Escolhas
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Harry entrou na gruta e estranhou as duas fileiras de gárgulas de pedra que ladeavam o caminho estreito que levava até a entrada. Aproximou-se cautelosamente e elas se mexeram ganhando vida.
Parou e esperou. Elas não fizeram nada além de olhar em sua direção. Deu alguns passos hesitantes em direção ao caminho e como elas continuaram sem reação, continuou andando, alerta a qualquer movimento, enquanto elas o observavam.
Seguiu até a passagem e a atravessou. Foi até a beira do penhasco sentindo a brisa marinha brincar com seus cabelos, o mar estava calmo e brilhante, refletindo os raios do sol que já cruzavam a linha do horizonte.
Olhou em direção ao castelo, não havia sinal de ninguém por perto, mas tendo as gárgulas vigiando a entrada, imaginou que Voldemort já soubesse de sua presença. Impulsionou-se e rumou em direção ao pôr-do-sol, ele teria que esperar.
Largou a mochila na relva, próximo à descida. Despiu-se do excesso de roupas e guardou cuidadosamente o seu cordão. Desceu observando as ondas batendo na rocha, executou o feitiço Cabeça de Bolha e mergulhou.
Contornou o rochedo procurando a passagem submersa, não demorou a achá-la. Nadou atravessando a abertura. A luz da varinha iluminava os crustáceos presos à rocha, cardumes de peixes coloridos se afastavam à sua presença.
Emergiu em meio a um lago cristalino, iluminado pelos últimos raios de sol que entravam por pequenos orifícios, na parede do rochedo. Saiu da água e se secou. Olhou em volta e entendeu o porquê de Salazar ter escolhido aquele local.
A caverna era bem alta, porém, estreita. O cetro estava fincado na parede próximo à entrada para a câmara. A parede era lisa, com plantas delicadas pendendo de algumas rachaduras, as pilastras, cuidadosamente esculpidas e ornamentadas.
Observou o local com admiração, Salazar havia planejado cuidadosamente cada detalhe. Fez questão de pisar os degraus que levavam até o altar onde estava disposto o arco, no final da câmara. A cada passo sentia as pedras frias e úmidas sob seus pés descalços.
Não havia véu no arco, apenas uma espécie de névoa densa que impedia que visse o outro lado, poderia ser uma simples abertura para o interior da colina, mas com certeza tinha sido muito especial para Slytherin. Harry chegou bem próximo a ele, apurando a audição, mas não ouviu vozes nem murmúrios como os que existiam no do Ministério.
Ficou um bom tempo estudando o arco, parecia realmente idêntico àquele. Tentou imaginar o motivo que levara Salazar a atravessá-lo, e se saberia como sair ou a localização da saída. Desejou poder estudá-lo, mas não foi possível remover as pedras e não tinha muito tempo.
A claridade que vinha da caverna ao lado foi diminuindo rapidamente. Desceu os degraus lançando, de vez em quando, olhares para o portal às suas costas. Foi até o cetro e o estudou. Usou a varinha para cortar a rocha, retirou um pedaço do tamanho aproximado do cetro e usou um feitiço de transfiguração, duplicando-o.
Puxou o verdadeiro cetro da parede, ele estava um pouco emperrado por ter enferrujado ali dentro, usou todo o peso de seu corpo e após muito tentar conseguiu retirá-lo. Algo se desprendeu por dentro da rocha e a porta começou a se fechar, encaixou rapidamente o outro, fazendo com que a passagem se abrisse novamente.
Funcionou muito bem e ficou satisfeito com o resultado. Ouviu o som de algo saindo da água e se virou erguendo a varinha. Ela se deteve a alguns passos dele e se encolheu, escondendo o rosto da claridade.
– Ei! Quem é você? – Harry perguntou alarmado e olhou ao redor. Não obteve resposta.
Ela continuou se encolhendo e se afastando conforme ele se aproximava cautelosamente com a varinha iluminada.
– Você não é da vila, não é? – perguntou desconfiado observando seu vestido vermelho e rasgado, os cabelos castanhos claros em desalinho, as mãos muito pálidas e enrugadas como se estivesse nadando há muito tempo.
