CAPÍTULO CINCO



CAPÍTULO CINCO

Leonardo estava esparramado no chão, no meio da sala de Luna, no mesmo lugar em que caíra horas antes, em estado de total embriaguez, provocada por uma garrafa inteira de uísque sintético e uma dose ainda maior de auto-piedade.
Estava voltando a si pouco a pouco e receava ter perdido metade do rosto em algum lugar no meio da noite miserável que passara. Quando levou a mão para apalpar a face, com cautela, sentiu-se aliviado de ver que tudo estava no lugar, só um pouco dormente devido à queda no chão.
Ele não se lembrava de muita coisa. Essa era uma das razões pelas quais Leonardo raramente bebia, e jamais se permitia exageros. Tinha tendência a sofrer perdas de consciência e lapsos de memória sempre que entornava um pouco mais do que devia.
Ele se lembrava vagamente de ter entrado cambaleando no prédio onde Luna morava, de ter digitado a senha da porta, que ela lhe dera ao descobrir que eles não eram apenas amantes e estavam realmente apaixonados.
Só que Luna não estava lá. Ele tinha quase certeza disso. Sentiu uma vaga lembrança de ter andado sem rumo pela cidade, bebendo direto do gargalo de uma garrafa que comprara... ou talvez tivesse roubado. Que inferno! Com a vista ardendo, tentou se colocar sentado e forçou os olhos para que ficassem abertos. Tudo o que sabia com certeza é que estava com a maldita garrafa na mão e o uísque na barriga.
Devia ter apagado. O que o deixou desgostoso. Como é que ele podia esperar que Luna fosse aceitar as coisas se ele mesmo entrava todo torto pelo apartamento, completamente bêbado?
Ele tinha mais é que agradecer por ela não estar lá.
Agora, é claro, estava com uma bruta ressaca que o fazia ter vontade de se deitar curvado como uma bola e chorar, pedindo perdão. Não, ela poderia voltar, e ele não queria que ela o visse em um estado tão deplorável. Conseguiu se levantar e saiu à procura de algum remédio para dor de cabeça, antes de programar o AutoChef para fazer um café bem forte.
Foi quando reparou no sangue.
Estava seco. A mancha descia pelo braço e ia até a sua mão. Havia um corte longo e profundo no antebraço, que já estancara. Sangue, ele olhou novamente, sentindo um embrulho no estômago ao notar que a camisa também estava toda manchada. Será que ele andara brigando? Será que ele havia machucado alguém?
A náusea subiu-lhe pela garganta e sua mente tentava achar um rumo por entre imensos espaços vazios e lembranças borradas. Ah, Deus! Será que ele matara alguém?


Gina estava olhando com ar muito sério para o relatório preliminar da autópsia quando ouviu um barulho curto e agudo na maçaneta da porta de sua sala, que se abriu antes que ela pudesse se virar de todo.
- Tenente Weasley? - O homem tinha a aparência de um caubói curtido pelo sol, do sorriso provocador até as botas com saltos gastos. - Caramba, é uma honra me encontrar com a lenda viva em pessoa! Já a conhecia de fotos, mas você é muito mais bonita pessoalmente.
- Estou lisonjeada. - Com os olhos se fechando um pouco, Gina se recostou. Ele também era muito bonito, com cabelos louros platinados que emolduravam um rosto bronzeado e alerta e que se espalhava de modo atraente em volta de olhos verde-garrafa. Tinha um nariz reto e longo e uma leve covinha ao lado da boca sorridente. E um corpo que parecia se dar muito bem com a vida ao ar livre. - E quem é você, afinal?
- Draco Malfoy. - e pegou o distintivo no bolso amarrotado na parte da frente da calça jeans. - Sou da Divisão de Drogas Ilegais. Soube que você estava me procurando.
- Soube? - Gina olhou com atenção para o distintivo. - E você também soube o motivo de eu estar à sua procura, tenente Draco Malfoy?
- Temos um informante em comum. - Ele se aproximou e encostou o quadril na quina da mesa de Gina, mostrando camaradagem. Isso o fez ficar tão perto que Gina conseguiu sentir o perfume que vinha de sua pele. Sabonete e couro. - Foi uma tremenda pena o que aconteceu com o velho Boomer. Ele era um cara inofensivo.
- Se você sabia que Boomer trabalhava comigo, por que levou tanto tempo para vir me procurar?
- Estive atrapalhado, resolvendo outras coisas. E, para falar a verdade, não achei que houvesse muito a dizer ou fazer. Foi quando ouvi dizer que o Neville, da Divisão de Detecção Eletrônica, andava farejando na minha área. - E os olhos sorriram novamente, com um leve toque de sarcasmo. - Neville também trabalha para você, não é?
