CAPÍTULO NOVE



CAPÍTULO NOVE

- Por que está pegando no meu pé, Weasley?
Envergando o seu guarda-pó, o técnico-chefe Quim Shackebolt - Cabeção, para aqueles que o conheciam e não gostavam dele - estava testando um fio de pêlo pubiano. Era um homem meticuloso, bem como um tremendo pé-no-saco. Embora tradicionalmente lento nos testes, o seu desempenho nos tribunais era o suficiente para transformá-lo na figura mais valiosa da polícia e do laboratório.
- Não percebe que eu estou atolado de serviço? Meu Deus, Weasley! - Com os dedos compridos e exigentes, ele ajustava o foco dos seus microóculos especiais. - Estamos com dez homicídios, seis estupros, um monte de mortes suspeitas ainda não pesquisadas e arrombamentos demais para solucionar. Não sou robô!
- Mas é quase isso. - murmurou Gina. Ela não gostava de ir até o laboratório, com seu ar anti-séptico e paredes brancas. Parecia demais com um hospital ou, o que era pior, com a seção de testes. Todos os policiais que usavam força máxima que resultava em morte eram obrigados a passar por testes. Suas lembranças daquela rotina particularmente invasiva não eram nada agradáveis. - Olhe Quim, você já teve tempo suficiente para analisar a substância.
- Tempo suficiente. - Ele se afastou do balcão, e seus olhos por trás das lentes pareceram grandes e audazes como os de uma coruja. - Você e cada um dos outros policiais da cidade consideram o seu assunto prioridade máxima. Como se nós pudéssemos largar todo o resto para concentrar cada minuto do nosso tempo num caso em especial. Sabe o que acontece quando o tempo esquenta, Weasley? O pessoal vem em cima de mim, é isso o que acontece. Tudo o que vocês têm que fazer é trazer o material aqui para baixo, mas eu e a minha equipe temos que passar o pente-fino em cada fio de cabelo e em cada fibra. Isso leva tempo.
Sua voz se transformou em um lamento, e isso deixou Gina rangendo os dentes.
- Estou trabalhando com o bafo da Divisão de Homicídios no pescoço e a Divisão de Drogas Ilegais colada no meu pé, tudo por causa de uma porcaria de um saquinho cheio de pó. Já lhe entreguei o relatório preliminar.
- Preciso do relatório final.
- Mas que inferno, eu não tenho! - Seus lábios formaram um bico e ele se virou para trás, fazendo com que a imagem ampliada de um fio de cabelo também aparecesse na tela. - Agora, preciso terminar a pesquisa do DNA disso aqui.
Gina sabia como convencê-lo a colaborar. Ela não gostava de fazer isso, mas sabia.
- Tenho dois ingressos de camarote para o jogo dos Yankees com os Red Sox, amanhã.
Seus dedos se movimentaram mais devagar sobre os controles.
- De camarote?
- Ao lado da terceira base.
Quim abaixou os microóculos para olhar em volta da sala. Os outros técnicos estavam todos ocupados em suas baias.
- Talvez eu lhe consiga um pouco mais. - Empurrando a cadeira giratória com o pé, ele foi deslizando sobre ela para o lado direito, até chegar na frente de outra tela. Com cuidado, digitou no teclado e acessou o arquivo manualmente. Bateu com os dedos bem devagar sobre a mesa, analisando a tela. - O problema está aqui, veja. Neste elemento aqui.
Não havia nada, a não ser cores e símbolos estranhos para Gina, mas ela soltou uma exclamação em tom baixo à medida que os dados passavam pela tela. O elemento desconhecido, imaginou, que nem mesmo a aparelhagem de Harry conseguira identificar.
- É esse troço vermelho?
- Não, não, não. Isso aí é uma anfetamina-padrão. Existe no Zeus, no Buzz e no Smiley. Ora, você pode encontrar um derivado disso em qualquer estimulante por aí. O problema é esse aqui. - E bateu com o dedo sobre uma cobrinha verde.
- Certo, e o que é isso?
- Essa é a grande questão, Weasley. Nunca vi isso antes. O computador não consegue identificar. Meu palpite é que se trata de alguma coisa de fora do planeta.
- Isso piora as coisas, não é? Trazer um elemento com química desconhecida de algum lugar fora do planeta pode custar vinte anos em prisão de segurança máxima. Dá para dizer como a substância atua?