Não tinha visto nenhuma criança da última vez que esteve na ilha. Baixou a varinha devagar direcionando a luz para o chão enquanto a observava intrigado, era muito pequena para estar ali, sozinha. Ela lentamente baixou as mãos.
Harry pulou para trás se afastando em direção à câmara quando ela avançou em sua direção, os dentes amarelados e lodentos à mostra, os olhos soltos nas órbitas macilentas e decompostas.
– Lumus Solen! – Harry direcionou o facho de luz para cima do inferius que soltou um guincho agudo e se afastou. Outros começaram a sair da água e se espalhar fugindo da claridade.
Continuou recuando até tropeçar no degrau de pedra que levava ao arco. Manteve a varinha iluminando a entrada para impedir que invadissem a câmara. Estava ficando cercado e não havia outra saída ali, olhou para cima, para o arco.
Impulsionou-se para o alto e saiu pela porta subindo rapidamente até o teto da caverna. Havia muitos deles, também, na água; perguntou-se como conseguiria passar por eles, não achou um bom momento para um mergulho.
Olhou para o cetro enferrujado em suas mãos desejando que ele possuísse algum tipo de poder. Sentiu a brisa batendo em seu rosto e lembrou-se das aberturas na rocha. Trabalhou em uma delas aumentando-a e se espremeu pela abertura.
Do lado de fora o mar continuava calmo, o sol já tinha ido embora e o céu estava escurecendo. Era um estranho contraste, tanta beleza escondendo perigos mortais. Guardou o cetro na mochila e rumou de volta ao penhasco pelo qual entrara. Enrolou a mochila na capa de invisibilidade e a deixou escondida próximo à saída.
O castelo estava iluminado, parou por alguns segundos, surpreso, quando entrou no Grande Salão. Estava decorado com guirlandas de visco e azevinho, neve artificial e até uma árvore de natal. Pôs-se em alerta. Ele estava no salão ao lado, em seu trono. Abaixo, alguns de seus Comensais aguardavam e não pareciam estar participando de uma festa.
A mesa em forma de meio círculo, tinha sido reparada, e seus seguidores estavam sentados, aguardando em um silêncio incômodo. Harry chegou às portas do salão e todos se viraram em sua direção, mas ninguém se mexeu, aguardando que ele ordenasse.
– Chegou a tempo para as comemorações... – Voldemort pronunciou calmamente. – Achou algo de interessante pela ilha?
– Só alguns inferi – impulsionou-se e se aproximou, ficando acima do centro da mesa, não olhou para baixo, mas estava ciente dos olhares sobre ele. – E o arco...
– Ainda interessado na morte? – não fez questão de disfarçar o tom de reprovação.
– No que se esconde atrás do Arco – Harry o corrigiu.
– A morte. E ela não me interessa nem um pouco... – disse Voldemort.
– Já pude perceber isso, por seis vezes...
– Sei disso... – Voldemort pronunciou friamente e olhou em direção à porta – Gostou da decoração? Hoje eu fui particularmente inundado por lembranças do natal em Hogwarts... – a cada palavra tentava controlar a raiva e Harry também passou a se concentrar para acalmar a ambos.
– Foi necessário... Ele estava forte demais para ser aprisionado. Na verdade eram dois deles, foi ele quem recuperou a outra, na floresta...
Harry não tencionava, de forma alguma, que descobrissem sobre a participação dos gêmeos. Tinha deixado uma carta aos amigos relatando seu paradeiro e motivo, e assumindo a culpa pelo “acidente” ocorrido às Casas de show.
– Imaginei isso quando chegaram a mim – disse enquanto se levantava, os outros, abaixo, pareciam estar tentando entender aquele estranho diálogo. – Nunca tinha sentido tanto desgosto... – murmurou lançando-se à frente e se aproximando. – Dê-me a outra.
– Onde estão os meus tios?
– Estão aqui na ilha, com certeza.
– Vivos...? – perguntou desconfiado. Voldemort sorriu abertamente e Harry se deixou tomar pela raiva.
