Em Trânsito



Hermione havia avançado bastante em sua caminhada para quem havia deixado à base da figueira há apenas dez minutos. Seus pés já estavam reclamando de cansaço e os barulhos da floresta pareciam estar cessando, como se a noite estivesse chegando. As corujas preparavam-se para sair, mas o sol ainda estava a pino no céu. Ela parou de andar, desejando encontrar uma cama com um colchão bem fofo para ali deitar-se e se dedicar a acordar do que deveria ser um pesadelo mal desenhado.


Porém quando seus pés pararam, ela deteve-se a respirar fundo. Um respirar que não pode ser tão fundo quanto ela desejava, pois na mesma hora em que inspirava o ar leve da floresta, Hermione foi tomada de um susto tal que caiu sentada no chão. O dia havia ido embora em menos de dois segundos. Ela não conseguia entender como o sol, que estava a pino no céu, dera lugar tão rápido a uma lua duas vezes maior do que o natural, mas ele havia feito isso.


Agora, ao olhar para cima, a bruxa podia enxergar as numerosas estrelas estampadas em um lençol azul opaco. Suas nádegas estavam latejando, devido a batida exagerada no chão, mas ela não conseguia se levantar e muito menos mexer nenhum músculo. O País das Maravilhas não devia ser assustador, porém a escuridão repentina e o vento gelado que começara a bater de uma hora para a outra a estavam deixando com medo. Ela vestiu o casaco grosso que carregava consigo e apanhou a varinha de dentro do bolso de trás dos jeans.


Os barulhos noturnos eram quase insuportáveis agora, misturando corujas, grilos e o caminhar leve de esquilos e outro animais pelas folhas secas. Hermione apontou a varinha para a trilha em sua frente e recomeçou a andar, acendendo a varinha para iluminar seu caminho. Ela tentava não pensar muito em coisas que não faziam sentido naquele momento. Tentava se preocupar apenas em encontrar Rabbit e poder voltar para Hogwarts. Estava repetindo para si mesma o discurso que preparava quando ouviu estrondos que não tinham nada de florestal.


- Eu preciso ser mais clara. – Ela disse a si mesma em voz alta, entoando correções ao discurso, fazendo seus pés pararem. Os sons que ouvia eram como os de uma obra a pleno vapor no centro de alguma grande cidade. Eram estrondos e vozes graves repetitivas explodindo floresta adentro. – O que é isso?


Ela andou até onde pensava ser a raiz dos estrondos. Pareciam vir de uma das margens da trilha, onde havia uma grande clareira. Havia luzes fracas rodeando o lugar e um brilho ametista sendo liberado. Ela abaixou a varinha, murmurando rapidamente o feitiço que a faria desligar, andando com passos silenciosos até estar escondida atrás de um arbusto repolhudo. Era uma movimentação muito parecida com as obras das grandes cidades, só que ao invés de um mestre de obras, vestindo roupas protetores, ali quem comandava a movimentação era um homem vestido de vermelho e branco, usando um chapéu estranho em forma de coração.


Hermione estava errada. Aquela não era uma clareira, mas sim um pequeno lago totalmente redondo, de onde o brilho ametista tinha origem. Dentro da água, vários outros homens, usando roupas muito simples, mas que seguiam a mesma linha das roupas do comandante, usavam grandes peneiras para filtrar a água. Eram alguma forma de garimpeiro e estavam retirando de dentro do lago os objetos que brilhavam. A bruxa tinha quase certeza de que aqueles objetos eram pedras preciosas.


- E quanto à oferta dos humanos? – Perguntou o homem com o chapéu estranho a alguém. A pessoa a quem ele se dirigia estava escondida sem intenção atrás de alguns galhos, mas Hermione conseguiu reconhecer a voz que saiu de sua boca, em resposta ao homem de chapéu. Como poderia esquecer a voz de quem lhe era a única salvação naquele lugar?


- Os humanos desconfiam, principalmente porque eu nunca digo realmente de onde venho. – Rabbit respondeu, andando até um pouco mais perto do homem. Ainda usava o terno branco, mas seus cabelos acompridados estavam presos em um rabo de cavalo curtíssimo e baixo. – Eu não posso simplesmente ser um vendedor ambulante indo de porta em porta no mundo humano vendendo pedras preciosas tiradas de um mundo que eles pensam existir apenas na ficção.


