Benvinda ao Mistério
O buraco na base da árvore era mais do um buraco realmente. Uma porta pesada de madeira guardava uma casa subterrânea tão silenciosa e misteriosa quanto graciosa. Rabbit morava sozinho, porém havia quatro cadeiras ao redor de uma mesa quadrada de vidro escuro e quatro lugares no único sofá estampado encostado em uma das paredes cobertas por papel colorido.
- Bela toca. – Ela brincou, enquanto descia os degraus que davam acesso à sala escura. Os dedos de Rabbit pousaram sobre um interruptor e no mesmo instante toda a sala, inclusive a cozinha nos moldes americanos, foi iluminada pela luz elétrica amarela. – Belo contraste, também.
- Todas as civilizações têm de evoluir.
Rabbit retirou o blazer branco, largando-o sobre uma das cadeiras da mesa de jantar. Ele se direcionou para uma das duas portas que levavam ao dormitório e ao banheiro provavelmente, adentrando na primeira. Hermione avançou, andando passos curtos, observando cada detalhe daquela casa pequena e aconchegante. Havia vários quadros com fotos pendurados nas paredes e expostos em mesinhas.
- Fique a vontade. – Ele disse. Sua voz vinha fraca do outro cômodo.
A garota ajeitou-se, baixando o casaco dos ombros. Rolou os olhos ao redor, largando as blusas por sobre o sofá. Ali dentro estava agradável, o que não parecia ser resultado de um climatizador de ar. Ela esticou a mão para um dos quadros e se sentou no sofá. Mostrava quatro pessoas alegres, sorrindo para a lente da câmera fotográfica. Todos tinham cabelos escorridos claríssimos e olhos cinzentos.
- Minha família. – Rabbit anunciou, largando roupas de cama sobre o sofá.
A garota observou o quadro mais de perto, sem assustar-se com a aparição repentina. Havia uma mulher e um homem que não se pareciam em nada com os pais de Draco e uma garota que deveria ter sido apenas poucos anos mais nova do que Hermione. Rabbit sorria, encarando o retrato com olhos saudosos e cheios de um brilho sem igual. Hermione ergueu os próprios olhos para ele, expressando sua empatia.
- Eles sentiriam orgulho de você. – Sua voz era suave. – Quer dizer, onde quer que eles estejam, eles sentem orgulho de você.
- Mesmo que eu esteja enganando e mentindo? – Ele desacreditou.
- Família é Família, Rabbit.
- E você – Ele levantou-se, beijando de leve a testa de Hermione, expondo um sorrido enorme no rosto. – é a criatura que tenho esperado para me dizer essas coisas e me deixar feliz, mesmo que eu seja o clone de um dos seus fantasmas.
Ele saiu andando, atravessando a sala enquanto ainda tinha o sorriso enorme no rosto, em direção ao cômodo de onde tinha trazido as roupas de cama. Hermione continuou sentada no sofá, porém largou o quadro na mesinha de onde o tinha retirado. Buscou ficar mais a vontade, tirando os tênis para pisar apenas de meias no chão de madeira quentinha. Aquela temperatura devia ter alguma coisa a ver com o subsolo.
Era estranho ser recebida daquela forma por alguém que havia a conhecido há apenas algumas horas. A interação entre os dois lembrava muito a amizade que ela tinha com Harry, porém os detalhes eram totalmente diferentes e gritantes, como por exemplo, o aperto que sentia em seu estômago e a expressão nada inocente no rosto de Rabbit. Agora que ele sabia que ela se sentia traída por ele, seria apenas dar um passo.
- Você deve querer trocar essas roupas, não? – Rabbit gritou do cômodo, colocando apenas a cabeça para fora da porta. – Algumas roupas da minha irmã podem servir em você. – Ele voltou a cabeça para dentro do cômodo sem esperar pela resposta dela. – Sirva-se de alguma coisa na cozinha!
Aquela situação era de uma trivialidade tal que ela não hesitou em levantar-se do sofá e atravessar a sala de estar e chegar até a cozinha recheada de eletrodomésticos que nunca imaginou que Rabbit teria em casa. Hermione levou a mão diretamente à geladeira, de onde retirou um vasilhame de onde resplendia uma torta cheirando a morango. Acertando de segunda, ela resgatou um garfo na primeira gaveta de um dos balcões, abocanhando uma garfada da torta sem nem ao menos servir-se em um prato.
- Eu mesmo fiz. – Rabbit voltara à sala e agora apontava para a torta de morango por sobre o balcão de onde a garota havia tirado o garfo brilhoso. Ele trazia nas mãos o que parecia ser um pijama e uma toalha de banho.
- Deliciosa! – A garota disse com a boca ainda cheia de torta.