- Neville trabalha por conta própria. Em que caso você estava usando o Boomer?
- O de sempre. - Malfoy pegou um ovo de ametista trabalhado que havia sobre a mesa de Gina e ficou analisando a jóia, passando-a de uma das mãos para a outra. - Informações sobre drogas ilegais. Nada importante. Boomer gostava de achar que ele era o maioral, mas, na verdade, as informações vinham sempre incompletas, em cacos soltos.
- Cacos e pedaços soltos podem construir um quadro que faça sentido.
- Eu sei, é por isso que eu usava os serviços dele, meu amor. Ele era muito confiável para uma batida aqui e outra ali. Em uma ou duas vezes, consegui até pegar um traficante de nível médio, com as dicas dele. - e sorriu de novo. - Alguém tem que fazer isso.
- É... e então, quem é que bateu nele até transformá-lo em geléia?
O sorriso se apagou. Malfoy colocou o ovo de volta sobre a mesa e balançou a cabeça, dizendo:
- Não faço a mínima idéia. Boomer não era exatamente um tipo adorável de pessoa, mas não sei de ninguém que o odiasse tanto ou estivesse tão injuriado com ele a ponto de arrebentá-lo daquela forma.
Gina analisou o visitante. Ele lhe pareceu determinado, e ela sentiu um tom em sua voz, ao falar de Boomer, que a fez se lembrar do próprio sentimento de afeição cautelosa que ela nutria pelo informante. Mesmo assim, ela gostava de jogar sempre com as cartas junto do corpo, e perguntou:
- Boomer estava trabalhando em algum caso em particular? Alguma coisa diferente? Algo grande?
- Grande como? - As sobrancelhas de Malfoy se levantaram.
- Eu é que estou perguntando. Drogas ilegais não são a minha praia.
- Não estava rolando nada que eu soubesse. Na última vez em que falei com ele, sei lá, talvez umas duas semanas antes de ele aparecer boiando, Boomer me disse que andava farejando algo escandaloso. Você conhecia o jeito como ele costumava falar, Gina.
- Sim, eu conhecia o jeito de ele falar. - Estava na hora de colocar uma das cartas na mesa. - Sei também que recolhi uma substância não identificada que estava escondida no apartamento dele. Está no laboratório, sendo analisada. Até agora, tudo o que descobriram é que se trata de uma mistura nova, e é muito mais potente do que qualquer coisa que anda atualmente pelas ruas.
- Uma mistura nova... - as sobrancelhas de Malfoy se juntaram. - Por que diabos ele não me deu nenhuma dica sobre isso? Se ele estava tentando jogar para os dois lados... - Malfoy soprou por entre os dentes. - Você está achando que ele foi apagado por causa disso?
- É a minha melhor teoria.
- Sim. Que furada, hein? Provavelmente ele tentou sacudir o fabricante ou o distribuidor. Olhe, vou conversar com o pessoal do laboratório para ver se há algum bochicho pelas ruas a respeito de alguma droga nova no pedaço.
- Eu agradeço.
- Vai ser um prazer trabalhar com você. - ele se mexeu, deixou que o olhar ficasse por um instante a mais sobre a boca de Gina, com um tipo de talento que não era nem um pouco ultrajante e acertava em cheio na lisonja. - Talvez você aceite ir comer alguma coisa comigo, a fim de discutirmos estratégias ou qualquer outra coisa que pinte.
- Não, obrigada.
- Por você não estar com fome ou porque vai se casar?
- Os dois.
- Tudo bem então. - Ele se levantou e, sendo humana, Gina não pôde deixar de apreciar o jeito com que o tecido da calça se ajustava em suas pernas compridas e esbeltas. - Se você mudar de idéia a respeito de uma dessas duas coisas, sabe onde me achar. Vou manter contato. - Foi caminhando bem devagar em direção à porta, deu uma parada e se virou. - Sabe Gina, seus olhos têm a cor de uísque envelhecido de boa qualidade. Isso provoca a maior sede nos homens.
Ela franziu a testa quando ele fechou a porta, chateada por sentir que seu pulso se acelerara um pouco e estava irregular. Balançando a cabeça, passou as duas mãos pelos cabelos e olhou de volta para o relatório, que continuava na tela.
Gina não precisava que lhe dissessem como foi que Cho morrera, mas era interessante descobrir que o legista acreditava que os três primeiros golpes na cabeça tinham sido fatais. Tudo o que veio depois foi pura satisfação da pessoa que a assassinara.