- Estou trabalhando nisso. Parece ter algumas das propriedades de uma droga anti-envelhecimento, acrescida de alguns dos mesmos estimulantes. Acaba com os radicais livres. Só que tem efeitos colaterais terríveis quando misturada com outros produtos químicos encontrados no pó. Dá para você ler sobre isso tudo no relatório parcial. Provoca impulso sexual aumentado, o que não é mau, só que isto é seguido por altos e baixos de violência. A força física fica aumentada até o ponto de perda de controle. Esta porcaria realmente faz gato-sapato do velho sistema nervoso. A pessoa se sente fantástica por algum tempo, praticamente invulnerável, quer trepar como um coelho, mas não vai dar a mínima para o fato de o parceiro estar a fim ou não. Quando o rebote chega, vem rápido, bate com toda a forca, e a única coisa capaz de deixar o usuário legal é outra dose. Ele continua a tomar, sobe cada vez mais alto e mergulha cada vez mais fundo, e o sistema nervoso acaba pirando de vez. Então, a pessoa morre.
- Isso é mais ou menos o que você já tinha me falado.
- É porque eu estou travado pelo Elemento X. É vegetal, isso eu posso lhe garantir. Semelhante à valeriana de folha pontuda, encontrada no sudoeste americano. Os índios usavam essas folhas para curar. Só que a valeriana não tem efeito tóxico, e isto aqui tem.
- É venenoso?
- Se for ingerido sozinho e em quantidade suficiente, seria venenoso sim. Como muitas das plantas e ervas usadas na medicina.
- Então é uma erva medicinal.
- Não diria isso. Ainda não está completamente identificada. - e soprou o ar das bochechas. - Mas me parece que é alguma variedade híbrida de uma planta de fora do planeta. Isso é o melhor que eu posso lhe dar no momento. Você e o pessoal das Drogas Ilegais me perturbando não vão me fazer encontrar a solução mais depressa.
- Isso não é assunto da Divisão de Drogas Ilegais, o caso é meu.
- Diga isso para eles.
- Vou mesmo. Agora Quim, preciso do exame toxicológico do caso Cho.
- Isso não é comigo, Weasley. Foi entregue a Suzie-Q, e hoje é o dia de folga dela.
- Você é o chefe aqui, Quim, eu preciso do relatório! - e esperou um segundo. - Junto com os ingressos vêm dois passes para visitar os jogadores na sala da concentração...
- Bem, nunca é demais ir lá dentro para verificar o time pessoalmente... - Digitando o próprio código, ele acessou o arquivo. - Olhe, ela deixou bloqueado, e fez muito bem. Técnico-chefe Shackebolt falando, desbloqueio de segurança do arquivo Cho, ID 563922-H.

IMPRESSÃO DE VOZ CONFIRMADA.

- Mostre o resultado toxicológico.

TESTES DA TOXICOLOGIA AINDA SENDO PROCESSADOS.
RESULTADOS PRELIMINARES NA TELA.

- Ela andava bebendo muito. - murmurou Quim. - Champanhe francês do mais caro. Provavelmente morreu feliz. Parece Dom Perignon, safra de 55. Ora, esse é um bom trabalho de Suzie-Q. Adicionou um pouquinho do pó da alegria na bebida. Nossa garota morta gostava de festas. Parece que é Zeus... Não. - seus ombros se curvaram, como costumavam fazer quando ele estava intrigado ou irritado. - Mas que diabo é isso?
Quando o computador começou a detalhar os elementos, ele tirou a lista da tela, dando um tapa no teclado com o dedo, e começou a analisar o relatório manualmente.
- Tem alguma coisa misturada aqui, - murmurou - algo muito esquisito...
Seus dedos dançavam sobre os controles como os de um bem ensaiado pianista dando o primeiro recital. Lentos, cautelosos e precisos. Gina começou a ver símbolos e modelos se formarem, depois se dispersarem e se realinharem. E ela, também, notou o padrão.
- É a mesma substância. - Com os olhos firmes como aço, olhou para trás, para a silenciosa Hermione - É o mesmo troço.
- Não diria isso. - interrompeu Quim. - Cale a boca e me deixe terminar de fazer este teste.
- É o mesmo troço! - repetiu Gina. - Exatamente o mesmo troço que havia na cobrinha verde do Elemento X. Pergunta Hermione: o que uma modelo poderosa e um informante de segunda categoria têm em comum?
