CAPÍTULO TRÊS



CAPÍTULO TRÊS

O lugar em que Boomer morava era melhor do que alguns que Gina já vira. O prédio fora, no passado, um motel barato de alta rotatividade que servia de subsistência para prostitutas, antes de a profissão ter sido legalizada e licenciada. Tinha quatro andares e ninguém jamais se dera ao trabalho de instalar um elevador ou uma esteira rolante; havia um saguão escuro e a portaria exibia a segurança dúbia de uma andróide com cara amarrada.
Pelo cheiro, o Departamento Sanitário exigira recentemente a exterminação de insetos e roedores.
A andróide tinha um problema no olho direito, devido a um chip defeituoso, mas focou o olho bom na identificação de Gina.
- Estamos em dia com a legislação. - avisou ela, levantando-se atrás do sujo vidro de segurança. - Aqui não temos problemas.
- Johannsen. - Gina guardou o distintivo. - Alguém o visitou nos últimos dias?
O olho defeituoso da andróide piscou e rolou para cima.
- Não fui programada para monitorar as visitas dos moradores, mas apenas para cobrar o aluguel e manter a ordem.
- Eu posso confiscar os seus discos de memória e assisti-los com toda a calma.
A andróide não respondeu nada, mas um leve zumbido indicou que ela estava rodando o próprio disco.
- Johannsen, ocupante do apartamento 3-C, saiu daqui há oito horas e vinte e oito minutos. Foi para a rua sozinho. Não teve visitantes nas últimas duas semanas.
- Comunicou-se com alguém?
- Ele não utiliza o nosso serviço de comunicações. Possui um sistema próprio.
- Nós vamos dar uma olhada no quarto dele.
- Terceiro andar, segunda porta à esquerda. Não assuste os outros inquilinos. Aqui não temos problemas.
- Sei... é um paraíso! - Gina seguiu em frente e subiu as escadas, reparando na madeira gasta, roída pelos ratos. - Comece a gravar, Hermione.
- Sim, senhora. - Com eficiência, Hermione prendeu a câmera na blusa. - Se ele esteve aqui há pouco mais de oito horas, não durou muito tempo depois de ter saído. Provavelmente umas duas horas.
- Tempo suficiente para ficar todo arrebentado. - Vagarosamente, Gina avaliou as paredes. Estavam todas grafitadas com várias propostas ilegais e sugestões anatômicas especificadas graficamente. Um dos autores das obras soletrava com deficiência e sistematicamente se esquecia de colocar o hífen em "foda-se". Apesar disso, a mensagem era bastante clara.
- Que delícia de lugar, hein?
- Isso me faz lembrar a casinha de minha avó. - disse Hermione.
Já na porta do apartamento 3-C, Gina olhou para trás.
- Ora, Hermione. Acho que você acaba de fazer uma piada.
Enquanto Gina ria e pegava o seu cartão-mestre de códigos, Hermione ficou vermelha como um pimentão. Conseguiu se recompor no momento em que as fechaduras se abriram.
- Ele se trancava todo aqui dentro, não é? - murmurou Gina no momento em que o último dos três fechos de segurança modelo Keligh-500 se abriu - E não usava coisas baratas não. Cada uma dessas crianças custa o equivalente a uma semana do meu salário. E, com tudo isso, eles o apagaram. - e suspirou. - Aqui é a tenente Gina Weasley, entrando na residência da vítima. - e empurrou a porta, escancarando-a. - Caramba, Boomer, você era um porco!
O calor estava forte. O controle de temperatura do apartamento consistia em fechar ou abrir a janela. Boomer optara por deixá-la fechada, e um pouco do verão ficou preso lá dentro.
O cômodo cheirava a comida de má qualidade e estragada, roupas fedorentas e uísque entornado. Deixando a varredura inicial por conta de Hermione, Gina foi até o centro do aposento, que era pouco mais do que um caixote, e balançou a cabeça.
