CAPÍTULO TREZE



CAPÍTULO TREZE

Ele olhou para os olhos dela, sentiu os tremores que ainda a abalavam e disse:
- Querida, você teve um pesadelo.
- Eu tive uma lembrança do passado.
Ela precisava ficar calma, tinha que ficar, para conseguir colocar tudo para fora. Tinha que ser calma e racional, precisava raciocinar como uma policial e não como uma mulher. Não como uma criança aterrorizada.
- Tudo estava tão claro, Harry, que eu ainda consigo sentir dentro de mim. O quarto em Dallas, onde ele me deixava trancada. Ele sempre me deixava trancada, para onde quer que me levasse. Uma vez eu tentei fugir, tentei escapar, e ele me pegou. Depois disso, ele sempre alugava quartos em andares altos e trancava a porta por fora. Nunca mais consegui sair. Acho que as pessoas nem sabiam que eu estava lá dentro. - e tentou pigarrear para limpar a garganta. - Preciso de um pouco de água...
- Tome, beba isto aqui. - e Harry pegou o copo que Moody deixara ao lado da cadeira.
- Não, isso é um calmante! Não quero tomar um calmante. - Inspirou devagar e expeliu o ar dos pulmões com força. - Não preciso de um tranqüilizante.
- Tudo bem então. Deixe que eu pego água para você. - colocando-a sentada ao lado, ele percebeu a dúvida em seus olhos. - Apenas água, Gina. Juro.
Aceitando a palavra dele, Gina pegou o copo que ele trouxe e bebeu, sentindo-se grata. Quando Harry se sentou sobre o braço da poltrona, ela olhou direto para a frente e continuou:
- Eu me lembro do quarto. Venho tendo partes deste sonho nas duas últimas semanas. Os detalhes estavam começando a ficar mais claros. Fui até me consultar com a doutora Minerva. - e olhou por cima do copo. - Não, eu não contei nada para você. Não consegui.
- Tudo bem. - ele estava tentando aceitar aquilo. - Mas vai me contar agora.
- Tenho de contar. - Tomando fôlego, começou a trazer tudo de volta à sua mente, como faria com qualquer cena de crime. - Eu estava acordada naquele quarto, torcendo para que ele chegasse bêbado demais para tocar em mim, e foi então que ele chegou. Já era tarde da noite.
Ela nem precisava fechar os olhos para ver tudo: o quarto sujo, o pisca-pisca da luz vermelha através das janelas imundas.
- Estava frio. - murmurou ela. - Ele havia quebrado o controle da temperatura, e o quarto estava gelado. Dava para perceber pela minha respiração. - e estremeceu em reação a esta imagem. - Só que eu estava com muita fome também. Consegui algo para comer. Ele jamais deixava muita coisa para se comer, por ali. Eu sentia fome o tempo todo. Estava tirando o mofo da casca de um pedaço de queijo no momento em que ele chegou.
Gina sentiu a porta se abrindo, o medo, o barulho da faca caindo. Queria se levantar, andar de um lado para outro, para acalmar os nervos, mas não tinha certeza de que suas pernas estivessem firmes o bastante para suportar o peso do corpo.
- Consegui ver logo de cara que ele não estava bêbado o bastante. Dava para sentir. Eu me lembro bem do rosto dele agora. Tinha cabelos castanho-escuros e um rosto meio sem vida, devido à bebida. Talvez tivesse sido bonito um dia, mas a beleza de seu rosto se fora. Havia vasos arrebentados em seu rosto e em seus olhos. Tinha mãos grandes. Talvez eu achasse suas mãos grandes por ser muito pequena, mas o fato é que, para mim, elas pareciam terrivelmente grandes.
Harry levou as próprias mãos até os ombros dela e começou a massageá-los para aliviar a tensão.
- Elas não podem mais machucá-la. Não podem nem sequer tocá-las agora.
- Não. - A não ser nos sonhos, pensou ela. Nos sonhos, havia dor. - Ele ficou muito aborrecido porque viu que eu estava comendo. Ele não permitia que eu pegasse nada para comer sem pedir permissão antes.
- Deus do céu! - Harry apertou um pouco mais o cobertor em volta de Gina, porque ela continuava a tremer. E descobriu que queria alimentá-la, dar-lhe qualquer coisa, tudo, para que ela jamais voltasse a pensar em fome novamente.
- Ele começou a bater em mim, e me batia sem parar. - Ela sentiu que a voz ficou mais aguda e fez um esforço para fazê-la voltar ao normal. É apenas um relato do que aconteceu agora, disse a si mesma. Nada mais. - Ele me derrubou no chão e continuou me batendo. No meu rosto, no meu corpo. Eu continuava chorando e berrando, implorando para que parasse. Ele rasgou minhas roupas e enfiou os dedos dentro de mim. Aquilo me machucou terrivelmente, porque ele havia me estuprado na noite anterior e eu ainda estava toda dolorida. De repente, ele estava me estuprando novamente. Respirando, ofegante, em cima do meu rosto, me dizendo o tempo todo para eu ser uma boa menina, e me estuprando. Era como se tudo dentro de mim estivesse se rasgando. A dor era tão forte que eu já não podia mais agüentar. Enterrei as unhas nele. Devo ter tirado sangue de sua pele. Foi o momento em que ele quebrou o meu braço.
Harry colocou-se em pé de um salto, andou pelo quarto e deu um golpe no mecanismo que abria as janelas. Precisava de ar.
- Não lembro se apaguei, devo ter desmaiado por um minuto, talvez. Mas não conseguia superar a dor. Às vezes, a gente consegue.
- Sim. - falou Harry, bem devagar. - Eu sei.