- Os dois estão mortos.
- Você respondeu à primeira parte corretamente. Quer tentar responder à segunda parte e dobrar o seu prêmio? Como foi que eles morreram?
Um leve sorriso apareceu na boca de Hermione, que respondeu:
- Foram surrados até a morte.
- Agora, vamos à parte três, valendo o grande prêmio! O que serve de conexão entre estas duas mortes que, aparentemente, não têm relação uma com a outra?
- O Elemento X. - Hermione olhou em direção à tela.
- Estamos no caminho certo, Hermione. Transmita este relatório para o meu escritório, Quim. Só para o meu! - reforçou ela, quando ele levantou a cabeça para olhá-la. - Qualquer ligação do pessoal das Drogas Ilegais, você não sabe de nada a mais do que sabia antes.
- Ei, eu não posso esconder dados!
- Certo. - e girou sobre os calcanhares. - Vou mandar entregar os seus ingressos até as cinco horas.

- Você sabia! - disse Hermione, enquanto elas pegavam a passarela aérea até a Divisão de Homicídios. - Lá no apartamento da vítima. Você não conseguiu achar a caixa, mas sabia o que havia dentro dela.
- Suspeitava. - corrigiu Gina. - Uma nova mistura, da qual ela se fazia de dona e que melhorava o desempenho sexual e aumentava a força. - olhou para o relógio. - Tive sorte por estar trabalhando nos dois casos ao mesmo tempo e por estar com eles na cabeça o tempo todo. A princípio me preocupei, achando que estava espelhando dois casos coincidentes, mas depois comecei a questionar. Eu vi os dois corpos, Hermione. Foi a mesma violência nos dois, a mesma crueldade.
- Não acho que tenha sido sorte. Eu acompanhei os dois casos também e estava muito mais atrás nas deduções do que a senhora, o tempo todo.
- Você vai aprender depressa. - Gina saltou da passarela deslizante, a fim de tomar o elevador até o seu andar. - Não fique se diminuindo por isso, Hermione. Tenho mais do dobro do seu tempo na polícia.
Hermione entrou no elevador tubular todo de vidro, deu uma olhada desinteressada na cidade abaixo delas enquanto subiam e perguntou:
- Por que me convocou para ajudá-la nesses casos, tenente?
- Você tem potencial, tem cérebro e coragem. Foi isso que Neville disse ao me colocar para trabalhar com ele. Foi um caso da Divisão de Homicídios também. Dois adolescentes que apareceram retalhados, com os pedaços espalhados pela passarela deslizante da Segunda Avenida, esquina com Rua Vinte e Cinco. Eu fui tropeçando para deduzir os fatos, sempre atrás dele também. Acabei descobrindo o meu próprio ritmo.
- Como é que você soube que queria trabalhar na Divisão de Homicídios?
Gina saltou do elevador, seguiu pelo corredor em direção à sua sala e respondeu:
- Porque considero a morte uma ofensa, em qualquer tempo. Quando alguém a provoca, então, é a maior ofensa de todas. Vamos tomar um café, Hermione. Quero acertar esta história toda e colocar o preto no branco, antes de conversar com o comandante.
- Será que não dá para a gente comer alguma coisa?
Gina lançou um sorriso para trás e comentou:
- Não sei o que tem no AutoChef da minha sala, mas... - parou de falar assim que entrou e encontrou Malfoy sentado diante de sua mesa com as pernas compridas enfiadas em calças jeans, colocadas sobre a mesa e cruzadas na altura dos tornozelos. - Ora, ora, Draco Malfoy! Você parece estar bem à vontade.
- Estava esperando por você, querida. - e piscou para ela, lançando a seguir um sorriso arrasador para Hermione. - Oi, Mione.
- Mione? - murmurou Gina, e então foi pedir um café.
- Como vai, tenente Malfoy? - a voz de Hermione estava firme como ferro, mas suas bochechas começaram a ficar rosadas.
- Sorte a do homem que consegue trabalhar com duas policiais que são não apenas espertas, como também uma beleza de se olhar. Posso tomar uma xícara desse café, Gina? Forte, preto e bem doce.
- Pode tomar o café, mas não estou com tempo para conversar. Tenho muita papelada para despachar e um encontro marcado para daqui a duas horas.
