Predadores



As ondas batiam na rocha e respingavam neles. Ao longe, figuras cinzentas esvoaçavam em volta da construção que se erguia em meio ao oceano.


– Pelo jeito, os guardas já abandonaram o lugar. Eles o fazem todas as noites – Draco comentou.


– E o que impede que os Comensais apareçam? – Harry manteve o olhar fixo nas criaturas ao longe.


– Escudo. Você terá que retirá-lo – disse Draco. Harry lhe lançou um rápido olhar, de esguelha, e assentiu com um aceno.


– O que vamos fazer? – Hermione perguntou – Criar uma barreira para mantê-los afastados?


– Do que adiantaria afastá-los por agora se estarão de volta mais tarde? Temos que destruí-los. – Draco montou na vassoura e se afastou.


– Não gosto disso...


– Você, Jorge, Hermione e Gina se encarregarão de chegar ao prédio e barrar a aproximação deles – Harry sugeriu – Draco irá tentar entrar para libertar alguém – comentou vendo-o se afastar.


– Um Comensal? Como sabe?


– Ele não insistiria tanto se não tivesse um interesse particular nisso – Harry respondeu a Gina.


– Mas não vamos permitir, não é? – Hermione pediu confirmação – Não viemos para libertar ninguém.


– Só aos que jurarem fidelidade a mim... – Harry percebeu o silêncio que se seguiu e virou-se para os amigos, repando o olhar deles. – Desculpem, foi só uma brincadeira... – impulsionou-se levantando voo – Fiquem de olho no Draco – pediu a eles.


Seguiu em direção à prisão. Viu Draco à frente, uma figura prateada galopava ao seu lado, sentiu falta de Pontas, mas também receio, sentia-se muito diferente, teve medo de que pudesse não mais possuir a mesma forma, que tanto gostava.


Pareou com ele, o unicórnio prateado girou a cabeça em sua direção e sacudiu a crina. Pararam a poucos metros de distância e Harry se concentrou no escudo, o frio era intenso ali. Os outros se aproximaram com seus patronos.


– Esperem – Harry pediu a eles.


O mar começou a se revolver, uma parede líquida ergueu-se ladeando a construção até ultrapassá-la e caiu pesadamente arrastando muito deles para o fundo do oceano.


– Vão! – Harry seguiu em direção ao grupo que restara, quando se aproximou, desviou o curso atraindo a atenção deles, fazendo com que o seguissem para longe.


Outros se juntaram aos primeiros, ansiosos por uma presa fácil, começou a se sentir afetado, parou e se concentrou, logo seu escudo se fez visível por uma aura prateada que o envolveu e se projetou cercando-o. Os primeiros a se chocarem com ela recuaram e os demais a evitaram.


Viu os patronos deles percorrendo o topo do edifício. Espalhando água os demais começaram a emergir avançando na direção deles, famintos. Em instantes se viram cercados.


Sectusempra! – Draco agitava a varinha repetidas vezes, cortando. Pedaços de corpos cinzentos e viscosos caindo no oceano.


Mesmo assim continuavam, rodeando e se desviando. Harry abriu caminho até ele.


– Draco, me ajude a atraí-los para longe de Azkaban, deixe que nos sigam, entendeu?


Draco lhe lançou um olhar de quem não tinha compreendido bem, mas concordou com um aceno. Harry voou para longe enfraquecendo seu escudo, a maior parte preferiu acompanhá-lo. Desceu aproximando-se de Azkaban e depois voltou a subir indo em direção ao mar aberto.

Algum tempo depois Draco o alcançou acompanhado de perto por vários deles. O unicórnio galopava à frente, iluminando o caminho.


Quando a prisão se tornou apenas um ponto na escuridão Harry pediu que ele aparatasse, o unicórnio também desapareceu deixando-o na completa escuridão. Parou de ouvir o som do vento conforme o cortava, era como se estivesse momentaneamente surdo.


Mudava rapidamente de direção, desvencilhando-se deles, mas eles também eram ágeis. O frio familiar penetrando seu corpo, subiu o mais alto possível, concentrando-se no ambiente a sua volta. Teve dificuldade em realizá-lo, eles sugavam todo o calor, concentrou-se com maior intensidade, dependia disso.



Draco curvou o cabo da vassoura em direção à água e desceu até a construção. Um brilho vermelho alaranjado surgiu ao longe, bolas de fogo se espalhavam em todas as direções. Atacou alguns dos dementadores que ainda tentavam ultrapassar a proteção prateada formada pelos patronos que circulavam pelo local. Passou pelo Russell Terrier de Rony e pousou na cobertura.


– Onde está o Harry? – Gina o abordou.


– Deve estar vindo – olhou para o horizonte, onde alguns corpos em chamas se precipitavam em direção ao mar, mas àquela distância só avistavam pontos luminosos.


– Gina e eu vamos entrar e expulsar os que ainda estão lá dentro, vocês continuem impedindo os demais de se aproximarem – Hermione pediu.


Mantiveram seus patronos defendendo o principal acesso ao prédio, a cobertura. Alguns dementadores saíram, impelidos por elas e se juntaram aos demais, mantendo uma distância segura do prédio e de suas varinhas. Draco começou lentamente, a se dirigir à entrada.


– Aonde pensa que vai? – Harry surgiu barrando seu caminho, os cabelos ainda pingando, as roupas levemente úmidas.


– Buscar ajuda, precisaremos de alguém experiente, alguém que possa enfrentá-lo.


– Eu sei que está se arriscando muito estando aqui comigo – Harry ponderou – mas não viemos para libertar ninguém, a maioria dessas pessoas têm um motivo para estarem aqui... 


Rony e Jorge se aproximaram cautelosamente ainda vigiando os céus.


– Não importa! Grindelwald foi um bruxo...


– Grindelwald! Dumbledore pessoalmente o derrotou! – Rony comentou exasperado.


– Não posso deixar que você o solte – Harry avisou.


– Dumbledore não está mais aqui, e duvido que volte! Precisamos de alguém com coragem e experiência...


– Precisamos que você pare de tentar resolver as coisas atrapalhando tudo ainda mais! – Rony enfezou-se.


– Qual é o problema de vocês, querem ou não derrotá-lo?! E você, Potter? Disse que não faria, então deixe que alguém faça! Tudo bem que não se importe com a família de trouxas com a qual morava, mas eu me importo com a minha e é só uma questão de tempo para que ele mande...