- Mas a dor era gigantesca! Eram ondas escuras e gosmentas de pura dor. E ele não parava. A faca estava na minha mão. Simplesmente estava ali, bem na minha mão. Eu enfiei a faca nele. - e soltou um suspiro entrecortado no momento em que Harry tornou a se virar para olhá-la. - Eu o esfaqueei e continuei esfaqueando. O sangue estava em toda parte. O cheiro de sangue doce e rude enchia o ar. Rastejei por baixo dele. Pode ser que ele já estivesse morto, mas eu continuei a esfaqueá-lo. Harry, eu consigo me ver ali, ajoelhada, com o cabo da arma na mão, o sangue me escorrendo pelos pulsos e espirrando no rosto. A dor e a fúria que continuavam latejando dentro de mim. Eu simplesmente não conseguia parar.
Quem teria conseguido? Perguntou a si mesmo. Quem teria conseguido?
- Depois, fui para o canto do quarto para fugir dele, porque, quando se levantasse, ele ia me matar! Desmaiei ou simplesmente saí do ar, porque não consigo me lembrar de nada até o momento em que amanheceu. E o meu corpo doía, doía muito, em toda parte. Então, vomitei. Vomitei muito e, quando acabei, foi que eu o vi. E soube...
Harry esticou o braço para tomar-lhe a mão, e ela parecia feita de gelo, fria, fina e frágil.
- Já chega, Gina!
- Não, deixe-me acabar! Eu tenho que acabar! - Ela cuspia as palavras, como se estivesse atirando pedras para fora do coração. - Eu vi. Entendi que o tinha assassinado, e soube que eles viriam me pegar para me colocar em uma jaula. Uma jaula escura. Era isso que ele sempre me disse que eles faziam quando a criança não era boazinha. Fui até o banheiro e lavei todo o sangue. Meu braço... meu braço estava doendo desesperadamente, mas eu não queria ser colocada em uma jaula. Enfiei algumas roupas e coloquei tudo o mais que possuía em uma sacola. Continuava imaginando que ele ia se levantar a qualquer momento e pular em cima de mim, mas ele continuava morto. Eu o deixei lá. Comecei a andar pelas ruas. Já estava de manhã, era bem cedinho. Não havia quase ninguém nas ruas. Joguei a sacola fora ou a perdi... Não consigo me lembrar. Caminhei durante muito tempo, e então entrei em um beco para me esconder, até anoitecer.
Gina passou a mão pela boca. Ela conseguia se lembrar disso, também, da escuridão, do fedor, do medo que cobria toda a dor.
- Depois eu caminhei um pouco mais - continuou ela - e fui andando até não agüentar mais. Entrei em outro beco. Não sei por quanto tempo fiquei ali, mas foi o lugar em que me encontraram. A essa altura, eu já não me lembrava de coisa alguma, nem do que acontecera, nem de onde eu estava. Ou de quem eu era. Até hoje não consigo me lembrar do meu nome verdadeiro. Ele jamais me chamava pelo nome.
- O seu nome é Gina Weasley - ele envolveu o rosto dela com as mãos - e essa parte da sua vida está encerrada. Você sobreviveu a ela, conseguiu superar tudo. Agora você se lembrou, mas tudo já acabou.
- Harry... - olhando para ele, Gina sentiu que jamais amara alguém mais do que o amava. Nem jamais amaria. - Não acabou não. Tenho de enfrentar o ato que cometi. A realidade dele e suas conseqüências. Não posso mais me casar com você. Amanhã vou entregar o meu distintivo.
- Mas que insanidade é essa?
- Eu assassinei o meu pai, você entende? Tem de ser aberta uma investigação. Mesmo que eu me livre da punição, isso não vai negar o fato de que o meu ingresso na Academia de Polícia e os meus registros são todos fraudulentos. Durante o tempo que durar a investigação, não posso mais ser uma policial e não posso me casar com você. - Sentindo-se mais firme, ela se levantou. - Tenho de fazer as malas...
- Tente!
A voz dele estava baixa, perigosa, e o tom firme a fez parar.
- Harry, eu tenho que seguir os procedimentos...
- Não, você tem que ser humana. - Com passos largos, foi até a porta e a fechou com um golpe. - Você acha que vai sair assim da minha vida e me abandonar, indo embora por conta própria, só porque se defendeu de um monstro?
- Eu assassinei o meu pai!
- Você assassinou um monstro terrível! Você era uma criança. Vai ficar parada aí, olhando nos meus olhos, e vai me dizer que a culpa era daquela criança?
Gina abriu a boca para falar, mas tornou a fechá-la. Finalmente, disse:
- Não se trata de como eu vejo a situação, Harry. A lei...
- A lei deveria ter protegido você! - Com visões terríveis dançando diabolicamente em sua cabeça, ele atirou as palavras com força. Parecia-lhe ouvir os seus nervos sendo esticados, quase a ponto de se romperem. - Dane-se a lei! Que benefício ela trouxe para nós dois no instante em que mais precisávamos dela? Agora você quer entregar o distintivo só porque a lei é fraca demais para cuidar dos inocentes e das crianças? Fique à vontade para fazer isso! Jogue toda a sua carreira fora! Mas não vai conseguir se livrar de mim assim tão facilmente...
Tentou segurá-la pelos ombros, mas então deixou as mãos caírem.
- Não posso tocar em você. - explicou ele. Abalado pela violência que sentiu brotar nele, deu um passo para trás. - Estou com medo de colocar as mãos em você agora. Não vou suportar se o fato de você estar comigo a fizer se lembrar do que ele lhe fazia.
- Não. - Horrorizada, foi ela que esticou os braços. - Não. Claro que isso não vai acontecer. Jamais poderia. Não há nada no mundo além de nós dois, no instante em que você me toca. Eu simplesmente vou ter que lidar com esta situação.