Ela tentara se defender antes dos golpes na cabeça, reparou Gina. Lacerações e arranhões em outras partes do corpo eram condizentes com uma briga.
A morte estava assinalada no relatório como tendo ocorrido às duas e cinqüenta da manhã, e o conteúdo do estômago indicava que a vítima apreciara uma última refeição de alta qualidade, mais ou menos às nove da noite, composta de lagosta, salada de escarola, creme bávaro e champanhe de boa safra.
Havia também altos índices de substâncias químicas em sua corrente sanguínea que ainda precisavam ser analisados. Portanto, Luna provavelmente tinha razão. Parecia que Cho estava doidona com alguma coisa, algo possivelmente encontrado na lista de substâncias ilegais. Olhando o caso como um todo, aquilo poderia ou não fazer diferença.
Os fragmentos de pele debaixo das unhas da vítima, esses iam fazer diferença. Gina estava terrivelmente certa de que, quando o laboratório acabasse a análise, ia descobrir que aqueles eram pedaços da pele de Luna. Da mesma forma que os fios de cabelo que os técnicos haviam recolhido junto do corpo iam ser de Luna.
Para quem queria armar algo, pensou Gina enquanto fechava os olhos, aquilo era perfeito. Luna entrara lá na hora errada, estava no lugar errado e o assassino viu nela um bode expiatório feito sob medida.
Será que o assassino ou assassina já tinha conhecimento do conflito entre Luna e a vítima ou aquilo foi apenas mais um golpe de sorte?
De qualquer modo, ele golpeia Luna, deixa-a ali, apagada, planta algumas provas no local, até mesmo acrescenta um toque de mestre, passando as unhas da morta pelo rosto de Luna. Mais fácil ainda é apertar os dedos dela na arma do crime e depois sair de volta para a rua com a satisfação de um trabalho bem-feito.
Não era nem preciso ser um gênio para fazer isso, avaliou Gina. Só que exigia mente fria, calculista e prática. Como é que isso se encaixava com a raiva incontrolada e a insanidade do ataque a Cho?
Ela ia ter que fazer com que encaixasse, disse Gina a si mesma. E ia ter que achar um meio de livrar Luna e encontrar o tipo de assassino que seria capaz de transformar o rosto de uma mulher em purê e depois arrumar tudo com a maior calma.
Quando Gina se preparava para se levantar, sua porta se escancarou. Com os olhos esbugalhados, Leonardo irrompeu.
- Eu a matei. Eu matei Cho, que Deus me ajude!
E, depois de dizer isso, seus olhos assustados giraram para cima e os seus cento e vinte quilos caíram desmaiados no chão, com um baque surdo.
- Nossa! - Em vez de tentar ampará-lo, Gina havia se desviado do corpo quando este caíra. Foi como ver uma sequóia desabar. Agora, ele estava ali, estirado, com os pés na soleira da porta e a cabeça quase encostada na parede oposta. Ela se agachou, empurrou-o para o lado com o traseiro, e conseguiu tirá-lo do caminho. Deu umas duas bofetadas leves e rápidas para reanimá-lo e esperou. Resmungando baixinho, ela o empurrou de novo e bateu em seu rosto com mais força.
Ele gemeu e seus olhos vermelhos se abriram trêmulos.
- O quê... onde...
- Cale a boca, Leonardo! - Gina cuspiu as palavras enquanto se levantava, foi até o portal e chutou os pés dele para dentro da sala. Depois de fechar a porta com firmeza olhou para baixo, na direção dele. - Vou ler os seus direitos.
- Meus direitos? - Ele pareceu atordoado, mas conseguiu elevar o corpo ligeiramente, até ficar sentado no chão, em vez de deitado.
- Agora ouça bem. - Gina recitou os direitos padronizados e revisados, que deviam ser lidos para as pessoas no momento da prisão, e então levantou a mão, antes mesmo de ele conseguir falar. - Entendeu bem todos os seus direitos e opções?
- Entendi. - Com ar cansado, ele passou a mão sobre o rosto. - Eu sei perfeitamente o que está acontecendo.
- Quer fazer alguma declaração?
- Eu já lhe falei que...
- Sim ou não? - Com os olhos parados, ela levantou a mão novamente. - Responda apenas sim ou não.
- Sim, sim. Quero fazer uma declaração.
- Levante-se do chão. Vou gravar isto. - e se virou na direção da mesa. Ela poderia tê-lo arrastado para a sala de interrogatório. Provavelmente devia ter feito isso, mas era algo que podia esperar. - Você compreende que tudo o que disser a partir de agora vai ser gravado?