Os lençóis da cama estreita estavam manchados por substâncias que ela não estava muito disposta a analisar. Caixas de comida entregue em casa estavam empilhadas ao lado da cama. Pelas pequenas montanhas de roupas empilhadas nos cantos do quarto, Gina descobriu que a lavanderia não era muito importante na lista de tarefas domésticas de Boomer. Suas botas estavam coladas no piso e faziam pequenos sons de sucção enquanto ela andava em volta.
Por questão de autodefesa, Gina forçou a pequena janela até que ela se abriu. Os sons do tráfego da rua e dos veículos aéreos se derramaram pelo ar como se uma represa tivesse sido aberta.
- Meu Deus, que lugar! Ele ganhava um bom dinheiro como informante. Não precisava viver desse jeito...
- Vai ver, ele queria morar assim.
- É... - torcendo o nariz, Gina abriu uma porta e analisou o banheiro. Havia uma privada em aço inox, uma pia e um boxe construídos para pessoas baixas. O fedor embrulhou-lhe o estômago. - Isso é pior do que um defunto de três dias. - e respirou pela boca, virando-se na direção do quarto. - Ah... era ali que ele empregava o dinheiro!
Balançando a cabeça, Hermione se juntou a Gina, diante de uma bancada resistente. Sobre ela estava um caríssimo centro de comunicações e dados. Instalado na parede acima dele estavam um telão e uma estante lotada de discos. Gina pegou um deles ao acaso e leu o título.
- Estou vendo que Boomer se ligava em obras culturais. Piranhas com Peitos Poderosos.
- Vencedor do Oscar do ano passado.
Gina prendeu o riso e colocou o disco de volta na estante.
- Essa foi boa, Hermione. É melhor manter esse senso de humor ativado, porque nós vamos ter que assistir a todo esse lixo. Encaixote os discos para numerá-los e etiquetá-los. Vamos pesquisar tudo quando voltarmos à central.
Gina ligou o tele-link e vasculhou todas as ligações que Boomer fizera. Passou por pedidos de comida e uma sessão com uma vídeo-prostituta que lhe custara cinco mil dólares. Havia também duas chamadas de um suspeito de tráfico de drogas, mas os dois homens conversaram apenas a respeito de esportes, especialmente beisebol e luta livre. Com um pouco de curiosidade, Gina notou que ele ligara duas vezes para a sua sala nas últimas trinta horas, mas não deixara mensagem.
- Ele estava tentando entrar em contato comigo. - murmurou. - Desligou sem deixar recado. Isso não é do feitio dele. - Tirando o disco, ela o entregou a Hermione, para ser guardado como prova.
- Não há nada aqui que indique que ele estava com medo ou preocupado, tenente.
- Não, ele era um informante esperto. Se achasse que alguém estava querendo pegá-lo, teria acampado na minha porta. Certo Hermione, espero que a sua carteira de vacinas esteja em dia. Vamos começar a vasculhar essa bagunça.
======

Quando acabaram todo o trabalho, elas estavam sujas, suadas e com cara de nojo. Por ordem direta de Gina, Hermione desabotoou o colarinho do uniforme e arregaçou as mangas. Mesmo assim, o suor lhe escorria pelo rosto e fazia com que os seus cabelos se enroscassem, desarrumados.
- E eu achava que os meus irmãos eram porcos...
- Quantos irmãos havia em sua casa? - Gina chutou para o lado uma cueca suja.
- Dois. E uma irmã.
- Vocês eram quatro, então?
- Meus pais não são partidários do controle populacional, senhora. - explicou Hermione, com vestígios de constrangimento e um pedido de desculpas na voz. - Eles curtem a vida rural e a propagação da espécie.
- Você vive me surpreendendo, Hermione! Uma pessoa implacavelmente urbana como você, vindo de uma família anti-controle populacional. Como foi que você não ficou no campo, plantando alfafa, tecendo tapeçarias e cuidando de um monte de filhos?
- É que eu gosto de botar pra quebrar, senhora.
