A menina descalça



Parte um

A primeira mensagem 


A menina descalça


 


No dia seguinte, Hermione desceu as escadas em silencio para preparar o café. E se deparou comigo de acordado, assistindo TV.


– Você está bem?


– Acho que essa pergunta me pertence!


Nos rimos juntos. Ela estava de roupão e encostada na parede. Ontem eu tinha feito essa pergunta para ela, e ela se lembrou de primeira.


– Vou preparar o café.


– Quer ajuda?


Ela olhou para mim com uma cara um tanto estranha. Suas sobrancelhas estavam quase se alinhando.


– Não.


Ela se voltou para o caminho até a cozinha e eu resolvi começar a abrir as janelas. Hoje era quarta-feira, a Gina tinha que bater ponto as sete, então o café da manhã aqui saia em volta das seis horas. Já era cinco e dez.


– Porque acordou tão cedo?


– Hoje é o dia que a Gina vai mais cedo para o trabalho. Queria tomar café com ela e o Harry.


– Aham, sei.


Eu estava abrindo as janelas do cômodo de baixo da casa. Hermione me cuidava de minuto a minuto. Ela percebeu que tinha alguma coisa estranha comigo. E definitivamente tinha!


Eu não tinha dormido a noite inteira.


Mas não estava cansado. Eu olhei para o relógio pela décima vez. Cinco e doze. Eu resolvi ir em direção a porta, e pegar um dos meus casacos que estava pendurado atrás da porta.


– Aonde vai?


Escutei o grito de Hermione. Mas eu estava mais do que decidido do que ia fazer. Eu tinha que saber o que ia acontecer na Avenida Harrison, número 25 às cinco e vinte da manhã.


A Avenida cruzava a rua dos Alfineiros. E tinha uma lomba horrível de subir. Ao olhar para a lomba eu fiquei com preguiça, cansado de alguma forma. Mais eu tinha que ir lá. Se aquele expertinho que deixou o envelope na minha caixa de correios ontem estivesse lá eu ia fazer picadinho dele.


Eu tirei a carta do bolso da minha calça. Ela estava um tanto amassada, mais os endereços estavam fixos em minha cabeça e na carta também.


Avenida Harrison, nº 25, 5:20 a manhã. Repeti.


Eu olhei para o número da casa que estava ao meu lado. Número 6. Eu iria ter que subir aquela lomba todinha. Meus músculos se remoíam de eu pensar em subir. Mais comecei a subida.


Minha raiva estava aflorando.


Quando finalmente, encontrei a casa número 25. Eu sentei do outro lado da rua e fiquei esperado. Eu era tão fudido que não tinha nem um relógio de pulso. Então eu tinha que fazer umas continhas para saber quanto tempo eu tinha levado de casa até aqui.


Eu estava sentado no meio fio.


A casa era bem bonitona. Ela tinha dois pisos e bastante janelas. Era de cor cinza claro com um verniz nas janelas. O jardim que tinha na frente da casa era bem cuidado, parecia ser dedicada horas e horas naquele lugar.


Uma garota apareceu saindo da porta. Ela era linda. Tinha pernas um tanto finas, era loira. Ela saiu aos berros de uma mulher, que grita algo do tipo “Você tem aula as oito horas Shopie. Não demore”. Estava com um shorts azul marinho e totalmente colado nas coxas pequenas. Uma jaqueta vermelha com capuz.


Mas o que mais me chamou a atenção foi seus pés descalços.


Ela começou uma corrida, certamente ela estava esquecendo seus tênis ou eles poderiam estar molhados da chuva de ontem. Mas ela parecia confiante enquanto corria.


Ela correu até o parque que ontem eu observava. Ela correu nele por horas. E eu fiquei embaixo de uma arvore sentadão. Eu tava cansado, tive que descer aquela lomba de novo. Agora eu ficava olhando a menina descalça e pensando o que eu tinha que fazer em relação a ela.


Eu tinha um endereço, apenas um endereço no momento. E o pior de tudo não é isso,eu tinha dois endereços para visitar!  