- Sim. - Ele se levantou e em seguida se atirou sobre uma cadeira que rangeu debaixo de seu peso. - Weasley, eu...
Ela balançou a cabeça para cortá-lo. Depois de ligar a câmera de gravação, ela anotou todas as informações necessárias e recitou novamente todos os direitos dele, para ficar gravado.
- Leonardo, você compreendeu todos esses direitos e opções, desistiu neste instante do direito judicial de ter um advogado a seu lado e está preparado para fazer uma declaração completa?
- Quero apenas acabar com isso, logo.
- Sim ou não?
- Sim, sim, que droga!
- Você conhecia Cho?
- Claro que conhecia.
- Tinha um relacionamento com ela?
- Tinha. - Ele cobriu o rosto novamente, mas ainda conseguia ver a imagem que surgira no telão de Luna quando ele o ligou para dar uma olhada no noticiário. O saco preto e comprido que apareceu, sendo carregado para fora do prédio onde ficava o seu ateliê. - Não posso acreditar que isto tenha acontecido...
- Qual era a natureza do seu relacionamento com a vítima?
Parecia tão frio, pensou ele, o jeito com que ela dizia aquilo. "A vítima." Leonardo deixou as mãos caírem no colo e olhou para Gina respondendo:
- Você sabe que nós fomos amantes. Sabe que eu estava tentando terminar com ela por causa de...
- Vocês já não tinham mais contato íntimo - interrompeu Gina - no momento da sua morte?
- Não, não estávamos mais juntos há várias semanas. Ela esteve fora do planeta. As coisas já haviam começado a esfriar entre nós dois, antes mesmo da sua viagem. E então conheci Luna, e tudo mudou para mim. Weasley, onde está Luna? Onde ela está?
- Não estou autorizada a informá-lo do paradeiro da senhorita Lovegood neste momento.
- Diga-me apenas se ela está bem. - Seus olhos se encheram de lágrimas. - Diga-me apenas isso.
- Ela está sendo bem tratada. - Aquilo era tudo o que Gina ia dizer. Era tudo o que podia dizer. - Leonardo, é verdade que Cho estava ameaçando destruí-lo profissionalmente? Que ela exigiu que você continuasse a manter o relacionamento com ela e que, caso se recusasse, ela conseguiria cancelar o desfile de seus modelos? Um desfile que já estava marcado e no qual você investiu uma grande quantidade de tempo e dinheiro?
- Você estava lá, você a ouviu. Ela não dava a mínima para mim, mas não conseguia aceitar o fato de que fui eu que terminei o nosso caso. A não ser que eu parasse de sair com Luna, a não ser que voltasse a ser o cachorrinho de madame dela, Cho ia providenciar para que o desfile fosse um fracasso, se ele chegasse a acontecer.
- E você não queria deixar de se encontrar com a senhorita Lovegood.
- Eu amo Luna. - disse ele, com muita dignidade. - Ela é a coisa mais importante que existe na minha vida.
- E, no entanto, se você não cedesse às exigências de Cho, provavelmente ficaria com uma quantidade imensa de dívidas e a reputação profissional manchada, e isso seria intolerável. Estes fatos estão corretos?
- Sim. Coloquei tudo o que possuía nesse desfile. Peguei emprestada uma grande soma em dinheiro. Mais do que isso, coloquei o meu coração no projeto. Minha alma.
- Ela poderia ter estragado tudo isso.
- Ah sim, - seus lábios se retorceram - e teria adorado fazer isso!
- Você a convidou para ir ao seu ateliê na noite passada?
- Não. Eu nunca mais queria vê-la.
- E a que horas ela chegou lá, na noite passada?
- Não sei.
- Como ela conseguiu entrar? Você a recebeu?
- Acredito que não. Eu não sei. Ela tinha o cartão com o código para abrir a fechadura eletrônica. Não me lembrei de pedir o cartão de volta, nem de trocar a senha. Tudo tem corrido de forma tão louca...
- Você discutiu com ela.
- Não sei. - seus olhos ficaram vidrados e assumiram um ar inexpressivo. - Não me lembro. Mas devo ter discutido. Pode ser que sim.
- Recentemente, Cho foi até o seu ateliê sem ser convidada, o ameaçou e atacou fisicamente a sua companheira atual.
- Sim, sim, exatamente. - Ele conseguia se lembrar daquilo. Era um alívio conseguir se lembrar daquilo.
- Qual era o estado de espírito de Cho quando chegou em seu ateliê dessa última vez?