– Meus tios? O que têm eles?


– Você ainda não sabe...?


Harry olhou para os amigos, Rony lhe devolveu o mesmo olhar confuso, Jorge pareceu encabular.


– A Ordem disse que queria te contar pessoalmente... para evitar que fizesse alguma bobagem... Pensei que já estivessem sabendo... – desculpou-se.


Harry os encarou assustado, impulsionou-se rumo ao céu e se afastou, sumindo na noite. Draco aproveitou e seguiu em direção à entrada.


– Nem ouse! – Rony atravessou na sua frente, a varinha apontada para a sua garganta.


Hermione e Gina apareceram à porta e Draco estreitou os olhos para ele.


– Esfriem os ânimos – Jorge parou entre ambos e fez com que baixassem as varinhas – Ou eu mesmo farei com que façam isso – ameaçou.




Desde que seu padrinho o buscara, no ano anterior, não tinha se imaginando voltando para aquele lugar. A casa do número quatro estava às escuras, mas isso não significava muita coisa. Havia movimento nas casas vizinhas, som do noticiário e vozes.


Reparou o carro do seu tio Válter na garagem e hesitou em frente à entrada, não sabia o que diria se os encontrasse apenas dormindo, considerou que Draco poderia ter mentido para tirá-lo do caminho, mas então, Jorge estaria brincando, não era um assunto para piadas.


Levou muito tempo olhando para a porta até se decidir, ela se abriu lenta e silenciosamente, entrou. Passou pelo hall e foi para a sala, imediatamente constatou que era verdade. Fez com que as luzes se acendessem e olhou em volta avaliando o local, estava tudo silencioso.


Tinha vivido por muito tempo naquela casa, mesmo assim não conseguia vê-la como um lar, porém, encontrá-la daquele jeito, tão fora de ordem, fez com que se sentisse mal.


Seguiu pelo corredor até chegar à cozinha, um cheiro repulsivo chegou até ele. Olhou em volta procurando, aproximou-se da pia e passou a mão pela bancada, poeira. Sua tia Petúnia nunca deixaria que aquilo acontecesse em sua cozinha imaculadamente limpa.


Impulsionou-se escada acima e parou quando chegou ao topo, o cheiro era mais forte ali. Não teve certeza de que queria ir adiante, perguntou-se o que tinha acontecido com a proteção que deveria existir ali, se sua ausência estava ligada ao sumiço do Diretor, as palavras de Draco soaram nítidas em seus ouvidos, vinte dias era muito tempo.


A porta do quarto que um dia tinha sido seu era a única aberta. Verificou o banheiro quando passou por ele, parou em frente ao quarto e entrou. Deixou que seus pés tocassem novamente o chão enquanto olhava ao redor, um tremor percorreu seu corpo, fechou as mãos com força enquanto se controlava para aplacar sua fúria.

A sala estava bagunçada, mas todo o seu quarto tinha sido revirado, os móveis, destruídos. O cheiro dele estava impregnando todo o cômodo. Saiu do quarto e seguiu em direção à figura, que agora se encontrava parada no final do corredor.


– O que está fazendo aqui?! – Harry proferiu com raiva – Isso aqui não é território seu!


– Tenho estado te esperando há dias. – Fenrir exibia marcas de luta, no peito nu.


Harry sabia quais tinham sido as garras causadoras daquelas marcas.


– Onde estão meus tios?


– Pergunte ao seu novo protetor – sugeriu com desdém enquanto se aproximava. – Eu não tive nenhuma participação nisso, mas gostei da ideia, deduzi que antes de ir até ele você viria até aqui ver com seus próprios olhos. O velho Lorde está ficando tolo e descuidado... – comentou com sarcasmo.


– O que você quer afinal? Não te basta ter perdido a confiança e a proteção dele...?


– Não preciso da proteção de ninguém!! – Fenrir o cortou furioso – E agora, que tenho novamente o apoio da irmandade... Ah, é, não te contei ainda, eles já sabem que você está vivo...


– Eu já sabia disso – seus lábios se retesaram em aversão – E não tenho tempo a perder com você! – impulsionou-se se afastando.


– Essa é só a má notícia! – Fenrir gritou para chamar sua atenção – A boa, é que me incumbiram de resolver esse pequeno e insistente problema em nome deles... 

Harry o olhou com nojo e voltou a se afastar.

– Vai continuar se escondendo e deixando que outros morram por você?! – Fenrir cuspiu mostrando as presas. – Aquele animal idiota, aquela aberração disfarçada de lobisomem... 


– O quê!? Lupin...? – Harry perguntou voltando ao chão.


– Ele achou que podia me desafiar – sorriu maliciosamente vendo-o se aproximar encarando-o com ferocidade. – Foi tão fácil...


– O que você fez?! – perguntou entre dentes mal ousando mentalizar aquilo.


– Talvez eu ainda tenha alguma coisa pra você, alguma lembrança – olhou rapidamente para a porta às suas costas – Se conseguir passar por mim...


Fenrir agitou-se no ar tentando voltar ao chão, colidiu violentamente com o teto e depois, com a parede. O urro após o forte baque confirmou que alguma coisa tinha se quebrado rolou estrondosamente pela escada, por onde foi arremessado.


Harry parou à porta do quarto de seus tios e se apoiou no batente, ainda estava se sentindo fraco do ataque aos dementadores, deixou que a fúria o dominasse para conseguir continuar. O cheiro era nauseante ali. Deu alguns passos em direção à cama e fez com que os lençóis sujos, que a cobriam, se afastassem.


Com certeza eram o resto de algum animal, mas não os reconheceu como sendo de Lupin, já o tinha visto como lobisomem e seus pelos não tinham aquela coloração, não ficou aliviado por isso, fora Sirius, nunca tinha visto nenhum dos outros transformados.


– Greyback!! – Chamou-o com ira, não tinha tempo a perder com joguinhos.


Aparatou no andar de baixo e olhou em volta, a cozinha estava vazia, verificou todo o andar, o armário sob as escadas, não estava na sala também. A porta da frente ainda estava aberta, fez com que se fechasse.

Voltou ao corredor de cima, apurou sua audição registrando cada ranger das madeiras. A porta do quarto de seu primo era a única ainda fechada. Precipitou-se em sua direção e fez com que se abrisse.