Eu fiquei olhando ela correr, e nos intervalos que ela se sentava eu olhava para a carta. O sol estava começando a nascer e ela subiu a lomba. Certamente ela não me viu, mas eu queria saber o que faria por aquela menina que corria de pés nus.


Ao chegar em casa, eu estava quebrado, dolorido e totalmente suado. O sol estava de rachar. Eu abri a porta e fui correndo encontrar o meu gostoso sofázinho. Eu me joguei nele, até que Hermione chegou com interrogatório. A arma mortal estava nas mãos dela: Uma colher, aparentemente suja de molho vermelho.


– Que história é essa de querer tomar café da manhã com a Gina e depois sair correndo feito um louco?


Eu ofeguei. Não era muito bom em mentiras, em muito menos quando relacionadas à Hermione.


– Tenho que te contar umas coisas!


Eu disse, um tanto preocupado. Hermione se sentou no sofá


– Fala.


–Sabe ontem, quando eu cheguei todo molhado?


E por ai foi. Você pode imaginar a cara de espanto da Hermione quando eu contei que eu corri atrás do mal elemento que colocou o envelope na caixa de correio.


E a cara dela, de raiva quando contei da pequena Shopie. Ela aparentava ter uns 16 anos, e eu era velho demais para ela. Mais fiz questão de realçar bem a parte do “loira e com pernas bonitas”.


Sophie não me deixava com vontade de beijá-la ou algo do tipo. Eu achava ela muito fofa, apenas.


Hermione passou o dia sem falar comigo. Naquela noite, jogamos cartas de novo, dessa vez até tarde. Eu não ganhei nenhuma partida.


– Tava ruim hoje em Rony – disse Harry, guardando o baralho na mesinha da TV.


– Pois é cara. – eu disse, já deitado no meu sofá amado.


– Boa noite.


– Boa noite Harry.


Demorou um pouco para eu pegar no sono. Mais ele foi totalmente interrompido, quando eu escutei um barulho perto da porta. Eu gelei. Me agarrei aos cobertores. A primeira coisa que me passou na cabeça foi à imagem do cara de preto, que eu não vi o rosto.


O barulho estava se aproximando da porta que levava até a sala. E o alvo estava na sala! Me senti completamente agoniado. A luz da sala se acendeu. Eu nem sabia o que tinha que fazer nos endereços e já ia morrer? 


– Acordado ainda?


– Hermione – eu afundei a cabeça no travesseiro – Que susto do caramba!


– Penso que era quem?


– O cara das cartas.


Ela foi até a cozinha meio que sorrindo. Abriu geladeira e pegou a jarra com água, serviu até metade do copo de vidro.


– Água? – ela perguntou, mostrando o copo.


– Não. Valeu.


Ela colocou a jarra na geladeira e logo veio pro sofá menorzinho que tinha na sala. Ela ficou me observando, e eu fingi que não estava com vontade de olhar para ela, e disfarcei olhando para a televisão desligada. Ela tomou um gole da água.


– Você acha que isso é o que?


– Sabe Hermione, eu acho que eu tenho que fazer alguma coisa por aquela garota. E também sinto que na Rua Edgar também tenho que ajudar alguém.


– Eu te admiro por isso Ronald. – ela apertou o copo que estava em suas mãos.


Ela segurava ele com as duas mãos. Como se protege uma criança no seu colo, para ela não cair. Suas palavras pareciam música para mim. Ela me disse aquilo olhando para o copo. Porra. Eu queria que ela olhasse nos meus olhos e falasse aquilo. Mas para que reclamar Ronald? A mulher que você ama, e sempre amou está falando que lhe admira.


– Isso é um incentivo Hermione.


Ela sorriu para mim. O copo ainda estava com bastante água. Ela caminhou até mim. Se agachou e passou a mão no meu cabelo.


Aquela hora ela poderia me beijar, na boca, claro. Mas não foi assim. Ela beijou minha bochecha, como a irmã mais velha faz quando coloca o irmão mais novo para dormir.


– Boa noite Rony.


Ela disse saindo e apagando a luz da sala. Eu me agarrei as cobertas e esperei o sono me levar para o meu inconsciente.

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