- Devia estar furiosa. Devo ter dito a ela que não ia desistir de Luna. Isso deve tê-la deixado ainda mais enfurecida. Weasley... - seus olhos se focaram novamente e um brilho de desespero surgiu neles. - Eu simplesmente não me lembro. Não me lembro de nada. Quando acordei esta manhã, estava no apartamento de Luna. Acho que me lembro de ter usado o meu cartão com a senha para entrar lá. Andei bebendo, caminhando pelas ruas e bebendo. Eu quase nunca bebo, porque tenho tendência a perder a noção de tempo e fico com buracos negros na memória. Quando acordei, vi o sangue. - Ele esticou o braço, mostrando a ferida sobre a qual fizera um curativo, às pressas. - Havia sangue nas minhas mãos, nas roupas. Sangue seco. Devo ter lutado com ela. Eu devo tê-la matado...
- E onde estão as roupas que você estava usando ontem à noite?
- Deixei-as no apartamento de Luna. Tomei um banho e troquei de roupa lá. Não queria que ela voltasse para casa e me encontrasse naquele estado. Estava esperando por ela, tentando descobrir o que fazer, e liguei a TV para assistir ao noticiário. Foi quando ouvi... e vi. Então eu soube.
- Você está me dizendo que não se lembra de ter visto Cho ontem à noite. Não se lembra de ter discutido com ela. Não se lembra de tê-la matado.
- Mas deve ter sido eu. - insistiu ele. - Ela morreu no meu ateliê.
- A que horas você saiu do seu ateliê ontem à noite?
- Não tenho certeza. Eu já andara bebendo. Muito. Estava aborrecido e zangado.
- Você viu alguém, falou com alguma pessoa?
- Comprei mais uma garrafa. De um vendedor ambulante, eu acho.
- Você se encontrou com a senhorita Lovegood na noite passada?
- Não. Tenho certeza disso. Se eu tivesse me encontrado com ela, se tivesse conversado com ela, tudo teria ficado bem.
- E se eu lhe dissesse que Luna esteve em seu ateliê na noite passada?
- Luna foi até lá para me ver? - seu rosto se iluminou. - Ela resolveu voltar para mim? Não, isso não pode ser verdade... Eu não teria me esquecido disso...
- Luna estava lá no momento em que você brigou com Cho? No momento em que você matou Cho?
- Não. Não.
- Então ela chegou logo depois de Cho ter morrido, depois de você tê-la assassinado? Você ficou apavorado, então, não foi? Ficou aterrorizado.
- Não, Luna não pode ter estado lá... - Havia pânico em seus olhos naquele momento.
- Mas esteve. Ela me ligou de lá mesmo, do seu apartamento, depois de ter achado o corpo.
- Luna viu o corpo? - Apesar do tom bronzeado, sua pele pareceu empalidecer. - Ah, meu Deus, não!
- Alguém golpeou Luna na cabeça e colocou-a sem sentidos. Foi você, Leonardo?
- Alguém a golpeou? Ela está ferida? - Ele já estava em pé, fora da cadeira, passando as mãos pelos cabelos. - Onde ela está?
- Foi você?
- Eu preferia cortar as mãos fora a ferir Luna... - e estendeu os braços. - Pelo amor de Deus, Weasley, diga-me onde é que ela está. Deixe-me ver se ela está bem.
- Como foi que você matou Cho?
- Eu... o repórter disse que eu bati nela até matá-la. - e estremeceu ao dizer isso.
- E como foi que você a agrediu? Que objeto usou?
- Eu... minhas mãos? - mais uma vez, ele as estendeu. Gina reparou que não havia marcas roxas, nem cortes nem arranhões nos dedos. Elas estavam em perfeito estado, como se tivessem acabado de ser entalhadas em madeira sólida e brilhante.
- Cho era uma mulher forte. Ela deve ter reagido.
- Isso explica o corte no meu braço...
- Gostaria de que esse corte fosse examinado, bem como as roupas que você diz ter deixado no apartamento de Luna.
- Você vai me prender agora?
- Não, você não está sendo acusado de nada no momento. Porém, vai ser detido até que saiam os resultados dos testes.
Ela o conduziu pelas mesmas perguntas mais uma vez, tentando forçá-lo a fornecer horários, lugares e descrever cada um dos seus movimentos. Todas as vezes ela batia na parede que bloqueava a sua memória. Longe de estar satisfeita, encerrou o interrogatório, levou-o para a detenção e começou a fazer os preparativos para os testes.
A próxima parada era a sala do comandante Lupin.
