CAPÍTULO VII



UMA ONDA de choque percorreu o corpo da mulher.

— Assassinados?

Harry assentiu, e lhe preparou outro petisco, mas, quando tentou dá-lo para ela, Annah cerrou os lábios e virou a cabeça. Seu olhar era severo e crítico.

Quantas vezes se olhara no espelho, e imaginara a mesma expressão no próprio rosto?

Ignorando-a, serviu um pouco de vinho e tomou um gole. Ofereceu-lhe um pouco também, antes de deixar cair outro pedaço de pão e queijo na própria boca e mastigar lentamente, pensando em como poderia começar. Como explicar como havia perdido tudo que lhe era mais precioso, e por que detestava os humanos que o cercavam.

Em vez disso, disse:

— É tarde demais para contar tal história. A alvorada surgirá em pouco mais de uma hora.
Ela olhou na direção da janela, onde ainda estava noite fechada lá fora, e, quando virou o olhar inquisitivo na direção dele, o vampiro explicou:

— Posso senti-la chegando, assim como posso sentir a aproximação da noite.

— E é isso tudo que pode sentir, Harry? Não liga para a sua família assassinada?

— Basta! — Sabia que o desafio dela era uma tentativa de alterar a dinâmica da situação. Ela ainda tinha esperanças de que ele pudesse mudar de idéia quanto a transformá-la. Harry se recusava a lhe conceder a vantagem. Erguendo-se, andou de um lado para o outro diante da cama antes de perguntar:

— E, quanto a você, Annah? Sua família lamentará a sua morte?

— É claro. — Ela puxou as amarras que a prendiam a cama. — Por que está fazendo isso?

— Por quê?

Ele marchou de volta para a cama, agarrou-lhe o queixo e a forçou a levantar o rosto. Inclinando-se até estarem quase colados nariz com nariz, ele transformou-se mais uma vez. Sob a mão dele, Annah tremia, mas seu olhar permaneceu fixo no rosto dele, sem demonstrar um vestígio sequer de seu medo.

— Um vampiro mudou a minha vida, mas foram os humanos que roubaram tudo que me era importante.

— Então, isto é o troco por algo com que nada tive a ver? Por algo sobre o qual não tive controle algum?

Uma gargalhada forçada escapou de sua boca. Harry trilhou as bordas das presas ao longo do queixo delicado da mulher, e o tremor do corpo dela aumentou sob a mão do vampiro. Quando ele lhe alcançou a curva da orelha, disse:

— Não me mataria se tivesse a chance?

Sua ausência de resposta já dizia tudo. Ela o mataria apenas por ser vampiro. Apenas por ser diferente. Não havia nenhuma diferença entre ela e os humanos que haviam lhe assassinado a família e milhares de outros vampiros, séculos atrás.

Empurrando-a para longe, ele levantou-se novamente, e disse:

— Em breve nos deitaremos para descansar durante o dia. Está na hora de nos prepararmos para isso.







ANNAH NÃO sabia o que Harry pretendia fazer para se preparar para o seu descanso diurno. Os preparativos acabaram sendo bem menos onerosos do que ela imaginara.

Ele a deixara comer e beber um pouco mais, e depois a desamarrara das colunas da cama, usando seus poderes vampirescos para controlá-la, enquanto lhe dava a liberdade necessária para realizar algumas das abluções noturnas no banheiro. Ele também arrumara para ela uma túnica de seda para substituir a roupa de baixo térmica que ela vinha usando.

A carícia da seda contra a pele dela chegou a ser dolorosa para partes de seu corpo ainda afetadas pelo estado de excitação em que Harry a havia coloca do antes. Quando a seda macia cobriu-lhe o corpo, foi como a carícia de um amante, e trouxe à tona novos desejos.

Quando ela saíra do banheiro, Harry claramente havia lhe sentido a excitação. Ele também havia se trocado e vestido uma roupa parecida, e, ao examiná-la, o volume de sua ereção sob o tecido fino ficara evidente.

Mas, para a confusão dela, ele não havia feito nada a respeito.

Em vez disso, a amarrara novamente à cama, de tal modo a lhe permitir um pouco de conforto, mas não a capacidade de se desamarrar. A esperança de Annah havia sido tentar escapar enquanto ele dor mia, mas pressentiu que, mesmo que houvesse feito isso, o esforço teria sido desperdiçado.