– Ora, controle-se! Eu disse que poderia vê-los, não disse em que estado os veria...
– Você entendeu muito bem o que eu queria! – Harry puxou o rubi do bolso – E eu cumpri a minha parte!
Voldemort se aproximou para vê-la de perto. Harry se pôs em alerta atento a qualquer movimento dos Comensais abaixo, mesmo se concentrando para fortalecer seu escudo, estava consciente de que eles eram muitos. Voldemort voltou a se afastar mantendo o sorriso cínico nos lábios.
– Tudo bem, guarde-a com você, quero começar as festividades... depois você poderá procurar por eles. Esta ilha é grande e eu tenho certeza de que o rubi não irá mais sair daqui.
Harry o achou muito confiante para alguém que havia prometido não mais o subestimar. Tentou sondar sua mente mas ele não permitiu que avançasse, percebeu apenas que ele tinha algo planejado.
Voldemort foi até o Grande Salão e os demais o seguiram. Harry observou a todos saírem enquanto se decidia. Procurá-los pela ilha lhe custaria muito tempo, perguntou-se se não estariam lá, em alto mar, junto com os outros.
Começou a se sentir enganado e iludido por aquela esperança de poder resgatá-los para aliviar a própria consciência. Tinha se comprometido em encontrá-las e libertá-las e decidiu que era o que deveria fazer.
Levou novamente o rubi ao bolso, enfiando-o dentro da meia de natal. Lembrou-se de Irina e teve certeza de que aquela seria a última a ser liberta. Saiu para o Grande Salão com a sensação de dever cumprido.
– Já? – Voldemort o observou atentamente e depois caminhou para a falsa lareira que tinha sido ornamentada com enfeites natalinos.
Harry se perguntou o quanto teria que aturar daquela farsa até que ele revelasse seus planos. Obteve a resposta em menos de um minuto.
Voldemort enfiou a mão em uma das muitas meias que estavam penduradas na lareira e retirou dela o rubi. Harry manteve os olhos fixos nele enquanto levava a mão ao bolso, instintivamente.
– É óbvio que eu já o subestimei muitas vezes, mas você ainda é sentimentalmente previsível – Voldemort disse com satisfação – Achou mesmo que poderia confiar nos Malfoy?
Voldemort acenou para dois de seus seguidores, que saíram ao seu sinal.
– Enquanto você matava a saudade de casa – acenou largamente em direção à porta – Ele veio me contar os seus planos e o que tinha acontecido. Você prefere confiar em amizades e em alianças, mas estas podem ser desfeitas e até os amigos podem trair... Considere essa sua primeira lição, é mais confiável ter seguidores presos a pactos e encantamentos...
Harry ouviu em silêncio, lutando para se manter sob controle. Quando Draco entrou acompanhado dos pais seus olhos se encontraram e ele logo os desviou para o chão, envergonhado.
Harry não conseguiu suprimir o rugido que escapou de sua garganta assustando a todos. Voldemort se aproximou contornando-o, satisfeito.
– Dificuldades ainda em conter os instintos? – sussurrou em seu ouvido – É natural. Você está indo muito bem, transformações incompletas exigem muito mais poder e concentração...
Harry fechou os olhos e lutou consigo mesmo para se acalmar.
– Não reprima seu ódio, Harry! – Voldemort foi até a família recém chegada e fez com que avançassem para o centro do Salão – Você foi traído! Extravase toda a sua ira! Se sentirá muito melhor...
– Milorde...? – ouviram a voz surpresa e preocupada de Lúcio. – O que está acontecendo?
– Nada de mais, meu caro Lúcio... – Voldemort disse desdenhosamente – Vou te conceder a honra de me ajudar a educar a esses garotos, tão jovens e sem limites...
Draco virou-se, alarmado, para Harry que o olhou com desprezo. Ele pareceu se ressentir com sua atitude, mas manteve os olhos presos nos de Harry, decidido. Harry sentiu a tentativa de invasão à sua mente, isso o deixou surpreso e irritado.