Ignorando a cadeira que lhe foi oferecida, ela ficou em pé, olhando para ele, que continuou sentado atrás da mesa. De modo rápido e objetivo, Gina lhe entregou os resultados dos interrogatórios iniciais. Lupin cruzou os braços e olhou para ela. Ele tinha olhos aguçados, olhos de policial, e reconhecia uma pessoa nervosa.
- Você está com um homem que confessou o assassinato. Um homem que tinha os motivos e a oportunidade.
- Um homem que não se lembra nem mesmo de ter estado com a vítima na noite em questão e muito menos de tê-la golpeado implacavelmente até matá-la.
- Não seria a primeira vez que um assassino confessa o seu crime de um modo que o faz parecer inocente.
- Não, senhor. Mas eu não acredito que ele seja o nosso assassino. Pode ser que os testes provem que eu estou errada, mas o tipo de sua personalidade não se encaixa com o crime. Fui testemunha da outra altercação, quando a vítima atacou Luna. Em vez de tentar acabar com a briga, o suspeito deu um passo para trás e ficou torcendo as mãos de aflição.
- De acordo com a declaração, ele estava sob a influência do álcool na noite do assassinato. A bebida pode induzir mudanças na personalidade.
- Sim, senhor. - Era um argumento razoável. No fundo do coração, ela queria enquadrá-lo, considerar a sua confissão como definitiva e levar o caso adiante. Luna ia ficar arrasada, mas estaria a salvo. Seria liberada. - Não foi ele! - afirmou Gina com firmeza. - Minha recomendação é que ele fique detido pelo maior prazo possível e que seja novamente interrogado, a fim de sacudir sua memória. Mas não podemos acusá-lo formalmente por achar que cometeu um assassinato.
- Vou seguir a sua recomendação, Weasley. O restante dos testes do laboratório deve chegar logo. Espero que os resultados ajudem a esclarecer tudo. Você sabe que eles podem incriminar Luna Lovegood ainda mais.
- Sim, senhor, estou ciente disso.
- Você tem uma antiga amizade com ela. Não causaria demérito algum no seu currículo o fato de você se retirar do posto de investigadora principal neste caso. Na verdade, isso até seria melhor para você e seria certamente mais racional tomar esta atitude.
- Não, senhor. Não vou desistir do posto de investigadora principal deste caso. Se o senhor me retirar do cargo, vou solicitar licença no trabalho para acompanhar o assunto em meu tempo pessoal. Se for necessário, peço demissão da polícia.
Por um instante, ele esfregou as duas mãos sobre as sobrancelhas e disse:
- Sua demissão não seria aceita. Sente-se, tenente. Mas que droga, Weasley! - explodiu ao ver que ela continuava em pé. - Sente-se! Isto é uma ordem!
- Sim, comandante.
Lupin suspirou e tentou manter o mau humor sob controle.
- Eu a magoei, Weasley, não faz muito tempo, com um ataque pessoal que não foi apropriado e nem merecido. Por causa disso, prejudiquei o relacionamento que havia entre nós. Compreendo que você não se sinta mais à vontade sob o meu comando.
- O senhor é o melhor comandante sob o qual eu já servi. Não tenho problema algum em tê-lo como superior.
- Mas não somos mais amigos... Nem de longe. - e assentiu com a cabeça, aceitando o silêncio dela. - Entretanto, devido ao meu comportamento durante a investigação de um caso que lidava com pessoas ligadas a mim, pessoalmente, você deve saber que eu compreendo perfeitamente tudo pelo que você está passando agora. Sei bem o que é se ver dividido entre duas lealdades, Weasley. Apesar de você não se sentir apta a discutir comigo os seus sentimentos relacionados com este caso, sugiro com insistência que você faça isso com alguém em quem confie. O meu erro na investigação passada foi não dividir o fardo com ninguém. Não cometa o mesmo erro agora.
- Luna não matou ninguém. Não há provas suficientes que consigam me convencer do contrário. Vou continuar com o meu trabalho, comandante, e, ao fazer isso, vou encontrar o verdadeiro assassino.
- Não tenho dúvidas de que você vai continuar a desempenhar bem o seu trabalho, tenente, mesmo que sofra para conseguir realizá-lo. Você tem todo o meu apoio, quer o aceite, quer não.
- Obrigada, senhor. Agora, tenho uma requisição a fazer, relacionada com outro assassinato.
- Qual é?
- O caso Johannsen.
Desta vez, o suspiro do comandante foi mais longo e profundo.
- Você parece um cão terrier, Weasley. Nunca desiste da presa.