- Não vou atrasá-la. - mas ele nem sequer se mexeu quando ela lhe entregou a xícara. - Estou tentando dar corda no Cabeção para ver se ele acelera. O sujeito é mais lento que uma tartaruga perneta. Como você é a investigadora principal, achei que talvez conseguisse requisitar uma amostra da substância para mim. Tenho um laboratório particular que costumo usar de vez em quando. Eles são rápidos.
- Não creio que a gente deva levar isto para fora deste departamento, Malfoy.
- O laboratório é aprovado pela Divisão de Drogas Ilegais.
- Estou falando da Divisão de Homicídios. Vamos dar ao Quim um pouco mais de prazo. Boomer não vai a lugar algum.
- Bem, você é a responsável. Eu queria me livrar disso logo de uma vez. Deixa um gosto ruim na boca. Ao contrário deste café. - Fechou os olhos e suspirou: - Minha nossa, garota, onde é que você consegue isso? É ouro líquido!
- Tenho contatos.
- Ah, sei, aquele seu noivo rico. - e tomou mais um gole. - Qualquer homem ia se dar mal se tentasse conquistar você com uma cerveja gelada e uma tortilha.
- Eu gosto é de café, Malfoy.
- Não posso culpá-la por isso. - e desviou o olhar de admiração para Hermione. - E quanto a você, Mione? Está a fim de uma loura gelada?
- A policial Granger está de serviço. - disse Gina quando viu que Hermione começou a gaguejar. - Estamos com muito trabalho por aqui, Malfoy.
- Vou deixar vocês trabalharem. - Descruzando as pernas, ele se levantou. - Por que não me dá uma ligada quando estiver de folga, Mione? Conheço um lugar que tem a melhor comida mexicana deste lado da fronteira. E você, Gina, se mudar de idéia quanto ao exame daquela amostra, é só me dizer.
- Feche a porta, Hermione. - ordenou Gina, depois que Malfoy, com a maior calma, saiu da sala - E limpe essa baba que está escorrendo de sua boca.
Espantada, Hermione levantou a mão e levou-a à boca. Ao sentir que estava seca, reclamou, com mau humor:
- Isso não tem graça, senhora.
- Ah, corta essa de "senhora". Qualquer pessoa que fica por aí respondendo a quem a chama de Mione perde cinco pontos na escala de dignidade. - Gina se atirou na cadeira recém-aquecida por Malfoy. - Que diabos ele queria aqui, afinal?
- Acho que ele foi bem claro.
- Não, aquela história não era importante o bastante para trazê-lo até aqui. - Inclinando-se, Gina ligou o monitor. Depois de um rápido teste de segurança, viu que não tinha havido invasão no sistema. - Se ele ligou o computador, não dá para saber.
- Por que ele iria querer olhar os seus arquivos?
- Porque é ambicioso. Se conseguisse resolver o caso na minha frente, ia pegar muito bem para ele. Além do mais, o pessoal da Divisão de Drogas Ilegais não gosta de compartilhar os louros.
- E o pessoal da Divisão de Homicídios gosta? - perguntou Hermione, de forma seca.
- Ué, claro que não! - Gina levantou a cabeça e sorriu. - Vamos agitar esse lance do relatório. Precisamos requisitar os serviços de um especialista em toxicologia de substâncias extraterrestres. É melhor conseguirmos uma boa desculpa para o rombo no orçamento que isso vai causar...
Trinta minutos mais tarde, foram chamadas à sala do secretário de Segurança.

Gina gostava do secretário Diggory. Ele era um homem volumoso que possuía uma mente audaz e um coração que ainda era mais policial do que político. Depois do fedor que o antigo secretário de Segurança deixara no cargo, a cidade e o departamento bem que estavam precisando daquele tipo de ar sério, fresco e leve que Diggory trouxera consigo.
Gina, porém, não tinha idéia do motivo de elas terem sido chamadas. Pelo menos até ser encaminhada para a sala e ver Malfoy acompanhado de seu capitão.
- Tenente, policial. - Diggory gesticulou para elas, exibindo as cadeiras. Por questão de estratégia, Gina escolheu a que ficava ao lado do comandante Lupin.
- Temos uma pequena rixa aqui para resolver. - começou Diggory. - Vocês vão ter que resolvê-la rápido e em definitivo. Tenente Weasley, a senhorita é a investigadora principal nos homicídios de Johannsen e Cho Chang.