- Então você tem de fazer melhor o seu trabalho! – Rebateu o homem de chapéu estranho, virando-se em direção a luz violeta, sendo possível, assim, que Hermione conseguisse ver seu rosto. Rosto esse que a fez levar a mão à boca. Porque todas as pessoas que conhecia tinham seus rostos estampados nos rostos dessas pessoas?


O homem de chapéu estranho era uma cópia perfeita de seu amigo Harry Potter. Os cabelos estavam achatados pelo chapéu e um dos olhos verdes escondido atrás de um tapa olho em formato de coração, assim como seu chapéu. Rabbit estava agitado perto dele, mas ainda assim mantinha a calma. Aquele homem parecia ser uma espécie de chefe para ele. A jovem conseguiu por um momento se livrar da tensão de ver mais um rosto conhecido ao imaginar uma cena como a que ela via com os verdadeiros colegas de Hogwarts. Era estranho imaginar Draco temeroso diante de Harry.


- Esse não é o meu trabalho! – Rabbit soltou, sem conter o tom de voz. – Eu sou um representante internacional da corte de copas e não um vendedor ambulante. A rainha deveria escolher alguém que pudesse fazer isso.


- Rabbit, - Começou o outro, respirando fundo. – se você não puder fazer as partes de negociador, em que mais poderia ajudar sua majestade? Você é responsável pelas relações internacionais do País das Maravilhas apenas porque, como o restante da sua família, é capaz de viajar pelas dimensões. O que será de você se não conseguir realizar as missões internacionais da Rainha de Copas? Eu lhe digo, será apenas um ascensorista. – Rabbit apertou as sobrancelhas. – E a oferta dos humanos?


- Eles querem conhecer o País das Maravilhas. – Rabbit disse, contrariado, tentando segurar a raiva que sentia dentro de si mesmo.


- Você disse onde conseguia as pedras?


- Não, mas eles querem conhecer o lugar de onde extrairão as pedras. – Ele explicou, afastando-se. – Já mandei meu relatório para o seu escritório, juntamente com as fichas dos futuros compradores.


- Verei. – O homem virou-se para o lago, sem dar muita atenção ao rapaz todo vestido de branco, que se afastava em passos largos para perto de onde Hermione estava escondida, sem notar que era ela quem mexia os arbustos. – Mas lembre-se de que não podemos confiar em nenhum humano depois do que Lewis Carroll nos fez.


- Nos vemos pela manhã, senhor Valete.


Rabbit saiu da clareira em passos largos, passando muito perto de onde Hermione espreitava. O coração da garota estava mais acelerado do que quando caíra no buraco do salgueiro, mas ele não percebeu onde ela estava, muito menos percebeu que ela o seguia por alguns metros, até que eles estavam distantes o bastante para que o Valete não os vissem. Ela tinha de agradecer que ele não resolvera correr como antes.


- Rabbit? – Ela chamou sem alterar muito o tom de voz. O rapaz virou a cabeça numa velocidade extrema, enquanto ela praticamente corria para perto dele. Dessa vez, ele não fugiu, mas a expressão em seu rosto era de pura decepção.


- Hermione. – Ele recitou, desgostoso, expirando muito forte. – Ainda está aqui?


- E se você não me mandar embora, vou ficar por muito tempo. – Ela disse, ríspida, em resposta ao tom dele. A culpa de ela estar ali era dele, ela estava ali contra sua vontade e era ele quem estava bravo? – Eu sei que só você pode me mandar para casa e sei também que, por alguma razão desconhecida, ainda me mantém aqui.


- Isso realmente é uma coisa complicada. – Rabbit suspirou, parecendo esquecer-se de que deveria ser um tanto desgostoso em suas palavras. Ele enfiou as mãos nos bolsos fundos, encostando-se de leve em uma grande árvore a beira da trilha que seguiam. – Você não poderia entender.


- Talvez se você tentasse me explicar, eu entendesse. – Ela tentou, aproximando-se da árvore. Ele tinha uma expressão em seu rosto, que a deixava com vontade de se aproximar cada vez mais. Era algum tipo de atração maluca? – Eu quero ir para casa!