Ela não podia argumentar com esta opinião.
- Comandante, o senhor recebeu o meu relatório sobre o que foi encontrado no apartamento de Boomer. A substância ilegal ainda não foi identificada por completo. Fiz algumas pesquisas por conta própria em cima da fórmula que descobrimos. - e pegou um disco da bolsa. - É uma nova mistura, com alta potência, e o seu efeito é comparativamente mais duradouro em relação ao que se encontra nas ruas. Cada dose dura de quatro a seis horas. Uma quantidade um pouco maior poderia ser fatal em 88% dos casos.
Com os lábios apertados, Lupin virou o disco de um lado para outro nas mãos.
- Pesquisas por conta própria, Weasley?
- Eu tinha um contato e o utilizei. O laboratório ainda está trabalhando nisso, mas eu já identifiquei vários dos ingredientes da fórmula e os seus índices. O que quero dizer é que esta substância poderia se tornar imensamente rentável, e é necessária uma quantidade muito pequena dela para produzir efeito. Causa dependência com muita rapidez e produz sensações de força, ilusões de poder e uma espécie de euforia que não traz tranqüilidade, mas sim uma sensação de controle sobre si mesmo e os outros. Ela também contém uma espécie de regenerador celular. Já calculei os resultados do vício a longo prazo. O uso diário da droga por um período de cinco anos vai, em 96,8% dos casos, resultar em uma interrupção súbita e completa do sistema nervoso, levando à morte.
- Santo Cristo! É um veneno?
- Em resumo, sim. Os fabricantes certamente sabem disso, o que os torna culpados não apenas de distribuição de uma droga ilegal, mas também de assassinato premeditado.
Ele remoeu as informações por um momento e percebeu a dor de cabeça que aquilo ia lhe trazer quando a mídia colocasse as garras naqueles dados.
- Boomer podia ou não ter conhecimento de todos esses aspectos da droga, - continuou Weasley - mas sabia o bastante para ser morto por isso. Quero investigar este caso e, como tenho consciência de que posso me deixar distrair por outros assuntos, requisito a policial Granger para ser designada como minha ajudante até o caso ser resolvido.
- Granger tem pouca experiência com drogas ilegais ou homicídio, tenente.
- Mas compensa este ponto fraco com um bom cérebro e muita disposição para o trabalho. Gostaria de contar com a assistência dela e a sua ajuda para coordenar o caso junto ao tenente Malfoy, da Divisão de Drogas Ilegais, que também utilizava Boomer como informante.
- Vou providenciar. Quanto ao assassinato de Cho, use os serviços de Neville. - e levantou uma sobrancelha. - Vejo que você já está usando. Vamos fingir que fui eu que ordenei isto, para tornar oficial. E você vai ter que lidar com a mídia.
- Já estou ficando acostumada com isso. Nymphadora Tonks acabou de voltar de licença. Vou fornecer a ela os dados que achar mais adequados. Ela e o Canal 75 estão em débito comigo. - e se levantou. - Agora, preciso entrar em contato com algumas pessoas. Vou chamar Neville e levá-lo comigo.
- Vamos ver se conseguimos esclarecer estes casos antes da sua lua-de-mel. - O rosto de Gina exibiu uma mistura tão grande de contradições, constrangimentos, prazer e medo que o comandante deu uma gargalhada. - Ora vamos, você vai sobreviver a isto, Weasley! Posso lhe garantir que sim.
- Claro, ainda mais agora que o sujeito que está preparando o meu vestido de noiva está detido para averiguações. - murmurou ela. - Obrigada, comandante.
Ele observou com atenção enquanto Gina saía da sala. Ela podia não ter notado que deixara cair as barreiras que os separavam, mas ele percebeu.

- Minha esposa vai adorar isso! - mais que satisfeito por deixar a direção do carro por conta de Weasley, Neville se recostou no banco do carona. O tráfego estava tranqüilo, enquanto eles rumavam para a Park Avenue, lado sul. Neville, nova-iorquino de nascença, há muito tempo se desligara dos barulhos e ecos emitidos pelos pequenos dirigíveis para turistas e os ônibus aéreos que lotavam o céu acima deles.
- Eles me disseram que a barulhada desse carro ia acabar! Aqueles palhaços da oficina! Está ouvindo, Neville? Consegue ouvir esse zumbido infernal?
Para agradá-la, ele prestou atenção no som que vinha do painel de controle do carro e respondeu:
- Parece um enxame de abelhas africanas.
- Três dias! - reclamou Gina. - Três dias na oficina e escute só. Está pior do que antes!