- Não que eu esteja dizendo que você está fedida, mas você deve querer tomar um banho também. – Rabbit brincou, esticando as roupas e a toalha para ela. – Enquanto isso eu vou ajeitando as coisas por aqui. – Hermione segurou as roupas a contra gosto, pois realmente gostara da torta e estava com fome, porém rumou para o banheiro, que era a única porta que ainda restava fechada. – Não se preocupe porque a torta vai continuar aqui quando você voltar.
Hermione largou as roupas e a toalha de banho subitamente sobre a tampa do vaso sanitário, encostando as costas na parede, cerrando os olhos. Eles não pareciam estar com uma provável guerra em frente de seus narizes com aquele comportamento... Tortas de morango, preocupações com roupas; Talvez eu só esteja nervosa, ela tentou acalmar a si mesma, molhando os cabelos embaixo do chuveiro quente. A fumaça embaçava o vidro que rodeava o box, não impedindo que a garota relaxasse enquanto a água caía com efeito único por sobre seu corpo cansado.
As roupas da irmã de Rabbit caberiam quase que perfeitamente nela. Isso se ignorasse a largura sem exageros da camiseta justa e o aperto sem incômodo das calças estampadas. Hermione colocou a mão na maçaneta da porta, jogando os cabelos recém lavados para trás, preocupando-se com a ideia de voltar para a sala vestindo roupas da irmã falecida de Rabbit. E se ele tivesse um ataque de choro?
- Está tudo bem mesmo eu vestir as roupas que foram da sua irmã? – Ela perguntou, com a voz elevada, ainda de dentro do banheiro.
- Tudo bem. Eu não vou desmaiar, ter um ataque cardíaco ou sei lá! – A voz veio muito próxima à porta, ecoando os pensamentos dela. – Saia logo daí ou iremos dormir na hora que tivermos de levantar. E não pense que o dia de amanhã vai ser tranqüilo.
- Eu não tinha pensado em nada disso. – Hermione abriu a porta, ignorando a expressão nostálgica que Rabbit assumia aos poucos. Ela passou direto pelo corpo alto dele, agora vestindo uma camiseta mais larga e calças de algodão, diretamente em direção a cozinha. – Onde está aquela torta?
- Geladeira. – Ele respondeu, andando até seu quarto e saindo logo em seguida, trazendo um cobertor. O sofá já estava arrumado com as roupas de cama e o travesseiro fofo próximo de um dos braços. Rabbit abriu o cobertor e o estendeu pelo sofá, sentando-se sobre o mesmo. – Você gostou mesmo da torta?
- Você não acredita que eu tenha gostado? – Hermione buscou a torta de dentro da geladeira, fazendo o mesmo com a gaveta de talheres. A torta ainda estava lá, intacta, como ela havia deixado, apenas com a diferença de que agora ela estava acondicionada em um prato menor. – O que aconteceu com Lewis Carroll? – Ela soltou, de repente querendo saber, ao enfiar o garfo com vontade na boca.
- Morreu.
- Disso eu sei! – Ela reclamou de boca cheia.
- Ele irritou a Rainha de Copas, então ela tomou precauções.
- Foi ela quem o matou? – A garota estava com os olhos arregalados.
- Não com suas próprias mãos, mas por suas ordens. – Rabbit observou atento, enquanto Hermione levava outra garfada à boca, esperando que ele continuasse. – Você se lembra o que Valete e eu estávamos conversando quanto a um humano de confiança no mundo humano, não sabe? – Ela confirmou com a cabeça, lembrando, envergonhada, de ter acusado o rapaz. – Carroll foi o humano de confiança da Rainha de Copas, porém a certa altura, sem nenhuma explicação, ele resolveu que escrever um livro usando o País das Maravilhas como cenário seria mais interessante.
- Alice nunca existiu? – A garota tinha mais uma garfada da torta em direção à boca, porém não conseguiu abocanhá-la. Se fosse levar em conta o que Rabbit acabara de contar, sem esperar que ele desse uma resposta à sua pergunta e tirar uma de suas famosas e corretas conclusões, veria que todo aquele mundo não havia sido criado por Carroll e que um dos mais famosos contos do mundo não passava de uma mentira.
- Não em nossas terras.
- É um dos mais fabulosos contos no meu mundo. – Ela comentou, finalmente conseguindo abocanhar a garfada. – Acho que não deve ter sido a intenção dele revelar o País das Maravilhas, Rabbit. Porque ele colocaria elementos que não existem no seu mundo envolvidos no conto?
