Pintando Flores



Já fazia algum tempo que Hermione caminhava por um lado da floresta que nunca havia pisado, mas seus olhos ainda não haviam se acostumado e ela ainda arfava quando via as construções de pedra gigantescas. Já não caminhava em uma floresta, mesmo que as poucas árvores que via lhe remetessem à floresta que deixara há algumas horas. Ela e Rabbit haviam deixado o Acampamento Xadrez levando consigo milhares de recomendações do Capitão Hatter. Recomendações e, para o caso de Hermione, avisos.


- O que você fez no treinamento foi uma atitude decente, mas respeite o meu plano, já que ele não é falho, por favor! - Dissera ele, sem se preocupar em parecer implorar pela obediência dela. Claro que seu comportamento no treinamento deixara Rabbit preocupado, isso era visível pelas poucas palavras arfadas que ele dizia por entre dentes, enquanto ela lhe contava como tudo acontecera.


Os dois andaram juntos durante a noite inteira, mas tiveram de se separar, já que fingiriam não se conhecer. Rabbit já havia partido para o castelo por uma trilha escura e emaranhada, totalmente diferente daquela que Hermione tomara, e ainda tomava. Trilha essa que começava a acabar-se, agora que ela chegava próxima às construções de pedra. Definitivamente, ela não estava em um País das Maravilhas que nenhum humano havia imaginado enquanto lia Alice. As pessoas começavam a ficar visíveis enquanto ela chegava mais perto e uma construção monstruosa se fazia visível por entre inúmeros prédios e casas construídos ao redor dela.


Hermione esperava que a construção monstruosa fosse apenas monstruosa à primeira vista, mas à medida que seus pés ganhavam os passos pequenos, a monstruosidade continuava presente. As torres cinza de telhado vermelho continuavam aparentando prisões medievais e as janelas quadradas de grades enferrujadas continuavam fazendo alusão a contos de terror. A bruxa tentava passar despercebida, mas algo nela chamava a atenção dos moradores e de quem passava, talvez fosse culpa de seu caminhar diferenciado, cuidadoso, ou então fosse efeito das roupas incomuns e da aparência cansada.


A construção não perderia a monstruosidade nem em um milhão de anos, e agora que Hermione estava parada diante de seu grande portão de madeira grossa entendia que aquela monstruosidade só viria a aumentar. Isso, é claro, se ela não conseguisse cumprir o que viera cumprir, porque aquele prédio não podia ser nada menos do que o castelo da Rainha de Copas.


- Você está perdida? - Perguntou a voz de um homem atrás de Hermione, fazendo com que ela virasse rapidamente, mantendo inconscientemente a expressão de confusão e medo que tinha no rosto. O que ela sentia, e exalava, era verdadeiro e só ajudaria ao tentar enganar a Rainha de Copas. Hermione deu-se de frente com um homem totalmente vestido de branco com alguns pontos coloridos de vermelho em sua roupa. Todos os pontos coloridos tinham formas de copas e ele tinha um grande "10" tatuado no lado esquerdo do peito da armadura.


- Eu... - Ela começou, engolindo em seco, respirando fundo com certa dificuldade e se concentrando. Sua atuação tinha de ser acreditável. - Na verdade, eu estou sim, não consigo mentir e estou quase gritando por ajuda! - Sua voz era esganiçada e ela tremia. Era difícil atuar tão descaradamente quando o soldado em sua frente portava uma espada.


- O que aconteceu? - O soldado perguntou, perturbado, pedindo que abrissem o portão com uma das mãos. Bingo, Hermione gritou dentro de si mesma.


- Eu não sei explicar... - Ela continuou atuando, enquanto o homem empurrava as costas dela para dentro da construção monstruosa. Os portões abriam-se devagar, mas com a mínima abertura, já lhes era possível passar. - Em um minuto eu estava sentada lendo e no outro estava saindo de um buraco em uma árvore nesse lugar.


- Espere! - O homem ergueu uma das mãos, pedindo que ela parasse. Hermione tremeu, temendo a reação do soldado. - Você não é do País das Maravilhas?


Ela suspirou, tentando não demonstrar todo o alivio que sentiu ao ver que o homem não havia desconfiado de que ela já estava ali há algumas horas. Sua expressão ainda era de confusão e medo, mas ela forçou-se para parecer surpresa. Jurou para si mesma que atuar realmente nunca seria um caminho entre as profissões para a sabe tudo Hermione Granger.


- País das Maravilhas? - Ela bufou, abrindo um sorriso sarcástico. - Sou Alice!


- Você é? - O homem apertou as sobrancelhas.


- Não, não sou Alice. - Hermione bufou novamente, botando-se a caminhar mais para dentro da construção monstruosa. Agora eles andavam em um túnel cinza mal iluminado. Em suas paredes pendiam lampiões a gás que pareciam não ter mais combustível para funcionar, já que a luz dançava. - Sou Jane. - Mentiu, apertando o passo. O soldado não precisava saber de suas intenções, podia apenas pensar que ela era uma humana curiosa.


- E como você chegou aqui?