- Sozinha? - Esta era, ele compreendeu, a mais amarga das palavras. - Do mesmo jeito que lida com os pesadelos, sozinha? Eu não posso voltar até aquela época e matá-lo para você, Gina. Daria tudo o que tenho, e mais até, se pudesse fazer isso, pelo menos isso. Mas não posso. Não vou deixar que você lide com isso sem mim. Isso não é uma possibilidade real para nenhum de nós. Sente-se.
- Harry...
- Por favor, sente-se. - Ele respirou fundo uma vez para lavar a alma. Ela não ia responder a um tom de raiva. Nem, vindo dele, à voz da razão. - Você confia na doutora Minerva?
- Sim, isto é...
- Tanto quanto consegue confiar em alguém. - ele acabou a frase. - Já serve! - e foi até a escrivaninha.
- O que está fazendo?
- Vou pedir que ela venha até aqui.
- Estamos no meio da noite.
- Eu sei que horas são. - e ligou o tele-link. - Estou disposto a aceitar os conselhos dela a respeito deste assunto. E peço a você que faça o mesmo.
Ela começou a reclamar com ele, mas não encontrou argumentos. Cansada, colocou a cabeça entre as mãos.
- Tudo bem. - concordou.
Gina ficou ali, mal conseguindo ouvir a voz calma de Harry e as respostas murmuradas que ele dava. Quando voltou para junto dela, esticou o braço em sua direção. Gina olhou para a mão estendida.
- Ela já está vindo. Vamos lá para baixo?
- Harry, eu não estou fazendo nada disso para magoar você, e nem para irritá-lo.
- Pois conseguiu fazer as duas coisas, só que não é isto que está em jogo aqui. - Ele tomou a mão dela e a colocou em pé. - Não vou deixar você ir embora, Gina. Se você não me amasse, não me quisesse nem precisasse de mim, eu teria de deixá-la ir. Mas sei que você me ama e me quer. E, embora ainda tenha dificuldades em aceitar esse conceito, sei que precisa de mim também.
Eu não quero usá-lo, pensou Gina, mas não disse nada enquanto desciam as escadas.
Minerva não demorou muito. Com seu jeito costumeiro, chegou quase de imediato e perfeitamente arrumada. Cumprimentou Harry de forma serena, lançou um olhar para Gina e se sentou.
- Eu aceitaria um conhaque, se vocês não se importam. - pediu a doutora. - Acho que a tenente deveria me acompanhar. - Quando Harry foi preparar as bebidas, ela olhou em volta da sala. - Que casa adorável! Tem um ar de felicidade. - e sorriu, lançando a cabeça para o lado. - Ora Gina, você está com um novo penteado. Ficou muito bem em você.
Confuso, Harry parou e olhou para Gina.
- O que fez no cabelo? - perguntou.
- Nada, na verdade, apenas...
- Homens! - Minerva provou o conhaque e girou o líquido no cálice. - Por que nos importamos com eles? Sempre que o meu marido deixa de perceber um penteado novo em mim, desculpa-se dizendo que me adora pelo que eu sou e não pelo meu cabelo. Normalmente, deixo as coisas por isso mesmo. Muito bem, então. - e se recostou. - Pode me contar o que houve?
- Sim. - Gina repetiu tudo, exatamente como já contara a Harry. Agora, porém, era a voz da policial que estava contando a história. Estava mais fria, mais objetiva e mais distante.
- Está sendo uma noite muito difícil para você. - e Minerva deslizou o olhar para Harry. - Para vocês dois. Deve ser difícil acreditar que as coisas vão começar a melhorar agora. Gina, você consegue aceitar que a sua mente já estava pronta para lidar com isto?
- Imagino que sim. As lembranças começaram a aparecer de forma mais clara e com mais freqüência depois que... - e fechou os olhos. - Alguns meses atrás eu respondi a um chamado para resolver um distúrbio doméstico. Cheguei no local tarde demais. O pai de uma criança estava drogado, cheio de Zeus. Ele retalhara a filhinho até a morte, antes de eu conseguir entrar. Acabei matando-o.
- Sim, eu me lembro deste caso. Aquela criança poderia ter sido você. Ao invés de ter o mesmo fim, porém, você sobreviveu.
- Meu pai não.
- E como você se sente por causa disso?
- Alegre. E pouco à vontade, por saber que possuo tanto ódio dentro de mim.
- Ele batia em você. Ele a estuprava. Era o seu pai e você deveria estar a salvo em sua companhia. E não estava. Como você acha que deveria se sentir a respeito disso?
- Foi algo que aconteceu anos atrás.
- Foi algo que aconteceu ontem. - corrigiu Minerva. - Foi há uma hora.
- Sim. - Gina baixou o olhar e ficou fitando a taça de conhaque, apertando os olhos para segurar as lágrimas.
- Foi errado você se defender?
- Não. Não foi errado me defender. Mas eu o matei. Mesmo depois que ele já estava morto, eu continuei a matá-lo. Este... ódio cego, esta fúria incontrolável! Eu parecia um animal!
- Ele tratava você como um animal. Ele a transformou em um animal. Foi sim. - disse Minerva, diante do tremor de Gina. - Mais do que roubar a sua infância, a sua inocência, ele arrancou a sua humanidade. Existem termos técnicos para descrever uma personalidade capaz de fazer o que ele fez com você, mas, em linguagem simples, - disse ela em um tom neutro - ele era um monstro.
Minerva observou quando o olhar de Gina voou em direção a Harry, fixou o rosto dele por alguns segundos e depois se desviou.
- Ele roubou a sua liberdade, - continuou a doutora - roubou as suas escolhas, marcou você, marcou a ferro, profanou você. Para ele, você não era humana, e se a situação não tivesse mudado pode ser que você jamais conseguisse ser algo a mais do que um animal, supondo que tivesse sobrevivido. No entanto, depois que escapou, você se reconstruiu. O que você é hoje, Gina?
- Uma policial.
Minerva sorriu. Ela esperava exatamente aquela resposta.
- E o que mais? - quis saber de Gina.