O forte odor de putrefação o engolfou paralisando-o à entrada. Levou a mão trêmula à boca e viu suas unhas se transformarem em garras, todo o seu corpo parecia estar queimando. Virou-se quando percebeu o movimento do animal às suas costas, atracaram-se. Desapareceram tão rápido que nem chegaram a tocar o chão.


**
 

Irina olhou bem ao redor, procurando algum rastro, não havia nada ali também. Tinha passado a noite inteira procurando, logo amanheceria.


Quando os viu retornando e perguntando por Harry, tinha chegado a pensar que ele tinha quebrado sua promessa, e aproveitado para partir. Isso a tinha deixado decepcionada. Aguardou que os Weasley obrigassem Draco Malfoy e Gina Weasley a retornarem pela lareira e convenceu Hermione a deixar que os acompanhassem até a casa para onde, supostamente, ele tinha ido.


Depois de ver o que tinha sido feito ali a mágoa se dissipou completamente. Compreendeu o motivo que poderia tê-lo motivado a ir em busca de vingança, era revoltante e cruel, sempre concedera aos seus inimigos mortes rápidas e limpas, aquele não era o tipo de esporte do qual gostasse. Teve certeza de que, no lugar de Harry, teria feito a mesma coisa.


Estudou os restos encontrados ali, não mais de uma semana, afirmou a eles, tinham ficado chocados demais com o que viram e não quiseram se aproximar. Pelo estado das paredes e móveis, nos quais os fluídos corpóreos haviam se espalhado, concluiu que tinha sido uma morte lenta e agonizante.

Agachou-se diante de parte do dorso, tentando descobrir como tinha feito para não chamar a atenção de nenhum dos vizinhos que pareciam, naquele momento, muito interessados na chegada deles, ainda os vigiavam de suas janelas.


– Irina... – Jorge a chamou do corredor. Ela se levantou e foi até ele.


– Desculpe, me distraí.


No outro quarto encontraram uma parte, destroçada, dos restos de um animal, não conseguiu identificar a qual espécie havia pertencido, não era um animal comum. No quarto destruído, sem o odor da putrefação, era fácil distinguir o cheiro e os rastros do predador, pelo o que encontrou identificou-o como um animal forte e insano.


Ouviu o relato deles sobre o lobisomem que chamavam de Greyback, já havia conhecido muitos lobisomens e até lutado com alguns, eram descontrolados e violentos por natureza. Aquele, em especial,  parecia ser o tipo de oponente que teria lhe dado muito prazer enfrentar, apenas pelo fato de poder livrar a todos de tal aberração. Por causa de tipos como ele os predadores da noite eram tão desconsiderados e perseguidos.


– A fêmea humana era bem jovem, creio que ele só estivesse se alimentando – Irina relatou a eles – Mas parece que ele gosta de usar de crueldade para se divertir nesses momentos.


– Será que os tios dele ainda estão vivos? – Rony murmurou, ainda chocado.


– Depois de ver tudo isso aqui eu diria que não – Jorge estava muito pálido e sério, parecia ter amadurecido de repente – Ele pode estar pensando a mesma coisa, pode ter ido atrás de Vocês-Sabem-Quem ou... só pirou...


– Deve estar se culpando...  –  Hermione jogou a cabeça para trás olhando para teto, os olhos úmidos. – Vamos deixar tudo aquilo lá? – perguntou indicando o andar de cima.


– Acho que outros poderão se encarregar disso – Irina apontou as luzes coloridas que se aproximavam iluminando o cômodo da frente.


Quando retornaram descobriram que ele não tinha voltado ainda. De meia em meia hora Irina conferia o sinal do celular e consultava a caixa de mensagens, os gêmeos tinham ficado de avisar caso ele aparecesse, o irmão, Ronald, parecia confiante de que estivesse bem e Hermione havia confirmado, após mais uma vez, tentar conseguir uma mensagem pelo cordão, que deixá-los preocupados era uma especialidade dele, assim como a de se meter em confusão, o que não a deixava nada tranquila.


Irina encarregou-se de procurar por todos os arredores enquanto eles se concentrariam em lugares nos quais tinham estado anteriormente, não conseguiram pensar em alguém a quem ele pudesse ter ido procurar. Estava começando a desejar que ele simplesmente tivesse partido em busca de vingança, seria mais fácil encontrá-lo se estivesse em uma ilha.


Montou na moto novamente e continuou sua procura. Os terrenos de sua propriedade tinham sido o segundo lugar no qual procurara, o primeiro havia sido os arredores do parque de diversões. Não havia muitos lugares que ele conhecesse ali, repentinamente lembrou-se do lugar não muito além do limite de suas terras que ele parecia ter gostado, afinal, fora lá que marcara o encontro de despedida. Repreendeu-se por ter se descuidado daquele fato.


Assim que avistou o corpo saltou da moto deixando que tombasse na neve, arrancou a capa e a jogou sobre ela. Passou os olhos por toda a cena fazendo o primeiro exame. Não havia mais nada a ser feito, estava morto. O cheiro fez com que sentisse sede. O sangue, ainda fresco, manchava uma grande extensão, onde, provavelmente, uma luta havia sido travada.


Acompanhou com o olhar o rastro deixado pelo animal causador de todo aquele estrago. Puxou os sais que trazia presos nos canos de suas botas e avançou cautelosamente em direção à caverna. Não precisou adentrar muito para encontrá-lo, agachou-se e se aproximou sorrateiramente, estava vivo, mas muito ferido.


Ficou parada contemplando-o, era só um predador, guardou novamente suas armas, achou-o um animal lindo, triste vê-lo morrendo ali, sozinho. Aproximou-se um pouco mais, reparando o sangue que manchava seu pêlo branco, perguntou-se que arma poderia, o homem, ter usado para causar aquilo, não tinha visto nenhuma próximo ao corpo.

Decidiu fazer o possível para aliviar seu sofrimento, esticou a mão para tocá-lo, nunca tinha se sentido tão fascinada por um animal, não tinha por costume mantê-los por estimação.


Ele abriu os olhos e olhou diretamente para ela como se sua presença já fosse sabida, mas não reagiu reconhecendo-a como uma ameaça, o que geralmente acontecia num encontro de predadores, não tentou se mexer, apenas a olhou, e seu olhar não era o de um predador naquele momento.

Irina correu de volta para a entrada da caverna, procurando sinal para o seu celular, discou os números rapidamente.