- Weasley. - e colocou a mão no braço dela. - No fim, você vai ter que encarar esta realidade, vai ter que lidar com o fato de que este seu veículo é uma lata velha, pronta para o lixo. Requisite um carro novo.
- Eu não quero um carro novo! - Com a parte de dentro do punho, ela golpeou o painel de controle. - Quero este aqui mesmo, só que sem os efeitos sonoros. - Ao parar em um sinal, Gina tamborilou com os dedos no volante. Pelo barulho que os sensores estavam fazendo, não dava para confiar no sistema de direção automática. - Onde fica essa bosta de lugar, Avenida Central Park, lado sul, número 582? - O painel continuou a zumbir, ela deu mais uns tapas nele e repetiu a pergunta: - Eu quero saber onde fica essa bosta de número 582 da Avenida Central Park, lado sul!
- Olhe, peça com jeitinho. - sugeriu Neville. - Assim, veja: computador, você poderia nos apresentar o mapa e a localização exata do número 582 da Avenida Central Park, lado sul?
Quando a tela do painel se iluminou e lançou no ar um mapa holográfico da área solicitada, com destaque para a rota mais rápida, Gina resmungou:
- Eu não paparico as minhas máquinas.
- Talvez seja por isso que elas vivem deixando você na mão. Como eu estava dizendo, - continuou, antes que Gina pudesse lhe responder algo desagradável - minha mulher vai adorar isso. Justin Young. Ele era o protagonista de Quando a Noite Cai.
- Que é isso, uma novela? - e lançou um olhar penetrante sobre Neville - Você anda vendo novela?
- Ei, eu ligo o telão de vez em quando no canal de novelas, só para relaxar, como todo mundo. Enfim, minha mulher é louca por ele. Ele está fazendo filmes agora. Pelo menos uma vez por semana ela programa um dos filmes dele para passar lá em casa. E o cara é bom ator, sabia? E ainda por cima tem a Jerry Fitzgerald. - e Neville sorriu, com ar sonhador.
- Guarde suas pequenas fantasias para si mesmo, meu chapa...
- Pois eu lhe digo, aquela garota tem um corpaço! Não é como algumas daquelas modelos que são só pele e osso. - e fez o som de um homem que estava prestes a saborear uma imensa tigela de sorvete. - Sabe qual é a melhor coisa de trabalhar com você ultimamente, Weasley?
- Meu jeito charmoso e o espírito sagaz.
- Claro. - e girou os olhos. - Mas o melhor é chegar em casa e contar para a minha mulher quem eu interroguei. Um bilionário, um senador, alguns aristocratas italianos, estrelas de cinema. Pode crer, isso está contribuindo para aumentar o meu prestígio.
- Que bom que estou podendo ajudar. - e espremeu o surrado carro de polícia entre um mini Rolls-Royce e um clássico Mercedes. - Pelo menos tente controlar a tietagem enquanto a gente acusa o grande ator de crime em terceiro grau.
- Eu sou um profissional, Weasley! - mas ele estava rindo enquanto saltava do carro. - Olhe só para este local. Que tal morar em um lugar como esse? - Então, deu uma risada e desviou o olhar da brilhante fachada do prédio, toda em mármore. - Oh, eu já estava esquecendo... Isso para você é favela agora.
- Vá à merda, Neville!
- Vamos lá, garota, relaxe um pouco. - e colocou um braço em volta do ombro dela, enquanto iam em direção às portas de entrada. - Ficar caidinha pelo homem mais rico de todo o mundo conhecido não é algo para se ter vergonha.
- Não tenho vergonha disso. Só não quero tirar vantagens do fato.
O edifício era tão seleto que tinha um porteiro de carne e osso, além da segurança eletrônica de praxe. Gina e Neville exibiram os distintivos e foram encaminhados para um saguão todo em mármore e ouro, ornado com samambaias exuberantes e flores exóticas plantadas em imensos vasos de porcelana.
- Quanta ostentação! - murmurou Gina.
- Viu como você já está ficando cansada dessas coisas? - Neville saiu do alcance dela e se aproximou da tela de segurança interna. - Tenente Weasley e capitão Longbottom. Viemos nos encontrar com Justin Young.
- Um momento, por favor. - A voz suave do computador fez uma pausa enquanto as identificações eram confirmadas. - Obrigada por aguardar. O senhor Young está à espera dos senhores. Por favor, sigam até o elevador 3 e informem em voz alta o seu destino. Tenham um bom dia.



N/A: Capitulo para compensar o atraso. Beijos e abraços a todos.

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