CAPÍTULO XII



Roma, 312 d.C.
21 de dezembro, pelo calendário Juliano
25 de dezembro, pelo calendário gregoriano
Solstício de Inverno
Sol Invictus
Dia de Natal


POR SEMANAS após o assassinato da família, Harry se escondeu onde podia durante o dia, abandonando o esconderijo durante a noite apenas tempo o suficiente para encontrar algo ou alguém para se alimentar. Ele se mudava constantemente para evitar os seguidores extremistas de Constantino que ainda estavam aterrorizando vampiros em tudo quanto era lugar.

E, então, um dia, buscou refúgio em um túnel subterrâneo usado para enterrar humanos mortos. Nas catacumbas nos arredores de Roma, acidentalmente se deparou com uma reunião de um grupo da resistência vampira. Seus membros estavam cansados de ver suas famílias assassinadas e de se esconder como animais. Os vampiros haviam começado a se organizar. Estavam planejando um modo de se livrar de Constantino e dos assassinos que matavam em seu nome.

Harry não tinha dúvidas de que se juntaria a eles. Estava cansado de se esconder como um cachorro escorraçado e há muito que queria vingança contra aqueles que haviam assassinado sua família.

Após meses treinando e aguardando, o dia deles enfim chegou. Harry marchou ao lado de centenas de outros vampiros através das catacumbas, até chegar às cavernas naturais, que emergiam nos limites da cidade.

As Red Rocks ficavam apenas a poucos quilômetros de Roma, cercada por várias colinas e o Tiber.

Maxentius já estava acampado ali, pronto para enfrentar Constantino pelo controle das porções ocidentais do Império Romano. Os vampiros haviam decidido apoiar Maxentius, na esperança de que ele lhes oferecesse uma existência pacífica no seu domínio.

Por causa da participação deles, Maxentius e os líderes vampiros haviam escolhido o dia do solstício de inverno para o ataque. A noite mais longa do ano daria aos guerreiros vampiros mais tempo para lutar, e, com sorte, garantir a vitória para o desafiante de Constantino.

A batalha já havia começado quando os vampiros emergiram do solo ao cair da noite.

Harry avançou com a espada e o escudo nas mãos. Abrindo caminho através das legiões dos soldados de Constantino com estocadas e golpes, ele rapidamente se deu conta de que estavam em número muito inferior. Seriam necessários todos eles, e mais alguns, para ganhar o dia antes que o sol nascesse e tivessem que recuar.

O solo sob seus pés estava úmido de todo o sangue derramado durante a batalha. Seu braço estava ficando cansado, mas ele prosseguiu lutando, mesmo após ser atingido por inúmeros golpes. Uma violenta estocada com a espada atingiu sua cintura e quase o empalou, fazendo com que caísse de joelhos. Dor excruciante percorreu-lhe o corpo, quando o soldado de Constantino retirou a espada, pretendendo completar a missão decapitando Harry, uma das maneiras mais certas de garantir que Harry não se levantaria novamente para retomar a batalha.

De algum modo conseguiu bloquear o golpe do soldado e contra-atacar, enterrando profundamente a lâmina de sua própria espada na barriga do adversário.

Quando o homem caiu no chão diante dele, Harry arrastou-se para descansar apoiado em uma rocha próxima, aguardando que seu sangue-vampiro o curasse para que pudesse voltar ao combate. Aqueles poucos minutos lhe deram oportunidade de ver o panorama completo diante de si. As turbas de homens e vampiros, lutando uma contra a outra. Sangue jorrando dos ferimentos, quando pedaços de corpos saíam voando e homens caíam ao chão, já mortos ou morrendo.

Muitos dos homens de Maxentius haviam tombado ali, ao lado dos camaradas vampiros, mortos pelas centenas de soldados sob o comando de Constantino. Haviam tantos, Harry pensou, inspirando dolorosamente e se dando conta de que, além do ferimento no abdômen, outro profundo golpe de espada havia lhe perfurado a lateral. As espadas deviam ser feitas com prata, por isso que estava demorando tanto para sarar. Ficaria com uma cicatriz.

Mas, não podia se dar ao luxo de tardar. Se não fossem pelos vampiros, a batalha já teria sido perdida há muito tempo.

Lentamente ele se colocou de pé, e avançou para rechaçar outro ataque dos homens de Constantino. Seus escudos exibiam as letras gregas chi e rho — a abreviação para Cristo, o novo deus de Constantino. As duas letras estavam sobrepostas, recriando o deus martirizado na sua cruz.

Embora cada movimento seu fosse repleto de dor e cansaço, Harry lutou ao lado dos outros membros da resistência vampira. Sabiam que esta poderia ser a última batalha deles, mas, se iam viver em liberdade, precisavam correr este risco.

O combate se estendeu noite adentro e os vampiros conseguiram manter sua posição, talvez até avançar.

Se Maxentius pudesse concentrar suas tropas humanas atrás deles, a vitória estaria garantida. Mas, mesmo ao batalhar por sua vida durante a longa noite do solstício, Harry sabia que, assim que o sol começasse a nascer, ele e seus compatriotas teriam de bater em retirada.

Procurou se convencer de que ainda tinham algum tempo, mesmo quando os tênues primeiros sinais da alvorada começaram a aparecer no céu, mas, foi então que um daqueles primeiros raios se refletiu no escudo brilhante de um dos homens de Constantino. Ele viu o vampiro diante do homem cambalear para trás, o sinal da cruz queimado na sua pele, quando os raios do sol foram amplificados pelos escudos semelhantes a espelhos.