- Sim, senhor, sou. Fui chamada para reconhecer o corpo de Johannsen, já que ele era um dos meus informantes. No caso Cho, fui chamada à cena do crime por Luna Lovegood, que foi acusada do assassinato. Os dois casos ainda estão em aberto e sob investigação.
- A policial Granger é a sua auxiliar.
- Requisitei-a para ser a minha ajudante, e fui autorizada a utilizá-la em todos os casos sob minha tutela pelo próprio comandante.
- Muito bem. Tenente Malfoy, Johannsen também era um dos seus informantes.
- Sim. Eu estava resolvendo outro caso quando o seu corpo foi encontrado. Só mais tarde fui notificado do fato.
- E, neste momento, as divisões de Drogas Ilegais e de Homicídios concordaram em operar em conjunto nas investigações.
- Sim. Entretanto, novas informações chegaram ao meu conhecimento, e isso coloca os dois casos sob a jurisdição da Divisão de Drogas Ilegais. - argumentou Malfoy.
- Eles são homicídios! - interrompeu Gina.
- Com um agravante de substâncias ilegais que serve de conexão aos dois casos. - o sorriso fácil de Malfoy surgiu. - O mais recente relatório do laboratório mostra que a substância descoberta no quarto de Johannsen também foi encontrada no sangue de Cho Chang. Tal substância contém um elemento desconhecido e ainda não classificado, o qual, de acordo com o Artigo 6°, § 9, Item B, deve ficar, bem como todos os casos relacionados entre si, sob a responsabilidade do investigador principal da Divisão de Drogas Ilegais.
- Há exceções para casos que já estavam sob investigação por outro departamento. - Gina forçou-se a respirar fundo e devagar. - Meu relatório sobre tudo isso estará pronto dentro de uma hora.
- As exceções não são automáticas, tenente. - O capitão da Divisão de Drogas Ilegais bateu as pontas dos dedos de uma das mãos de encontro aos da outra. - O fato simples é que a Divisão de Homicídios não tem a força de trabalho, nem a experiência e nem as instalações para investigar uma substância desconhecida. A Divisão de Drogas Ilegais tem tudo isso. E não achamos que esconder dados do nosso departamento esteja dentro do espírito de colaboração que deveria existir entre os investigadores.
- O seu departamento e o tenente Malfoy receberão cópias do meu relatório quando ele for emitido. Estes casos são meus e...
Lupin levantou a mão antes de Gina soltar o verbo e falou:
- Estão sob a responsabilidade da tenente Weasley os dois casos. Mesmo tendo relações com drogas ilegais, eles continuam sendo homicídios e estão sendo investigados.
- Com todo o respeito, comandante, - o sorriso de Malfoy se apagou - é fato bem conhecido na Central de Polícia que o Senhor sempre favorece a tenente, o que é compreensível, considerando-se o histórico de seus serviços. Requisitamos esta reunião com o secretário Diggory para assegurar um julgamento justo na questão de prioridades entre os departamentos. Eu tenho mais contatos de rua e um relacionamento estruturado junto a fornecedores e distribuidores de drogas químicas. Por trabalhar sempre à paisana, secretamente, tenho acesso a destilarias, fábricas e usinas químicas nas quais a tenente não consegue penetrar. Além do mais, já existe uma suspeita acusada do homicídio de Cho.
- Uma suspeita que não tem conexão alguma com Johannsen! - explodiu Gina. - As vítimas foram mortas pela mesma pessoa, secretário Diggory.
Os olhos dele permaneceram frios. Qualquer sinal de aprovação ou falta dela foi cuidadosamente encoberto.
- Esta é a sua opinião, tenente? - perguntou o secretário.
- É a minha avaliação profissional, senhor, que será detalhada em meu relatório.
- Secretário, não é segredo algum que a tenente Weasley tem um interesse especial na acusada. - atirou o capitão, de forma sucinta. - É natural que ela tente tornar o caso nebuloso. Como pode manter a objetividade da avaliação profissional quando a principal suspeita é também sua amiga pessoal?
Diggory levantou um dedo para evitar uma nova explosão de Gin e perguntou:
- Comandante Lupin, qual é a sua opinião?
- Sempre confiei e confio sem reservas na capacidade da tenente Weasley. Ela vai fazer o seu trabalho.