- Eu não sei, já disse! - Hermione parou, levantando as mãos. - Eu estava sentada no pátio da minha escola, lendo, quando meu gato viu alguma coisa branca correndo para dentro do buraco de uma árvore. - Ela continuou, sem mentir, sendo o mais natural possível. - Eu tinha que salvar meu gato, ele podia cair naquele buraco! Mas então, quem caiu fui eu... Achei que eu iria apenas bater os pés no chão em poucos segundos, mas eu caí muito e quando me dirigi à saída do buraco da árvore, saí em uma floresta! - Ela disse muito rápido, mexendo as mãos em velocidade extrema, exagerando um pouco nas expressões e gestos. Por fim, ela achou que poderia fazer algum tipo de drama. - Quero voltar para casa... Por favor! - Choramingou, apertando as expressões, tentando ao menos parecer chocada e tentou, por milagre, que uma lágrima escorresse.


- Eu não tenho como ajudar você, Jane. - O soldado parecia sentir mesmo pelo pesar dela, inclusive erguendo a mão e pousando-a em seu ombro, como que para consolá-la.


- Não? - Ela apertou ainda mais a expressão, sentindo-se cada vez mais ridícula.


- Mas posso tentar encontrar alguém que...


O homem não conseguiu terminar a frase, porque uma voz grave, mas ao mesmo tempo muito divertida sem a intenção de ser divertida, o interrompeu. Hermione custou a se virar para ver de onde provinha aquela voz, porque sabia exatamente a quem pertencia. Ela ouvira aquela voz pelo menos uma vez enquanto estivera no País das Maravilhas e a escutava há, pelo menos, seis anos em Hogwarts.


- O que está acontecendo aqui, Dez? - A voz conhecida por Hermione como sendo a de Harry saiu de lábios idênticos aos de Harry, assim que a menina virou-se. O rosto já conhecido de Valete estava torcido. As sobrancelhas estavam tão juntas que pareciam uma só, enquanto os lábios estavam tão juntos que desapareciam no rosto magro.


- Senhor - Dez eretou o tronco em sinal de respeito. - Essa moça está perdida no País das Maravilhas e...


- Você provém desse reino? - Valete interrompeu o soldado novamente, fazendo a pergunta diretamente à Hermione, mas ela não respondeu, virando o rosto para Dez, como faria um humano realmente perdido no país fantasioso. Era estranho ver a figura de Harry falando daquele jeito.


- Senhor, Jane não é desse reino e - Dez aproximou-se do Valete, abaixando o tom de voz. - nem desse país... Eu estava levando a moça até o senhor.


- Não é desse país? - Valete surpreende-se, deixando que seus olhos se arregalassem. - Você provém de onde, senhorita?


- Inglaterra. - Hermione disse as sílabas muito devagar, como se a palavra fosse dita em um dialeto que eles não conhecessem, porém ela apenas tentara parecer irônica.


- Do mundo humano...? - Os olhos do Valete arregalaram-se ainda mais, uma coisa que Hermione achava impossível de se acontecer. - E como você chegou até aqui? - Ele perguntou, levando a mão até a espada na cintura. Hermione tremeu, mas o homem retirou a mão na mesma hora, como se nem notasse o que fizera. Talvez fosse um tipo de cacoete.


A bruxa não precisou interpretar novamente, porque Dez intrometeu-se contando ao soldado superior como ela tinha chegado às terras da Rainha de Copas. A narrativa do homem era perfeita, reproduzindo quase que as palavras exatas da garota. O Valete balançava a cabeça concordando, segurando o queixo com a mão esquerda, numa expressão muito concentrada que Harry exibia apenas às vezes.


- Você pode me ajudar a ir embora? - Ela perguntou, se aproximando, mantendo intacta sua pose de garota perdida e confusa.


- Não. - Ele respondeu, curto e grosso, de repente segurando com força o braço dela, puxando-a mais para fundo no corredor mal iluminado.


Droga, ela xingou dentro de si, totalmente descontrolada. Ele havia descoberto. Ele devia saber que havia uma humana correndo livre pelo País das Maravilhas. Não seria possível que não soubesse. Já que o reinado da Rainha de Copas era uma tirania, eles ao menos precisavam manter a ordem instalada quanto à entrada e saída de Rabbit.

Hermione debatia-se, tentando desesperadamente retirar o braço de dentro do aperto do Valete com o rosto magro de Harry. O único olho dele que ela podia enxergar, já que o outro estava escondido debaixo do tapaolho em formato de coração, não tinha a mesma coloração que os olhos de Harry. Ainda eram verdes, mas na proximidade em que ela estava, podia ver perfeitamente que faltavam o brilho e o tom alegre que o amigo normalmente tinha.


- O que você está fazendo?! – Ela grunhiu, arranhando a si mesma ao tentar abrir os dedos dele. Nunca imaginara que o corpo esbelto do homem pudesse ter aquela força. – Eu não fiz nada! – Hermione esperou que ele dissesse que sabia de tudo e que fosse desmascarada, mas as palavras foram exatamente contrárias.


- Estou ajudando você, não vê? – Valete retrucou, afrouxando um pouco os dedos.


- Quase quebrando meu braço?! – Ela arfou, sentindo uma dor latejante em seu tronco se revelar, tranquilizando-se com o tom sereno e inocente que ele passara a exalar de uma hora para a outra.


- Me certificando de que você não vai fugir.


- Fugir?! – Ela surpreendeu-se, mas era exatamente isso que ele estava fazendo. Isso se ela fosse considerar todas as coisas que já sabia sobre a Rainha de Copas. Valete estava se certificando de que a humana não apavoraria os habitantes e nem viraria uma celebridade dentro do País das Maravilhas se fugisse, mostrando que o reinado da rainha cometia erros com o descuido de seus funcionários. – Pra onde?


