CAPÍTULO XI



QUANDO ANNAH acordou, estava novamente amarrada às colunas da cama.

Seu corpo estava dolorido, mas não por estar amarrado. A dor era resultado do sexo que havia feito antes. A aflição se abateu sobre ela ao lembrar do que havia feito. Do que havia deixado que ele fizesse.

Devia saber que não poderia confiar em um demônio.

A última coisa de que se lembrava eram as palavras de desculpas dele e uma promessa sussurrada que Harry fizera ao mordê-la...

— Jamais a deixarei partir.

Sabia que ainda estava viva. Perguntou-se se o fato de estar amarrada às colunas da cama significava que ele não a havia transformado, que a estava mantendo viva para outra refeição. E, depois, outra, e mais outra... Porque ele não tinha nenhuma intenção de soltá-la.

Annah não podia permitir que isso acontecesse.

Ele não estava na cama com ela, embora Annah pudesse dizer que estava de dia pela forte claridade que dava para se ver ao redor das bordas das cortinas. Desta vez, estavam fechadas, e, quando seus olhos se acostumaram à penumbra, ela, por fim, o avistou, largado em um pequeno sofá na outra extremidade do quarto. Provavelmente o motivo das cortinas estarem fechadas. Caso contrário, os raios do sol lhe estariam banhando o corpo durante o sono de Harry.

Por um instante, ela se perguntou por que ele não estava na cama ao seu lado.

Culpa, talvez?

Ela não pensou mais no assunto, preferindo se concentrar em como desatar suas amarras ou...

As faixas estavam tão bem amarradas no seu pulso quanto na noite anterior, mas as outras extremidades estavam presas mais acima nas colunas da cama. Alto o suficiente para que ela pudesse arrancá-las.

Annah virou-se de tal modo que seus pés ficaram encostados na cabeceira de madeira, forçando-a a se encolher toda, até ficar parecendo uma bola. Melhor assim, pensou ao empurrar com força, com ambos os braços e as pernas, os entalhes da madeira ornamentada se fincando nas plantas de seus pés. A coluna e a cabeceira balançaram um pouco, mas agüentaram firmes.

Pressão intensa era do que ela precisava.

Arriscando um olhar para ver se o havia incomodado, Annah viu que Harry continuava a dormir, aparentemente sem se dar conta de sua tentativa de escapar.

Juntando as coxas, mais uma vez, firmou a posição dos pés de encontro à cabeceira, e inspirou profundamente. Reunindo todas as suas energias, empurrou o mais forte que podia.

O ruído da madeira se partindo foi doce, mas a cabeceira não cedeu por completo.
Olhou novamente para Harry. Nenhum sinal de ele houvesse escutado alguma coisa.

Seus braços e suas pernas doíam devido ao esforço de empurrar, mas o gemido da madeira a encorajou a prosseguir. Com um último puxão, a coluna se partiu e aterrissou no seu colo.

Com a afiada ponta desigual da coluna, ela serrou a parte mais fina de suas amarras. Sequer pensou nos nós dos pulsos. Estavam apertados demais e ela cor ria o risco de cortar os próprios pulsos caso tentasse cortar ao redor deles. Tudo que precisava era ter as mãos livres.

Um segundo mais tarde, teve o seu desejo realizado.

Durante todo esse tempo, Harry sequer se mexeu.

Silenciosamente, ela se esgueirou na direção da porta, a pontiaguda coluna da cama na mão para se defender. Mas, ao se aproximar da porta, se deu conta de que estava nua em pelo. Não podia sair daquele jeito. Havia duas portas diante de Annah, e Dobby havia entrado e saído por uma delas. Ela torcia para que a outra fosse um armário.

Delicadamente, girou a maçaneta e espiou lá dentro. Era mesmo um espaçoso armário de roupas. Ela entrou e fechou a porta atrás de si, acendendo a luz interna ao fazê-lo. O recinto estava cheio dos mais diversos tipos de peças de vestuário. Desde jeans até ternos, todos da melhor qualidade.

Ele era alto, e ela roliça. Os jeans de Harry mal passaram pelos seus quadris, mas ela teve de dobrar várias vezes a bainha para não tropeçar nas pernas da calça. Pegando um suéter preto de uma das prateleiras, o vestiu por sobre a cabeça.

A roupa cheirava a Harry. Um perfume silvestre e indefinidamente másculo.

O corpo de Annah despertou dolorosamente, o que a preocupou. Será que jamais se veria livre da presença dele, após este encontro acidental?

Jamais a deixarei partir. As palavras dele ecoaram pela sua cabeça e ela o imaginou perseguindo-a. Sempre presente. O medo com o qual teria de conviver para sempre, a não ser que encontrasse um modo de...