Voltou apressadamente para perto dele, ele continuou imóvel, o olhar perdido para a escuridão.


– Já pedi ajuda – murmurou agachando-se ao seu lado esperando que ele reagisse de alguma forma. – Eu vi o corpo lá fora ...


Ele se mexeu, tentou se afastar, arrastando-se para o fundo da caverna.


– Não! Não se mexa, fique...


Ele a surpreendeu mostrando as presas num esgar ameaçador, um rugido baixo saindo de sua garganta.


– Tudo bem.... – ela tirou a mão de cima dele lentamente – Não vou te machucar e sei que você não vai me machucar também. Vamos controlar nossos instintos, OK?


Ficou aguardando, imóvel. O corpo dele voltou a relaxar, e ele apoiou a cabeça entre as patas voltando a fitar o vazio. Lentamente ela baixou a mão e afagou seu pêlo, ele não se importou. Começou a verificar seus ferimentos.


– Eu vou cuidar de você, mas vou precisar que colabore...


– Irina...? – ouviu Nicolae chamando-a da entrada.


– Aqui – ela respondeu em voz baixa para não assustá-lo, mas ele parecia já estar muito distante naquele momento.


– O que houve por aqui? Alguém andou se divertindo? – Nicolae perguntou curioso. Aproximou-se observando-os e depositou a caixa no chão – Ora... é um bonito animal, mas sabe que não pode ficar com ele, não são domesticáveis... Você não deveria estar procurando o garoto?


Irina pegou a varinha e colocou-a em sua mão.


– Ajude-o a voltar ao normal, você deve se lembrar como se faz isso...


– Mas que... – Nicolae o analisou mais atentamente – Foi ele que matou …?


– Shhhh! Isso não importa agora – Irina o silenciou. – Preciso que ele volte ao normal para cuidar dele – despejou água destilada sobre o pêlo, lavando as feridas.


– Sabe que eu não posso fazer magia...


– Por favor, ele pode morrer! Eu mesma matarei a todos que vierem atrás de você – ela apelou. Lentamente o virou para deitá-lo de costas.


– Só os que eu deixar sobreviver... – Nicolae apontou a varinha pra ele.


Paralisaram por um tempo enquanto o observavam, Irina foi a primeira a agir, rasgando o que ainda restava da blusa e lavando o sangue para ter uma visão melhor dos cortes.


– Harry... – Irina o chamou enquanto trabalhava agilmente – Quero que fique acordado, está bem? – ele entreabriu os olhos girando-os em direção à sua voz. – Seus amigos estão preocupados... 

Olhou para a ferida aberta sobre as costelas, cobrindo todo o flanco direito, onde seu braço também se encontrava gravemente ferido, uma parte havia sido dilacerada a dentadas. Ela e Nicolae trocaram um olhar preocupado.


– Talvez tenhamos chegado tarde demais... – ele considerou.


– Nenhum órgão interno parece ter sido atingido – ela lavou o corte e passou a gaze em volta enquanto se aproximava para ver melhor. – Lembra de quando encontramos Pável? Vou precisar de linha e agulha para a sutura.


Harry desviou o olhar para onde ele tinha estado, sem saber se tinha aparatado ou simplesmente saído. Irina destampou um vidro e o cheiro do líquido espalhou-se rapidamente, reconheceu-o de imediato. Olhou para o teto escuro da caverna, esperando, enquanto ela começava a desinfetar os ferimentos.


– Abra os olhos, eu preciso que você fique comigo – Irina pediu passando a mão pelo seu rosto e ajeitou seus óculos. – Fiz você prometer que voltaria mas esqueci de dizer que era pra fazer isso inteiro... não me deixe esquecer da próxima vez.


Abaixou-se beijando seus lábios pálidos e continuou a fazer os curativos onde era possível.


– Deixei um recado na loja dos Weasley – ela continuou, tentando mantê-lo desperto – Com um dos gêmeos. Procuramos por você a noite inteira... fomos até Little Whinging – olhou em direção à entrada, ansiosa. – Deveria ter chamado Ksenya, ela não demoraria tanto... – reclamou.


Harry olhou para baixo, levou a mão ao braço direito que estava pesado demais para que conseguisse movê-lo. Ela acompanhou seu movimento.


– Sinto muito... Eu deveria ter vindo pra cá primeiro, perdi tempo vasculhando lugares inúteis – ela passou as costas da mão pela testa.


– Não quero que eles saibam – Harry sussurrou.


A voz dele após tanto tempo em silêncio a surpreendeu. Pelos olhos dele soube o que o estava incomodando.


– Não se preocupe... Por que demorou tanto? – virou-se para a entrada quando os ouviu se aproximando. Mihail trazia uma maleta nas mãos.


– Ele está reagindo...? – Nicolae agachou ao seu lado e gesticulou para que Mihail se aproximasse – Demoramos para achar anestesia, tive que acordar um dos nossos veterinários, ele demorou a despertar...


Harry tentou se erguer, suprimiu um gemido e levou a mão às costelas retirando as gazes que cobriam o rasgo feito pelas garras dele. Fechou os olhos tentando não se lembrar do momento em que tinha sido feito.


– Os outros também vieram ajudar – Mihail comentou enquanto preparava a injeção.


– Esperem... – Irina ergueu a mão enquanto observava o que ele estava fazendo.


– Não sabia que também podiam fazer isso... – Mihail se admirou.


– Eu também não – Nicolae confessou.


Quando terminou de fechar o corte, Harry deixou-se pousar novamente no chão, incapaz de tentar qualquer outra coisa. Percebeu a luz alaranjada que estava iluminando a entrada da caverna. A claridade sofreu uma leve interferência, segundos depois ele estava ao lado de Nicolae.


– O que estão fazendo lá fora? – Irina perguntou a Ubayd.


– Tristan achou melhor fazer uma fogueira. – Ubayd agachou-se ao lado de Harry estudando suas feições. – Ele está muito pálido, não vai precisar de transfusão? – trocou um rápido olhar com eles.


– Podemos levá-lo até a clínica médica – Mihail sugeriu – É praticamente nossa mesmo, de qualquer forma, vamos pagar pelo estrago que fizermos.


– Nicolae... – Irina pediu enquanto o erguia – Precisa levá-lo, ele não aguentará uma viagem de carro.


