Quadrilha das Lagostas



Rabbit não caminhava tão rápido, mas seus passos eram tão largos e apressados, mesmo para as pernas longas, que chegava a ser delicado de tão desengonçado. Hermione caminhava ao seu lado, em silêncio, observando os movimentos dele enquanto tentava acompanhar seu ritmo, falhando ridiculamente na maioria das vezes. O que a fazia ficar para trás várias vezes.


- Você pode andar mais devagar? – Ela pediu, brava, quase correndo para alcançá-lo com suas passadas curtas dadas pelas pernas curtas de garota baixinha. Rabbit virou-se gracioso para trás, girando nos calcanhares. – Ou dar passadas mais curtas... Eu tenho pernas curtas!


- Eu só quero chegar até o Acampamento Xadrez antes do raiar do sol. – Rabbit tinha recolocado as mãos nos bolsos, enquanto esperava que a bruxa chegasse perto de si. Era um hábito viciante. Hermione mesma se via colocando as mãos nos bolsos, quando o via fazendo. – E isso deve acontecer em menos de dez horas!


- Fica muito longe daqui? – Perguntou ela.


Quando os dois recomeçaram a andar, Rabbit ainda não tinha respondido sua pergunta. Eles haviam saído da trilha há cerca de duas horas, floresta a dentro por uma espécie de trilha de sons animais que apenas ele parecia entender. Ele apurava os ouvidos e seguia os cantos dos pássaros e os movimentos dos animais terrestres nas folhas secas. Os animais poderiam estar errados... Ou não.


- Não. – Ele foi sucinto, afastando um galho grande e flexível.


- Como o dia pode virar noite daquele jeito? – Hermione perguntou, lembrando-se de seu susto horas atrás quando caiu com as nádegas no chão. Ela ainda não tinha visto, mas tinha certeza de que ficaria com belas marcas roxas.


- Aqui no País das Maravilhas, o dia e a noite tem exatamente doze horas. – Ele começou explicando, sem parar de andar. Sua voz era muito doce, apenas do tom arrastado. – O que quer dizer que não temos amanhecer ou crepúsculo. Tudo acontece muito rápido, como se o processo do mundo humano fosse acelerado em cem vezes.


- Isso não é estranho?


- Para quem nasceu e morou a vida inteira aqui, não é.


Hermione ficou em silêncio depois daquela resposta. Teria de acertar seu relógio depois que parassem de andar e ela lhe perguntasse o horário que ele veria em seu grande relógio de bolso. O Coelho Branco deveria ter um relógio de bolso, não? Rabbit recomeçou com seu ritmo acelerado de passadas, cansando sua seguidora em segundos. Ela não reclamou e nem tentou alcançá-lo, ficando para trás em questão de minutos.


- Estamos chegando. – Ela ouviu a voz fraca de Rabbit responder por entre um emaranhado de árvores que atrapalhavam a visão que ela tinha dele. – Hermione? – Ele chamou, provavelmente se virando para trás e voltando seu caminho, porque ela ouviu um grande farfalhar de folhas.


Hermione estava andando mais lentamente do que andava antes, arrastando-se por entre os galhos mais baixos das árvores, parecendo uma garotinha que havia se perdido dos pais. Porém, aquela expressão em seu rosto poderia ser interpretada da maneira correta se fossem encarados os fatos de que ela passara caminhando durante muito tempo a caminho do Castelo de Copas e que, se ainda estivesse no mundo humano, ela já estaria em sua cama, dormindo.


Rabbit fez muito barulho por entre as folhas no chão, enquanto afastava com força os galhos que chegavam à altura de seu rosto. A expressão em seu rosto misturava medo e preocupação, sensações que se dissolveram quando ele viu a bruxa se apoiando em um tronco de árvore próximo. Ela ergueu os olhos, encostando as costas no galho. Ela parecia tão frágil, praticamente pedia para ser embalada.


- Podemos parar? – Ela pediu, com os olhos pedintes.


- Por alguns minutos. – Rabbit acatou, abaixando-se para sentar-se no tapete de folhas, perto da árvore onde ela estava encostada. – Depois temos que voltar a andar. Se alguém nos encontrar aqui, perdemos as cabeças, os dois.