– Nada disso... – Voldemort segurou Draco pelo queixo, fazendo com que o encarasse, ele baixou os olhos, assustado, evitando fazer contato visual – Chega de tramas e planos mirabolantes...
– Fique longe do meu filho! – Narcisa puxou o filho para perto de si. – Não permitirei que o machuque novamente!
– Ciça! – Bellatrix a repreendeu.
Só então Harry a percebeu entre os demais, vestia-se como os outros, calças e blusa escuras, os cabelos presos num rabo-de-cavalo e a expressão chocada e preocupada.
– Não te chamei, Bella. Você tem uma tarefa a cumprir, e não é aqui. – Voldemort evitou olhar em sua direção – Não vou admitir interferências... – disse em tom de advertência.
– Nós sempre o servimos, em todos os momentos... – ela disse em tom de súplica.
– Sua irmã está liberada para ir quando quiser, eles só a trouxeram porque ela insistiu em acompanhar o filho, não mandei que a buscassem também.
– A única coisa que vim pedir é proteção para a minha família... – Lúcio informou aturdido – Acho que provei minha lealdade...
– Eu sei, provou sim. – Voldemort o confortou – Por isso vou deixá-los viver. Afinal, você delatou o seu próprio filho, trouxe para mim os planos da pessoa que um dia salvou sua vida, desmascarando-a...
– A fidelidade dele é a você, e não a mim – Harry saiu de seu estado de silêncio com alívio. – Não espero gratidão alguma dele.
– Hum... – Voldemort pareceu se ofender com aquele pensamento e os novos sentimentos despertados. – De quem esperava, então? Do jovem Malfoy?
Voldemort se reaproximou de Draco e Harry ficou preocupado, aproximou-se também.
– Quem diria... Severo havia me dito o quanto vocês não se suportavam... – Voldemort olhou para os dois – Pena que ele não possa estar aqui hoje... Esta está sendo sua meta agora, Harry, desfazer antigas inimizades?
– Talvez você descubra o quanto pode ser lucrativo...
– Não conte com isso ainda, seu “Conselho” ainda não está formado. Saberemos quando estiver – Voldemort garantiu sentindo-o apreensivo com a notícia. – Noah, afaste a senhora Malfoy daqui – pediu calmamente reparando a árvore enfeitada a um canto. – É melhor mantê-la fora do caminho, Bella, se não quiser que ela se machuque...
– Milorde! – Lúcio se ajoelhou perante ele, suplicante. – Peço perdão pelos meus erros e os de meu filho, ele foi mal influenciado por todas essas histórias com as quais o Ministério tenta nos iludir...
– Iludir, Lúcio? – Voldemort o cortou – É da esperança de alguém que sejam verdadeiras...?!
– Não, Milorde!!
– Claro que é! – Draco se pronunciou corajosamente, envergonhado por ver o pai se humilhando. – Os tempos mudaram, não vamos mais aceitar sermos tratados dessa maneira...
– Chega, Draco! – Lúcio berrou com ele.
– Não admito ser contestado e traído por meus próprios Comensais! Esqueceu do que eu sou capaz, Draco?
– Não faça isso – Harry pediu, enojado com a intenção dele em humilhar aquela família. – Você não se importa com o que pensam a seu respeito. Eu o convenci a me ajudar, você queria que eu as recuperasse e eu precisava de ajuda. Por que não castiga a mim? – o desafiou.
– Espere a sua vez... Primeiro, o Draco irá receber a lição dele e não serei eu a ministrá-la, não há mais necessidade disso, o pai dele está de volta... Lúcio, pegue a sua varinha e castigue-o.
Fez-se silêncio, pai e filho se olhavam e todos olhavam para ambos aguardando.
– Vai querer que eu mesmo o faça? – Voldemort perguntou solicitamente como se estivesse lhe oferecendo um favor.
– Lúcio... – Narcisa suplicou a um canto, onde era contida pela irmã e Noah.
Lúcio Malfoy apontou a trêmula varinha para o filho, que baixou a cabeça e fechou os olhos aceitando seu destino.
– Não precisa fazer isso! – Harry projetou um escudo entre ambos.