- Uma pessoa.
- Uma pessoa responsável?
- Sim.
- Capaz de sentir amizade, lealdade, compaixão, humor. Amor?
- Sim, mas... - Gina olhou para Harry.
- Aquela criança era capaz disso?
- Não, ela... Eu era amedrontada demais para sentir essas coisas. Tudo bem, eu mudei. - Gina apertou a mão sobre a têmpora, surpresa e aliviada ao sentir que a dor que fazia sua cabeça latejar estava diminuindo. - Eu me transformei em uma pessoa decente, mas isso não modifica o fato de que eu o matei. Deve ser aberta uma investigação a respeito desse crime.
Minerva arqueou uma das sobrancelhas e disse:
- Naturalmente, você pode forçar a abertura de uma investigação, se o fato de descobrir a identidade do seu pai for importante para você. Isso é importante?
- Não, eu não ligo a mínima para isso. Trata-se de um procedimento que...
- Desculpe-me, - Minerva levantou uma das mãos - mas você quer instaurar uma investigação sobre a morte desse homem, causada por você aos oito anos de idade?
- É uma questão de procedimento técnico, - teimou Gina - que requer o meu afastamento imediato, até que a equipe que vai investigar tudo esteja satisfeita. Também seria melhor se todos os meus planos pessoais fossem colocados em compasso de espera até que o assunto seja totalmente resolvido.
Sentindo a fúria de Harry, Minerva lançou-lhe um olhar de advertência e viu o momento em que ele conseguiu vencer a batalha para manter o controle.
- Resolvido de que modo, Gina? — perguntou de modo razoável. - Não quero ensiná-la a fazer o seu trabalho, tenente, mas estamos falando a respeito de um assunto que aconteceu há vinte e dois anos.
- Aconteceu ontem. - Gina sentiu uma satisfação vazia em atirar de volta as palavras de Minerva. - Foi há uma hora.
- Emocionalmente, sim. - concordou Minerva, sem se alterar. - Porém, em termos práticos e em termos legais, já se passaram mais de duas décadas. Não vai haver um corpo, nem uma prova física para exame. Existem, é claro, os registros sobre as condições em que você foi encontrada, os abusos que sofreu, a má-nutrição, a negligência e o trauma. Bem, temos também as suas lembranças. Você acha que a sua história vai se modificar no momento do interrogatório?
- Não, claro que não, mas... é o procedimento.
- Você é uma policial muito competente, Gina. - disse Minerva com delicadeza. - Se um caso como este aparecesse em sua mesa, exatamente desse jeito, quais seriam as providências profissionais que você tomaria, de forma objetiva? Antes de responder, tenha calma e seja honesta. Não lhe servirá de nada punir a si mesma ou aquela criança inocente e violada. O que você faria?
- Eu... - vencida, ela pousou a taça de conhaque sobre a mesa e apertou os olhos com as mãos. - Eu daria o caso por encerrado.
- Então faça isso.
- Mas não depende de mim.
- Ficarei feliz em levar este assunto ao conhecimento do seu comandante, em caráter particular. Posso apresentar todos os fatos e oferecer a minha recomendação pessoal. Acho que você sabe qual seria a decisão dele. Nós precisamos de pessoas como você para servir e proteger a sociedade, Gina. E há um homem aqui que precisa que você confie nele.
- Mas eu confio nele! - ela cruzou os braços em volta do corpo e olhou para Harry. - O meu medo é usá-lo. Não me importa o que as outras pessoas pensem a respeito do dinheiro dele ou sobre o seu poder. O que não quero é jamais dar razão a ele para achar que, em algum momento, eu poderia usá-lo.
- E ele acha isso?
- Ele está apaixonado demais por mim para achar isso agora. - e fechou os dedos sobre o diamante que trazia pendurado entre os seios.
- Pois eu diria que isto é uma coisa adorável. E, em pouco tempo, pode ser que você descubra a diferença entre depender de alguém que você ama e confiar, utilizando as energias um do outro. - Minerva se levantou. - Eu aconselharia você a tomar um sedativo e tirar uma folga do trabalho amanhã, mas sei que não vai fazer nenhuma das duas coisas.
- Não, não vou. Sinto muito por tê-la arrastado até aqui, tirando-a de sua casa no meio da noite.
- Policiais e médicos estão acostumados com isso. Você vai conversar novamente comigo?
Gina queria recusar, negar, do mesmo modo que passara tantos anos se recusando e negando. Aquele tempo, porém, Gina compreendeu, estava encerrado.
- Sim, tudo bem. - respondeu.
Em um impulso, Minerva colocou a mão no rosto de Gina e a beijou, dizendo:
- Você vai conseguir, Gina. - Depois, virou-se para Harry e estendeu a mão. - Fiquei feliz por ter me chamado. Tenho um interesse pessoal no caso da tenente.
- Eu também. Obrigado.
- Espero que me convidem para o casamento... Não precisa me acompanhar, pode deixar que eu saio sozinha.
Harry voltou até onde Gina estava e se sentou ao seu lado, perguntando:
- Você se sentiria melhor, Gina, se eu distribuísse todo o meu dinheiro, todas as minhas propriedades, me livrasse de todas as minhas companhias e começasse tudo do zero, com você?
O que quer que Gina estivesse esperando que ele dissesse, não era isto. Ela olhou boquiaberta para ele.
- Você faria isso, Harry?
- Não. - e se inclinou para beijá-la de leve.
A seguir, soltou uma gargalhada que a deixou surpresa.
- Estou me sentindo uma idiota! - reclamou Gina.
- Deve estar mesmo. - e entrelaçou os dedos com os dela. - Deixe-me ajudá-la a se livrar da dor.
- Você já está fazendo isso desde que entrou por aquela porta. - Com um suspiro, ela pousou a testa sobre a dele. - Tente me agüentar, Harry. Eu sou uma boa policial. Sei o que estou fazendo quando estou com o distintivo. É quando eu o tiro que não fico tão certa dos meus atos.
