CAPÍTULO XVII – Resgate e Dúvi

CAPÍTULO XVII – Resgate e Dúvi



CAPÍTULO XVII – Resgate e Dúvidas


 


Ora, isso era ridículo! Furiosa, Hermione levantou-se de um pulo, mas, como não tinha para onde ir, respirou fundo e voltou a sentar-se. Rejeitou a idéia de pronto. Harry jamais lhe faria mal! No entanto, lembrou-se, seria uma tolice perigosa não examinar todas as possibilidades. Especialmente, as mais óbvias.


Harry vira o mapa de Chesilworth diversas vezes. Poderia, inclusive, ter feito uma cópia. Agora, sabia exatamente o que procurar, em Londres. Seria fácil encontrar o livro, sem a ajuda de Hermione. Com ela fora de seu caminho, teria o dote todo para si.


Hermione estremeceu. Não! Não poderia acreditar. Harry não teria sido capaz de beijá-la e acariciá-la, de fazer amor com ela de maneira tão terna e apaixonada, para então, abandoná-la à morte, com tamanha frieza!


Porém, não conseguiu ignorar a voz fria e lógica da razão, que apontava para a possibilidade de ele não ter tido coragem de matá-la e, então, decidira deixá-la ali. Afinal, se não a matasse com as próprias mãos, talvez pudesse simplesmente esquecer o que fizera.


- Não. – Hermione negou em voz alta, como se discutisse a questão com outra pessoa.


Harry não era um covarde. Se decidisse matar alguém, mataria, simplesmente. E ela não acreditava que ele pudesse matá-la. Não tinha a ilusão de que Harry a amava, mas ele não era o tipo de homem capaz de fazer amor com uma mulher e, depois, matá-la.


Ora, mas ele não teria de matá-la. Bastaria adiar a viagem. Não seria necessário ir a Londres para encontrar o livro. Àquela altura, Harry já enviara uma carta ao seu homem de confiança, em Londres, pedindo que ele localizasse o registro de venda do livro. Também o instruíra para reaver o livro, mesmo que tivesse de dispor de uma alta quantia para isso. Tudo o que Harry precisava era dar tempo ao seu agente. Afinal, ele já conseguira adiar a partida em dois dias, por causa dos “negócios” que tinha de resolver com o administrador. Seria possível que não houvessem negócios a tratar e que tudo não passasse de uma tática desleal?


Tal desculpa serviria apenas por um ou dois dias, mas se Hermione fosse seqüestrada, ele ganharia mais um ou dois dias, enquanto procuravam por ela. Então, provavelmente, ela ainda precisaria de mais algum tempo para se recuperar. Assim, o agente teria tempo de sobra para encontrar o livro. Quando Harry e Hermione finalmente fossem a Londres, ele fingiria fazer tudo para localizar o livro, mas não o encontraria... quando, na verdade, já o teria.


Hermione sentiu fortes náuseas. Era horrível, mas fazia sentido. Na verdade, era a única hipótese que fazia real sentido. Se qualquer outra pessoa estivesse à procura do livro, de nada adiantaria trancá-la ali. Tal pessoa precisaria dos dois mapas e seqüestrá-la não ajudaria em nada. Exceto Harry. E fora um bilhete dele que a levara ao mosteiro.


Apoiou-se na parede, sentindo as lágrimas molharem suas faces. Não podia ser Harry! Por mais sentido que fizesse, ela se recusava a acreditar. Amava-o e não poderia ter se enganado tanto. Não poderia amar um homem tão falso e ganancioso. E por que Harry faria amor com ela, se não se importava em deixá-la em um moinho abandonado, durante dias, assustada, faminta e com sede? Fazer amor com ela não mudaria em nada os planos dele.


Lembrou-se das suspeitas que alimentara com relação a Silverwood e de como estivera enganada sobre Harry. Agora, o mesmo acontecia. Estava tirando conclusões precipitadas, sem que tivesse evidências suficientes. Não poderia condená-lo, baseada em meras suposições.


No entanto, apesar de tal decisão, as dúvidas voltaram a atormentá-la diversas vezes durante a noite. Sozinha na escuridão, era difícil controlar o medo. Sobressaltava-se a qualquer ruído e, embora se sentisse esgotada, tinha medo de adormecer, pois ficaria vulnerável demais.


Pareceu a Hermione que uma eternidade havia se passado quando, finalmente, o dia começou a amanhecer. Embora soubesse ter passado a noite inteira naquela mesma posição, agora sentia que podia suportá-la. Apoiou a cabeça na parede, fechou os olhos e adormeceu.


Quando acordou, descobriu-se deitada de lado, encolhida, no chão empoeirado. Sentou-se devagar, tentando analisar a situação bizarra em que se encontrava. Percebeu que o moinho estava bastante claro e bem mais quente. Deu-se conta de que o sol já estava alto no céu. Perguntou-se que horas seriam e por que acordara.