– Eu decido se precisa ou não! – Voldemort anulou seu escudo.
– Eu não posso... – Lúcio ajoelhou-se novamente aos pés de Voldemort – Eu me ofereço para ser punido no lugar dele.
– Está desobedecendo as minhas ordens?! – perguntou furioso.
“Parece familiar... não acha?” – Harry sibilou olhando para os Malfoy.
Voldemort girou a cabeça em sua direção como se tivesse acabado de se dar conta de sua presença.
“Os pais se sacrificando pelos filhos – Harry continuou – O que será que aconteceria desta vez? Alguns laços são mais fortes do que qualquer feitiço ou encantamento... O amor de uma família, por exemplo, você deve se lembrar bem... Quer mesmo continuar com isso?” – Harry se aproximou dele e parou ao seu lado.
“Não pense que irá me convencer desta vez, eles servirão de exemplo aos demais...”
“De como se pode ser odiado como um líder?” – Harry perguntou – “Muitos aqui também possuem família, você esquece que não são todos iguais a você. Acha que continuariam a segui-lo se o pacto que os une a você se quebrasse? – continuou – Será que não se rebelariam? Será que restaria admiração, ou algum sentimento que os impelissem a dar a vida por você?”
Voldemort se afastou e olhou ferozmente para todos ao redor. Um leve estremecimento percorreu o grupo. Pousou os olhos sobre Bellatrix, sentindo-se ofendido.
“Está contestando a minha liderança...?” – Voldemort encaminhou-se lentamente em direção às escadas, sem se importar com os demais, que os observavam aguardando.
“Você está errado. Não é preferível ter seguidores” – Harry o seguiu confiante – “Ainda há pouco, um jovem Riddle me disse, com admiração a dois jovens, que não poderia ter conseguido aliados melhores. E eles aceitaram ajudá-lo por amizade, afinidade...”
Voldemort virou-se observando alguns de seus seguidores aproximando-se timidamente e temerosos por não saberem o que deveriam fazer. Aquilo o deixou incomodado e insatisfeito.
– Parem de nos seguir! – ordenou a eles – É Natal, divirtam-se... É uma ordem! – acrescentou impacientemente vendo-os trocarem olhares desconfiados.
Voldemort lançou-se degraus acima, em direção à torre, Harry o acompanhou.
– Os gêmeos Weasley – disse Voldemort e Harry sentiu o peito oprimir-se – Sei que eram eles que a estavam mantendo... eu os tenho notado há algum tempo, são brilhantes, o tipo de mentes que gostaria de ter ao meu lado, só não sabia como poderia fazer isso sem afetar tanta criatividade.
– Deixe-os em paz! – Harry irritou-se – Eles podem ter se identificado com o jovem ambicioso e inteligente que você foi, mas nunca aceitariam o caminho que você escolheu, não depois de tudo o que fez até hoje!
– Eu sei disso, não sou um ser desprovido de percepção! – Voldemort pousou no hall e foi em direção à sala, cuja pintura do teto de vidro, agora, recebia como enfeite as primeiras estrelas da noite.
Harry entrou lentamente observando os móveis que haviam sido restaurados, esquadrinhou o chão na esperança de revê-la. Voldemort parou na entrada para o corredor e olhou para ele.
– Ela está morta – anunciou antes de continuar o seu caminho.
– Você não pôde fazer nada por ela?
– Mesmo se eu pudesse, e eu nunca me dediquei a aprender sobre cura, não cheguei a tempo.
– Você salvou a minha vida... – Harry estranhou seu comentário.
– Ora, um reconhecimento, após tanta ingratidão... Sim, mas esse poder é apenas para uso próprio, não posso usá-lo em ninguém mais além de mim mesmo – Voldemort parou quando chegou no alto da torre.
– Mas você me curou – Harry insistiu. Hesitou em frente às portas dos quartos e aguardou vendo-o entrar no quarto escuro, que um dia tinha sido seu.
– Justamente... – ele fez com que o quarto se iluminasse mostrando seu interior – O que temos em comum é mais do que sangue, não é mesmo?