- Bom motivo. - Gina deixara o que considerava o pior para o fim. Com repugnância não disfarçada, ela olhou para a cama. A imagem de minúsculos vermes circulando por ali lhe apareceu na cabeça. - Vamos ter que levantar o colchão.
- Sim, senhora. - Hermione engoliu em seco.
- Não sei quanto a você, Hermione, mas vou direto para a câmara de descontaminação quando acabar com isto aqui.
- E eu vou estar logo atrás da senhora, tenente.
- Certo. Vamos resolver logo isso, então.
Os lençóis foram retirados primeiro. Não havia nada, a não ser mau cheiro e manchas. Gina ia deixá-los para os técnicos analisarem, mas ela já descartara qualquer possibilidade de que Boomer tivesse sido morto em casa.
Mesmo assim, ela observou tudo com cuidado, balançando a fronha e manipulando o enchimento. A um sinal dela, Hermione levantou um dos lados do colchão e Gina o outro. Era pesado como uma pedra, mas elas conseguiram virá-lo ao contrário, depois de alguns gemidos.
- Talvez Deus exista mesmo! - murmurou Gina.
Presos no fundo do colchão havia dois pequenos pacotes. Um estava cheio com um pó azulado, e o outro era um disco lacrado. Gina despregou os dois. Lutando contra a pressa de abrir o pacote com o pó, estudou primeiramente o disco. Não estava etiquetado, mas, ao contrário dos outros, tinha sido cuidadosamente embrulhado para mantê-lo livre de poeira.
Normalmente, ela rodaria o disco de imediato, na própria unidade de Boomer. Ela podia agüentar o fedor, o suor e até mesmo a sujeira. Mas não agüentava ficar pensando nem mais um minuto sobre os parasitas microscópicos que poderiam estar passeando por sua pele.
- Vamos dar o fora daqui, Hermione!
Esperou até que Hermione levasse a caixa com as provas até o corredor. Dando uma última olhada e pensando na vida que seu informante levava, Gina fechou a porta, lacrou-a e deixou a luz vermelha de segurança brilhando.

A descontaminação não causava dor, mas não era nada agradável. Aquilo tinha uma única virtude: era rápido. Gina estava sentada com Hermione, as duas completamente despidas, em uma câmara com dois lugares, com paredes curvas imaculadas que refletiam a quente luz branca.
- Pelo menos é um calor seco. - afirmou Hermione, e Gina caiu na risada.
- Eu sempre achei que é assim que o inferno deve ser. - e fechou os olhos, tentando relaxar. Ela não se considerava claustrofóbica, mas espaços fechados a deixavam com o corpo formigando. - Sabe Hermione, eu usei os serviços de Boomer pela primeira vez há uns cinco anos. Ele não era exatamente o tipo refinado, mas eu nunca poderia imaginar que ele vivia daquele jeito. - ela ainda estava com o fedor nas narinas. - Ele era uma pessoa bem limpa. Diga-me o que viu no banheiro.
- Sujeira, mofo, lixo, toalhas sem lavar. Dois sabonetes. Um ainda fechado, meio frasco de xampu, gel dental, uma escova de dentes ultra-sônica e um barbeador. Um pente também, quebrado.
- Artigos de higiene. Ele se mantinha em forma, Hermione. Gostava até de pensar em si mesmo como um conquistador. Meu palpite é que o pessoal do laboratório vai me dizer que a comida, as roupas e os resíduos já têm duas, talvez três semanas. O que me diz disso?
- Que ele estava escondido... ou preocupado, apavorado... ou envolvido demais para descuidar das coisas.
- Exato. Não desesperado o bastante para chegar e se desabafar comigo, mas preocupado o bastante para esconder dois objetos importantes embaixo do colchão.
- Onde ninguém jamais ia pensar em procurar. - disse Hermione, com ironia.
- Ele não era muito brilhante a respeito de certas coisas. Tem idéia do que seja a substância?
- Algo ilegal.