Levantou-se, esticando cuidadosamente os músculos rijos e doloridos. Daria tudo por um gole de água. Comida era o segundo item em sua lista de prioridades.


Decidiu que fazer barulho, na tentativa de ser encontrada, podia não fazer sentido durante a noite, mas, de dia, era possível que alguém a ouvisse. Assim, apanhou a chapa de metal e bateu com ela na porta até seus ouvidos doerem. Então, parou desanimada e pôs-se a andar de um lado para outro, sem saber o que mais poderia fazer. Foi quando ouviu algo.


Hermione ficou imóvel e parou de respirar, apurando os ouvidos. O som se repetiu, distante, fora do moinho. Ao ouvir pela terceira vez, pareceram... vozes! Sim, eram vozes!


- Socorro! Alguém, por favor, ajude-me! – gritou, desesperada, olhando para a janela que havia quebrado na véspera. – Socorro!


As vozes foram se aproximando, até que ela reconheceu o chamado de Crispin:


- Hermione!


- Crispin! Hart! Sou eu!


- Estou ouvindo! – um deles gritou em resposta e, quando voltou a falar, era evidente que estava mais perto. - Ali! O moinho!


Hermione pulava e gritava como louca. De repente, correu até a porta e pôs-se a bater com a chapa de metal. Ouviu outras vozes e, então, Hart exclamou:


- Vejam! A porta está bloqueada! Richie, vá chamar sir Harry!


Depois de muito barulho, a porta se abriu e Hermione atirou-se para fora.


- Crispin! Hart! – gritou, abraçando os dois irmãos, rindo e chorando, ap mesmo tempo. – Nunca em minha vida senti tamanha felicidade por ver alguém!


Os dois meninos puseram a falar e fazer perguntas, sem parar.


- O que você foi fazer lá dentro?


- Sabia que está imunda?


- Estamos procurando por você desde ontem, quando não apareceu para o chá!


- Sir Harry e os criados passaram a noite toda vasculhando os campos e bosques!


- Ele não permitiu que nós o acompanhássemos, dizendo que precisávamos dormir, – Crispin queixou-se - mas não conseguimos pregar os olhos.


- É verdade. – Hart confirmou. – Hoje, de manhã, saímos assim que a cozinheira nos serviu um pouco de pão com bacon. Sir Harry mandou um cavalariço nos acompanhar, mas foi bom porque, agora, ele foi chamar sir Harry.


- Sir Harry foi até o mosteiro de novo. Não sei porque ele acha que você está lá.


- Tia Ardis não para de gemer e chorar, dizendo que você deve ter se afogado. Joanna queria ajudar sir Harry na busca, mas ele ficou furioso e disse que não queria que ela o atrasasse.


- Ela ficou vermelha de raiva. – Crispin completou com um sorriso.


- Veja! – Hart apontou na direção dos campos. - Lá vem ele.


Um cavaleiro seguia pela estrada em alta velocidade, diretamente na direção deles. Segundos depois, já era possível distinguir as feições de Harry. Antes mesmo que o cavalo os alcançasse, ele saltou da sela e correu, de braços abertos.


- Hermione!


Sem pensar duas vezes, ela se atirou para Harry, cuja expressão era um misto de preocupação e desespero.


- Ah, Harry! – murmurou, antes de explodir em lágrimas.


Harry apertou-a contra si, fazendo-a sentir-se segura e protegida. Os gêmeos puseram-se a contar como haviam ouvido um barulho estranho, antes de reconhecer o pedido de socorro da irmã. Harry mal os ouvia, pois concentrava-se em abraçá-la e em convencer a si mesmo de que ela estava em seus braços, sã e salva.


Passara a pior noite de sua vida, procurando por Hermione, sem ter a menor pista de onde ela poderia estar. Fora assombrado pelo medo de que ela houvesse fugido, por se sentir culpada e envergonhada pelo relacionamento ilícito que haviam iniciado. Então, descartara a idéia absurda, pois Hermione era sensata demais para tomar uma atitude tão tola.


Porém, o medo e a culpa o haviam dominado e ele amaldiçoara a própria fraqueza de sucumbir ao desejo, na noite anterior. Fora ao quarto dela para dizer-lhe que se casariam o mais breve possível, que sua decisão de fazer amor com ela ocorrera juntamente com a decisão de torná-la sua esposa. Harry acreditara que Hermione sabia que, mesmo levado pela paixão, ele jamais teria feito o que fez, se não estivesse certo de que ela era a única mulher que ele desejaria ter como esposa.


