Não, Sim! Sim, Não!



Capítulo VI – Não, Sim! Sim, Não!



Harry estava a andar de um lado para o outro, preocupado, numa sala de paredes com a tinta velha lascada e o chão de madeira gasto. Apenas a lareira estava acesa, dando assim um ar fantasmagórico à sala. Estava muito ansioso, apesar de não saber o porquê de tanta ansiedade. De repente, um ser encapuzado entrou na sala escura, pela única porta existente. Ouviu a sua voz dizer, num tom gélido e inexpressivo, capaz de fazer estalar o vidro das poucas janelas daquela pequena sala:



- Então, já descobriram onde o rapaz está?



- Sim, meu senhor. – respondeu uma voz medrosa de dentro de um capuz. Tinha-se curvado para fazer uma vénia, mas Harry empurrou-o com o braço, de modo que o homem ficou sentado no chão, oculto nas sombras, transido de medo.



- E então? – perguntou outra vez Harry, com a raiva a subir-lhe à cabeça de tanta impaciência, a apontar a varinha ameaçadoramente ao homem.



- Ele está em casa de uma Sangue de Lama, senhor. A amiga dele de Hogwarts. Pelo o que descobrimos, está sem nenhuma protecção.



- Óptimo, óptimo. Francamente, qual foi a ideia do Dumbledore! Muggles? Um simples Avada Kedrava resolve o problema. – respondeu Harry num tom excitado – Finalmente a profecia vai se realizar… Mas já sabem; quero-o aqui! A sua morte vai ser dolorosa. Tão dolorosa que ele vai se lembrar para o resto da vida… se depois a tivesse! Assim aprenderá a não se meter no caminho de Lorde Voldemort. Muito bem, muito bem. Serás compensado, pois Lorde Voldemort ajuda aqueles que o ajudam. Agora podes ir.



- Meu senhor, se não for demasiada ousadia, antes de o deixar sossegado, gostaria de lhe fazer uma pergunta. – disse, sem convicção o tal homem.



- O que queres saber? – perguntou Harry desdenhosamente.



- P- Porque razão quer a rapariga morta? Suponho que não seja por ser amiga do Potter, senão já a tinha morto. – gaguejou, assustado com o seu próprio atrevimento.



- Isso, - começou Harry – é uma questão a que nunca te darei resposta. Se eu digo que quero a rapariga morta, é porque quero e é só isso que precisas de saber. Mas não é por ser amiga do Potter.



- Sim, meu senhor, muito obrigado. – agradeceu de dentro do capuz o indivíduo, e retirou-se aos tropeções.




Nesse momento, uma risada aguda vinda da sua própria boca encheu os seus ouvidos, a cicatriz explodiu de dor e Harry acordou completamente enrolado nos seus lençóis e a transbordar de suor. Ele tinha praticado Oclumancia na noite anterior, mas ao que parecia, não tinha dado resultado. Hermione estava empoleirada sobre ele, a abaná-lo para o acordar. Parecia muito inquietada.



- Harry, estás bem? Acordei com uns ruídos no andar de cima e vim ver o que era. Tentei acordar-te, mas tu não acordavas.



Harry tentou acalmar-se. Tinha que pensar com clareza: tinha ouvido Voldemort a falar com um Devorador da Morte (Comensal da Morte). A conversa resumia-se a Voldemort e os seus seguidores o irem matar a ele e à família Granger o mais rápido possível. Mas podia ser uma armadilha, como a de Sirius. Podiam querer atraí-los para fora de casa. O melhor era entrar em contacto com Dumbledore. Respirou fundo duas vezes e olhou para Hermione:



- Eu acabei de sonhar que o Voldemort, que era eu, estava a planear matar-me a mim e a ti e, muito provavelmente, aos teus pais. E pior: sabia da existência da profecia.



Hermione ficou branca.



- Bem, o Dumbledore disse que podia acontecer alguma coisa desse tipo.



- O quê? Porque é que não me contaste? – perguntou Harry, um pouco indignado.



- Porque… oh Harry! … Porque o Dumbledore pediu para não dizer. – respondeu Hermione muito depressa. Era óbvio que esperava uma reacção parecida à do ano anterior. Começou a morder o lábio inferior, nervosa.



- Ah, está bem, esqueci-me, o Dumbledore gosta sempre de me manter na ignorância. O que é que eu não sei mais? Talvez tenha irmãos. Não sei. Tu sabes Hermione? Tenho de me lembrar de lhe perguntar. – ironizou Harry. Estava a lidar muito mal com a notícia, apesar de não ser um caso muito importante. – O que é que o Dumbledore não quer que me contem além disso?