Um rugido baixinho espalhou-se, dando forças aos adoradores do sol de Constantino, que viram na marcação pelo fogo do vampiro um sinal. Como um só eles viraram os escudos para os raios nascentes da alvorada, e, diante dos olhos de Harry, vampiro após vampiro se encolheu de dor, ou fugiu em busca do refugio da escuridão, apenas para ser golpeado ao bater em retirada.

Harry abriu caminho a golpes de espada, derrubando um soldado e erguendo o escudo para se proteger dos raios refletidos que outro oponente estava lhe dirigindo.

Um golpe o acertou por trás, forçando-o a cair de joelhos, mas ele conseguiu rolar, desviando-se da estocada fatal, levantar-se e matar seu adversário.

Mas Harry estava enfraquecendo, devido a combinação da perda de sangue com os raios do sol nascente.

Ao ver vampiro após vampiro tombar morto aos pés dos adoradores do sol, percebeu que não teria a sua vingança. Dúzias de outros fugiam do sol e do símbolo da cruz, voltando para as cavernas de onde haviam emergido, com os homens de Constantino no seu encalço.

A pele dele começou a formigar devido aos raios do sol nascente, mas estava longe demais da entrada das cavernas e, mesmo que conseguisse chegar lá, apenas a morte o aguardava.

Os homens de Constantino não deixariam nenhum deles vivo.

Ele olhou ao redor nervosamente, buscando abrigo, mas estava cercado apenas por morte e destruição. Centenas de humanos, seu sangue emitindo vapor sob o frio da manhã. Metade do mesmo número de vampiros, seus corpos assando lentamente sob os raios do sol. Sua própria pele estava começando a ficar vermelha e a arder à medida que o sol se levantava no céu.

A poucos metros de distância, uma pequena fenda cortava profundamente a lateral da colina. Ele correu em sua direção, golpeando e matando os poucos soldados que haviam permanecido para trás no campo de batalha. Harry mergulhou na fenda pequena e estreita, e puxou os corpos dos mortos para cima dele, para protegê-lo do sol.

Seriam necessários dias para limpar o campo de batalha.

Tudo de que precisava eram algumas horas até que o sol estivesse fraco o suficiente para ele tentar escapar.

Mas, primeiro, precisava se alimentar para poder curar seus ferimentos. Pegou o corpo que estava mais próximo. Este ainda tinha o calor da vida.

Harry fincou as presas no pescoço do humano morto e se alimentou.







ANNAH SE levantou bruscamente na cama respirando de modo tão ofegante como se houvesse acabado de travar a batalha de sua vida.

Na sua cabeça apareceram as imagens de morte que Harry havia testemunhado ao longo de um milênio de festas natalinas.

Não era à toa que odiava a data. Ela já lhe custara tanto.

Tanto, e, contudo...

Ela se lembrou da ternura do toque dele e tentou reconciliá-la com sua sede de sangue. De algum modo, isso não era tão difícil de fazer como havia imaginado.

O que a fez reconsiderar se deveria vestir o traje de Papai Noel naquela noite e lembrá-lo de seu tormento.

A campainha soando alta do interfone a sobressaltou.

Ela desceu da cama e caminhou até a porta do apartamento, onde atendeu o porteiro.

Srta. Kaunis, tem um mensageiro aqui para vê-la. Ele disse que seu nome é Dobby.

Dobby. Ela imaginou se ele não estaria ali para buscá-la para o seu amo, mas Annah se recusava a se esconder de medo.

— Pode mandá-lo subir, por favor.

Ela vestiu um robe, e quando escutou a batida à porta, abriu-a.

Dobby estava postado ali, com um embrulho em mãos.

— Suas coisas, madame. Harry achou que as poderia querer.

Com mãos trêmulas, ela retirou o embrulho das mãos de Dobby. Murmurou um obrigado, e ele acenou com a cabeça, e começou a se afastar. Mas, antes que ela pudesse fechar a porta, ele virou-se para ela mais uma vez.

— Ele não é mau, sabe? Cuida muito bem de mim e de minha família. — Colocando a mão no bolso, retirou de lá de dentro um cartão, que entregou a Annah. — Para o caso de mudar de idéia.

Dobby foi embora, e ela fechou a porta, olhando o cartão que continha apenas um número de telefone.

O número de Harry?

Depositando o cartão no bolso do robe, caminhou até o sofá e colocou o embrulho sobe a mesinha de centro. O pacote estava embrulhado com papel pardo comum e amarrado com barbante.

Um simples puxão desfez o nó, diferente das amarras que a haviam prendido. Dentro do embrulho estavam seus sapatos, a bolsa e a roupa de baixo que estava usando quando Harry a havia capturado. Sob tudo estava um outro embrulho.

Ela o abriu para encontrar o traje de Papai Noel e a barba, recém-lavados e cheirando muito melhor do que quando ela os usara pela última vez.

Uma mensagem da parte dele? Ou, um pedido de desculpas?

Só havia um modo de descobrir.
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N/A: Maxentius, (latim Marcus Aurelius Valerius Maxentius; it: Massenzio), nasceu em 282, foi imperador romano de 306 a 312. Era filho de Maximiano. Rebelou-se por não ter recebido o título de César, e atribuiu a si os títulos de Príncipe e Augusto. Apoderou-se da Itália e da África, mas foi derrotado por Constantino e morto na Batalha da Ponte Mílvio.

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