No entanto, não dissera nada. Não era do tipo que desperdiçava palavras de amor, e um pedido de casamento não era tão fácil para ele. Em sua família, as demonstrações de afeto eram raras e, muitas vezes, desajeitadas. Fora mais fácil expressar seus sentimentos por Hermione através de beijos e carícias. Quando o desejo o invadira, na noite anterior, ele afastara da mente a necessidade de conversas. Quando Hermione desaparecera, Harry se consumira em culpa, temendo que ela houvesse fugido, por acreditar que ele só queria tê-la como amante.


Agora, apertava-a como se nunca mais fosse soltá-la, murmurando:


- Está tudo bem. Não precisa mais ter medo.


- Ah, Harry! Estava tão escuro... Eu não sabia se alguém me encontraria...


- Eu sei, eu sei, mas está tudo acabado. – Beijou-lhe os cabelos. – Vou levá-la para casa.


Ela assentiu. O calor dos braços de Harry fez com que todas as suas dúvidas fossem esquecidas. Ele a acomodou no cavalo, à sua frente. Cavalgaram em um trote lento de volta para casa. O balanço do cavalo, assim como o cansaço e o esgotamento de Hermione, levaram-na a um sono profundo.


Quando voltou a abrir os olhos, Hermione estava em sua cama. Por um momento, foi tomada pelo medo que sentira durante a noite, mas logo deu-se conta de onde estava e suspirou, aliviada.


- Você acordou! – Olívia levantou-se da cadeira e aproximou-se da cama. – Graças a Deus! Pensei que não fosse acordar nunca!


Hermione passou a língua pelos lábios ressecados e deu-se conta de que continuava com sede. Dormira sem comer, ou beber nada.


- Água. – murmurou com voz rouca.


Olívia apressou em atender o pedido e Hermione bebeu dois copos, de uma só vez. Então, voltou a deitar-se.


- Meu Deus! Estou muito suja. – murmurou. – Vou arruinar os lençóis.


- Eu sei. Devia ter visto a expressão no rosto da arrumadeira, quando sir Harry insistiu em colocar você na cama, suja como estava. Mas ela teve o bom senso de não discutir. Ele parecia estar procurando por uma desculpa para estrangular alguém. – Olívia riu. - Tia Ardis começou a tagarelar que um homem não poderia entrar no quarto de uma moça solteira e ele lhe lançou um olhar... Ah, queria que você visse! Tia Ardis fechou a boca e não voltou a pronunciar nem mais uma palavra! Foi lady Lílian quem o convenceu a sair, depois que ele acomodou você na cama. Ele insistiu em ficar, mas a mãe disse que você se assustaria se o visse daquele jeito. Disse que ele deveria descansar, tomar um banho e barbear-se, antes de vê-la de novo.


Hermione afastou as cobertas e começou a se levantar, mas Olívia impediu-a.


- O que vai fazer? Tem certeza de que está bem?


- Não estou doente. Só passei a noite em um lugar extremamente desconfortável. O que preciso agora é comer e tomar um banho, nessa hora. Seja uma boa irmã e chame a criada.


Olívia obedeceu e, então, ajudou Hermione a despir-se e a escovar os cabelos embaraçados. Uma criada preparou um banho quente, enquanto a outra providenciava uma bandeja com pão, carne fria e outras guloseimas. Hermione desfrutou de tudo com prazer.


Acabara de se vestir e penteava os cabelos molhados, quando ouviu uma batida na porta. No instante seguinte, Harry entrou, sem esperar pela resposta.


- A criada informou-me de que você estava acordada. Como está se sentindo?


- Bem, obrigada.


Hermione sentiu-se estranhamente reservada, na presença dele. Quando Harry a encontrara, as dúvidas haviam se dissipado e ela se sentira segura nos braços dele. Agora, porém, descansada e recuperada, a lógica voltara a impor as dúvidas em sua mente.


- Olívia, por favor, deixe-nos a sós. – Harry pediu. - Preciso conversar com sua irmã.


A menina não discutiu, embora a tia houvesse sido enfática ao dizer que sua obrigação seria manter Harry fora do quarto de Hermione. Harry aproximou-se dela, o cenho franzido.


- Mandei alguns homens examinarem o moinho, à procura de pistas. Não encontraram nada. O solo está seco demais. E inexplicável. Os meninos afirmam que a porta havia sido bloqueada por fora e insistem que alguém fez isso de propósito. É verdade? Como você foi parar lá dentro?


Hermione sentiu os músculos tensos. Exceto pela pergunta inicial, ele não havia demonstrado a menor preocupação com as condições dela, depois de tudo pelo que passara.


- Ora, vejo que você decidiu assumir o papel de chefe da casa, até mesmo no meu quarto!