- Eu nunca vi nenhuma substância ilegal daquela cor. É alguma coisa nova. - refletiu Gina. A luz apagou e um apito soou. - Acho que já estamos limpas. Vamos trocar de roupa para rodar aquele disco.

- Que diabos é isso? - Gina estava com a testa franzida diante do monitor. De forma inconsciente, começou a brincar com o pesado diamante que usava em volta do pescoço.
- É uma fórmula.
- Isso dá para perceber, Hermione.
- Sim, senhora. - meio sem graça, Hermione se afastou da mesa.
- Droga, eu detesto química! - Esperançosa, Gina olhou para trás, por cima do ombro. - Você é boa nisso?
- Não, senhora. Não me lembro nem do básico.
Gina estudou a mistura de números, figuras e símbolos, e girou os olhos.
- Meu computador não está programado para entender essa porcaria. Vou ter que mandar para o laboratório, para análise. - Impaciente, ela tamborilou os dedos por sobre a mesa. - Meu palpite é que isso é a fórmula do pozinho que a gente encontrou, mas como é que um ladrão de segunda classe como Boomer conseguiu colocar as mãos nisso? E quem era o outro policial para quem ele trabalhava? Você sabia que ele era um dos meus informantes, Hermione. Como descobriu?
Mostrando embaraço, Hermione olhou para a fórmula na tela, por cima dos ombros de Gina.
- A senhora citou o nome dele em vários relatórios interdepartamentais, em casos antigos, tenente.
- E você tem o hábito de ler relatórios interdepartamentais, policial?
- Os seus sim, senhora.
- Por quê?
- Porque a senhora é a melhor.
- Está dizendo isso porque é puxa-saco ou você está de olho no meu cargo?
- Vai abrir vaga no seu posto quando a senhora for promovida a capitão, senhora.
- E o que a leva a pensar que eu quero ser promovida?
- Seria burrice se a senhora não quisesse, e a senhora não é. Quero dizer, não é burra, senhora.
- Certo, vamos deixar esse assunto de lado. Você costuma estudar outros relatórios?
- De vez em quando.
- Tem algum palpite de quem era o policial que usava os serviços de Boomer na Divisão de Drogas Ilegais?
- Não, senhora. Jamais vi o nome de Boomer ligado a nenhum outro policial. A maioria dos informantes tem ligação com apenas um policial.
- Boomer gostava de variar. Vamos investigar as ruas. Podemos visitar alguns dos buracos que ele freqüentava para ver o que aparece. Temos só dois dias para resolver isso, Hermione. Se você tem alguém em casa esquentando a cama para você, é melhor ligar para ele e avisar que você vai estar muito ocupada.
- Não tenho namorado, senhora. Não tenho problemas para trabalhar horas extras.
- Que bom! - Gina se levantou. - Então, vamos cair dentro! E Hermione, nós já estivemos nuas juntas. Deixe todos esses "senhoras" de lado, tá legal? Chame-me apenas de Gina.
- Sim senhora, tenente.

Já passava das três da manhã quando Gina chegou cambaleando de cansada pela porta da frente, tropeçou no gato que resolvera ficar de guarda na entrada do saguão, xingou e se virou, às cegas, na direção das escadas.
Em sua cabeça havia dezenas de imagens: bares escuros, clubes de strip-tease, ruas enfumaçadas onde acompanhantes autorizadas de baixo nível negociavam o seu corpo. Todas essas visões iam e vinham, fundindo-se em um caldo desagradável que representava a vida que Boomer Johannsen levava.
Ninguém sabia de nada, é claro. Ninguém vira coisa alguma. A única informação corroborada por todos, conforme Gina descobriu em seu passeio pela parte mais desagradável da cidade, era que ninguém ouvira nem pusera os olhos em Boomer há uma semana, talvez mais.
Só que alguém pusera muito mais do que os olhos em cima dele. Seu prazo para descobrir quem e por que estava se esgotando.
As luzes do quarto estavam quase apagadas. Ela já despira a blusa e a atirara para o lado quando reparou que a cama estava vazia. Sentiu um rápido lampejo de desapontamento e um leve sentimento de pânico.