- Sou um homem tolerante. Posso aceitar os seus recantos escuros, Gina, do mesmo modo que você aceita os meus. Vamos subir, vamos para a cama. Agora, você vai dormir. - e a colocou novamente em pé. - E, se tiver pesadelos, não vai mais escondê-los de mim.
- Não, não vou. O que foi? O que está olhando?
Com os olhos apertados, ele passou os dedos pelos cabelos dela.
- Você realmente mudou o seu cabelo. De modo sutil, mas muito charmoso. E fez alguma coisa a mais... - passou a ponta do polegar pelo queixo dela.
Gina levantou e abaixou as sobrancelhas, na esperança de que ele reparasse a sua nova e aprimorada forma, mas ele simplesmente continuou a olhar para ela.
- O que foi? - perguntou Gina.
- Você é linda! Realmente linda!
- Você está cansado.
- Não, não estou. - Ele se inclinou e colocou a boca sobre a dela, em um beijo longo e apaixonado. - Nem um pouco.

Hermione estava olhando fixamente em volta, e Gina decidiu não demonstrar que percebera. Pegara uma xícara de café e, sabendo que Neville estava para chegar, trouxe até mesmo uma cestinha cheia de bolinhos. As cortinas estavam abertas, exibindo a vista espetacular e privativa de Nova York que Gina desfrutava, com sua silhueta cheia de espigões por trás do verde luxuriante do parque.
Ela sabia que não podia culpar Hermione por ficar boquiaberta.
- Agradeço muito por você ter vindo aqui em casa, em vez de nos encontrarmos na central. - começou Gina. Ela sabia que ainda não estava funcionando em plena capacidade, bem como tinha consciência de que Luna não podia se dar ao luxo de esperar que o seu período de pesar acabasse. - Queria resolver alguns assuntos antes de entrar de serviço, Hermione. Assim que colocar o pé em minha sala, sei que Lupin vai me chamar na mesma hora, e preciso de munição.
- Tudo bem. - Hermione sabia que havia gente que realmente vivia daquele jeito. Já ouvira falar, já lera a respeito e vira em filmes. Com relação aos aposentos da tenente, não havia nada de particularmente fabuloso. Eles certamente eram bonitos, muito espaçosos, com boa mobília e um excelente equipamento.
Mas, a casa. Minha nossa, a casa! Deixara bem para trás a categoria de mansão e mais parecia uma fortaleza ou, melhor dizendo, um castelo. Os gramados verdes, as árvores floridas e as fontes. Havia ainda todas as torres, o brilho da pedra. Isso tudo antes de a pessoa ser trazida para dentro por um mordomo e ficar fascinada pelos mármores, os cristais, as madeiras. E o espaço. Espaço em demasia.
- Hermione?
- Como? Desculpe.
- Está tudo bem. Sei que este lugar deixa a gente intimidada.
- É incrível. - e levou o olhar até Gina. - Você parece diferente aqui. - decidiu, e então apertou os olhos para ver melhor. - Parece realmente diferente. Ei, você cortou o cabelo! E fez as sobrancelhas. - Intrigada, inclinou-se para ver mais de perto. - E uma limpeza de pele também.
- Só no rosto. - Gina se controlou para não se mostrar embaraçada. - Podemos começar a trabalhar ou você vai querer o nome da minha esteticista?
- Eu nem poderia pagar pelo serviço. - disse Hermione, com ar alegre. - Mas você ficou muito bem. Tem que começar a se produzir mesmo, já que vai se casar em poucas semanas.
- Não são poucas semanas, é só no mês que vem.
- Acho que você ainda não reparou que nós já estamos no mês que vem. Parece nervosa... - Um sorriso divertido esvoaçou pela boca de Hermione. - Você nunca fica nervosa.
- Pare com isso, Hermione. Temos homicídios para resolver aqui.
- Sim, senhora. - Ligeiramente envergonhada, Hermione engoliu o risinho. - É que achei que a gente estava só matando tempo, enquanto o capitão Neville não chega.
- Tenho uma entrevista marcada para as dez horas com Paul Redford. Não tenho tempo para matar. Passe-me as informações que conseguiu na boate.
- Meu relatório está aqui. - Já de volta à postura habitual, Hermione pegou um disco na bolsa. - Cheguei lá às dezessete e trinta e cinco, procurei pelo sujeito chamado Crack e me identifiquei como sua auxiliar.
- O que achou dele?
- Uma figura! - disse Hermione secamente. - Sugeriu que eu daria uma boa dançarina de tablado na boate, já que parecia ter pernas fortes. Respondi que isto não estava em meus planos, no momento.
- Boa resposta.
- Ele cooperou muito. Pelo que observei, ficou muito aborrecido quando informei a ele sobre o assassinato de Hetta e a forma como morreu. Ela não trabalhava lá há algum tempo, mas Crack informou que ela era uma pessoa de bom coração, eficiente e bem-sucedida.
- Usou exatamente essas palavras?
- Não, utilizou um linguajar muito vulgar, Weasley. Reproduzi as palavras exatas dele em meu relatório. Ele não prestou atenção na pessoa com quem Hetta conversou depois do incidente com Boomer, pois a boate estava lotada e ele estava ocupado.
- Rachando cabeças...
- Exatamente. No entanto, apontou vários outros empregados e clientes assíduos que poderiam tê-la visto com alguém. Peguei seus nomes e declarações. Nenhum deles reparou nada de estranho ou diferente. Um dos clientes acha que viu a hora em que ela foi para uma das cabines privativas com um sujeito, mas não se lembra da hora exata, e a descrição do homem foi vaga. "Um cara alto."
- Fantástico!