– Vocês só têm três horas até que a clínica abra – Ubayd avisou.


– Encontrem a gente lá. – Nicolae pediu enquanto o sustentava. Antes que aparatassem elas não estavam mais com eles.




– Ainda acho que teria sido melhor o sangue – disse Mihail.


– Ele preferiu assim, não tínhamos tempo para exames – Nicolae respondeu.


– Já estou me sentindo melhor – Harry disse a eles enquanto Irina limpava os arranhões em sua perna, esticou a mão com cuidado, para que a agulha do soro não se soltasse do seu braço, e fechou aqueles cortes.


– Harry, quando ele chegou a te morder... – Nicolae saiu da janela, de onde vigiava a entrada, e se aproximou. – Você ainda era humano?


O armário se abriu e os objetos flutuaram à frente enquanto ele procurava, escolheu os que queria, fazendo com que voassem para a sua mão, os demais voltaram aos seus lugares.


– Não sei...


– Não se desgaste – Mihail pediu a ele – Você ainda não parece estar bem.


– Foi tudo muito rápido – Harry molhou o algodão com o líquido do vidro e limpou o bisturi.


– É bom que você se lembre – Nicolae pediu. – Fará muita diferença quando anoitecer.


Harry ergueu os olhos para ele e depois voltou a se concentrar no que estava fazendo.


– Não! Não faça isso!


Harry se assustou quando Irina segurou sua mão, estava se preparando para reabrir antigas feridas.


– Você já perdeu muito sangue, o que está querendo fazer?


– Desculpem, tudo isso me deixou com sede, não dá mais pra esperar... Vejo vocês em casa. – Mihail se despediu.


– Eu volto daqui a pouco – Nicolae a seguiu, Harry reparou que pareciam ir em direção ao freezer.


– Quero me livrar dessa outra recordação que ele me deixou – ele tentou se soltar mas Irina tirou o bisturi de sua mão.


– Eu gosto dessas – ela passou os dedos pelas marcas em seu peito, deixadas pelas garras de Fenrir durante o primeiro ataque sofrido. – Todo guerreiro ostenta suas marcas de batalha. Eu também tenho as minhas...


– Eu não gosto ... – murmurou enquanto Irina as beijava – Mas talvez eu possa me acostumar...


Irina continuou beijando-o, refrescando sua pele afogueada com o toque dos seus lábios, subindo em direção ao seu pescoço.

Harry deslizou os dedos pelo seu rosto, contornando suas feições delicadas. Ela afastou sua mão e explorou sua boca com a urgência de quem tenta desafiar a morte. Harry a afastou quando sentiu as presas dela em contato com a sua língua.


– Irina... – pousou a mão no pescoço dela, mantendo-a afastada enquanto acariciava seu maxilar – Ainda sinto o gosto do sangue dele na minha boca... – desculpou-se.


– Você vai se acostumar – ela beijou sua mão. Ele se afastou levantando-se.


– Não preciso me acostumar, não vai acontecer de novo – afirmou enquanto tentava manter-se de pé.


– Tá na hora! – Nicolae entrou às pressas, verificando se todas as coisas estavam em seus lugares.


Irina retirou a agulha de seu braço que no instante seguinte desapareceu juntamente com o frasco.


– Pode deixar, eu te levo – Nicolae se prontificou parecendo bem mais disposto – Um último ato mágico, de despedida.


– Não posso chegar na loja desse jeito, vão fazer perguntas – olhou para as calças rasgadas e os curativos sob a capa que usava , não teria como não repararem.


– Não vão te ver assim – Irina o tranquilizou – Leve-o direto para casa – Irina pediu a Nicolae – Encontro vocês lá.


Ouviram o motor de uma moto roncando antes de partirem.




– Desculpe estar dando tanto trabalho – Harry disse a ele quando chegaram a um dos quartos da casa, a Sra Maddy os tinha recepcionado e prometido subir em seguida.


– Desde que você chegou aqui eu tinha a impressão de que as coisas iriam começar a se animar – Nicolae retirou a varinha do bolso e estendeu a ele.


– Pode ficar com ela, se a quiser.


– Não posso mais fazer magia, já me arrisquei muito por hoje – ficou olhando para a varinha como se ela estivesse lhe dizendo algo.


– Por quê? Quem te proibiu? – acomodou-se numa poltrona, ainda se sentindo indisposto.


– Bruxos e vampiros nem sempre tiveram uma convivência pacífica, pouquíssimos bruxos se tornaram vampiros até hoje, quase nenhum sobreviveu, foram considerados uma ameaça, conhecendo suas fraquezas e tendo a vantagem de contar com magia poderiam vencê-los facilmente. – Nicolae depositou a varinha sobre a mesinha de cabeceira – Tive sorte de encontrar Strickland e os outros, estava sozinho, desprezado pelos bruxos como se fosse portador de uma doença contagiosa e em risco de ser esquartejado e jogado ao fogo se algum vampiro me descobrisse... – olhou-o nos olhos e sorriu – Você terá muito tempo para ouvir a todas essas histórias...


A Sra. Maddy entrou carregando uma bandeja e Harry se obrigou a comer tudo o que continha.


– Vou buscar roupas pra você – Nicolae partiu e Harry ficou sozinho se perguntando o porquê de Irina estar demorando tanto.


Continuou comendo, aliviado por ter algo para substituir aquele gosto que predominava em sua boca. Enrijeceu-se quando ela agachou ao seu lado, reparou seu olhar curioso. De todos, ela era a que menos chamava a atenção, vestia-se normalmente, os longos cabelos escuros e cacheados presos num rabo de cavalo, uma garota normal, diria, inquietantemente normal.


– Até que você parece estar muito bem, levando em consideração o estado em que ele ficou – Ksenya segurou a mão dele e Harry colocou a bandeja de lado. – Devem ser garras poderosas, praticamente o esquartejou...


– Eu não fiz aquilo por querer – Harry se levantou. – Não tenho orgulho disso.


– Ksenya... – Irina a cumprimentou quando entrou acompanhada por Nicolae. – Não deveria estar lá em baixo? – colocou a mochila dele sobre a cama. Harry não perdeu tempo fazendo perguntas.


– Depois de tanta expectativa, quem vai conseguir dormir?


Harry pegou a mochila e foi para o banheiro, faria qualquer coisa para esquecer o ocorrido, não sabia como enfrentar aquilo e não poderia contar com os amigos agora. Lembrar deles fez com que se sentisse sujo, um traidor.