Sua pergunta ficou sem resposta, já que o túnel escuro agora parecia ter um fim. O soldado Dez andava atrás deles, muito quieto. O único zumbido que provava sua existência, já que Hermione não conseguia virar-se por conta do aperto do Valete, era o zumbido metálico da bainha da espada degladiando educadamente com o metal da armadura nas pernas.


O Valete aumentava a força de seu aperto, à medida que eles chegavam mais perto do que parecia ser uma porta vazada, porque a luz entrava com força no túnel, agora. Ele, certamente, estava se precavendo contra a fuga certa de uma humana perdida e assustada. A ideia rolou pela mente de Hermione, quase tão rápido quanto saiu, mas deixou no caminho o que parecia à menina, uma bela atuação.


Valete mandou que Dez abrisse o portão, empurrando Hermione enquanto apertava ainda mais o braço dela. A garota quase não conseguia sentir o membro quando seu queixo se viu obrigado a cair com a nova visão. A distração quanto a tudo que ela via a fez esquecer momentaneamente do que devia fazer.


- Seja mais rápido, Dez de Copas! – Ralhou o Valete, empurrando a garota para fora do túnel, de encontro com o que parecia o centro de uma grande cidade, porém o que se via ali era uma praça carregada de soldados e alguns criados, andando de um lado para o outro. As coisas ali dentro faziam jus à ideia que Hermione tinha.


- Uma monstruosidade sem tamanho... – Ela sussurrou, refletindo, enquanto rolava os olhos pelos muros altos de pedra cinza, que também deveriam ser prédios, já que o túnel por onde ela andara ficava dentro dele. De algumas das janelas mais baixas, ela podia ver algumas pessoas de aparência humilde, usando roupas modernas, mas surradas.


- Como? – Valete quis saber, referindo-se ao sussurro.


- Eu já não sinto o meu braço. – Hermione disse, mantendo-se serena, esperando pela oportunidade perfeita de parecer alguém que queria ir embora do castelo de Copas.


align: justify;">O Valete deu um sorrisinho amarelo, apertando o único olho visível enquanto afrouxava irresponsavelmente o braço da humana. Sem hesitar, a garota girou o corpo, elevando o braço apertado sobre a cabeça, debatendo-se e conseguindo desvencilhar-se do aperto, correndo para longe do Valete, em direção a uma das entradas do muro escuro.


Era alucinante ser perseguida por soldados armados com espadas. E assustador também. Hermione não percebeu, mas seus olhos ardiam com o ar pesado que batia em seu rosto durante a corrida e ela chorava. As lágrimas saíam involuntárias, sem que a dona das tais sentisse vontade de chorar. Podia ser apenas o efeito da corrida ou alguma ajuda dos deuses para que, quando fosse pega, conseguisse fingir um choro nervoso.


Não demorou para que soldados vestidos de preto bloqueassem sua rota de fuga. Hermione corria muito rápido, sem conseguir prestar a devida atenção ao seu caminho, então assim que viu a barreira em sua frente não conseguiu desviar e muito menos parar de correr, chocando o rosto com a armadura pesada e dura de um soldado alto e muito forte. Seu corpo voltou-se para trás com a colisão, derrubando-a no chão, enquanto as mãos automaticamente voavam em direção ao nariz, assim como gemidos saiam de sua garganta, expondo a dor que sentia.


- Que droga! – Ela xingou, apertando o nariz com as mãos. Manteve os olhos fechados, mas sabia que eles estavam ainda mais molhados por conta da dor, o que ajudaria, ela tinha certeza.


Hermione apenas sentiu quando seus braços foram erguidos por dois soldados. Os homens afastaram as mãos dela de seu nariz, que ela tinha quase certeza que estava quebrado, revelando gotas de sangue em suas mãos. Valete se aproximou do corpo dela, segurando seu queixo, quase a obrigando a abrir os olhos. Sua voz era dura e nem um pouco amigável. Talvez agora ela tivesse agido da forma mais correta, mesmo que aquele ato desesperado tivesse lhe custado seu nariz.


- A Rainha de Copas adorará conhecer você, humana. – Ele praticamente cuspiu as palavras, jogando um lenço bordado com as iniciais V.C. para o soldado Dez, que rapidamente limpou o rosto e as mãos de Hermione, pressionando seu nariz até que ele fez um barulho estranho. Ela já não se preocupava com a dor.


- Está consertado. – Dez sussurrou, colocando-se ao lado do Valete, enquanto eles, e os soldados que arrastavam Hermione, andavam rápido em direção de uma enorme casa de janelas enormes.


Casa não, Castelo! Hermione corrigiu-se apertando os olhos para tentar enxergar o telhado da construção, mas o sol atrapalhava sua visão, talvez mostrando algo maior do que o natural. Ela estava satisfeita consigo mesma por ter chegado até onde tinha chegado. A bruxa e a rainha estavam separadas apenas por algumas paredes, mas Hermione tinha certeza sobre o rosto que encontraria.


Os guardas soltaram os braços dela quando todos chegaram à uma porta enorme, feita de madeira, com grandes detalhes em metal vermelho contrastando com o bordô do material base. A garota estava tonta, mas conseguiu manter-se sobre os pés. Valete empurrou as grandes portas em meio às vibrações do coração da bruxa. Ele não podia ouvir o reverberar, mas a ação fazia todo o corpo de Hermione tremer.