- Como um Coelho Branco usando um colete, uma Rainha de Copas ambulante e um Gato Sorridente? – Rabbit levantou-se do sofá, andando lentamente até a bancada da cozinha em estilo americano. – Nenhum habitante do País das Maravilhas tem forma humana no seu mundo, Hermione. – Ele tinha quase que compaixão vagando por seus olhos. - Um Cuniculus ganha a forma de um coelho, enquanto a Rainha de Copas se transforma em uma mera carta de baralho e Cheshire em um lindo gato listrado.
- Você não usa colete. – Era possível que ela ainda estivesse tentando defender Lewis Carrol? Ela acreditava em Rabbit e acreditava também que um homem escrevera um livro contando a todos uma história inacreditável, mas ela ainda pensava em desmascarar algo que lhe parecia fantástico demais. Era mesmo uma... Como fora chamada pela professora Trelawney certa vez? Ah, sim, irreparavelmente terrena.
- Meu avô usava colete. – Ele apertou as sobrancelhas. Ele, visivelmente decepcionado, comentou: - Eu não tão velho assim, Hermione.
- Mas você fala como se... Como se tivesse estado lá.
- E eu aposto que se eu pedisse para você me contar sobre um fato isolado que marcou a história do seu povo, você me contaria como se estivesse lá. – Ele comentou, debruçando-se sobre a bancada.
- É tudo uma questão de estudo. – Concordou, imaginando-se em suas tantas provas orais, contando ao professor Binns como as coisas haviam acontecido.
- Também uma questão de gosto e filosofia de vida. – Rabbit rebateu, completando. – Para que eu pudesse aderir ao movimento rebelde, eu era obrigado a conhecer minha própria história, não? Ou então, não teria a menor ideia de como agir.
Era verdade e ela não tinha como discordar ou rebater. Naquela guerra que o mundo bruxo travava contra Voldemort, o grande desafio era conhecer melhor seu inimigo. Hermione concordou com a cabeça, pousando de leve o queixo nas mãos, agora que terminara sua torta. Finalmente, podia se considerar pronta.
- E quando começamos?
- Amanhã. – Rabbit abriu um sorriso muito grande e que resplandecia todo o orgulho e sentimento de dever cumprido que flutuava dentro dele. – Vou levar você para o acampamento antes de ir para o castelo e lá você vai participar das atividades e treinamentos do Capitão Hatter.
- Não me diga que o Capitão é maluco... – Ela brincou, fazendo menção as histórias de Alice, onde o criador de chapéus era totalmente maluco.
Rabbit deu de ombros, ainda mantendo o sorriso, que parecia interminável, no rosto. Hermione lavou o prato que usara para comer a torta, se dirigindo ao sofá uma vez que seu corpo avisara mais de uma vez que precisava descansar. Porém foi parada no meio do caminho por um Rabbit autoritário que apontava para seu dormitório.
- O sofá é meu, por favor.
- Por isso você o arrumou com tanto carinho. – Ela observou, brincando.
- Eu separei algumas roupas que você pode querer usar. – Ele disse, empurrando-a pelas costas para o quarto. – Estão dentro da última gaveta da cômoda. Eram roupas da minha irmã, mas, pelo que parece, ela tinha um gosto e manequim parecidos com o seu. – Hermione abriu a boca para falar, mas ele a interrompeu. – E não se preocupe, prefiro ver aquelas roupas sendo usadas.
Ao terminar de falar, ele baixou os lábios até o topo da cabeça da garota, beijando-a de leve e murmurando um ‘boa noite’ quase inaudível. Hermione sorriu, passando os braços pelo pescoço dele, o puxando num abraço que poderia ser interpretado de várias formas, porém naquele momento ele queria dizer: Obrigada.
Não havia como acordar com o sol naquela casa e muito menos com o barulho das coisas que aconteciam do lado de fora, devido ao caráter subterrâneo da casa de Rabbit, porém foi um ruído do lado de fora do quarto que acordou Hermione no que parecia ser uma manhã. Ela não havia demorado muito para conseguir dormir, devido ao excesso de cansaço que sentia, porém havia dormido um sono sem sonhos e tinha sua bochecha enterrada em um dos travesseiros na cama larga que Rabbit tinha.
O som era parecido com o de um liquidificador, mas muito mais silencioso do que o eletrodoméstico. Ela virou-se com as costas no colchão, encarando sem ver o teto escuro, enquanto abria os olhos devagar. Seu corpo parecia muito leve, agradecido pelo descanso merecido, mas ao mesmo tempo tão pesado que a impedia de levantar imediatamente. Ela suspirou, cerrando os olhos novamente.
Não sabia o que esperar daquele seu dia. Um dia onde seria largada em um acampamento cheio de rebeldes e sendo colocada em estratégias de luta por alguém que, provavelmente, teria um rosto conhecido por ela. Seria fácil, afinal ela era Hermione Granger, a primeira aluna de Hogwarts e aquela que ajudava Harry Potter em seus confrontos. Ajuda, ela lembrou a si mesma, abrindo os olhos finalmente, e pousando o braço delicadamente sobre a testa. Poderia ela ser a protagonista agora?