Hermione sorriu, abrindo o casaco grosso, enquanto colocava as blusas no chão para sentar-se sobre elas. Seu corpo parecia agradecer por ter, finalmente, seus músculos relaxados, mesmo que as nádegas reclamassem de ardor quando ela as depositou sobre as blusas, no chão tomado de folhas barulhentas.


- Porque você trabalha para a Rainha de Copas, se não aceita o que ela faz? – Hermione soltou, encostando a cabeça no tronco da árvore, perto demais de onde estava o rosto de Rabbit. Ele deteve-se pensando na resposta que não percebeu a proximidade.


- São negócios de família, na maior parte do tempo. – Ele começou, encarando alguma coisa em frente no escuro breu da floresta. – Esse poder de viajar por entre as dimensões é familiar e como a Rainha de Copas comanda o País das Maravilhas, os Cuniculus são quase obrigados a trabalhar para ela quando ela exige nossa presença.


- Ou, então, ela manda que lhe cortem a cabeça! – Hermione tomou na voz um tom muito parecido com o que ouvira no desenho de Alice que assistira ainda muito nova. A Rainha de Copas era uma fanfarrona, afinal de contas.


- Ou não. – Ele argumentou, virando-se para encarar o rosto da bruxa. Seus narizes quase se encostaram quando ele se virou, mas seu rosto não se afastou nem um centímetro do dela. – Apenas os Cuniculus tem o poder de viajar pelas dimensões e eu sou o último Cuniculus encarregado desse poder no País das Maravilhas. Ela se arriscaria a ficar ilhada se mandasse cortar minha cabeça.


Hermione conseguia sentir a respiração dele tocar a pele sensível de seu rosto, enquanto ele argumentava, ressentido com alguma coisa que ela não conseguiu captar. Então, realmente tinha razão quanto a ele ser o único que poderia mandá-la embora. Ninguém mais no País das Maravilhas tinha aquele poder.


- Você é muito importante aqui, então.


- Não o suficiente para ser reconhecido, ao que parece. – Comentou, tristonho.


- Você fala do Valete?


- Principalmente.


Rabbit virou-se para frente novamente, quebrando o que poderia ter sido um momento único. Hermione tremeu dentro do casaco, mesmo sem sentir frio. Ela queria que ele a tocasse, um sentimento que era estranho para ela. Um sentimento que ela não costumava sentir com alguém que não tivesse a arrogância e a humanidade de Draco. Ela estava inquieta com aquela sensação, tanto que seu rosto continuou virado na direção do dele, sedenta por alguma atenção.


- O que foi? – Ele percebera seu desconforto.


- Nada. – Hermione sacudiu a cabeça, encarando algo em frente de si como ele fazia, só que ela conseguia enxergar apenas uma escuridão absurda em frente de si, o que não era suficiente para fazer com que ela esquecesse da sensação. – Me fale sobre o Acampamento Xadrez. – Ela pediu, tentando desprender a atenção.


- O termo mais correto seria exército rebelde. – Ele sorriu. Um sorriso muito seguro de si, expondo os dentes claríssimos sem o mínimo ruído. – Somos liderados pela Rainha Branca e seu comandante Hatter. Como você já sabe, nossas intenções giram em torno da parada total dos desmatamentos do Reino de Copas. Ela está destruindo nossas florestas e pondo em risco a vida de todos, porque muitos perdem suas casas nos derrubamentos de árvores e esvaziamento de lagos e mares.


- Rainha Branca? – Hermione refletiu.


- Ela não é exatamente a Rainha Branca. – Ele explicou. – A verdadeira Rainha Branca vivia no País das Maravilhas quando Lewis Carroll esteve aqui, há muitos anos atrás. Infelizmente, ela foi assassinada pela Rainha de Copas algum tempo depois que Lewis foi excluído, por pura disputa de poder. – Ele bufou, revoltado. – O País das Maravilhas costumava ter dois reinos, o Xadrez e o Baralho, porém com a chegada da Rainha de Copas ao trono, tudo mudou. – Ele continuou, virando o rosto para o de Hermione novamente. O peito da jovem se inflou. – Selene é chamada de Rainha Branca, por ter atitudes e iniciativas somente antes vista durante o reinado da verdadeira Rainha Branca. Estamos caminhando para a retomada de um poder esquecido.