- Atrás de mim, garota. – Ele disse, abaixando o tronco em uma reverência exagerado, enquanto a menina caminhava passos lentos exatamente atrás dele. Devido à curvatura de suas costas, Hermione conseguiu enxergar o salão onde estava. A decoração era baseada em naipes de cartas de baralho e não variavam das cores das portas.


Ao fundo, uma parede de vidro deixava que todo o sol forte da manhã iluminasse o salão, escondendo, sem querer, o trono enorme que praticamente brilhava. Não havia ninguém sentado nele, mas Hermione tinha certeza de que não demoraria para que aquele lugar fosse preenchido. A luz a impossibilitava de ver além das silhuetas das coisas próximas aquele trono, mas um movimento sutil e ágil a fez tremer, sem o efeito da vibração de seu peito.


- Majestade – Valete saudou, erguendo as costas, colocando-se em frente à visão de Hermione. – Receio trazer más noticias até a senhora, mas... – Ele diminuía o volume da voz no decorrer da frase até que ela se transformasse em um ruído baixo.


A bruxa arqueou o corpo para o lado, tentando enxergar a tal majestade fanfarrona. A silhueta era magra, mas com curvas sinuosas. Os cabelos eram compridos e pareciam cheios de cachos. Ela usava um vestido de silhueta medieval, mas que não escondia as curvas exuberantes, e sim, as destacava ainda mais. A voz que saiu de sua boca fez a garota dobrar as sobrancelhas, sorrindo de lado. Ela sabia exatamente como era o rosto da Rainha de Copas.


- Ah Valete – A silhueta suspirou, largando-se no trono com uma delicadeza tal. Valete tremeu e foi possível ver que ele sentia certo receio da Rainha. – Você sabe o que eu planejei para o meu dia hoje? – Valete não respondeu. – Um clássico e tradicional jogo de croquet, afinal jogos de croquet nunca são demais, mas – A voz saía pesada da boca da silhueta escura. – meu mais valente soldado, responsável por manter a ordem na guarda do Reino de Copas me trouxe um problema para resolver. – Uma risada sem graça saiu de sua boca, e Hermione pode ver que o corpo enrijecido do Valete tremeu mais uma vez. – Acredito ter tido um pesadelo.


- Senhora, creio que o problema mereça uma atenção maior do que um jogo de croquet. – Ele disse, depois de alguns segundos engolindo resquícios de saliva que mais pareciam pedaços de pedra em sua boca. – Eu prefiro entregar o problema aos seus cuidados, porque não sei como proceder numa hora dessas e também peço que apenas eu, a senhora, o soldado Dez de Copas e o problema permaneçamos no salão real. – Valete acenou com a cabeça, caminhando mais para perto da rainha, enquanto Dez empurrava as costas de Hermione.


- Pois bem. – A silhueta sacudiu um braço, como quem tanto se importava. Aos poucos os criados e membros da corte da rainha saíram do salão do trono, fechando as portas atrás de si. Em segundos, os quatro estavam sozinhos no salão. – O que é? – A rainha bradou, irritada. – Fale de uma vez!


Valete deu um passo para o lado, revelando o problema. A primeira vista, Hermione não sabia se tentava se arrumar e parecer apresentável, mesmo que não fizesse parte de sua atuação, ou se tentava fugir mais uma vez, mesmo que suas pernas não quisessem se mover. Agora que estava a poucos metros do trono, ela conseguia enxergar o rosto da rainha e, mais uma vez, comprovou que suas suspeitas eram corretas. Os cabelos ruivos e os olhos enigmáticos acusavam o rosto de Gina Weasley.


- O problema é uma garota? – A Rainha desdenhou, dando um tapinha no ar, fazendo menção de se levantar. Os traços de Gina estavam magníficos naquele rosto insinuante. O vestido era dez vezes mais bonito do que Hermione havia imaginado que era e o modo como a rainha se mexia a deixava ainda mais bela. – Ou o problema é a bela mancha de sangue em sua camiseta, o nariz quebrado e os cabelos desalinhados? – Ela riu, ainda sem achar graça nenhuma. – Prefiro um jogo de croquet, Valete.


A Rainha de Copas levantou-se de seu trono, descendo os degraus que a deixavam no mesmo plano dos outros no salão. Hermione não conseguia se mexer e Valete parecia sentir a mesma coisa que ela. Demorou até que ele conseguisse explicar a situação de modo convencional.


- Ela é humana. – Ele disse, finalmente, com a voz fraquinha. Os passos da rainha estancaram antes que ela chegasse a uma das portas de saída do salão do trono. Ela, então, virou seu corpo, expondo uma expressão de descrença em seu rosto magnífico.


- E como essa humana chegou aqui?


- Rabbit Cuniculus. – O Valete foi sucinto.


- Rabbit? – Ela repetiu, desacreditando. – O meu Relações Internacionais Rabbit?


- O próprio.


- Ele não seria tão idiota em deixar uma humana cair em minhas terras. – A rainha apertou as sobrancelhas arqueadas, tomando ares felinos. Ela dirigiu o olhar à Hermione, grunhindo em uma voz agradável, que não parecia vir daquele corpo. – Como você chegou aqui, humana?


- Eu caí em um buraco. – Hermione tremeu, calando-se.


A rainha esperou que ela continuasse, mas a garota estava amedrontada o suficiente para esquecer como se pronunciavam as palavras. Sua atuação estava virando um teatro ridículo. A mulher em sua frente ergueu os ombros, balançando os cabelos, como que pedindo por mais informações.