- Eu concordo, capitão. Não me agrada ver deslealdade em minhas fileiras. - A repreensão era leve, mas o alvo foi bem definido. - Agora, os dois departamentos têm uma posição válida aqui, relacionada com prioridades. As exceções não são automáticas e estamos lidando com um elemento desconhecido que parece estar relacionado com, pelo menos, duas mortes. Tanto a tenente Weasley quanto o tenente Malfoy possuem fichas impecáveis e cada um deles, tenho certeza, é mais do que competente para investigar estes assuntos. O senhor concorda, comandante?
- Sim, senhor, ambos são policiais excelentes.
- Então, sugiro que cooperem um com o outro ao invés de disputarem jogos de poder. A tenente Weasley continuará como investigadora principal e, como tal, vai manter o tenente Malfoy e o seu departamento a par de qualquer progresso que obtenha. Agora estamos resolvidos ou eu vou ter de ameaçar cortar o bebê ao meio, como Salomão?

- Termine logo com o relatório, Weasley - cochichou Lupin, enquanto eles estavam saindo - e da próxima vez que subornar o Cabeção veja se disfarça melhor.
- Sim, senhor. - Gina abaixou a cabeça em direção à mão que estava pousada em seu braço e então olhou para Malfoy.
- Tive que tentar aquela jogada. O meu capitão gosta de rebatidas difíceis.
Gina compreendeu a sua referência pouco sutil ao jogo de beisebol.
- Tudo bem, Malfoy, desde que seja eu a usar o taco. Você vai receber cópia do meu relatório.
- Agradeceria. Vou vasculhar um pouco mais pelas ruas. Até agora, ninguém ouviu falar dessa nova mistura. A nova informação de que pode ser alguma coisa vinda de fora do planeta talvez abra alguma frente. Conheço uns dois fiscais da alfândega que me devem favores.
Gina hesitou por um instante, decidindo, por fim, que já era hora de levar o termo cooperação a sério.
- Tente o Satélite Stellar Five para começar a busca. Cho voltou de lá poucos dias antes de morrer. Ainda estou rastreando a viagem dela para saber se não houve escala em alguma outra estação.
- Ótimo. Avise-me, se for o caso. - Ele sorriu, e a mão que ainda estava pousada no braço de Gina deslizou até a sua cintura. - Estou com um pressentimento de que, agora que abrimos todas as cartas, vamos formar uma tremenda equipe. A resolução destes casos vai ficar muito bonita nos nossos currículos.
- Estou mais interessada em encontrar um assassino que em planejar a forma como isso vai afetar minhas promoções.
- Ei, eu estou do lado da justiça! - sua covinha apareceu. - Só que não vou chorar se isso me fizer chegar mais perto do salário de capitão. Sem ressentimentos?
- Claro. Eu teria feito o mesmo.
- Tudo bem, então. Qualquer dia eu vou dar outra passada por aqui para tomar um pouco mais daquele café. - e apertou-lhe o pulso de leve. - E, Gina... Espero que você consiga livrar a sua amiga. Sinceramente.
- Eu vou livrá-la. - Ele já estava a dois passos de Gina, indo em direção à porta, quando admitiu que não conseguia resistir. - Malfoy?
- Sim, querida?
- O que ofereceu a ele?
- Ao Cabeção? - o sorriso era tão grande quanto o estado de Oklahoma. - Uma caixa do melhor uísque escocês. Ele foi mais rápido que a língua de um sapo diante de uma mosca. - Malfoy colocou a própria língua de fora em um movimento rápido e tornou a piscar um olho. - Ninguém sabe subornar tão bem quanto o pessoal da Divisão de Drogas Ilegais, Gina.
- Vou me lembrar disso. - Gina enfiou as mãos nos bolsos, mas não conseguiu evitar o sorriso. - Ele tem estilo, não se pode negar.
- E um traseiro lindo. - completou Hermione, antes que conseguisse evitar. - Foi apenas uma observação...
- Com a qual eu tenho que concordar. Bem Hermione, ganhamos a batalha. Vamos, agora, tentar ganhar a guerra.

Quando terminou o relatório, Gina estava quase vesga de tão cansada. Deu folga a Hermione assim que as cópias foram enviadas para todos os interessados. Pensou em cancelar a hora com a psiquiatra e imaginou todos os motivos pelos quais poderia e deveria adiar a sessão.
Só que acabou na sala da doutora Minerva, na hora marcada, sentindo os aromas familiares de chá de ervas e um perfume sutil no ar.