O barulho parara, mas agora eram os barulhos de passos apressados que a incomodavam. Devia estar mais do que na hora de ela levantar-se e arrumar-se, já que nem ela e muito menos Rabbit teriam o dia livre. Os passos aumentavam de volume, chegando perto da porta do quarto e se afastando de tempos em tempos. Rabbit devia estar arrumando alguma coisa. A garota levantou, afastando as cobertas para longe e, automaticamente, prendendo os cabelos em um coque no alto da cabeça.
- Hermione? – Rabbit batera com os nós dos dedos delicadamente na porta.
- Estou acordada! – Ela exclamou.
Acendeu a luz do dormitório, lutando contra a vontade de permanecer deitada. Rabbit não voltou a bater na porta, como sua mãe ou Gina normalmente fariam. Se tratando de Gina, ela pularia em sua cama ou afastaria as cortinas numa cantoria desafinada. A última gaveta da cômoda a qual Rabbit se referira estava cheia de roupas com as quais Hermione, com certeza, se identificava.
Ela puxou uma calça jeans e uma camiseta de manga longa e capuz, que pareciam bastante com algumas das roupas que ela usava no mundo humano. A dúvida a batia novamente... Será que Rabbit realmente não se importava em vê-la vestida com as roupas de sua irmã? E para Hermione, seria uma falta de respeito? Porém, as dúvidas foram afastadas de sua cabeça quando Rabbit voltou a bater à porta, dessa vez impaciente, porém sem largar seu tom gentil.
- Hermione? – Ele disse, ecoando o primeiro toque de seus dedos na porta. – Você não tomou seu café da manhã ainda, terei que fazer um caminho maior dessa vez e, além disso, estamos atrasados!
- E quando o Coelho Branco não está atrasado? – Ela brincou, abrindo a porta, depois de dar mais uma ajeitada nos fios castanhos e rebeldes que se amontoavam no coque em sua cabeça. A franja estava mais comportada, porém presa para trás.
Ao sair do quarto, ela pode perceber o porquê dos barulhos que ouvia. Havia bolsas de viagem e bolsas de tecido reciclável cheias de coisas espalhadas pela sala. As sacolas de tecido abrigavam vasilhas com comida e algumas estavam recheadas com saladas e carnes em sacos plásticos. Parecia que Rabbit havia recém chego de um supermercado e esquecera de desembalar suas compras.
- Para que tudo isso? – Ela apontou, correndo ao banheiro para se lavar.
- Rebeldes precisam de alimentos.
- Você os mantém?
- Eu os ajudo. – Ele corrigiu, apertando as sobrancelhas.
- Vamos levar tudo isso?
- Não, isso acabou de chegar. – Ele explicou, apontando a porta de saída. – Minha casa é quase como um depósito, já que não se podem guardar carnes e verduras para sempre em um acampamento, não é? A alimentação do acampamento é baseada em caças e pescas momentâneas, além do plantio de hortifrutis. Você poderá acompanhar esse processo hoje, claro.
- Tem certeza que eu vou ficar bem lá, sozinha? - Hermione tremeu dentro da roupa. Não podia negar, nem para si mesma que estava com medo. Medo do que, ela não sabia responder. Poderia ser medo do que as pessoas achariam dela como também medo do que se propusera a fazer. Roubar uma rainha, se infiltrando em seus domínios não era uma tarefa fácil e parecia cada vez mais impossível à medida que as histórias sobre os feitos da Rainha de Copas chegavam até ela.
Rabbit sacudiu a cabeça, dando de ombros. Ele não tinha nenhuma garantia para os temores dela, nem para os piores, quem dirá aos mais otimistas. Ele estendeu a mão, mostrando que uma barra de cereais seria o café da manhã da humana. Olhando ao redor, uma última vez, antes de sair para a floresta iluminada pelo sol, Hermione se deixou pensar mais uma vez na situação em que aqueles refugiados se encontravam. Como ela já havia constatado, não era uma situação diferente da de seu mundo.
O que Harry faria nesse momento? Ela pensou pesadamente, franzindo os olhos para a luz branca do sol enorme. Nada do que você não fará, alguma coisa disse dentro de sua cabeça, fazendo-a começar a andar. Ela realmente estava pronta para ajudar aquele povo, como estava pronta para ajudar o seu próprio povo. Além disso, a jovem bruxa portando uma varinha e um enorme conhecimento dentro de sua cabeça, tinha certeza de que se acontecesse o inverso, Rabbit os ajudaria contra Voldemort.
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