- Eu estava com meu gato quando vi uma coisa branca correndo para dentro de um buraco. – A garota finalmente recomeçara a falar, engolindo em seco a saliva que parecia ácida. – Então eu me desequilibrei e caí nesse buraco, mas achei que apenas cairia dentro de um buraco e não em uma terra que não é meu país. – Ela choramingou, apertando os olhos.


- Qual o nome da sua terra?


- Inglaterra.


A Rainha de Copas levou um dedo até os cabelos, coçando levemente o couro cabeludo. Pela primeira vez desde que entrara no salão real, a bruxa pode reparar em algo que não a magnitude da soberana. Sobre seu cabelo encaracolado muito vermelho, a Rainha de Copas carregava uma bela e retorcida coroa. A coroa que eu tenho que roubar, Hermione suspirou dentro de si mesma. Voltara a se questionar quanto ao modo de roubo. Não treinara nada disso.


- Bem vinda ao País das Maravilhas.


A rainha desejou, esboçando um sorriso sem vida em seu rosto majestoso. Era visível que ela não estava feliz com aquela situação, mas queria fingir que estava contente com a chegada da humana e que a ajudaria a voltar para casa. O papel de Hermione englobava acreditar no que a tirana dizia, então a bruxa sorriu, batendo as palmas das mãos devagar, tentando esboçar um alívio que não sentia.


- A senhora vai me mandar para casa? – Hermione perguntou, sorrindo, esperando pela oportunidade perfeita de sacar a varinha e apagar os três ocupantes do salão de uma só vez, resgatando a coroa da cabeça da ruiva e aparatando no Acampamento Xadrez. Como a Rainha Branca oficializaria seu reinado apenas com uma coroa roubada, Hermione não tinha a menor ideia, mas tinha de, pelo menos, cumprir sua parte no trato.


Ao se virar, a rainha não tinha em seu rosto a expressão forçada de quem queria ajudar. Pelo contrário, ela exprimia convicção de alguma coisa por entre pitadas de raiva. A tal raiva se esvaia pelos seus olhos, como se fossem lágrimas. A mulher andou devagar até a porta por onde Hermione tinha entrado. Ela a abriu, colocando a cabeça para fora, dando uma ordem e logo depois a colocando para dentro, na direção da bruxa.


- Quem a deixou cair nesse mundo?


- Eu – Hermione começou, levando a mão ao queixo, fingindo pensar. Não poderia dizer quem a havia deixado cair, informação que não procedia. A garota levantou os olhos, temendo o que a mulher faria. Qualquer erro a levaria a descontar em Rabbit. – não sei, mas eu lembro de ter visto um rapaz correndo.


A rainha enfiou a cabeça para fora da porta novamente, arqueada para frente, projetando o traseiro para trás. Ela balançou a cabeça depois de alguns segundos, o que levou seu traseiro a balançar também, no mesmo ritmo da cabeça. Hermione tremeu quando a rainha abriu as portas, deixando que alguns soldados entrassem, escoltando uma figura alta, de cabelos escorridos, toda vestida de branco.


- Foi ele quem você viu? – A rainha insistiu.


Hermione deu dois passos para trás, engolindo em seco, sem saber exatamente o que fazer. A mulher trouxera Rabbit até o salão, dois soldados empurravam as costas dele e fechavam as portas atrás de si. O rosto pálido do rapaz tinha ares preocupados, mas toda sua expressão corporal exalava uma paciência invejável. A bruxa respirou fundo.


- Não sei bem – Ela apertou os olhos, procurando afastar a visão do rosto do rapaz ou então sua preocupação entregaria todo o plano do Acampamento Xadrez.


- Como não sabe? – A rainha explodiu, virando-se para a humana com uma velocidade tal que as saias do vestido farfalharam fazendo barulho. – Você apenas tem que me dizer quem a deixou entrar no País das Maravilhas, garota!


- Desculpe, mas eu poderia entender o que está acontecendo? – Rabbit se pronunciou, evitando o rosto de Hermione ao passar diretamente por ela, chegando mais perto da Rainha de Copas.


- Uma humana no País das Maravilhas. – Valete foi sucinto novamente, apontando para a bruxa, cortando a pergunta de Rabbit, que a fizera para a rainha. – E a culpa, aparentemente, é sua, Rabbit.


- Minha? – Rabbit fingiu surpresa, inclinando o pescoço.


- Você é o único que viaja por entre as dimensões e ela diz vir da Inglaterra.


- E quem garante que essa humana – Rabbit olhou para Hermione com desdém, balançando a mão em pleno ar, como quem pouco se importava. – está dizendo a verdade? Quem garante que ela não é uma rebelde?


- Nós saberíamos. – Valete teimou, quase fazendo Hermione rir. A afirmação era totalmente tosca se comparado com o próprio rebelde com quem ele discutia.


- Nesse caso... – Rabbit deu de ombros.


- Você permitiu ou não que ela entrasse em nosso país? – A Rainha de Copas impôs-se na conversa, com toda a sua magnitude sendo acatada quando os dois homens viraram-se de frente para ela, dando as costas para a humana e o soldado Dez, que ainda permanecia muito quieto no salão.


- Posso ter me descuidado, Majestade.


A voz de Rabbit foi diminuindo à medida que ele via o vermelho que cobria o rosto sedoso da Rainha de Copas subir por suas bochechas. Ela explodiria mais ainda e isso provavelmente não queria dizer absolvição para Rabbit e muito menos um caminho de casa para Hermione. O vermelho tomou conta de todo o rosto dela, transformando-se em um misto de violeta e cor de rosa assim que ela decidiu falar.