- Estou contente por ter vindo me ver. - Minerva cruzou as pernas vestidas com seda. Estava com um penteado novo, Gina reparou. Os cabelos estavam bem curtos, com um corte elegante, em vez de estarem enrolados em um coque solto. Os olhos eram os mesmos, e claro, calmos, azuis e cheios de compreensão. - Você está com boa aparência, Gina.
- É, estou legal.
- Não imaginava como você estaria, com tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo em sua vida. No campo profissional e no pessoal. Deve ser tremendamente difícil ter uma amiga íntima acusada de um assassinato que é você mesma que está investigando. Como está encarando tudo isso?
- Estou fazendo o meu trabalho. Ao fazê-lo, vou livrar Luna e descobrir quem armou esta cilada para ela.
- Você se sente com a lealdade dividida?
- Não, já pensei muito sobre isso. - Gina esfregou as mãos nos joelhos das calças. Palmas suadas eram um dos efeitos colaterais de seus encontros com a doutora Minerva. - Se eu tivesse dúvida, um fio de dúvida que fosse, sobre a inocência de Luna, não sei bem o que faria. Só que eu não tenho, e então as coisas ficam mais claras.
- E isso é um conforto para você.
- Sim, pode-se dizer que sim. Mas vou me sentir muito mais confortável depois de resolver o caso e livrá-la disso. Acho que fiquei um pouco preocupada quando marquei esta consulta. Agora, porém, sinto-me com mais controle das coisas.
- Isso é importante para você. Sentir-se no controle.
- Não posso realizar o meu trabalho a não ser que esteja com o volante nas mãos.
- E quanto à sua vida pessoal?
- Droga, ninguém consegue tirar o Harry do volante!
- É ele que comanda as coisas então?
- É capaz de fazer isso, se a gente permitir. - e soltou uma risada curta. - Ele provavelmente diria exatamente a mesma coisa a meu respeito. Acho que a gente briga muito pelo controle do volante, mas acaba indo na mesma direção, de um jeito ou de outro. Ele me ama.
- Você parece surpresa com isso.
- Ninguém jamais me amou. Não tanto assim. Para algumas pessoas, é fácil dizer essas palavras. Mas, no caso de Harry, não se trata apenas de palavras. Ele me enxerga por dentro, e isso não me incomoda.
- E deveria?
- Não sei. Nem sempre eu gosto do que vejo lá dentro, mas ele gosta. Ou, pelo menos, compreende o que vê. - Naquele instante, Gina compreendeu que era sobre isso que ela precisava conversar. Aquelas arestas escuras e irregulares que havia dentro dela. - Talvez a causa disso seja o fato de nós dois termos passado por um início de vida péssimo. Descobrimos, quando ainda éramos jovens demais, o quanto as pessoas podem ser cruéis. O quanto o poder não apenas corrompe, quando cai em mãos erradas, mas também mutila. Ele... Eu jamais havia feito amor, antes dele. Fazia sexo, mas nunca senti nada além de um alívio físico. Jamais consegui ser... íntima. - decidiu ela. - É essa a palavra que se usa?
- Sim, acho que é a palavra exata. E por que acha que conseguiu alcançar este nível de intimidade com ele?
- Ele não aceitaria que fosse de nenhum outro jeito. Porque ele... - Gina começou a sentir os olhos ardendo com o surgimento de lágrimas e piscou para secá-los. - Porque ele abriu uma porta dentro de mim que eu havia fechado. Não, que havia sido trancada por uma cicatriz profunda. De algum modo, ele assumiu o controle dessa parte de mim, ou eu deixei que ele controlasse aquela parte de mim que havia morrido. Que foi morta quando eu ainda era criança, quando...
- Você vai se sentir melhor se colocar isso para fora, Gina.
- Quando o meu pai me estuprava. - Gina soltou um suspiro entrecortado e as lágrimas já não importavam mais. - Ele me estuprou, me violou e me machucou. Usou-me como uma prostituta, quando eu ainda era pequena e fraca demais para impedi-lo. Ele me prendia com as costas no chão ou me amarrava. Batia em mim até eu mal conseguir enxergar ou apertava a mão contra a minha boca para me impedir de gritar. E se jogava em cima de mim, se esfregava e se lançava dentro de mim até que a dor fosse quase tão obscena quanto o ato em si. Não havia ninguém para me ajudar e nada para fazer, a não ser esperar pela próxima vez.