Ele devia ter viajado, pensou. Estava naquele exato momento se dirigindo para algum ponto do universo colonizado. Talvez ficasse fora durante dias.
Olhando para a cama e sentindo-se infeliz, chutou as botas e começou a tirar as calças. Remexendo em uma gaveta, pegou uma camiseta de algodão e a enfiou pela cabeça.
Nossa, ela era uma pessoa patética, sentindo tristeza daquele jeito só porque Harry tinha ido cuidar dos negócios. Só porque ele não estava na cama para ela se aninhar junto dele. Só porque ele não estava ali para protegê-la dos pesadelos que pareciam atormentá-la com mais intensidade e freqüência à medida que as suas lembranças do passado aumentavam e a assombravam.
Ela estava cansada demais para sonhar, disse a si mesma. Ocupada demais para ficar remoendo aqueles pensamentos. E forte o bastante para não se lembrar de nada que não quisesse lembrar.
Gina se virou, pensando em subir para o seu escritório no andar de cima para dormir lá quando a porta se abriu. O alívio percorreu-lhe o corpo como uma onda de vergonha.
- Eu achei que você tinha viajado.
- Estava trabalhando. - Harry atravessou o quarto e foi até ela. A meia-luz, a sua camisa preta contrastava com o branco da camiseta dela. Ele pegou o queixo de Gina, levantou-o e olhou para os seus olhos. - Tenente, por que você sempre trabalha até cair?
- É que eu tenho um prazo para resolver este caso. - Talvez ela se sentisse esgotada demais ou talvez o amor estivesse começando a parecer mais fácil, o fato é que ela levantou as duas mãos e as colocou no rosto dele. - Fiquei super-feliz por você estar aqui. - Quando ele a levantou no colo e a carregou em direção à cama, ela sorriu. - Não foi isso que eu quis dizer...
- Estou colocando você na cama, mas é para dormir.
- Você recebeu o meu recado? - para ela, era difícil argumentar com os olhos quase se fechando.
- A elaborada mensagem que dizia "Vou chegar tarde"? Recebi. - e beijou-lhe a testa. - Agora, pode se desligar.
- Em um minuto. - Ela estava lutando contra o sono. - Só preciso entrar em contato com Luna. Ela quer ficar onde está por mais uns dois dias. Não está querendo aparecer no Esquilo Azul também. Ligou para lá e lhe disseram que Leonardo passou uma meia dúzia de vezes procurando por ela.
- A trilha do verdadeiro amor.
- Humm... Vou tentar tirar uma hora de folga amanhã para passar lá e ver como ela está, mas pode ser que eu só consiga fazer isso depois de amanhã.
- Ela vai ficar bem. Se quiser, posso dar uma passada por lá.
- Obrigada, mas ela não vai conversar sobre esse assunto com você. Vou cuidar do caso dela assim que descobrir o que Boomer estava armando. Sei muito bem que ele não conseguia entender o que havia naquele disco.
- É claro que não. - Harry a tranqüilizou, na esperança de fazê-la adormecer.
- Não que ele não fosse bom com números. Quer dizer, números relacionados com dinheiro. Fórmulas científicas, porém... - e se levantou de um salto, quase atingindo o nariz de Harry com a cabeça. - O seu computador consegue analisar aquilo!
- Consegue?
- O laboratório está me enrolando. Eles estão fazendo isso porque esse caso não tem alta prioridade. Não tem prioridade nenhuma. - acrescentou, saltando da cama. - Preciso sair na frente deles. Você tem um programa de análises científicas em seu computador de comunicações não licenciado, não tem?
- Claro. - Ele suspirou e se levantou. - Agora mesmo, eu imagino?
- Podemos acessar os dados do computador do meu escritório. - Agarrando a mão dele, ela o empurrou em direção ao painel falso que escondia o elevador. - Não vamos levar muito tempo.
