione deixou que o restante do figo caísse aos seus pés.


- Ele trabalha para a Rainha. – Ela constatou em voz alta, levantando-se de um pulo. Agora, estava mais do que claro em sua cabeça o que ela devia fazer. Só havia uma pista a seguir para encontrar o Cuniculus com feições de Draco e esta pista envolvia uma trilha que ela deveria evitar e o risco de perder sua cabeça ao ser vista pela Rainha de Copas.


Sem pensar duas vezes, Hermione reuniu a coragem que ainda lhe restava e jogou os casacos por sobre o ombro, praticamente correndo em frente ao seguir pela trilha que levava ao castelo da Rainha de Copas. Esta rainha não devia ser nada mais do que uma fanfarrona que mandava em algumas cartas de baralho que posavam de soldados. Hermione era uma bruxa, portava uma varinha e carregava uma esperança de que Disney estivesse certo sobre a Rainha.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.