De modo que se deitou ao lado dele, seu corpo, assim como o dele, vibrando de desejo não satisfeito. Sob as cobertas de seda magnificamente macias, seu corpo começou a se aquecer. Ao seu lado, Harry também estava quente, mas, à medida que o sol ia nascendo, espalhando seus delicados raios luminosos pela extremidade oposta do aposento, todo o calor ia lhe abandonando o corpo.

Com apenas alguns vestígios de luz atravessando as janelas, ela aproveitou para examinar o aposento.

Era definitivamente masculino, ela pensou, examinando as várias peças de mobília. Grandes, escuras e feitas de mogno. Velho Mundo, pensou, quando seus olhos conseguiram enxergar as estampas dos tecidos finos das cortinas e do estofamento da mobília. Grossos tapetes orientais estavam espalhados sobre o piso de tacos.

As superfícies das várias peças da mobília estavam totalmente livres de poeira e, ao inalar, pôde sentir o aroma de limão nas narinas. Os tampos reluzentes de eventuais mesinhas e da cômoda exibiam diversos tipos de recordações, todas evidências de sua aparente riqueza e de viagens. Sofisticados candelabros de prata. Um ovo de Fabergé. Na parede oposta, o que parecia ser um tríptico, em madeira entalhada, de vários países.

Sobre a cômoda mais próxima da cama estavam vários porta-retratos de prata, adornados com o que parecia ser ônix e madrepérola. Ela desejou ter mais luz para poder enxergar as fotografias que estavam nos porta-retratos e saber mais a respeito do demônio que dormia ao seu lado.

Tendo completado o seu exame do recinto, ela voltou sua atenção para ele, pensando em tudo que ele lhe revelara ao longo da noite.

Harry odiava humanos. Deixara isso bem claro. E1a se perguntou se restaria algum vestígio de humanidade nele, ou se o demônio havia se apossado de tudo.

O demônio que, de acordo com suas suspeitas, Harry também odiava. Não sabia por que achava isso, mas a impressão que ele lhe dera com toda aquela conversa sobre o tipo de vida que sua amante vampira lhe oferecera foi que estava zangado com ela. Zangado e possivelmente cheio de arrependimentos.

Será que ela sentiria o mesmo quando ele a transformasse?

Ou será que ele pretendia apenas beber até a última gota de seu sangue? Recordou-se das últimas palavras dele, acerca de se a família dela lamentaria o seu falecimento.

Será que a família dele chorara por ele?

Ela virou-se na cama para observá-lo. Ele possuía um nariz romano. Comprido e reto. Aquilino, alguns diriam. Sua pele tinha um tom de oliva, que, na noite passada, havia demonstrado um ligeiro rubor, mas que, com a chegada do dia, havia perdido qualquer traço de vida.

Tal pensamento lhe chamou a atenção, e ela olhou para as cobertas sobre ele, buscando qualquer sinal de respiração. Um subir e abaixar muito lento, muito mais lento do que o de qualquer humano. Quase como se estivesse em hibernação profunda.

Voltando ao exame de seu rosto, o olhar de Annah se demorou sobre os lábios cheios dele, relaxados durante o sono. Será que ousava dizer que havia um esboço de sorriso neles?

Será que vampiros sonhavam?

Sob a boca que lhe tentava o toque, havia um queixo com uma ligeira covinha.

Tão bonito, pensou novamente, e sacudiu a cabeça.

Ela, claramente, estava há tempo demais desprovida de companhia masculina para estar, de fato, atraída por este psicopata sanguessuga.

Seus colegas de trabalho brincariam com ela dizendo que isso é o que ela ganhava por passar tempo demais trabalhando e não se dar a chance de relaxar. Até mesmo a semana que reservara para as férias de fim de ano havia sido escolhida especialmente por que ela sabia que esse era um período de pouca atividade no escritório.

Foi então que se deu conta de que, como era para ela estar de férias, ninguém notaria o seu sumiço durante vários dias. Quando alguém notasse, já seria tarde demais para a polícia encontrá-la e deter Harry.

Ao pensar nisso, puxou com força as amarras, mas conseguiu apenas apertar o tecido ao redor dos pulsos.

Frustração trouxe lágrimas aos seus olhos, mas Annah lutou contra elas.

Não era a hora para chorar e nem para indecisões.

Usando as amarras para se puxar para cima, ela examinou os nós que ele havia dado e se deu conta de que a única forma de se libertar seria mordendo os nós.

Subitamente, pôde escutar as palavras de Harry. Posso senti-la chegando, assim como posso sentir a aproximação da noite.

Neste caso, é melhor eu começar a morder, pensou Annah.

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