Estava claro o porquê de Rabbit ser um espião no Reino de Copas. Ele era o único com passe livre, sem limites dentro dos domínios mais íntimos da Rainha. Ele conhecia todos os planos e todas as passagens dimensionais. Era um aliado incrível, que fora pego por algum motivo pelas forças da rebelião. Do lado bom, aparentemente.


- Porque você escolheu esse lado? – A bruxa perguntou, fazendo eco aos seus pensamentos, usando de uma voz doce que parecia não vir de dentro dela. – Parece mais fácil pender pro lado ruim, às vezes.


- Quando cada membro da sua família perde a cabeça depois de dizer não aos planos da Rainha de Copas, aprende-se a pender para o lado contrário ao dela. – Ele confidenciou, tristemente, mantendo os olhos baixos. – Eu não sou apenas o último Cuniculus com poder. Eu sou o último Cuniculus, Hermione.


- Então está agindo por vingança?


- Estou agindo pelo que é certo. – Ele rebateu, direcionando os olhos para os dela, numa sinceridade absurdamente acreditável. – Se exigir vingança for o certo, então estou agindo por vingança.


Ela esperou em silêncio. Pelo que, exatamente, ela esperava, não tinha certeza, mas sabia que se ele não fizesse nada, seria ela a tomar a iniciativa. Agiria mais uma vez como aquela Hermione que ela procurava esquecer. Como pode ter sido tão diferente do que costumava ser? O rubor invadiu sua face ao lembrar daquela noite. Queria repeti-la mais do que tudo, mas como poderia admitir?


Rabbit mantinha os olhos nos dela, como se esperasse por alguma atitude dela, como ela estava esperando por parte dele. O que você ganha ficando parada? As palavras de Gina vieram com força em sua cabeça, lhe dando um choque de realidade. Hermione não ganharia nada esperando que ele fizesse alguma coisa.


Suas vontades deveriam ser saciadas e nada melhor do que uma boa dose da Hermione daquela noite para ajudá-la. Ela ergueu a mão esquerda, carregando-a devagar até chegar ao rosto de Rabbit. A pele dele estava gelada, mas à medida que sua mão avançava pela face até a base do pesco
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ço, ela foi descobrindo um calor explosivo. Porém, não foi ela quem teve de continuar com a iniciativa.


Rabbit pousou delicadamente os lábios em sua bochecha, fazendo o mesmo mais duas vezes, enquanto avançava pelo rosto dela até chegar a seus lábios, pousando assim, mais uma vez, delicadamente, os lábios nos dela. O gosto dos lábios dele tinha exatamente o mesmo gosto dos lábios de Draco. A sensação de tocá-los era exatamente a mesma, embora Rabbit fosse com menos sede ao pote.


Hermione deixou que sua mão descesse até as costas dele, puxando-o mais para perto de si, movendo-se rapidamente com o corpo para mais perto dele. Suas pernas se encostavam e seus lábios estavam mais rápidos na captura um do outro. Rabbit era muito gentil, seu toque era muito delicado, quase inexistente de tão suave.


Seus músculos estavam tensos, se contorcendo, enquanto Hermione respirava cada vez mais rápido. Os lábios cada vez mais urgentes, sendo correspondidos com lentidão, mas sendo correspondidos. As sensações que ela sentia não eram nada estranhas, mas agora estavam mais tensas, mais lentas, como se eles não estivessem no mesmo momento.


Hermione afastou a franja rebelde dos olhos, enquanto soltava os lábios dele por um instante. Era remorso o que ela começara a sentir de uma hora para outra? Aquele aperto em seu peito não tinha nada a ver com o aperto repentino nas calças de Rabbit. O que ela sentia se parecia cada vez mais com culpa.


- Tudo bem? – Ele perguntou.


- Vamos voltar a caminhar. - Ela disse de repente, levantando-se nas duas pernas. Ela não estava bem, isso se podia ver na expressão confusa em seu olhar. Com certeza aqueles rostos conhecidos com personalidades totalmente diferentes dos originais estava mexendo com as ideias dela.

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