Ela explicou a ele os fatos básicos do caso enquanto subiam. No momento em que ele digitou o código para eles entrarem na sala secreta, Gina já estava totalmente desperta e alerta.
O equipamento era sofisticado, não tinha licença e era, evidentemente, ilegal. Como Harry, ela usou a placa de reconhecimento da mão para ter acesso ao sistema, e então se dirigiu para a parte de trás do console em forma de U.
- Você consegue puxar os dados mais depressa do que eu. - disse ela. - Está sob Código Dois, Amarelo, Johannsen. Minha senha de acesso é...
- Por favor!... - Já que ele ia brincar de policial às três da manhã, não queria ser insultado. Harry se sentou diante dos controles e mexeu em alguns mostradores manualmente. - Entrando na Central de Polícia. - disse ele, e sorriu quando ela franziu a testa.
- Estou vendo que o sistema de segurança da polícia foi pro espaço.
- Precisa ver mais alguma coisa, antes de eu acessar o seu computador?
- Não. - respondeu ela com firmeza, movimentando-se por trás dele. Manipulando o teclado com uma das mãos, Harry colocou uma das mãos dela sobre o seu ombro, depois a levou aos lábios e mordiscou os nós de seus dedos. - Seu exibido!
- Não ia ter graça nenhuma se você me informasse a senha para entrar no seu computador. - murmurou ele, e colocou o sistema no automático. - Arquivo de Código Dois, Amarelo, Johannsen. - Do outro lado da sala, um dos telões acendeu.
Em espera, apareceu na tela.
- Prova número 34-J, mostre e copie. - pediu Gina. Quando a fórmula apareceu na tela, ela balançou a cabeça. - Viu só? Para mim, se fossem hieróglifos, dava no mesmo.
- Uma fórmula química. - refletiu Harry.
- Como é que você sabe?
- Eu fabrico algumas dessas drogas... as legalizadas. Isso é um tipo de analgésico, mas não de todo. Propriedades alucinógenas... - ele estalou a língua e balançou a cabeça. - Nunca vi nada desse tipo. Não é uma fórmula-padrão. Computador, analise e identifique esta substância.
- Você está me dizendo, então, que é uma droga?
- Quase com certeza.
- Isso se encaixa na minha teoria. Mas o que é que Boomer estava fazendo com a fórmula dela e por que alguém o mataria para consegui-la?
- Isso depende de o quanto ela é comercializável, eu acho. O quanto é rentável. - Ele franziu a testa ao olhar para a tela, e a análise começou a se formar. A estrutura molecular circulava na tela em pontos e espirais coloridos. - Muito bem, temos um estimulante orgânico, um alucinógeno químico padrão, ambos em quantidades baixas, mas beirando a ilegalidade. Ah, essas são as propriedades do THR-50.
- Nome popular, Zeus. Coisa pesada.
- Humm... Mesmo assim, de baixo poder. Mas esta é uma mistura interessante. Há um pouco de menta para torná-lo mais saboroso. Diria que isto poderia ser fabricado, com algumas alterações, sob a forma líquida. E podemos misturar tudo com Brinock, que é um estimulante sexual e tonificante. Na medida exata, pode até ser usado para curar a impotência.
- Eu sei como funciona. Tivemos um cara que tomou uma overdose disso aí. Acabou se matando, depois de bater o recorde mundial de masturbação. Pulou de uma janela por frustração sexual. O pinto dele estava tão inchado que parecia um salsichão, e tinha a mesma cor também, só que continuava duro como ferro.
- Obrigado por compartilhar essa história comigo. O que é isso? - Intrigado, Harry voltou ao teclado. O computador continuava a piscar a mesma mensagem.
Substância desconhecida. Provável regenerador celular. Não é possível uma identificação.
- Como é que pode? - ele ficou remoendo a resposta. - Eu tenho atualização automática para este programa. Não existe nada que ele não consiga identificar.
- Uma substância desconhecida. Ora, ora. Isso pode ser alguma coisa pela qual valha a pena matar. O que mais ele informa, sem ser isso?