Harry entrou lentamente atraído pela imagem que compartilhava do novo móvel, uma estante, foi até ela e pegou um dos porta-retratos.
– Mandei que fossem até lá, mais cedo, naquele mesmo dia, e trouxessem todas as fotos que ainda existissem, minha intenção era manter todas inacessíveis do alcance de curiosos – disse Voldemort.
– Você as roubou, são minhas por direito! – indignou-se. Passou a recolher cada uma delas, em algumas fotos eles apareciam juntos, outras apenas sua mãe, mostrando o ventre avolumado pela gravidez ou um bebê. Eram muitas para que pudesse carregar, olhou em volta procurando algo no qual pudesse colocá-los, depositou-os sobre a cama.
– Não se dê ao trabalho, ficarão todas bem guardadas aqui – Voldemort recebeu seu olhar fulminante e o observou voltar à estante. – Eu também perdi muito naquela noite. Não pode sentir ódio de mim... – aproximou-se quando ele pegou o álbum de fotografias – Eu sei, é conflitante, parte do Tom Riddle que esteve na casa dos seus pais, naquela noite, está contigo. Não sinta ódio de si mesmo, lembre-se de quem foi que planejou tudo isso, o verdadeiro culpado, com suas alusões sobre a profecia...
Voldemort sussurrou ao seu ouvido.
– Severo Snape... – Harry repetiu.
– O que foi? Esqueceu o que ele fez? O que nos fez perder? – insistiu decepcionado com intensidade dos sentimentos despertados nele.
– Não quero mais olhar para o passado. Eu escolhi continuar e aproveitar o que está a minha frente, e não me importo mais o quão diferente dos outros meu caminho possa ser.
– Poético... – Voldemort sussurrou admirando o céu noturno pela janela. – Está apaixonado?
– Eu apenas me dei conta de que não preciso ser taxado como “normal” para possuir os mesmos direitos que os outros – disfarçou ao sentir seu sangue correr velozmente por suas veias ao lembrar de Irina.
– Eu nunca quis ser considerado normal – meditou – Sempre quis ser mais que os outros e consegui isso. E também paguei um preço caro demais... tentar forçar minha aceitação pelo mundo bruxo pode não ter sido a melhor escolha a se fazer. Mas que se dane, posso tentar quantas vezes eu quiser, tenho a eternidade para isso.
– Mas continua fazendo as escolhas erradas – Harry desfolhou o álbum apreciando a foto do bebê no colo dos pais, parecia ser outra pessoa.
– Draco tem razão, os tempos são outros. – Voldemort fechou o álbum, ainda aberto em seus braços e o colocou de volta na estante. – Eu trouxe todas essas lembranças para que pudessem ser arquivadas, um dos primeiros passos a se seguir quando se deseja mudanças – Voldemort pegou na estante um pote de cor perolada. – Aqui estão todas as que seus tios tinham a seu respeito, e não eram lembranças felizes...
– Era isso o que queria? Ver a minha infância, pra quê? – Harry ajeitou os óculos, os olhos fixos no pote em suas mãos.
– Pense... você é esperto, vai acabar descobrindo – disse Voldemort. – Eu não quis vê-las apenas, eu as removi completamente, todas as memórias em que você aparecia. Eu apaguei a sua existência – passou o pote para ele.
– Você se deu ao trabalho de recolher cada uma dessas lembranças – Harry refletiu – O que não deve ter sido uma tarefa agradável, e não seria necessária se simplesmente os matasse... Onde eles estão agora?
– Realmente, eu disse que não cometeria o mesmo erro duas vezes, mas você acreditou facilmente ainda há pouco... sentimentalmente manipulável... – Voldemort fez o globo de vidro sair da estante e pairar sobre a sua mão.
Harry se aproximou observando a miniatura da casa número quatro da rua dos Alfeneiros, conseguiu visualizar algo se movendo próximo à janela.
– E eles conseguirão se lembrar do filho, Dudley?
