Capítulo XIV



Capítulo catorze


 


- Sabe qual é o
feitiço para...? - começou Andrew, escondido atrás de um velho pergaminho,
bocejando distraidamente e coçando a cabeça, fazendo o cabelo prateado esvoaçar
com o vento. - Haykito? - ele ergueu os olhos para o garoto que estava
momentaneamente boquiaberto de como o outro era lindo.


- Aah - fez Haykito,
piscando diversas vezes e curvando-se para seus trabalhos distribuidos
livremente ao seu redor, na grama; estavam descansando depois de uma cansativa
aula de Transfiguração, sob a sombra agradável da faia à borda do lago. Vários
outros estudantes conversavam aproveitando o finalzinho de tarde enquanto o crepúsculo
coloria levemente o céu com uma cor laranja. - Aqui - disse ele, estendendo um
pergaminho para o outro e descansando suas costas no tronco da árvore, como um
espaldar cheio de ranhuras. -, embora eu não saiba muitas... ah. Ali. Não é o
Harry? - Sua voz oscilou e ele preferiu fixar seu olhar no lago negro à sua
frente. Um tentáculo emergiu por alguns segundos da água e, depois, afundou
novamente.


- É - respondeu
Andrew, erguendo os olhos levemente, uma ruga formando-se entre suas
sobrancelhas. -, não quer correr para ele?


- Não, obrigado -
disse Haykito, irritado. -, eu já escolhi quem eu quero...


- Ah... fico
agradecido - replicou o outro, reprimindo um sorriso.


- Você é
convencido, não? Eu não disse que era você?


- Aah... então é
assim? - exclamou Andrew, contraindo o rosto em uma expressão ofendida.


- Claro que não, não
é? Você sabe muito bem que eu te amo...


- Acho bom mesmo -
disse Andrew e afastou o pergaminho de si, pousando a pena sobre ele e espreguiçando-se.
- Ei... aquela não é a Gina?


- E o Harry -
murmurou Haykito, sem vontade.


- Eh - Andrew
virou-se para o outro. -, eles parecem brigar, não?


- É, talvez
estejam... mas nada que tenha a ver conos...


- Venha - Andrew
enfiou rapidamente tudo na mochila e, segurando firmemente Haykito pelo braço,
levantou-se e precipitou-se pelo gramado entre alguns estudantes que
conversavam; com o crepúsculo já baixo, o anoitecer começara e seria mais difícil
de vê-los. Conseguiram acomodar-se entre uma árvore, sobrando apenas um pedaço
de corpo para fora do esconderijo.


- Olha, Harry -
dizia Gina, transparecendo extrema irritação. -, eu não quero saber! Eu não
tenho culpa, o.k.? Mamãe vai brigar comigo e eu não quero nem pensar no que
fará. Mas eu não vou matá-lo.


- Aah... tudo bem -
suspirou Harry, tristemente. - se não tem jeito...


- Já faz um tempo
que você está estranho - disse Gina. -, aconteceu alguma coisa?


Harry prendeu a
respiração, as orelhas escaldando.


- Não - respondeu,
rápido. - nada. Tudo está como era antes. Agora isso?
Nós somos jovens demais, Gina... por que não pensa mais um pouco sobre...?


- Não
- setenciou Gina, as maçãs do rosto escarlates. -, eu nunca
imaginei que você me proproria isso,
Harry. Nunca mesmo. É uma grande decepção... mesmo... - E ergueu os olhos
para o garoto, onde lágrimas prateadas marejavam, salpicando levemente pelo
rosto; depois, girou nos calcanhares e começou a correr pelo gramado em direção
ao castelo.


Harry ficou ali,
parado... olhando para o nada, trêmulo. Ao seu lado, Andrew sentiu Haykito
desvencilhando-se e, quando percebeu, o garoto já aproximara-se do outro. Os
dois se encararam por algum tempo e, então, Harry abraçou o outro, segurando-o
firmemente entre os braços. Lágrimas quentes saltaram de seus olhos.


- Eu... vou ser pai,
sabia? - ele disse, a voz rouca.


- Eu... me solta...


- Pai
- repetiu Harry, bobamente. - pai...


- Por que não
aproveita e vê nesse filho uma luz para o seu caminho? - murmurou Haykito,
tentando parecer educado. - Não sei... talvez...


- Eh - fez Harry, um
brilho lunático refulgindo em seus olhos. -, mas... o que fazia aqui?


- Estávamos fazendo
um trabalho - respondeu Andrew, emergindo da árvore e sustentando um estranho
ar possessivo. -, e acabamos ouvindo a conversa...


- Aah...


Um silêncio mortal
estendeu-se; sobre eles, o céu agora ostentava um azul marinho salpicado de
pequenos pontos dourados; os estudantes que há pouco aproveitavam o final da
tarde para fazer seus exercícios, já começavam a subir, chapinhando pelo
gramado com um ar cansado de quem faz muita coisa em um dia só.


- Bem... nós vamos
indo, não é Andrew?


- Ah... claro -
disse o garoto, aturdido.


- Bem... tchau -
disse Haykito, casualmente a Harry.


Viraram-se e Haykito
pôde ter um último vislumbre do outro, que agora olhava etereamente o lago
como se algo muito interessante estivesse prestes a pular da água para o
gramado. Um solavanco desconfortável pressionou em seu coração mas ele
prosseguiu, sentindo a calidez da mão de Andrew prendendo a sua.


As aulas seguiram-se
muito lentamente, difícil até de aturar. Os dias que os dois passavam o tempo
sob a sombra fresca da faia fingindo estudar enquanto trocavam beijos
escondendo-se com livros e pergaminhos haviam se intensificado agora.