- Você se descuidou? – Ela torceu a boca, ironizando. – Cortem-lhe a cabeça!


O grito saiu tão estridente que os vidros da parede detrás do trono tremeram. No mesmo instante, os guardas do salão, assim como os soldados que tinham trazido Hermione até ali correram em direção a Rabbit, segurando-o pelos braços e arrastando-o para fora do salão por entre guinchos e reclamações do levado.


- Rainha, ele é uma peça importante para o reino! – Valete tentou argumentar, mas a mulher voltara a se sentar em seu trono, encarando a cena lamentável. – E, além disso, a humana vai continuar para sempre no castelo se ele for morto!


- Eu não quero mais um Cuniculus se ele apenas me der problema, como Rabbit faz! – Ela gritou, jogando um olhar raivoso para cima do chefe da guarda. O misto de cores de seu rosto havia ido embora. – Temos tudo que precisamos aqui e se eu quiser expandir meu reino, invado as florestas e faço prisioneiros! Saia da minha frente, Valete! – A mulher continuava gritando, mas ainda não havia elevado tanto a voz quanto em sua última frase: - Quanto à humana, cortem a cabeça dela também!


Hermione se apavorou, mexendo-se no lugar onde estava, mas sem conseguir seguir ou recuar para nenhum lugar. Havia guardas vindo em sua direção e Dez ainda estava atrás dela. Tentou arriscar-se a aparatar, mas isso acabaria com todo o plano. Provavelmente a Rainha de Copas mandaria trancar os dois em algum lugar antes de matá-los. A mandante não perderia o show.


- Tranquem no calabouço! – Ela ordenou, fazendo eco aos pensamentos de Hermione, deixando a garota mais tranquila quanto a conseguir fugir do salão sem ter para onde fugir. A bruxa mexeu-se no lugar parecendo algum tipo de barata tonta, deixando-se ser pega por Dez e mais um dos soldados, que parecia bastante com o responsável pela quebra de seu nariz.


Hermione debateu-se, assim como Rabbit estava fazendo. Ela não tinha um plano para como tirá-los do calabouço sem prejudicar o plano principal, mas não estava totalmente desesperançada. Sua missão era roubar a coroa da Rainha de Copas e podia fazer isso aparatando aos aposentos dela durante a noite. Não podem ficar tão longe do salão do trono, pensou consigo mesma, enquanto descia uns degraus de pedra, praticamente arrastada por Dez e pelo outro soldado.


- Você pode nos ajudar movimentando seus pezinhos? – Urrou o soldado em cujo peito ela havia quebrado seu nariz.


- Você se importou quando quebrou meu nariz? – Hermione ironizou, sem mexer mais do que o necessário ao chegar à base da escada. O soldado ergueu uma das mãos apontando para ela, como quem a avisava de algum ato futuro seu.


- Boa estada em sua cela. – O soldado desejou falsamente, empurrando Hermione para dentro de uma cela logo depois de Rabbit ter sido lançado para dentro da mesma. Era fria e grande. Em contas vagas, cabiam umas vinte pessoas ali dentro.


O grupo enorme de soldados saiu do calabouço, apenas deixando para trás dois guardas. Os dois estavam sentados muito longe da cela onde Hermione e Rabbit agora se sentavam perto um do outro, encostando as costas na parede fria feita de pedra maciça. As costelas de Hermione ainda doíam pela briga com a vermelha durante o treinamento, mas pelo menos seu nariz não era grande incomodo. Ela gemeu, cerrando os olhos.


- O que foi? – Rabbit pronunciou, arrastando a mão devagar pelo chão coberto de palha em direção à de Hermione. Ele apertou a mão dela muito forte, sem olhar para seu rosto. Os olhos dele estavam molhados, mas ele não chorava.


- Ainda não me acostumei com esses machucados em missões. – Ela respondeu, apertando o tronco num ato que lhe aliviou a dor nas costelas. Ela estava um tanto tonta com o clima úmido do lugar.


- Estamos presos. – Ele suspirou de repente, depois de um breve silêncio, como se a bruxa não tivesse notado aquilo. Ele finalmente deixara que uma lágrima caísse, molhando o blazer branco.


Hermione abriu os olhos, apertando mais forte a mão do rapaz automaticamente, em uma troca mútua de empatia. Os olhos da bruxa estavam tão preocupados em esconder seus poderes e planos dos guardas, que agora saiam de seu campo de visão demoradamente, que não notou o rapaz em prantos ao seu lado.


- Rabbit, eu – Ela começou a falar, puxando a varinha do bolso do casaqueto e virando-se ligeira para contar seu plano quando viu o que acontecia e se viu obrigada a parar de falar e se arquear até conseguir puxar o rosto dele até abaixo de seu queixo, como as mães faziam com as crianças tristonhas. – Merlin – Sussurrou, pedindo ajuda mentalmente. – O que aconteceu?


Rabbit não respondeu, apenas escondia o rosto no peito de Hermione, soluçando como uma criança com muito medo. Ela olhou assustada ao redor, buscando algo dentro de sua mente que pudesse fazê-lo parar, mas parecia não haver nada que podia confortá-lo. A bruxa voltou-se para ele, baixando os lábios até o topo de sua cabeça, que cheirava a patchouli, depositando um beijo demorado ali, respirando fundo aquele cheiro.