– Claro... – respondeu enojado – Um ser mimado, que teve tudo nas mãos enquanto tivemos que nos esforçar muito para obter o mínimo... Não quis me dar ao trabalho de trazê-lo, ele é digno de pena, uma prova de que também o amor, e não apenas o ódio, é capaz de afetar negativamente uma pessoa...
Harry jogou o pote de vidro no chão e observou a fumaça perolada se espalhar pelo cômodo e se desfazer. Quando o pote se refez, ergueu a mão para pegá-lo e devolveu à estante o pote vazio.
– Eram lembranças ruins – Harry explicou, indiferente ao seu olhar curioso e intrigado. Voltou-se para o globo em sua mão. – Liberte-os, você não precisa deles – pediu – Faça com que voltem pra casa.
– Certo, e em troca você irá me obedecer plenamente. – Voldemort propôs.
– E você irá parar de perseguir aquelas pessoas e deixar todos os bruxos e trouxas em paz – Harry rebateu.
– Fechado – Voldemort estendeu a mão direita para ele – Temos um acordo – disse com seriedade enquanto Harry olhava para a sua mão estendida com espanto e desconfiança. – Ou, se preferir, uma aliança...
Ficou um bom tempo estudando-o, revisou seus atos, sua perseguição aos bruxos, sua atitude em relação aos seus tios, aquela proposta, não conseguiu definir o que estava planejando. Tirou o globo de vidro de sua mão e saiu.
– Não irá conseguir libertá-los sozinho – Voldemort o seguiu. – O destino não é curioso? Estou te oferecendo a oportunidade de salvar a todos eles, não é o que gosta de fazer, salvar vidas? E o que você faz? Prefere condenar a todos...
– Não vou permitir que continue matando em prol dos seus planos absurdos!
– Decidido... – Voldemort sorriu – E um tanto hipócrita também. Seu plano de conseguir as minhas horcruxes causaram duas mortes, sem falar na quase exterminação dos dementadores, eles não teriam direito de representação no seu Conselho Ministerial?
Harry voltou-se para ele e ficou em silêncio, absorvendo todas aquelas acusações enquanto sentia a aproximação de alguém.
– Existe ordem se não houver uma força coercitiva que a garanta? – Voldemort continuou – Alianças, se não houver a ameaça de uma guerra? Declarações de paz se não existir o medo de um ataque? Existe justiça perfeita, Harry? Os seus planos de destruir minhas horcruxes e me deixar vulnerável à morte estão incluídos nela?
– Milorde... – Bellatrix apareceu no corredor e se aproximou cautelosa. – Vim para ver como ele está.
– Sim, faça isso. – Voldemort concordou.
Harry permaneceu parado, vendo ela entrar no antigo aposento de Narcisa.
– Venha comigo – Voldemort pediu, com um estranho entusiasmo, enquanto entrava no quarto – Quero apresentá-lo, creio que você ainda não o conhece... Este é Adam Shalmann, dono e presidente da Ynys Corporation.
Apontou o leito no qual um homem de cabelos castanhos escuros e aparência jovial parecia profundamente adormecido. Bellatrix abaixou-se ao seu lado, examinando-o.
– Um jovem ambicioso, como eu nunca tinha conhecido igual, capaz de fazer tudo e disposto a acreditar em qualquer coisa que lhe garanta a realização de seus desejos – Voldemort avaliou – Posso dizer que aprendi, com ele, tanto quanto ensinei... Foi quando eu comecei a perceber o quanto estava... ultrapassado... mas enfim, ele era perfeito para os meus planos.
– E ele está doente? – Harry perguntou da porta.
– Ele teve um pequeno acidente em um encontro com um dementador, mas logo estará ótimo para voltar ao trabalho – disse com satisfação.
Bellatrix ergueu os olhos para Voldemort e tornou a baixá-los sem dizer nada, parecia infeliz.
– E como foi que ele encontrou um dementador, se estão “quase extintos”? – Harry reparou no jarro prateado, que ele tinha pegado no Ministério, agora sob a mesa de cabeceira. Olhou nos olhos de Voldemort esforçando-se para compreender.