- Você compreende que não teve culpa de nada? - perguntou Minerva, com gentileza. Quando um abscesso era finalmente lancetado, pensou, o psiquiatra tinha que espremer com cuidado e completamente, até conseguir retirar todo o veneno. - Não teve culpa naquela época, não tem culpa agora e nunca teve?
Gina usou as costas da mão para enxugar o rosto.
- Eu queria ser uma policial. Porque os policiais têm o controle das coisas. Eles vencem os bandidos. Parecia simples. Depois que já era policial há algum tempo, comecei a ver que alguns deles sempre atacam apenas os fracos e os inocentes. - Sua respiração se estabilizou. - Não, não foi minha culpa. Foi culpa dele, e culpa das pessoas que fingiam não ver nem ouvir nada. O problema é que eu tenho que viver com isso, e era muito mais fácil suportar quando eu não me lembrava.
- Mas você já vinha lembrando há muito tempo, não vinha?
- Apenas pedaços, pequenas cenas. Tudo o que aconteceu antes de eu ser encontrada no beco aos oito anos eram apenas cacos soltos.
- E agora?
- Mais pedaços, muitos pedaços a mais. E as coisas estão mais claras, mais próximas. - Passou a mão pela boca e tornou a abaixá-la colocando-a no colo. - Agora, eu consigo ver o rosto dele. Não conseguia ver o seu rosto antes. Durante a investigação do caso DeBlass, no último inverno, acho que encontrei paralelos suficientes para religar a memória. E então Harry já estava por perto, e tudo começou a voltar de forma mais precisa e mais depressa. Não consigo impedir o processo.
- É isso o que você quer?
- Eu apagaria aqueles oito anos da minha mente se pudesse. - desabafou Gina com ódio, sentia ódio da situação. - Eles não têm nada a ver com o agora. Não quero que eles tenham nada a ver com o agora.
- Gina, por mais horríveis que esses oito anos tenham sido e por mais obscenos, foram eles que formaram o que você é. Ajudaram a construir a sua força, a sua compaixão pelos inocentes, a sua complexidade, a sua resistência. Lembrar-se e lidar com essas lembranças não vai modificar a pessoa que você é. Por diversas vezes recomendei que você fizesse sessões de hipnose. Não acho mais necessário. Acredito que o seu subconsciente está deixando as lembranças virem à tona com um ritmo próprio.
Se era assim, Gina queria que o ritmo diminuísse para que ela conseguisse respirar.
- Talvez existam coisas que eu ainda não estou pronta para enfrentar. Mesmo assim, as lembranças não param. Tenho um sonho que vive se repetindo. Especialmente nos últimos tempos, sem parar. Há um quarto, um quarto imundo, com uma luz vermelha que fica piscando do lado de fora da janela. Acendendo e apagando. Há uma cama. Está vazia, mas toda manchada. Eu sei que é sangue. Muito sangue. Vejo a mim mesma encolhida no canto do quarto. Vejo mais sangue. Estou coberta por ele. Não consigo ver o meu rosto, está virado para a parede. Não consigo ver nada com clareza, mas só pode ser eu mesma.
- Você está sozinha?
- Acho que sim. Não dá para saber. Só consigo ver a cama, o canto e a luz que não pára de piscar. Há uma faca no chão, ao meu lado.
- Não havia marcas de facadas em você quando foi encontrada.
Os olhos de Gina, fundos e atormentados, olharam para os de Minerva.
- Eu sei.


N/A: Realmente, essa é uma das melhores partes quando a Gina descreve as cenas dos crimes e os últimos passos das vitimas. Esse é um dos dois livros mais misteriosos dos que eu li até agora, e eu apenas descobri o assassino quando ele se revelou e estava tão na cara que eu me xinguei por não ter percebido, mas.... o Redford está enrolado com a Cho até o pescoço. Quanto a Cho, ela não era apenas consumidora, ela estava pretendendo lançar o produto no mercado e faturar altas notas com ele e morreu por ser ambiciosa demais e por querer descartar o “contato” dela que era quem estava passando a droga para ela.. Draco Malfoy, hum, é um chute e tanto não é mesmo... O cara é Tenente da policia e tinha todos os meios para facilitar a coisa toda... Eu tenho que dar os parabéns pela teoria e posso dizer que está muito quente. Foi uma tremenda brutalidade o que aqueles desgraçados fizeram com a Marlena, mas eles receberam o castigo merecido. Beijos.


Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.