Harry lançou-lhe um olhar furioso. Passara a noite sem dormir e apavorado, sentia-se frustrado por não fazer idéia de quem fizera aquilo com Hermione e, por fim, tivera de enfrentar o esforço de todos naquela casa, determinados a mantê-lo longe de Hermione.


- Não é hora para brincadeiras, Hermione! Diga-me como foi parar lá.


- Eu não sei! Se soubesse, teria prazer em lhe contar. Só sei que alguém me atacou no mosteiro. Quando acordei, estava dentro do moinho, com uma terrível dor de cabeça.


- Bem que desconfiei que você havia ido ao mosteiro. – Harry disse, quase para si mesmo.


- É claro que fui ao mosteiro! Afinal, seu bilhete pediu que eu o encontrasse lá!


Depois das palavras ásperas, Hermione observou-o com atenção, tentando medir-lhe a reação.


- Não escrevi bilhete algum.


- Acontece que recebi um bilhete, assinado por você.


- Onde está? Deixe-me vê-la.


- Pus no bolso do vestido. Quando acordei, no moinho, o bilhete havia desaparecido.


- Diabos!


- Acha que estou inventando essa história? – Hermione inquiriu, irritada.


- É claro que não, mas não pode ter sido a minha caligrafia.


- Não estou familiarizada com a sua caligrafia.


- Alguém falsificou o bilhete, planejando atacá-la.


- Por que, Harry? É o que eu gostaria de saber. O que alguém teria a lucrar com isso?


- Deve ter sido por causa do mapa. – ele murmurou. – Se você ficasse desaparecida por alguns dias e eu continuasse procurando por você, não viajaríamos no dia combinado. Se alguém, seu primo americano, por exemplo, quisesse encontrar o livro da rainha antes de nós....


- Em primeiro lugar, David Miller não está mais na Inglaterra.


- Isso foi o que ele lhe disse.


- Certo, mas como ele saberia sobre o livro? Só descobrimos do que se tratava há dois dias. Acha que sua mãe contou a ele? Ou, quem sabe, sua tia Liliane?


- Eu não sei! – Harry respondeu, quase aos berros. – Talvez um dos criados tenha ouvido. Ou, então, mamãe ou as crianças, comentaram algo na frente de criados. Se Miller subornou alguém...


- Acha que David tem rondado a Mansão Haverly, conversado com criados, subornado alguns deles, sem que ninguém o visse?


Ele deu de ombros.


- Realmente, parece improvável, mas quem poderia ser? Acha que foi um dos criados? Ou alguém de nossas famílias?


Hermione não poderia mais omitir o detalhe mais cruel, que ela tanto tentara ignorar, mas não fora capaz.


- Como David Miller, ou qualquer outra pessoa, poderia saber que o mosteiro é o nosso lugar predileto, quando saímos para cavalgar?


Harry franziu o cenho, pensativo.


- Não sei... – De repente, compreendeu onde ela estava tentando chegar. – Meu Deus! Pensa que fui eu, não é? Acredita que eu a atraí ao mosteiro, ataquei-a e, então, tranquei-a no moinho! Por que eu... Ah, mas é claro! Com você fora do caminho, o tesouro seria todo meu. Não é isso? – Harry virou-se e chutou a cadeira, que foi parar na parede. – Depois de tudo o que nós... Como pode pensar que eu...


- Não quero acreditar nisso! – Hermione declarou. – Tentei de todas as maneiras encontrar uma explicação. Não acho que você... Ora, é muito suspeito.


- Para o inferno com as idéias deturpadas dos Granger! Você é incapaz de confiar em mim? Pois vou lhe dizer uma coisa. Nós vamos a Londres e vamos encontrar o maldito livro, bem como o mapa dentro dele. Então, vou encontrar o maldito tesouro e farei questão de atirar cada moeda, cada pedra preciosa, aos seus pés. Pode ficar com o dote espanhol. Não quero nada dele!


Hermione empalideceu.


- Harry, por favor...


- O que você quer? Que eu prove que não a feri e assustei, nem a deixei com fome e com sede, trancada no moinho? Se não confia em mim, como posso fazê-la, acreditar que não sou essa criatura desprezível? Como posso provar que não escrevi o tal bilhete? Como posso provar que seria incapaz de fazer mal a um fio de cabelo seu, se o nosso amor não foi o bastante para convencê-la. Se eu disser que fiquei com o administrador até quatro horas da tarde, não vai adiantar, pois você vai pensar que contratei alguém para seqüestrá-la. Provavelmente, a mesma pessoa que contratei para invadir Chesilworth!


Hermione começou a chorar, sentindo as palavras dele como facas a atravessar-lhe o peito.


- Ora Hermione, por favor, poupe-me de suas lágrimas.


Com isso, Harry girou nos calcanhares e saiu, batendo a porta atrás de si.


Hermione atirou-se na cama e explodiu em soluços.


 


 


 

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