- Ela saiu da boate às duas e quinze da manhã, mais de uma hora mais cedo do que o horário habitual. Comentou com uma das outras acompanhantes que trabalham lá que ela já havia completado a "cota" por aquela noite e ia embora. Exibiu um monte de fichas de crédito e algumas notas de valor alto. Foi a última vez em que foi vista na boate.
- O corpo foi achado três dias depois. - Frustrada, Gina se levantou da mesa. - Se eu tivesse assumido o caso antes, ou se Carmichael tivesse se dado ao trabalho de cavar um pouco mais para conseguir identificá-la... Bem, o que está feito, está feito.
- Todos gostavam dela.
- Ela tinha um parceiro ou namorado?
- Nada sério. Este tipo de boate não aprova que as acompanhantes saiam com não freqüentadores e, aparentemente, Hetta era uma profissional de verdade. Ela andava de boate em boate, mas, até agora, não achei nada. Se estava trabalhando em algum outro lugar na noite em que foi morta, não há registro disso.
- Ela usava drogas?
- Socialmente, casualmente. Nada pesado, de acordo com as pessoas com quem conversei. Verifiquei sua ficha na polícia. A não ser algumas detenções antigas por porte de drogas, ela estava limpa.
- Detenções antigas, de quanto tempo atrás?
- Cinco anos.
- Certo, continue investigando. Hetta está com você. - e olhou para trás no momento em que Neville entrou. - Fico feliz por você ter conseguido se juntar a nós.
- É, o tráfego está um inferno lá fora... Oba, bolinhos! - e começou a atacá-los. - Como vão as coisas, Hermione?
- Bom-dia, capitão.
- Que casa, hein? E você, está de blusa nova, Weasley?
- Não.
- Você parece diferente... - e se serviu de café, enquanto Gina girava os olhos. - Achei o homem com a tatuagem de cobra. Luna chegou na Boate Ponto Zero mais ou menos às duas da manhã, pediu um drinque chamado Screamer e foi para perto de um dançarino da casa. Dei um pulo até lá ontem à noite e conversei pessoalmente com o sujeito. Ele se lembrou de Luna. Ela estava totalmente fora de órbita e caindo pelas tabelas. Ele disse que informou a ela as várias opções de serviço que a casa oferecia, mas ela dispensou tudo e caiu fora.
Neville se sentou e soltou um suspiro, completando:
- Se ela andou por outras boates depois disso, não pagou com cartão. Não apareceu mais nada no sistema depois que ela fechou a conta na Ponto Zero às quinze para as três da manhã.
- Onde fica a Ponto Zero?
- Mais ou menos a seis quarteirões da cena do crime. Ela andou o tempo todo se movendo quase em linha reta pela cidade, desde a hora em que saiu da casa de Cho e entrou no ZigZag. Esteve em outras cinco boates, tomou Screamers o tempo todo, e a maioria deles eram triplos. Não sei como ela ainda estava se agüentando em pé...
- Seis quarteirões... - murmurou Gina. - Trinta minutos antes do crime...
- Sinto muito, garota. Isso não torna as coisas nem um pouco melhores para ela. Agora, vamos aos discos de segurança. A câmera de circuito interno do prédio de Leonardo foi arrebentada às dez horas da noite em questão. Há muitas reclamações sobre garotos depredando câmeras externas naquela área; portanto, é possível que tenha sido assim que a câmera foi quebrada. O sistema de segurança da casa de Cho foi desligado com uso do código. Não houve adulteração nem sabotagem. Quem quer que tenha entrado lá, sabia como fazê-lo.
- Então essa pessoa a conhecia, bem como o esquema de segurança.
- Necessariamente. - concordou Neville. - Quanto aos discos do sistema de segurança de Justin Young, não consegui achar nada que tenha sido adulterado. Tenho a gravação dos dois entrando em casa por volta de uma e meia da manhã, e depois só tenho a saída dela entre dez e meio-dia, na manhã seguinte. Ninguém entrou nem saiu nesse intervalo. Porém... - e fez uma pausa, para criar efeito -... ele tem uma porta nos fundos.
- O quê?
- Uma porta de serviço, que sai da cozinha e vai até um elevador de carga. Não há sistema de segurança nessa área do prédio. O elevador desce seis andares e vai dar na garagem. Agora, a garagem tem segurança com câmeras, bem como os outros andares. Porém... - outra pausa -... dá para sair dali usando o portão dos fundos, que leva à rua. Esta é a área de manutenção do prédio, e a segurança ali é muito furada.
- Então eles poderiam ter saído sem ninguém ver.
- Poderiam. - Neville tomou um gole de café e estalou os lábios. - Se conhecessem bem o prédio, o sistema, e se tivessem todo o cuidado para calcular bem o tempo a fim de não dar de cara com o pessoal da turma da limpeza.
- Com isso, temos uma nova visão dos álibis deles. Deus o abençoe, Neville!
- Tá bom, bem, eu preferia que ele mandasse dinheiro... Ou me desse mais um pouco daqueles bolinhos...
- São todos seus. Acho que vamos ter que tornar a conversar com os nossos jovens amantes. Temos um elenco interessante nessa novela. Justin Young costumava dormir com Cho, mas agora está intimamente envolvido com Jerry Fitzgerald, uma das pessoas ligadas a Cho, além de ser arquirrival na busca do título de rainha das passarelas. Tanto Jerry Fitzgerald quanto Cho andavam em busca de uma carreira no cinema. Entra em cena Paul Redford, produtor de filmes. Ele se mostra interessado em trabalhar com Jerry, já trabalhou com Justin e dorme com Cho. Essas quatro pessoas se encontram em uma festa íntima na casa de Cho, a convite dela, na noite de sua morte. Agora, vamos lá... Por que ela ia querer todos em sua casa, sua rival, seu ex-amante e o produtor?
- Ela gostava de um teatro. - contribuiu Hermione. - Adorava criar conflitos.