Evitou olhar a própria imagem no espelho, depois de todos aqueles sonhos e o acontecido naquela noite, não tinha certeza do que veria. Livrou-se dos curativos e tomou um banho demorado tentando se sentir realmente limpo. Depois de se aprontar, saiu e os encontrou ainda discutindo o assunto.


– Obrigado por tudo – Harry os interrompeu, despedindo-se.


– Para onde pensa que vai? – Irina perguntou ao vê-lo arrumado.


– Preciso ir, tenho algumas coisas a fazer...


– Depois que você descansar, estamos todos exaustos – Nicolae considerou e o guiou em direção às escadas.


– Não tenho tempo para dormir...


– Você não está recuperado, só está conseguindo se manter de pé. – Irina tirou a mochila de suas mãos.

Desceram as escadas e seguiram pelo corredor.


– Pra onde estamos indo? – Harry hesitou olhando para a entrada do porão.


– O que foi? – Ksenya perguntou ao passar por ele – Tem medo de vampiros, matador de lobisomens? – ela passou pela porta e sumiu na escuridão.


– Não ligue para ela – Nicolae a seguiu desaparecendo também.


– A lealdade é muito importante para nós – Irina tocou seu rosto olhando-o nos olhos – Você sabe que eu nunca vou te trair, não é?


– Sim... quero, eu preciso... – murmurou. O que menos queria era se ver cada vez mais parecido com Voldemort, desconfiando de tudo e todos.


– Então confie em mim... Além do mais, você não tem medo da morte... – Irina estendeu a mão para ele.


– Agora a minha vida pertence a você... – Harry segurou a mão dela – E não consigo pensar em uma maneira melhor de morrer que não seja em tuas mãos – deixou-se guiar escada abaixo.


A escuridão era total, deixou que ela o conduzisse por um local acarpetado até que chegassem no que lhe pareceu ser um corredor e virassem à esquerda.


– Os outros não estão aqui? – perguntou percebendo o silêncio em volta deles.


– Devem estar lá embaixo, na cozinha.


– Há outro andar abaixo? – sentiu-se curioso – Deve ser bem grande... – lamentou ter esquecido a varinha no quarto.


– Ah, desculpe... eu esqueci – Irina o soltou – Não se mexa – pediu enquanto se afastava. O corredor se iluminou. Ele olhou tudo ao redor. – Não costumamos usá-la, somente o pessoal, quando descem aqui à noite.


O porão parecia uma continuação do resto da casa, a decoração era a mesma. O longo corredor continuava após uma curva. Entraram em um dos quartos, Irina acendeu as luzes e fechou a porta.


– Se parece com o meu... – Harry comentou reparando as coisas espalhadas por ali.


Agachou-se diante de uma pilha de revistas e verificou as capas, revistas científicas. Ela colocou a mochila sobre uma poltrona e suas armas ao lado do som, fez com que se levantasse e despisse o sobretudo, depois o conduziu até a cama.


– Imagino que você não esteja querendo falar sobre o que aconteceu, mas vai ser bom desabafar – ela segurou suas mãos – Não quero que você se envergonhe do que você é, você só estava se defendendo.


Harry suspirou olhando ao redor, falar com ela era tão fácil. Não havia medo de que ela pudesse se assustar ou achá-lo estranho. Apertou, gentilmente, as mãos dela.


– Na hora eu não pensei... não pensei que o estava matando, eu só queria fazer – confessou.


– Seguiu seus instintos, não há nada de errado nisso.


– Claro que há, ele está morto... – esticou-se na cama e ficou fitando o teto. – Não posso voltar a encarar meus amigos...


– Por enquanto não – ela concordou deitando-se ao seu lado. – Mas o que seria certo pra você, ele sobreviver e continuar atacando inocentes? Eu vi o que ele fez naquela casa.


– Tenho medo de ficar cada vez mais parecido com ele, Voldemort – Harry confessou num murmúrio – É por isso que eu tenho que ir, Irina – ela se virou para ele e pousou a mão em seu peito, acariciando as marcas que ali estavam.


– Você não ficará igual a ninguém, você é uma combinação única. E há outros meios de impedir que ele continue matando por aí, se é o que quer fazer. Ele é só um bruxo, Harry, acredito que você nunca chegou a conhecer uma criatura malévola de verdade, das que expiram maldade e se alimentam da dor e desgraça alheia... Nós já vimos o próprio mal...


Harry tocou a mão dela e Irina entrelaçou seus dedos.


– Eu preferiria que você não o tivesse matado, para não ver seus olhos assim tão tristes, agora... E ter o prazer de fazer isso eu mesma, ele era um lixo! Não se lastime por ele.


– Não cabe a mim julgar e condenar... e se não fosse? Agi por impulso, posso ter acabado de destruir uma família, assim como ele fez com a minha. O que eu diria aos filhos dele se os encontrasse depois? Que o pai deles mereceu? Eles nunca teriam a chance de saber quem ele foi de verdade...


– Você poderia dizer “Sinto muito, lamento ter tido que matá-lo, mas era a minha vida ou a dele”... Foi isso o que eu disse a ela na época. Éramos caçados como seres possuídos ou vindos do próprio inferno, eu tive que me defender.


– É sério? – Harry virou-se para ela também.


– Sim... há muito tempo – ela passou os dedos pelo contorno do seu rosto. – Ela era muito pequena para entender isso e o pai era a única pessoa que ela tinha. Ele deveria ter pensado nela acima de qualquer outra coisa.


– E o que aconteceu com ela, a garota?


– Eu a criei como minha filha, até que ela atingisse a maturidade... foi uma forma de realizar um desejo que o destino tinha me tirado, o de ser mãe... Mas lobisomens também não podem procriar, imagine se pudessem, várias matilhas de incontroláveis criaturinhas, correndo por aí, mordendo todos que vissem pela frente – ela sorriu – Quando você disse “filhos” estava se referindo a quem?


– Não... eu tinha me esquecido disso – Harry lembrou de Lupin e Tonks, levantou-se. – Tenho que visitar o Lupin, não sei o que aconteceu com ele...


– Você ainda não dormiu nada – Irina o puxou de volta. – Quando você acordar nós iremos até lá.