O inverno afloreceu
com rapidez e, logo, cartazes foram afixados por todo o colégio. Espremendo-se
entre quintanistas, Haykito conseguiu ler, na ponta dos pés e riu, ante a
expectativa eminente.


 


Baile de inverno


Os alunos podem levar um par para
a festa que realizar-se-á no próximo dia 14 e que começará às 18 horas com
término às 2 da manhã.


Esperamos ansiosamente a sua
presença.


 


- Hum...
interessante - fez Andrew, sem vontade, ao seu lado, mas, então, um sorriso
abriu-se lentamente em seus lábios e ele voltou-se radiante para Haykito. -,
quer ir comigo?


- O... o quê? -
exclamou o garoto, incrédulo. Era... estranho imaginar-se entrando de repente
no salão, de braços dados a outro garoto e começar a dançar com ele no meio
da pista, à vista de todos. Mas de repente, ele percebeu que era o mais certo a
fazer. Seu coração saltou dentro de si, mas ele sorriu. Andrew era o amor de
sua vida - pelo menos, era isso que tinha plena convicção -,então, 
por que escondê-lo dos outros, como se tivesse vergonha? Ele era parte
de sua vida, talvez a parte mais importante. E não iria fazer com que a força
do medo que sentia do que os outros pudessem pensar de si, o impedisse de viver
sua vida.


Sob o olhar aturdido
do outro, Haykito curvou-se ligeiramente para a frente e selou um beijo simples
em seus lábios. Um grupinho de garotas que acabavam de ler os cartazes e
contornavam os outros estudantes, para ir às aulas, exclamaram repreensões
baixinho e apressaram-se escadas acima, como se tivessem medo de ser
contaminadas por alguma doença. Mas eles nem ligaram.


Juntaram seus
corpos, como se estivessem colados e, beijaram-se calidamente; Haykito pôde
sentir um toque quente deslizando por sua nuca para os cabelos, passando os
dedos por eles e fazendo com que os fios se contraíssem.


Depois de alguns
segundos, eles se desvencilharam e, um sorriso contraído perpassou por seus
rostos quando se fitaram.


Repentinamente, o
aposento amplo parecia ter perdido um número considerável de alunos e Haykito
teve o vislumbre rápido de alguns garotos que corriam quase desesperadamente
pelas escadas, em direção oposta a deles.


- Eu o amo, Haykito
- sussurrou Andrew, suavemente, inclinando-se para falar ao seu ouvido.


- Eu... também o
amo, Andrew - disse Haykito, sentindo as maçãs do rosto escaldarem e passando
um braço em volta de Andrew. -, vamos... temos um tempo livre agora. Que tal um
pouco de namoro?


- Claro... mas...
fica por minha conta, o.k.?


- Tudo bem...


Ele conduziu-os até
o sétimo andar, parando em frente a uma parede de pedra lisa.


Perplexo, Haykito
viu o outro fechar os olhos, contraindo o rosto em uma expressão ansiosa e dar
três voltas pelo corredor; magicamente, uma porta preta materializou-se
incrustada na parede. Lá fora, um toldo alvo cobria todo o gramado do colégio,
fazendo com que uma névoa prateada e gélida, perolasse pelo ar, esfriando-o.


Mas Haykito não
sentia frio; pelo contrário, sentia uma necessidade enorme de arrancar seu
casaco e luvas, pois um calor extremo incomodava-o agora. Uma gota de suor
desceu por suas costas e ele se precipitou para a maçaneta dourada, girando-a,
ansioso para ver o que o aguardava lá dentro.


Um choque apossou-se
dele repentinamente, quando ele viu uma claridade fraca e bruxuleante de velas
que flutuavam no ar e uma mesa baixa, daquelas que não se usam cadeiras e sim
almofadas para se sentar.


Jazendo à mesa,
haviam dois pratos e longas taças com um líquido cor de sangue dentro; os
pratos estavam cheios com pequenas bolas amarelas espalhadas em uma espécie de
macarrão com carne e, só pelo cheiro impregnando o ar, Haykito pôde adivinhar
o que era e seu coração acelerou.


- Nikujaga? [Nota
do autor: uma espécie de cozido à moda japonesa, muito tradicional no país.]

- ele exclamou, sem conseguir dispersar a animação reprimida na voz.


- É... - respondeu
Andrew, sorrindo ante a recepção calorosa de Haykito. -, espero que goste...


- Eu amo - disse o
garoto, quase jogando-se na mesa e apanhando os dois palitos para prender um
itokonhaku entre eles e engolí-lo de uma só vez. - obrigado, amor
- disse ele, os olhos lacrimejando com a comida escaldante. -, mesmo.


- Eu que agradeço
por existir - disse Andrew, encaminhando-se com lentidão para ele e sentando-se
sobre uma almofada escarlate; segurou uma das mãos de Haykito nas suas e
aproximou-as em suas vestes, para aquecê-las. A claridade bruxuleante,
refletida no rosto alvo do garoto, fazia com que ele ficasse mais bonito ainda,
a aparência jovial reluzindo como ouro.


O coração quase
explodiu dentro de si e ele beijou-o, com sofreguidão contida.


Estavam realizando o
sonho que apossara-se deles nos últimos tempos. Haykito podia sentir a respiração
pesada do amado sobre si, seu corpo inteiro oscilando, enquanto arfava. A pressão
no baixo ventre aumentou, conforme os toques ficaram mais e mais cálidos...


As velas haviam sido
esquecidas... a comida sobre a mesa havia sido esquecida... e só eles existiam.
Presos em um mundo perfeito criado para duas pessoas.


 


 


 


 



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