- Sim, isso é verdade. Também adorava provocar desconfortos. Fico imaginando se havia alguma coisa que ela estivesse querendo esfregar na cara deles... Estavam todos muito calmos no interrogatório, - lembrou Gina - muito serenos, muito à vontade. Vamos ver se conseguimos sacudi-los um pouco.
Olhou para a parede no instante em que o painel deslizante que separava o seu escritório do de Harry se abriu e ele apareceu.
- Não estava trancado. - explicou ele, parado na porta. - Estou interrompendo?
- Não, está tudo bem. Já estamos acabando.
- Oi, Potter. - Neville fez um brinde, levantando um bolinho. - E então, já está pronto para se enforcar, daqui a duas semanas? Ré-ré... Brincadeirinha... - murmurou, ao sentir que Gina lançou-lhe um olhar que pareceu pulverizá-lo.
- Acho que eu vou conseguir enfrentar essa barra! - disse Harry e olhou para Hermione, levantando a sobrancelha.
- Desculpe. - disse Gina. - Policial Hermione, este é Harry Potter.
Quando Gina a apresentou, ele sorriu e atravessou a sala, dizendo:
- A eficiente policial Granger. É uma honra.
Lutando para não arregalar os olhos, ela aceitou a mão que ele lhe ofereceu e respondeu:
- Prazer em conhecê-lo.
- Gostaria de roubar a tenente por alguns momentos e prometo não atrapalhar mais vocês. - e colocou uma das mãos sobre o ombro de Gina, dando-lhe um aperto carinhoso. Quando ela se levantou e foi para o canto da sala em companhia dele, Neville resmungou:
- Assim você é capaz de engolir a língua, Hermione. Por que será que só porque um sujeito qualquer tem a pinta de um galã e o corpo de um deus grego as mulheres ficam todas vidradas?
- São os hormônios. - explicou Hermione, baixinho, e continuou a observar Harry e Gina. Recentemente, ela começara a desenvolver interesse pelo jogo dos relacionamentos.
- Como é que você está, Gina? - quis saber Harry.
- Estou legal.
- Espero que esteja trabalhando para isso. - envolveu o queixo de Gina com a mão e esfregou o polegar com delicadeza na covinha sob a sua boca. - Tenho que participar de algumas reuniões no centro, agora de manhã, mas achei que você ia se interessar por isto aqui. - e entregou a Gina um cartão pessoal dele, com um nome e um endereço escritos no verso. - Trata-se da especialista em substâncias que vêm de fora do planeta, que você pediu que eu procurasse. Ela pode receber você para qualquer coisa de que precisar. A amostra que você me deu já está lá, mas ela gostaria de conseguir mais um pouco. Acho que é para fazer um teste cruzado, segundo me disse.
- Obrigada. - Gina enfiou o cartão no bolso. - De verdade.
- Quanto aos relatórios da Estação Starlight...
- Estação Starlight? - ela levou um momento para se lembrar. - Nossa, até me esqueci de que tinha pedido isso a você! Minha cabeça não anda muito boa...
- É que você está com muitos problemas ao mesmo tempo. De qualquer modo, minhas fontes informaram que Cho realmente andou fazendo um bocado de contatos sociais nesta última viagem, o que é normal. Aparentemente, não houve ninguém em especial em quem ela mostrasse interesse. Pelo menos, por mais de uma noite.
- Droga, tudo tem sexo no meio?
- No caso dela, sexo era sempre prioritário. - Harry sorriu quando os olhos de Gina se estreitaram e começaram a fazer especulações. - E, como eu já lhe disse antes, o nosso curto relacionamento ocorreu há muito tempo. Entretanto, ela fez várias ligações para fora da estação, todas do seu tele-link portátil. Nunca usou o sistema de comunicações do resort.
- Para não deixar registros. - refletiu Gina.
- Esse é o meu palpite também. Ela estava viajando a negócios e fez o seu trabalho com o talento usual. Surgiram também uns boatos sobre o jeito animado com que ela se gabou, falando de um novo produto que ia divulgar e de um vídeo que ia estrelar.
Gina falou alguma coisa entre dentes e guardou os dados, completando:
- Obrigada pelo tempo que você gastou.
- Fico sempre feliz em dar apoio à nossa polícia local. Temos hora reservada com o florista para as três da tarde. Vai dar para você ir?
Ela pensou nos compromissos do dia e concordou:
- Se você consegue abrir espaço na sua agenda para isso, eu também posso.
Como não queria arriscar, ele pegou a agenda eletrônica de Gina no bolso dela e programou o horário do florista pessoalmente.
- Encontro você lá. - Abaixou a cabeça em direção a ela e notou que o olhar de Gina se desviou para a mesa no outro lado da sala. - Não creio que isto vá diminuir a sua autoridade. - murmurou, e apertou os lábios suavemente de encontro aos dela. - Eu amo você.
- Tá bom... tudo bem. - disse, e limpou a garganta. - Certo, então.
- Quanta poesia! - divertido com aquilo, ele passou a mão de leve pelos cabelos dela e tornou a beijá-la, para deixá-la ainda mais envergonhada. - Policial Granger, Neville. - despedindo-se com um aceno de cabeça, ele voltou para o seu escritório. O painel deslizou atrás dele até se fechar por completo.
- Tire esse sorrisinho idiota da cara, Neville! Tenho um pequeno serviço de entregas para você. - Tirou o cartão do bolso enquanto caminhava de volta para a mesa. - Preciso que você leve uma amostra do pó que achamos no apartamento de Boomer para esta especialista em plantas. Foi Harry que a conseguiu para nós. Ela não é ligada à polícia nem aos órgãos de segurança; portanto, seja discreto.
- Deixe comigo.
- Vou passar por lá mais tarde, para ver como ela está indo com o trabalho. Hermione, você vem comigo.
- Sim, senhora.