– Quer que eu durma aqui, na tua cama? – apoiou-se sobre o cotovelo enquanto a fitava. – Ao teu lado?


– Não vai conseguir dormir?


– Acho que não – respondeu com sinceridade.


– Então podemos arranjar outra maneira de passar o tempo – debruçou-se sobre ele beijando seu pescoço.


Harry uniu seus lábios aos dela num beijo carinhoso e prolongado. Ela correspondeu com urgência, deitando seu corpo sobre o dele. Harry se surpreendeu com o contato das mãos frias por baixo de sua roupa.


– O que foi? – ela sussurrou em seus lábios. – É mais velho do que aparenta... mas não tanto, não é? – roçou os lábios nos dele – Quer que eu pare?


– Não... – murmurou.


O som da porta se abrindo assustou a ambos.


– Vocês não vão descer? Não precisam se alimentar? – ela se jogou no sofá, pegou o controle e ligou a televisão.


Irina trocou um rápido olhar com Harry.


– Grazina, querida, por que não vai assistir televisão no teu quarto?


– Tristan pediu para eu vir chamar vocês caso o Harry ainda estivesse acordado. Estávamos discutindo o assunto...


– O Clã se reuniu sem mim? – Irina se levantou e Harry a acompanhou.


– Você não estava cuidando do doente? – Grazina olhou para Harry de cima a baixo – Você parece bem, ficou com muitas cicatrizes?


– Não – Harry respondeu pacientemente.


– Nicolae disse que você é um belo animal, posso ver?


– Não! – Irina a empurrou porta a fora enquanto o puxava atrás de si. – Alguém deveria ter me avisado, eu queria participar – reclamou.


Seguiram pelo corredor, agora iluminado, e foram até a sala pela qual tinham atravessado ao chegar, no caso de Harry, sem ter conhecimento disso. Encontraram todos ali reunidos.


– Pensei que fosse encontrá-lo convalescente – Tristan o recepcionou com um sorriso – Mas pelo o que vejo, já está quase recuperado.


– Estou, obrigado por tudo o que fizeram...


– Foi um prazer – disse Emil – Como recordar velhos tempos.


– Se eu puder retribuir de alguma maneira, ficarei muito feliz em ajudar – prontificou-se.


– Imagine se vamos te cobrar alguma coisa... – Tristan espantou-se.


– Mas podem contar comigo pro que precisarem, não só por isso – Harry apressou-se em explicar, por medo de estar sendo, de alguma forma, grosseiro – Não deve existir diferenças entre nós, apenas cooperação...companheirismo....


– Parece até que... você está nos propondo uma aliança...? – Emil olhou para Tristan para saber se estava entendendo mal.


– Isso, uma aliança, claro... – ficou aliviado por ela compreender. – Ninguém deveria de ter que escolher um lado – trocou um olhar com Nicolae. Ele ficou olhando-o por um bom tempo, surpreso. Harry começou a se sentir desconfortável – Então...


– Ah, perdão – Tristan quebrou o silêncio e se adiantou, segurou sua mão num aperto firme. – É uma honra tê-lo como aliado. Quem diria... Harry Potter.


– A honra é minha.


– Seus amigos estiveram aqui há pouco – Nicolae o avisou, recuperando-se da surpresa. Harry levou instintivamente a mão ao peito mas então se lembrou que tinha perdido o cordão. – Claro que ficaram desconfiados quando receberam o recado de que não poderiam vê-lo.


– Contaram a eles sobre Fenrir? – Harry angustiou-se.


– Não, mas é bom que ligue para eles – disse apontando para o telefone sobre a mesa – Que os tranquilize. É só ligar para o parque e pedir para que os chamem.


– Não... é melhor eu ir até lá – Harry dispensou.


– Sobre isso também temos que falar – Tristan lhe indicou o sofá pedindo que sentasse. Ele atendeu ao pedido e Irina sentou-se ao seu lado, ouvindo igualmente interessada. – Nicolae comentou sobre o seu desejo de partir, mas não é bom que saia agora, quando não se tem certeza sobre o seu real estado.


– Qual estado? – Harry perguntou sem conseguir compreendê-lo.


– Você foi mordido, não sabe se como animago ou humano – Nicolae o lembrou – Não vai querer colocar seus amigos e habitantes da cidade em risco, não?


– Não vou virar um lobisomem... – suas palavras saíram inseguras.


– Só poderá ter certeza quando anoitecer – Pável considerou. – Não se preocupe, a gente pode te orientar, juntando-se a nós, poderá superar isso.


– Bebendo do nosso sangue você poderá anular, quase que totalmente, os efeitos da lua cheia – Ubayd ofereceu.


Harry continuou olhando para ele, a principio pensou que ele estivesse brincando, mas percebeu o silêncio no qual aguardavam uma resposta.


– Obrigado... mas acho que não será necessário... Esta noite também será de lua cheia? – Harry olhou dele para Nicolae, que confirmou com um aceno de cabeça, virou-se para Irina – Tenho que ir agora, enquanto ainda é dia. Desculpem, obrigado por se preocuparem, mas tenho que ver um amigo, eu acho que ele pode estar ferido.


– Ele é um lobisomem – Irina explicou a eles – Se for para conversar, tem que ser durante o dia.


– Você acabou de matar um deles, um alfa provavelmente – disse Hana – Será que é o melhor momento para ir até lá?


– Eu irei com ele – Irina respondeu.


– Ah, então, tudo bem – Tristan concordou – Seria muito arriscado se fosse sozinho.


– Posso ir junto? – Ksenya pediu à Irina.


– Não, meu amor, quero que faça algo para mim – Irina segurou a mão dela enquanto seguiam em direção à porta – Eu volto logo – disse a Harry.


– Irina está monopolizando você – Pável colocou a mão em seu ombro e o guiou para perto de Ubayd – Quer nossa ajuda?


– Não... está tudo bem.


– É que elas têm isso, de instinto materno... mas se começarem a te sufocar muito, pode buscar refúgio com a gente – Ubayd ofereceu gentilmente. Harry coçou a cicatriz ouvindo em silêncio. – Sofremos uma certa dominação feminina aqui, você já deve ter percebido que estamos em desvantagem, e sendo o menor no grupo, você vai sofrer um pouquinho mais.


– Mas são todas legais, cada uma à sua maneira – Pável explicou – Irina pode te ensinar coisas bem interessantes, ela tem muitas táticas incríveis, ninguém desconfia o quanto ela é letal, parece uma jovenzinha inocente, eles só se dão conta do que ela é quando suas vidas estão se esvaindo.