- Mais nada, acho eu… - respondeu com voz fraquinha Hermione.



- Põe-te no meu lugar: como é que ficavas sabendo que as pessoas estão a planear coisas sobre ti? Como já deves ter visto, eu fico muito chateado.



- Que ficas chateado já deu para notar, mas não podes sempre reagir assim. Está certo, eu também ficava chateada se fosse comigo, mas tentava compreender. Olha, só para saberes, estamos protegidos por Aurores do Ministério e membros da Ordem. Isso do Voldemort foi um “bluff” para ver se te conseguia atrair para fora da guarda. E da profecia, ele já deve ter sabido. Não sei como, mas já deve saber. Ou então é outro “bluff”. Boa noite. - despejou Hermione secamente, deixando Harry sentado na cama, completamente surpreso. – E Harry… Não devias ter sonhado com isso. Caso ainda não tenhas percebido, é para que não tenhas esses sonhos que existe a Oclumancia.



*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*


Hermione desceu as escadas que davam para o quarto de Harry depressa, mas silenciosamente. Não queria acordar os pais. Quando chegou ao seu quarto, deitou-se na cama desordenada e enfiou a cabeça na almofada (travesseiro), fechando muito bem os olhos para impedir qualquer lágrima fugitiva de escorrer pelo seu rosto. Ela odiava estar chateada com qualquer dos seus amigos!
Apesar de ser habitual ela e Ron andarem sempre amuados. Mas isso eram pequenas brigas às quais Hermione já estava habituada e não tinha problema nenhum em ignorar. Com Harry era diferente. Sempre que se zangava com ele era a sério. O amigo levava tudo muito a peito. E Hermione não conseguia ser fria e desagradável o suficiente. Acabava sempre por ser intimidada. Naquele momento, odiou-o com todas as suas forças. Como é que ele podia ser tão rabugento?

Mas depois pensou melhor. Talvez fosse normal para alguém como ele e com os seus problemas. Mas uma coisa era certa: não iria pedir desculpas; pelo menos tão cedo.



*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*



No andar de cima, Harry pensava também na zanga com Hermione. Precisava de descarregar em alguém toda aquela injustiça. Mas no fundo, no fundo, sabia que Hermione não tinha absolutamente culpa nenhuma. Só passado muito, muito tempo, voltou a dormir.




Pouco faltava para o dia nascer. Passadas três horas de sono, desceu as escadas e cruzou-se com Hermione. Olharam um para o outro, mas depois Harry continuou a descer as escadas como se a amiga fizesse parte da mobília decorativa. “Estúpido orgulho”, pensou ele, a chegar agora à sala de jantar, que pelos vistos era usada para todas as refeições.



- O que é que se passa com vocês? – pergunta Mr. Granger a olhar de um para o outro, visto que estavam sentados cada um de cada lado da mesa.



- Nada. – responderam ambos em simultâneo.



- De certeza? – insiste agora a mãe de Hermione



- De certeza. – voltam a responder os dois ao mesmo tempo.



- Está bem. Algum dos dois quer leite?



- Eu. – responderam novamente. A cena estava-se a tornar hilariante.



- Combinaram responder ao mesmo tempo a todas as perguntas que lhes fazem? – perguntou o pai de Hermione, confuso.



- Não. – retorquiram ambos, mas desta vez olharam um para o outro. Tanto Harry como Hermione pareciam estar a fazer um grande esforço para não começarem a rir às gargalhadas. Hermione deve ter-se lembrado que estava zangada com Harry, pois levantou-se e murmurou um não tenho fome e foi para o quarto.

Passado um pouco, também Harry subiu para o seu, a fim de acabar os trabalhos de casa da escola. Pensou em ir ao quarto de Hermione pedir-lhe desculpa. Logo desistiu. Chegou ao seu quarto e decidiu começar pelos trabalhos mais horrorosos: Poções.

Quando estava a meio de uma composição particularmente difícil (“Enumere por ordem os ingredientes necessários para uma poção de Propagação. Chifre de unicórnio e pele de Boomslang devem constar na lista. Depois faça um breve comentário sobre os ingredientes da poção escolhida.”), um estrondo ouviu-se no rés-do-chão da casa. Harry desceu as escadas rapidamente, com a varinha bem guardada no bolso das calças de ganga. Encontrou Hermione com uma expressão preocupada a espreitar para dentro da sala de estar. A sua preocupação pareceu desaparecer, pois um sorriso tomou o seu lugar. Entrou na sala, seguida por Harry. Ron estava sentado dentro da lareira dos Grangers, todo sujo do carvão, a olhar para eles com uma expressão tola na cara.