Hermione esperou até entrar no carro de Gina para falar:
- Acho que deve ser muito complicado, para uma policial, lidar com relacionamentos pessoais.
- Eu que o diga! - Tenho que interrogar suspeitos, mentir para o comandante, depois apressar os técnicos do laboratório e encomendar o buque de noiva. Nossa!, pensou Gina.
- Mas se a pessoa se mantiver centrada, isto é, se ela tiver cuidado, não vai deixar isto atrapalhar a sua carreira. - disse Hermione.
- Se quer saber a minha opinião, policiais são uma escolha ruim para um relacionamento. Por outro lado, o que é que posso saber a respeito disso? - Com um ritmo nervoso, Gina tamborilou com os dedos sobre o volante. - Neville está casado desde o início dos tempos. O comandante tem uma família feliz. Outros conseguem. - e soltou o ar. - Estou trabalhando para isso. - De repente, a idéia bateu em sua cabeça, no momento em que o carro saía pelos portões. - Está rolando algum relacionamento novo em sua vida, Hermione?
- Talvez... Estou pensando no assunto. - esfregou as mãos nas calças, juntou os dedos e depois tornou a separá-los.
- É alguém que eu conheço?
- Para falar a verdade - Hermione mexeu com os pés - é o Malfoy.
- Malfoy? - Gina continuou atravessando a cidade em direção à Nona Avenida e passou ao lado de um ônibus. - Não brinca! Quando foi que isso aconteceu?
- Bem, eu o encontrei por acaso, ontem à noite, isto é, reparei que ele andava me seguindo, e então...
- Andava seguindo você? - Rapidamente, Gina empurrou a alavanca do painel para colocar o carro no piloto automático. Ele trepidou, fez ruídos estranhos e então soltou um estampido. - Mas de que diabos você está falando?
- Ele tem um nariz muito bom. Farejou que estávamos seguindo uma pista. Fiquei furiosa quando percebi que ele estava na minha cola, mas tive de admitir que eu teria feito a mesma coisa. - Gina bateu com os dedos no volante novamente e pensou sobre o assunto.
- É... - concordou por fim -... eu também. E ele tentou agarrar você?
Hermione ficou vermelha como um tomate e começou a gaguejar.
- Puxa Hermione, eu não quis dizer agarrar no sentido de...
- Eu sei, eu sei. É que eu não estou muito acostumada com isso, Weasley. - Ela colocou a franja do cabelo para o lado e verificou o colarinho do seu uniforme engomado. - Já tive alguns namorados, mas homens como Malfoy... Você sabe, como Harry...
- Eles queimam os circuitos da gente.
- É... - foi um alívio conseguir se abrir com alguém que conseguia compreender. - Ele realmente tentou conseguir arrancar alguns dados de mim, mas aceitou bem quando eu me recusei a abrir o jogo. Ele sabe como são essas coisas. O secretário prega a cooperação entre os departamentos e a gente simplesmente ignora o fato.
- E você acha que ele já descobriu mais alguma coisa, pelo lado dele?
- Pode ser que sim. Ele foi até as boates para interrogar as pessoas, do mesmo jeito que eu. Foi por isso que eu notei que ele estava na minha cola. Depois, quando fui embora, ele me seguiu. Eu enrolei um pouco e saí do caminho, só para ver o que ele ia fazer. - e seu sorriso se abriu. - Acabei me colocando atrás dele. Você precisava ver a cara dele quando eu vim por trás e ele sacou que tinha sido descoberto.
- Bom trabalho!
- Conversamos um pouco. Sobre o espaço de cada um e coisas desse tipo. Depois, bem, fomos tomar um drinque e concordamos em dar um tempo nos assuntos da polícia. Foi legal. Gostamos de muitas coisas em comum, fora da área do trabalho. Músicas, filmes, essas coisas. Ai, que inferno, meu Deus, eu acabei dormindo com ele!
- Oh!
- Sei que foi burrice, mas, bem, acabei fazendo.
- E então, como é que foi? - perguntou Gina depois de um momento.
- Uau!
- Tão bom assim, é?
- E depois, hoje de manhã, ele disse que talvez a gente possa jantar junto, mais tarde.
- Então, tudo bem. Tudo está me parecendo bem normal.
- É que caras como ele normalmente não sentem atração por mim. - Com os olhos sérios novamente, Hermione balançou a cabeça. - Eu sei que ele tem uma quedinha por você e...
Gina levantou a mão e disse:
- Ei, espere um instante! Pare o filme e volte essa cena!
- Ah, sem essa, Weasley, você sabe que sim! Ele sente atração por você. Admira as suas habilidades, a sua capacidade de dedução. As suas pernas...
- Não vá me dizer que você e Malfoy andaram conversando a respeito das minhas pernas...
- Não, mas a sua capacidade de dedução foi mencionada. Enfim, não sei se eu devia levar isso em frente. Tenho que me concentrar na minha carreira, e ele está focado na dele. Depois que este caso for solucionado, vamos perder contato.
Gina não pensara a mesma coisa quando Harry a atingira bem no meio da testa com aquele sentimento? Pode ser que fosse verdade. Normalmente, as coisas eram assim.
- Você se sente atraída por ele, gosta dele e acha interessante ficar junto dele?
- Claro!
- E o sexo foi bom?
- O sexo foi incrível!
- Então, como sua oficial superior, Hermione, o meu conselho é: vai fundo!
Hermione sorriu ligeiramente e então olhou para fora da janela.
- Talvez eu pense no assunto...





Agradecimento especial:
Bianca: realmente eles são um trio da pesada e amigos fieis da Luna, quanto a convivência entre Gina e Moody... Bem, as coisas não vão mudar tanto assim, pelo menos não nas aparências, agora quanto ao sentimento de um para o outro quem sabe futuramente, não é mesmo. Beijos.


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