– Mas ela detesta ser equiparada a um ser frágil, deve tomar cuidado com o que disser sobre isso – Ubayd aconselhou – E com a Ksenya, é óbvio que ela está com ciúmes, mas é natural, você sabe... concorrência entre irmãos...


– Vem comigo, Harry? – Irina se aproximou. Ele fez questão de recebê-la com um beijo nos lábios. Ela acariciou seu rosto e sorriu – Vou me arrumar para irmos...


– OK... – Harry acenou para eles, em despedida, e a acompanhou de volta ao quarto.


– Você sabe que acabou de firmar um compromisso comigo perante todos? – Irina perguntou quando fechou a porta, ainda com um sorriso nos lábios.


– Você se incomoda que eles saibam? – não conseguiu evitar o ciúme em sua voz.


– De jeito nenhum, meu gatinho... – ela se aconchegou a ele desabotoando sua blusa.


– Eles acham que você quer me adotar, ou algo assim – informou aborrecido – Acham que não sou suficiente pra você...


– Não fique chateado, é o seu jeitinho meigo e inocente – ela o abraçou e começou a explorar sua clavícula com os lábios, fazendo com que ele se arrepiasse.


Ele esqueceu o assunto e se ocupou em beijá-la calidamente.


– Ah, não... fala sério! – Irina revirou os olhos quando bateram insistentemente à porta. Ela o deixou para atender. – O que foi Ubayd?


– Nada, só vim bater um papo com o Harry enquanto você se apronta... – explicou enquanto entrava no quarto reparando a ambos. Harry ergueu uma sobrancelha enquanto coçava o queixo, estudando-o.


– Certo... – Irina concordou de má vontade se dirigindo ao guarda-roupa, para escolher o que seria apropriado para a ocasião.


– Esquece o que dissemos – Ubayd cochichou para ele – Não sabíamos que você e Irina estavam...


– Tudo bem, sem problemas – Harry adiantou esperando que ele se despedisse, mas ele passou os olhos em volta disfarçando.


– Quantos anos tem mesmo? Dezesseis?


– Dezessete! – enfatizou.


– Ah...Eu ainda me lembro dos meus dezessete, adolescência, hormônios... As coisas eram bem diferentes naquela época.


– Tenho certeza de que eram – murmurou ouvindo o som da água do chuveiro, caindo no cômodo ao lado.


– Você toca baixo? – Ubayd perguntou – Ei, Harry! – estalou os dedos – Você toca baixo? – repetiu a pergunta.


– Não...


– Vou te ensinar, então.


– Agora!? – espantou-se.


– Não, quando vocês voltarem. Estamos formando uma banda, na verdade, estamos reformulando, nós a criamos há mais de um século, tivemos que parar após três anos, sabe como é, não temos como explicar nossa aparência imortalizada através dos tempos.


– Entendo, mas...


– Vai ser legal! Nós fazíamos sucesso, tínhamos fãs e fazíamos turnês, você pode escolher um estilo e mudar de aparência, vai ser divertido. Já estamos pensando em um grande final, da outra vez passamos a fazer mais sucesso depois que a banda morreu, sabe, chegamos a ser enterrados e tudo...


– Oh...parece ter sido... bem legal... – respondeu escolhendo as palavras.


– Tristan não quer voltar a participar... por causa dos ciúmes de Emil – sussurrou – Essa coisa de casal... passar a eternidade juntos... depois a gente conversa sobre isso.


– Escuta... – Harry tentou argumentar mas foi logo interrompido.


– Hana é nossa vocalista, eu fico na bateria...


– Será que a gente pode discutir isso mais tarde, com calma? A gente vê os detalhes e se o resto da banda me aprovar...


– Claro, você já tá dentro! – respondeu com entusiasmo enquanto Harry o conduzia em direção à porta.


– Valeu, eu me encontro com vocês depois, quando retornarmos, OK?


– Tá beleza, garoto!


Harry fechou a porta e foi até o banheiro.


– Por que eles estão agindo como se eu fosse entrar para o Clã? – encostou-se no batente observando enquanto ela ajeitava os cabelos, arrepiando-os com gel.


– Eles acham que você vai preferir se juntar a nós a ser apenas um lobisomem – explicou descontraidamente – E você acabou de firmar uma aliança, é natural que esperem isso...


– Não acredito que isso vá acontecer, além do mais, não estou sentindo nada... talvez Lupin possa me dizer.


– A porta está trancada? – ela perguntou verificando as presas pelo espelho. Ele esticou-se para se certificar.


– Agora está.


Ela o puxou até a bancada. Harry ergueu os olhos, se deparando com o espelho, e os desviou rapidamente, a guiou de volta ao quarto enquanto ela se ocupava em retirar sua blusa, a pegou nos braços e a deitou sobre a cama enquanto a beijava. Sua mão deslizou até a toalha que a cobria.


– Irina...


Ouviram Emil batendo à porta.


– Faça eles sumirem – ela pediu num sussurro.


– São sua família – ele beijou seu ombro e pescoço antes de se afastar.


– Eles são fortes, vão sobreviver... – Irina murmurou se levantando.


– É melhor irmos embora – Harry pediu enquanto vestia novamente a blusa e se dirigia à porta. – Oi Emil – deixou a porta aberta e foi até a poltrona – Já estamos de saída – disse enquanto vestia seu sobretudo.


Irina voltou ao quarto, já vestida, e calçou as botas.


– Talvez seja melhor se vocês não forem sozinhos, Irina, por que não leva Nicolae?


– Porque ele me atrasaria e já estou impaciente – enfiou seus sais nas botas e estendeu a mão para Harry – Vamos?


Ele pegou a mochila e se despediu de Emil com um aceno, antes de segurar a mão de Irina e desaparatarem dali.


Irina olhou em volta reconhecendo o quarto do segundo andar.


– Ousado. Gostei... – inclinou-se para ele tencionando encontrar seus lábios.


– Quero levar a varinha – Harry explicou se afastando e pegando a varinha de cima da mesinha de cabeceira, onde Nicolae a havia deixado. – Ela pode ser útil... – desculpou-se enquanto ela olhava para o objeto na mão dele. Ele beijou seus lábios rapidamente antes de partirem.


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