- Olá Ron! – cumprimentou a rapariga, dando-lhe a mão para o ajudar a levantar. Ron continuava alto (agora mais. Será que ele nunca parava de crescer?) e cheio de sardas.



- Olá! Como estão? Eu vim mais cedo porque não tinha nada para fazer lá em casa e a mãe disse que já tinha falado com os teus pais e que eles deixavam-me vir imediatamente. Disseram qualquer coisa, que vocês os dois estavam chateados. Não estão, pois não? – perguntou Ron, a olhar de um para o outro, cheio de dúvidas.



- Não! – respondeu Hermione, ao mesmo tempo em que Harry respondeu:



- Sim!

Harry pensou em corrigir a sua resposta, então ao mesmo tempo que Hermione respondia “Não”, ele respondeu “Sim”.

Ron olhava confuso para os dois:



- Então? Sim, Não?



-Sim! – respondeu, Hermione. Ela e Harry assumiam agora as posições inversas. Passado um momento viraram costas um ao outro ao mesmo tempo.



-Parece que vim em má altura – disse Ron, ainda mais confuso do que antes.



-Não! – disseram Harry e Hermione em coro… mais uma vez.



Nesse momento, a mala de Ron entrou de rompão da chaminé para a sala. Sendo Ron quem estava à frente da lareira, foi ele que caiu em cima da mala. Levantou-se, a tossir carvão. Harry e Hermione olharam para ele e desviaram o olhar, saindo os dois pela porta, que momentaneamente ficou bloqueada, pois tal era a pressa de um sair primeiro que o outro, que acabaram por sair os dois ao mesmo tempo.



- Hei, então e eu? – perguntou Ron, a levantar-se.



- Eu vou fazer o almoço. – declarou Hermione com voz arrogante. – Alguém tem de o fazer. Os meus pais saíram.



- Eu vou acabar a composição do Snape. – retorquiu rapidamente Harry, escapulindo-se para o quarto de cima, seguido por Ron, que o acompanhava a puxar a mala com imensa dificuldade.



- Espera aí, porque é que estão chateados? Vocês os dois NUNCA estão chateados. Quer dizer, quase nunca. – disse Ron, depois de ter subido aos tropeções as escadas para o quarto de hóspedes e de se ter sentado no cadeirão.



- Porque… porque…- porque é que estavam chateados? – porque a Hermione mentiu-me!



- Ah!! Isso explica tudo. Mas com certeza que ela te mentiu por uma boa razão. – tentou explicar Ron. – Além disso Harry, não te devias chatear com a Hermione dessa maneira. Ela está sempre preocupada contigo. Gosta mesmo de ti.



- Gosta, gosta. – disse em surdina Harry, a olhar pela janela que dava para a piscina.



- Claro que gosta! Como é que podes duvidar? Tenho a certeza que tu és uma das pessoas de quem ela mais gosta. E ela também é de certeza uma das pessoas que tu mais gostas. NÃO VALE A PENA NEGARES! – acrescentou, pois Harry tinha-se virado e estava prestes a dizer um sonoro NÃO. – Sabes, quando eu fiquei chateado contigo por causa do Torneio dos Três Feiticeiros, ela também ficou um bocado amuada comigo, porque eu recusava-me a acreditar em ti.



- O almoço está pronto. – disse Hermione a espreitar pelo alçapão.



- Eu já vou para baixo. Olha, o Harry pode descer contigo. – disse Ron, a ser olhado por olhares de fúria dos dois amigos.

Harry não teve escolha senão descer as escadas com Hermione. Quando chegaram à sala, sentaram-se novamente nas pontas das mesas, muito longe um do outro.



- Então o que é que fizeste para o almoço? – perguntou Ron, ao chegar, e para quebrar o mau ambiente que se instalara na sala. Sentou-se ao lado de Harry.



- Nada de especial. Fritei batatas e um bife para cada um de nós.



Muitas foram as tentativas de Ron para manter uma conversa entre os três, mas não valia a pena. Acabou por passar metade do almoço a falar com Harry sobre Quidditch e a outra metade a falar com Hermione sobre o mundo fascinante de uma máquina de lavar roupa.






Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.