- Faça uma identificação pelos dados conhecidos. – ordenou Harry.

A FÓRMULA POSSUI UM ESTIMULANTE COM PROPRIEDADES ALUCINÓGENAS. BASE ORGÂNICA. ENTRA NA CORRENTE SANGUÍNEA RAPIDAMENTE E AFETA O SISTEMA NERVOSO.

- E o resultado? - quis saber Harry.

DADOS INCOMPLETOS.

- Droga! Resultado provável a partir de dados conhecidos.

A SUBSTÂNCIA CAUSA SENSAÇÃO DE EUFORIA, PARANÓIA, AUMENTO DO APETITE SEXUAL, ILUSÃO DE PODERES FÍSICOS E MENTAIS. O EFEITO DE UMA DOSE DE 55 MG EM UM SER HUMANO COM UMA MÉDIA DE 70 QUILOS DURA DE QUATRO A SEIS HORAS. UMA DOSE DE MAIS DE 100 MG CAUSA MORTE EM 87,3% DOS USUÁRIOS. É UMA SUBSTÂNCIA SIMILAR AO THR-50, TAMBÉM CONHECIDO COMO ZEUS, COM ADIÇÃO DE UM ESTIMULANTE PARA AUMENTAR A POTÊNCIA SEXUAL E UM REGENERADOR CELULAR.

- Não é assim tão diferente. - murmurou Gina. - E nem tão importante. Já temos traficantes misturando Zeus com Erótica. É uma combinação terrível, responsável pela maioria dos estupros na cidade, mas não tem uma fórmula secreta, nem é especialmente lucrativa. Qualquer viciado pode misturar as duas drogas em um laboratório portátil.
- Exceto pelo fator desconhecido. Regenerador celular. - Suas sobrancelhas se encontraram. - A célebre Fonte da Juventude.
- Qualquer pessoa com bastante dinheiro pode fazer bons tratamentos de rejuvenescimento.
- Mas os efeitos são temporários. - assinalou Harry. - Você tem que voltar lá em intervalos regulares. Bio peelings e injeções antienvelhecimento são caras, tomam muito tempo e são desconfortáveis. E nenhum desses tratamentos-padrão proporciona a força extra disso aqui.
- Qualquer que seja o fator desconhecido, ele faz a substância funcionar melhor ou se tornar mais letal. Ou, como você disse, mais comercializável.
- Você tem um pouco do pozinho. - lembrou Harry.
- Tenho, mas pode ser que os técnicos do laboratório tenham que ralar a bunda na cadeira para desvendar isso. De qualquer modo, vai levar mais tempo do que eu tenho disponível.
- Dá para você me conseguir uma amostra disso? - fazendo o corpo rodar de leve sobre a cadeira giratória, ele sorriu para ela. - Não quero desmerecer o laboratório da polícia, tenente, mas pode ser que o meu seja um pouquinho mais sofisticado.
- Isso é uma prova de propriedade da polícia.
As sobrancelhas de Harry se levantaram.
- Harry, - disse Eve - você sabe o quanto eu já passei dos limites aceitáveis só por envolver você nisto? - e soprou o ar com força, lembrando-se do rosto de Boomer e do estado de seu braço. - Droga, que se dane, vou tentar conseguir!
- Ótimo, Desligar. - O computador se apagou silenciosamente. - E agora, você vai dormir?
- Só por umas duas horas. - Gina deixou que a fadiga se infiltrasse de volta em seu corpo e enlaçou os braços em volta do pescoço dele. - Você vai me colocar na cama novamente?
- Vou. - Ele a levantou pelos quadris, de forma que suas pernas se enroscaram nele. - Só que dessa vez você tem que ficar na cama, direitinho.
- Sabe Harry, meu coração dispara quando você fica assim, mandão...
- Então espere só até eu colocar você na cama. Ele vai disparar mais do que nunca.
Ela riu, enfiou o nariz no ombro dele e já estava dormindo antes de o elevador acabar de descer.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.