Os dois continuaram daquele jeito por um bom tempo, Rabbit apenas soluçando e tentando, sem sucesso algum, se acalmar. Hermione aproveitou aquele tempo para entender bem o lugar sufocante e extremamente úmido onde estava: as outras celas estavam vazias e pareciam mais fedidas e mais sujas do que aquela em que eles estavam. Havia apenas uma entrada e, consequentemente uma saída. Não havia janelas e a única iluminação era a luz fraca que vinha de lâmpadas pequenas ao longo corredor comprido.


- Rabbit? – Hermione chamou, endireitando as costas quando percebeu que alguém vinha descendo as escadas. A sombra projetada era enorme, o que deixou a garota com medo. – Alguém está descendo as escadas, acorde!


Rabbit tinha os olhos fechados. Não dormia, mas parecia estar em algum tipo de hibernação típica de um pós-choro. Hermione era uma que tinha esse tipo estranho de reação quando chorava. Ela levantou de súbito, se afastando do corpo dele que rolou de lado, abrindo os olhos. A expressão dele era assustada, mas a de Hermione misturava medo, mágoa e resquícios de esperança. Ela tinha seus dedos grudados nas grades, esperando ansiosa que aquela sombra enorme e magnífica que descia as escadas fosse de quem ela imaginava que era.


- Rainha! – Hermione gritou, num tom choroso que expressava uma simpatia que ela não sentia. – Por favor, me deixe ir para casa!


A sombra tomou a forma majestosa da mulher muito rápido. Assim que esta ouviu a voz implorativa de Hermione, torceu os lábios andando devagar até a cela. Seu rosto, de traços típicos da Weasley mais nova, agora não parecia em nada com o rosto bondoso de Gina. Os olhos eram apertados, espertos, como se ela soubesse de alguma coisa que antes não sabia. A bruxa estranhou profundamente, sentindo seus pelos se arrepiarem.


- A senhora tem de ajudar o rapaz, Rainha. – Hermione continuou com seu teatro, apontando para um Rabbit caído ao chão, estático.


- Eu não posso ajudá-lo com os traumas dele, humana.


- Traumas? – Ela quis saber, apertando as grades.


- Ele não lhe contou o que aconteceu nesse calabouço? – Ela foi irônica, colocando a mão sobre o peito, numa mágoa mal fingida. – Ele não contou que foi aqui que ele e a família ficaram presos quando eu mandei que cortassem a cabeça de todos? Ele não contou tudo isso enquanto vocês dois tomavam chá e planejavam um ataque ridículo ao meu castelo?


Hermione desgrudou as mãos da grade, andando dois passos para trás. Seus olhos estavam arregalados e seu coração batia mais rápido do que ela poderia conseguir contar. A rainha descobrira. A rainha descobrira e, Hermione tinha certeza, soube durante todo o tempo em que ela esteve no salão do trono e quando Valete a levou até ela. A rainha sabia e a deixou fazer uma atuação ridícula antes de cair em um calabouço.


- Vocês serão executados, só para deixar essa informação clara. – A mulher assentiu com a cabeça, esticando o braço até que conseguiu segurar o de Hermione. A bruxa tentou se esquivar, mas a rainha era forte, prendeu seu pulso com os dedos magros expondo a voz macabra num tom muito baixo: - Tenho um presentinho para você.


Mal a mulher terminara de falar, Hermione sentiu um arrepio enorme tomando cada pedaço de seu corpo. O arrepio era como gelo e congelava sua pele a partir do toque da Rainha de Copas no seu pulso. A bruxa não se conteve com a sensação e acabou por se debater contra as grades, imaginando que o contato com outro material estancaria a sensação, mas não adiantou. Ela virou-se para Rabbit, se prontificando a sentar-se ao seu lado, mas seus pés já não respondiam. Tropeçou nos próprios membros, caindo com o corpo duro no chão. Os olhos eram arregalados e ela via coisas que não estavam na cela.


- Fique calma, Kanin. – Sussurrou uma mulher de longos cabelos lisos e muito claros. Hermione virou o rosto para a raiz do som, encontrando a silhueta mal formada da mulher com uma garota de seu tamanho, que regulava sua idade, chorando. Hermione notou que a garota tinha os mesmos traços e características da mulher. Os mesmos cabelos claros e os mesmo olhos cinzentos.


- Calma? Como é possível ter calma, mãe? – Uma voz masculina irritada fervilhou atrás de Hermione. Ela virou-se novamente, mas dessa vez deu-se de frente com duas figuras masculinas que mais pareciam clones uma da outra. A voz irritada pertencia a ninguém menos que um Rabbit de cabelos mais compridos e alguns bons anos mais novo.


- Porque você não aceitou o trabalho que a rainha ofereceu? – A mãe de Rabbit falou por entre soluços e o homem de barba rala e quase branca abaixou-se perto dela, chamando o filho.


- Porque a Rainha de Copas é uma fanfarrona, dona Lapin Cuniculus. – Rabbit foi sucinto, sentando-se ao lado do pai, exatamente no mesmo lugar em que ele se encontrava na cela naquele momento.


Era por isso que ele estava desse jeito. Sua família fora exterminada na mesma cela em que estavam naquele momento. Poderia ser loucura para uma mente que não vivera o que ele viveu, mas tudo naquele lugar deveria lembrar sua família. Cada grade ali tinha uma curvatura que tratava de remetê-lo àquela noite.