Livrar-se dele?

Ela se esgueirou para fora do armário e olhou na direção do sofá, mas ele não estava lá.

Um segundo depois, alguém a agarrou por detrás, e Annah reagiu, agarrando-lhe o braço e girando o corpo.

Harry voou por sobre o ombro dela e aterrissou ruidosamente no chão. Antes que ele pudesse se mover ela se jogou sobre ele, a ponta afiada da estaca diretamente sobre o seu coração. Um forte arranhão vermelho marcava a pele dele no local onde ela havia roçado a coluna da cama.

Ela precisaria apenas colocar o seu peso sobre a estaca para perfurar o coração dele. Apenas um pouquinho mais de pressão e...

— Posso sentir o cheiro do seu medo. Você quer fazer isso. Pois, faça.

Annah não podia ignorar a dor na voz dele.

— Prometa que me deixará em paz...

— Vá em frente, Annah. Sou um monstro, lembra-se? Será que isso não torna tudo mais fácil?

Ela o fitou nos olhos e pôde enxergar neles arrependimento. Seria por causa do que havia feito ontem à noite? Porque havia quebrado a promessa que fizera? Neste caso, de que adiantaria ele prometer alguma coisa agora? E, no entanto, pediu novamente:

— Prometa me deixar em paz, Harry.

Para enfatizar o seu ponto, ela pressionou um pouquinho mais a estaca, e a pele sob ela ficou branca, devido à pressão.

Harry pensou na possibilidade de jamais vê-la novamente. Sobre o entusiasmo e a empolgação que ela havia trazido à vida dele em apenas dois breves dias. Talvez fosse melhor que ela lhe enfiasse a estaca no peito a voltar àquela existência banal e vazia.

Ele colocou a mão sobre a dela na estaca e a pressionou para baixo, sentindo o primeiro beliscão de dor quando a madeira lhe perfurou a pele.

— Vá em frente, prove para mim que não é diferente de todos os outros. Os que mataram minha família e juraram destruir a minha espécie.

A mão dela tremia sob a dele, e, subitamente, ela se pôs em movimento, fugindo do aposento.

Seus pés descalços batiam no chão de madeira dos degraus das escadas ao correr para a sua liberdade. A batida da porta da frente deixou Harry saber que ela havia conseguido escapar.

Ele ainda estava segurando a estaca na mão, e, por um instante, pensou em afundá-la no peito. Foi então que a esperança despertou, mais forte do que nunca. Ele soltou a estaca e sentou-se no chão, olhando a porta aberta de seu quarto de dormir.

Ela havia pedido que ele fizesse uma promessa. Uma que jamais poderia cumprir. Mas, desconfiava que, caso houvesse pedido que ela fizesse a mesma promessa, ela não teria sido capaz.

Annah voltaria.







QUANDO ANNAH chegou em casa, estava ofegante. Correr por aí descalça e sem casaco havia sido sua única opção, mas a friagem da manhã daquele dia havia penetrado até os seus ossos, acompanhada de outro tipo de arrepio, o de medo.

Ela tomou um banho quente para se livrar do frio, mas também para ajudar a arrancar de seu corpo o cheiro dele.

Tentou imaginar de quanto tempo precisaria para arrancar Harry da cabeça.

O banho quente a fez se sentir letárgica. Ou talvez fossem os eventos dos últimos dois dias. A tensão física e mental. O desgaste a que Harry lhe submetera o organismo ao se alimentar dela.

Ele havia quebrado sua promessa. Jamais poderia confiar na sua palavra de novo, pensou, mas, subitamente, se deu conta de que não teria de se preocupar com isso.

Jamais pretendia voltar a vê-lo.

Para se livrar do cansaço em sua mente e membros, enfiou-se debaixo das cobertas para um longo cochilo. Tinha apenas algumas horas antes de ter que decidir se ia ou não voltar para o trabalho de Papai Noel diante da biblioteca.

Para decidir se ousava confrontá-lo mais uma vez.

O sono veio rapidamente sob a proteção das cobertas pesadas e do calor que a envolvia no seu pequeno casulo. Mas, não foi um sono tranqüilo. Repetidamente escutava as palavras de Harry lhe contando a sua vida. Ela experimentou toda a tristeza e dor do vampiro, recriando no seu íntimo o poço de compaixão que sentira por ele antes de Harry torná-la o seu jantar.

Ela afastou a compaixão, querendo manter a sua fúria. Precisava lidar com as emoções conflitantes que continuavam a guerrear dentro dela, à medida que as imagens iam lentamente invadindo o seu consciente. De algum modo, sabia que não eram imagens de seus sonhos. Eram as lembranças de Harry passando como um filme no cérebro dela.

Mostrando-lhe o último tormento natalino dele.

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