– Oh! – Voldemort fingiu afetação – Sua preocupação é comovente! E ele realmente chegou a pensar que era o seu pai, ficaria embevecido por vê-lo preocupado... Tive que fazer com que fosse convincente, sabe...
– E por acaso achou que os trouxas conseguiriam me trazer até você? – perguntou com desconfiança, achando-o bem fora de seu normal. Perguntou-se até que ponto receber de volta as horcruxes o afetaria, esperava não ter mais que enfrentar a criatividade bizarra do Riddle que acabara de conhecer, na Romênia.
Um corvo prateado pousou na janela e uma voz rouca encheu o cômodo.
Dumbledore está de volta à Hogwarts, as negociações com Ministério foram suspensas e todos os aurores partiram. A comunidade bruxa deverá se reunir pela manhã.
O pássaro sumiu no ar, Harry não reconheceu a voz, apertou com força o globo que trazia nas mãos. Voldemort moveu a cabeça lentamente em desaprovação.
– Tolos! – disseram ao mesmo tempo. Harry irritado e Voldemort, em reprovação.
– Vão confiar em Scrimgeour – Voldemort o seguiu enquanto se encaminhava novamente para as escadas – Eu diria que ele é pior do que o falecido Crouch com sua obsessão pelas leis ministeriais, e era um auror “lutar até a morte” deve ser seu lema. Pela manhã, os que se mostraram hoje, a não ser que procurem uma proteção suficientemente forte, estarão mortos ou aprisionados.
– Como se eu fosse permitir! – Harry declarou, decidido.
– Não pode deixar que ele parta novamente – Bellatrix pediu a Voldemort, seguindo-os até o hall.
– Não diga que sentiu a minha falta, Bellatrix... – Harry lançou-lhe um rápido olhar irritado e se dirigiu ao Grande Salão.
Quando chegou, foi ao encontro dos Malfoy, que ainda aguardavam encolhidos a um canto, vigiados por alguns dos Comensais, que pareciam tão perdidos quanto eles.
– Quero que eles venham comigo, vou precisar deles – Harry pediu.
– É inútil. Eu te avisei que não daria certo...
– Você teve a sua chance, agora é a minha vez – Harry o encarou – E não está acabado ainda.
– É, talvez seja este o momento certo – Voldemort concordou, pensativo – Leve quem você quiser – invocou o globo para si e deu-lhe as costas voltando para as escadas.
Harry boquiabriu-se pensando em protestar mas sabia que seria perda de tempo, aquele plano, de reaver seus tios, tinha fracassado; decidiu pensar em outra coisa mais tarde, por ora, se preocuparia apenas com o Conselho.
– Vocês três, venham comigo – Harry se dirigiu para a saída e eles o seguiram hesitantes – Rápido, não tenho muito tempo! – reclamou.
– Eu sinto muito... – Draco pareou com ele enquanto cruzavam rapidamente a distância até o penhasco.
– Tudo bem, não foi culpa sua... – Harry murmurou.
– Agora, tudo o que foi feito, a destruição das horcruxes, tudo em vão.. – Draco reclamou.
– É mesmo verdade, você é o Eleito? – perguntou Narcisa.
– Não, eu não sou. E nada foi em vão, acho que a perda das horcruxes já o estão afetando.
– A única coisa que parece afetá-lo, realmente, é a sua presença – Narcisa declarou. – Para mim isso é o suficiente para considerá-lo o Escolhido.
Harry apenas franziu a testa e seguiu em silêncio até passarem pelas gárgulas e saírem da gruta. Começou a considerar o fato, afinal, ele era mais do que uma alma inteira, seria normal pensar que pudesse ter alguma vantagem sobre Voldemort, que era uma alma fraccionada.
– Vai mesmo querer a nossa ajuda? – Lúcio Malfoy perguntou relutantemente.
– Não. Vão para onde quiserem ir. Se houver uma próxima vez, Sr. Malfoy, eu não irei intervir – Harry avisou decidido. – Não sei se nos veremos novamente, então, Draco, Sra. Malfoy, adeus... – despediu-se.
– Por quê? O que irá fazer? – Draco o olhou hesitante.
– Estou voltando ao Ministério.
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