Hermione conseguiu levantar-se do chão, afastando-se da família Cuniculus, batendo as costas nas grades da cela. Ela não queria mais ver aquilo e por mais fechasse os olhos, as cenas continuavam. De que estranho poder era dotada a Rainha de Copas? Ela ouviu um ruído atrás de si e virou-se para encarar a mesma mulher que mandara que a prendessem naquela cela, mas suas roupas escuras e cabelos compridos e alisados eram muito próximos de Gina.


- Então, Krolik, decidiu-se sobre o emprego?


- Não vou trabalhar para você. – Ele disse por entre dentes.


- O que é uma pena. – Ela proferiu, acenando para um dos guardas que a acompanharam. O homem foi até a cela, portando uma chave e uma grande espada balançante em seu cinto.


O soldado abriu as grades da cela, fazendo menção de sacar a espada quando Rabbit levantou-se e, decidido, expôs sua opinião. Foi surpresa para a Rainha de Copas, mas mesmo assim ela voltou-se para o rapazote, que não devia portar mais do que quinze anos, ouvindo atentamente o que tinha a dizer.


- Eu trabalho para você. – Ele disse, por entre protestos dos pais.


- Alguém tem juízo na família Cuniculus. – A Rainha ironizou.


- Mas eu quero a liberdade da minha família.


- Já faz exigências, garoto?


- Ou então, você poderá nos matar, a todos, e ficará sem saída dentro das dimensões. – Ele ameaçou, andando até a grade, passando pelo soldado armado e parando em frente à Rainha de Copas, muito mais perto do que Hermione pensou alguma vez em ir. – Liberdade para minha família em troca do meu trabalho.


Por um momento, a humana tendo a visão imaginou que ficaria tudo bem, mas um simples aceno de cabeça da Rainha de Copas mudou totalmente sua esperança vã. A mulher acenou com a cabeça e dois soldados enormes seguraram Rabbit pelos braços, enquanto que, com outro aceno de cabeça, ela ordenou que o soldado armado entrasse na cela em que estava a família Cuniculus.


- Vocês estão livres! – A rainha soltou, com um tom de voz alegre, como se a família tivesse ganhado na loteria. O soldado armado avançou para a família que começara a gritar desesperada. Rabbit debatia-se resmungando, tentando se livrar dos soldados. – Livres durante sua execução.


Mas era tarde demais. Com três curtos golpes, que pareciam ensaiados, o soldado armado atacou os três Cuniculus, acabando, assim com a visão macabra que Hermione tinha. Aos poucos a visão da cela voltava ao normal e ao invés de enxergar sangue pela palha suja, ela pode ver Rabbit ainda estático no chão. Ela correu até ela, devorando o curto espaço em milésimos de segundo.


- Eu sinto muito. – Ela lamentou, buscando o corpo dele do chão e o trazendo até o seu peito. Ele estava gelado, mas já se mexia e seus olhos já não estavam fora de foco. Ela lamentou, encostando-se no fundo da cela novamente, sendo curiosamente observada por um dos soldados da guarda.


- Parabéns! – Ele disse, balançando a cabeça.


- Por quê? – Hermione rugiu, cuspindo gotas de saliva por entre as palavras.


- Seu exército começou a guerra.


O tom do homem era claro, como se a resposta fosse óbvia. Hatter não comentara nada sobre atacar o castelo enquanto Hermione não tivesse conseguido roubar a coroa... Era loucura, já que o exército da Rainha de Copas parecia ser duas vezes maior do que o exército rebelde. Eles não teriam chance alguma.


- Nosso exército tem a liderança de Hatter, Hermione. – Rabbit comentou, endireitando as costas, livrando-se devagar do abraço maternal e apertado da garota. Seu comentário se contrapunha aos pensamentos dela, inconscientemente.


- Esse não foi o combinado! – Ela teimou, preocupada, levantando-se do chão.


- Não foi o combinado com você. – Ele expôs, levantando-se assim como ela, mas ainda um pouco tonto, segurando-se na parede fria.


Ele endireitou as costas, aproximando-se das grades da cela, enquanto os dois soldados, que os estavam guardando, farfalhavam suas armaduras de um lado para o outro. Era evidente que os dois estavam preocupados com a guerra que se instalava do lado de fora do castelo e ainda mais por não poderem participar. Um deles chegou muito perto da cela, conferindo se a fechadura estava bem trancada.


- Até mais! – Ele disse, debochando. Puxou o colega pelas escadas, deixando que Hermione e Rabbit ficassem sozinhos no calabouço. Não existia hora mais perfeita.


- Até mais! – Hermione respondeu, assim que eles desapareceram pela escada de pedra, endireitando a varinha nas mãos, murmurando um “bombarda” em alto e bom som, explodindo a fechadura da cela.


A porta feita de grades abriu-se contrariada, rangendo com força. A garota quase não conseguia segurar-se dentro de si mesma. Está na hora, pensou, respirando o mais fundo que conseguiu por entre as reclamações silenciosas de seus pulmões. Parecia que aquele respirar havia lhe dado mais uma razão para puxar Rabbit pelas escadas, empunhando a varinha em frente. O cheiro que invadiu suas narinas ao respirar fundo não era apenas o fedor do calabouço. Sem saber se poderia ser uma reação à visão que a Rainha de Copas lhe proporcionara, ela teve certeza de que conseguira sentir cheiro de sangue.

________________________________________________
*** Curiosamente, os nomes dos familiares de Rabbit, assim como o dele, querem dizer Coelho em línguas diferentes:
Kanin em Sueco, Krolik em Russo e Lapin em Francês.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.