- Olha, - Ele começou, tirando as mãos dos bolsos e gesticulando. – você chegou aqui por puro acidente, mas quem disse que sua ligação com o País das Maravilhas precisa ser um acidente também?


- Como? – Hermione tentou entender. Geralmente era muito boa nisso.


- Eu estou querendo dizer que você pode nos ajudar.


O que ajudar o País das Maravilhas e as ligações com o tal país tinham em comum, ela não conseguia entender, mas era óbvio que por trás dos motivos de ele mantê-la ali existiam motivos obscuros que envolviam usá-la. Muito bem, a face de Draco queria usá-la também em um país de outra dimensão. A atração que sentia quebrou-se quando seus neurônios informaram o que ele queria. Em alguns casos, ser a primeira aluna de Hogwarts tinha suas vantagens.


- Entendi. – Ela vociferou, cruzando os braços em frente ao peito. – Você quer que eu seja a humana de confiança que negocie suas pedras preciosas para as empresas humanas, é isso? E que, de preferência, não revele a existência do País das Maravilhas como fez Lewis Carroll... No seu caso, as aparências não enganam.


A face pálida de Rabbit coloriu-se de um vermelho arroxeado que Hermione nunca antes havia visto, como se o rapaz estivesse segurando o fôlego há um tempo exagerado. Porém, não era fôlego que ele estava segurando e sim uma gargalhada um tanto silenciosa, mesmo para o vácuo da floresta. A garota assustou-se com a atitude inesperada, lutando dentro de si para não pular no pescoço dele e sufocá-lo.


- O que? – Perguntou ele, depois de passado seu momento lúdico, sem entender uma palavra do que ela estava querendo dizer. A intenção dele nunca havia sido aquela.


- Isso mesmo que você ouviu! – Ela rebateu, deixando a voz aguda demais.


- Eu nem mesmo cheguei a pensar nisso, Hermione. – Ele enterrou as mãos nos bolsos, até que o mínimo resquício delas desapareceu no tecido branco. – Eu estava pensando em outro tipo de ligação com o País das Maravilhas. Uma ligação que vai fazer bem para você, para esse país e para mim, claro.


- Então, o que...?


- Eu não sou o tipo de vilão que você pensa que eu sou. – Ele baixou o tom de voz, chegando com o corpo mais perto do dela, sem abaixar a cabeça, o que a deixava com os olhos na altura do peito dele. – Eu nem ao menos sei por que você acha que eu sou um vilão. Eu merecia saber.


- Você é parecido com um garoto que eu conheço. – Ela disse, depois de um silencio constrangedor que durou mais do que devia. – Muito parecido, na verdade vocês dois parecem irmãos gêmeos, o que é muito estranho.


- Você gosta dele? – Rabbit perguntou, inocente.


A pergunta não era apropriada, já que Hermione estava em um momento não muito agradável por conta da velocidade com que seu peito pulsava e pela proximidade entre os dois. Ela tinha de se segurar para não explodir na Hermione que ela havia sido naquela noite em que encontrara... Ela não gostava de pensar naquela noite, mas ela veio em sua cabeça com a força das memórias mais agradáveis.


- Eu... – Ela começou, com os olhos fora de foco, pensando nas palavras adequadas. Preocupando-se em não ser sincera demais e nem em ser evasiva demais. – Acho que... Ah, ele me desperta um interesse sim.


- É assim que os humanos dizem que estão gostando de alguém?


- Eu não disse que gosto dele!


- A resposta evasiva disse o que você está evitando dizer.


- Por Merlin! – Ela estourou, cruzando os braços em frente ao peito. – Eu não quero ser o assunto e não sei por que você começou com isso. Quero saber que ligação você quer que eu tenha com o País das Maravilhas.


- Apesar de trabalhar para a Rainha de Copas – Ele começou, respirando demoradamente, baixando o tom de voz ao de um sussurro. -, eu quero evitar que ela continue desmatando o País das Maravilhas atrás das, tão queridas por ela, pedras preciosas que valem uma fortuna no mundo humano.


- Então?


- Então que, eu sou um espião no Reino de Copas, porque trabalho fiel e lealmente para o Acampamento Xadrez.

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