CORAÇÕES E MENTES



Quando Rony Weasley ouviu Harry falar dos leônigos, apenas imaginou que eram uma espécie felina gigantesca, assim como os leões ou tigres que tinha visto num zoológico trouxa quando era pequeno, ou no máximo uma versão um pouco mais graúda. Nada o havia preparado para visão dessas bestas. A descrição de Harry havia sido piedosamente amena, ou o terror de enfrentá-los havia sido gravado de tal maneira que fazia essa versão que povoava a mente do amigo ser o um monumento ao pavor. Um monumento ao terror mais sombrio e perdido na mente dos homens.

Imagine um ser monstruoso, cuja maldade está estampada na sua enorme cara retorcida. Acrescente olhos imensos vermelhos vivos, como o sangue que jorra de uma hemorragia, dentes disformes e negros, dentre os quais deslizava de maneira obscena uma baba esverdeada. Agora pense num corpo cheio de pelos finos e afiados como milhares de agulhas mortíferas. Esses seres também pareciam sorrir maldosamente, como que antecipando o gozo de estilhaçar sua alma ou o seu corpo. Eles realmente pareciam nutrir-se da magia negra. Eram abominações. Só uma alma mergulhada no fundo das trevas pensaria em trazer ao mundo dos vivos tais demônios. E não eram apenas mais altos do que um trasgo montanhês. Eram INFINITAMENTE mais altos. Sobre as patas traseiras eram como estátuas gigantescas esculpidas em algum material amaldiçoado, que os próprios demônios abandonaram por julgá-lo demasiado horripilante.

Muito bem, Ronald, pensou o filho homem mais jovem da Sra. Weasley, você está aqui para ajudar seu amigo. O mesmo que se sacrificou para salvar o mundo mágico. Ninguém disse que seria fácil. Ninguém disse que seria divertido. E tudo em volta não é de verdade. Você “apenas” está na mente de Harry Potter, o bruxo mais poderoso de todos os tempos. O loiro aguado do Malfoy e o Professor Luppin o avisaram. A mente do “homem que derrotou as trevas” tinha poder o suficiente para fazer a sua própria mente reduzir-se a uma massa disforme de lembranças assustadoras. E seu cérebro, que segundo os seus irmãos nunca foi de grande serventia, poderia muito bem virar uma pasta mais imprestável ainda do que já é no momento.


Remo Luppin era um homem que havia passado dos quarenta anos a algum tempo e marchava firme rumo aos cinqüenta anos de idade. Estava razoavelmente bem conservado e tinha boa aparência, apesar da tez constantemente pálida. Conseguia viver bastante bem, pois, nove anos atrás havia recebido uma inesperada ajuda financeira, certamente tirada da fortuna de seu finado amigo Sirius Black. Este havia deixado para o afilhado Harry Potter toda o venerável patrimônio da família Black, da qual ele era o único (e último) herdeiro.

O Professor, como ainda era chamado por muitos, apesar de ter exercido a nobre profissão apenas durante um único ano letivo em Hogwarts, desconfiava que “o garoto que sobreviveu”, que tinha uma grande admiração por ele, havia sido o seu benemérito, embora nunca mais o tivesse encontrado nos últimos nove anos. Luppin era um lobisomem. Quando tinha oito anos de idade havia sido mordido por um licantropo adulto e passara desde então conviver com essa maldição. O mundo bruxo não gostava nem um pouco de lobisomens. Embora fosse um homem extremamente culto e um dos maiores conhecedores de feitiços e contra-feitiços do mundo, não havia muitos bruxos interessados em lhe dar qualquer trabalho. Daí a importância do dinheiro que havia sido concedido bondosamente anos atrás. Pôde se dedicar nesse tempo apenas às sua pesquisas e havia se transformado num dos autores de livros sobre magia mais famosos do mundo. Estava casado com a ex-auror Ninphadora Tonks (agora Tonks-Luppin) e morava num tranqüilo vilarejo bruxo da Escócia, de onde só saía para visitar os antigos companheiros da Ordem da Fênix. Ou para atender algum chamado urgente e desesperado como da ex-aluna e grande amiga Hermione Granger.


Muito bem, o filho da Sra. Weasley confessa que tem medo de leônigos e demais bichos das trevas horríveis e babentos. Ele não é Harry Potter. Apenas está na mente dele. Como Remo Luppin disse mesmo? Ele teria que encontrar o âmago de Harry Potter, a sua essência e trazê-la de volta. Ele fez sua melhor cara inteligente e confessou que não entendeu nada. O ex-professor foi mais esclarecedor: Harry possuía uma mente poderosa, programada para defendê-lo. O problema é que ele estava morrendo e seus estranhos poderes evitavam que qualquer feitiço fizesse efeito nele, mesmo os feitiços de cura. Talvez o amigo passasse o resto dos seus dias nesse estado de inconsciência. E talvez esses dias fossem bem curtos. Era necessário “trazê-lo de volta”. Vasculhar sua mente poderosa e encontrar uma parte do bruxo que fosse suscetível aos apelos para que ele voltasse a viver. E Rony Weasley havia se prontificado a essa missão. Bem, ele na verdade tinha brigado para executar essa missão, uma vez que havia agido como um idiota retardado.

OK. Esses leônigos não são leônigos. Apenas lembranças de Harry. Eles não podem feri-lo. Certo? Bem, então por que eles estão com essa horrível cara de poucos amigos e marchando na sua direção?


Reunido com Hermione Granger, Gina Weasley e Draco Malfoy, o Professor Luppin e sua esposa Tonks (ela odiava ser chamada pelo primeiro nome!) ouviam aterrados o relato dos jovens sobre o estado de Harry. Pouco depois chegou Patrícia Okosha, apresentada por Gina como a irmã de Harry. Luppin não havia ficado surpreso, pois já haviam contado a história de como ela havia sido resgatada das garras de Voldemort. Mesmo tentando ser discreto, o Professor reparou nos olhos verdes brilhantes da garota, prova inequívoca do “DOM”. Depois de refletir por alguns segundos e acariciar gentilmente o braço da esposa, o Professor Luppin disse:

- Esse é o caso mais complicado que eu já ouvi falar – Todos olharam espantados o ex-professor. Depois do falecido Alvo Dumbledore, Remo Luppin era o maior conhecedor de magia do mundo bruxo. Um palpite qualquer do homem mais velho seria seguramente levado em conta pelos presentes – Eu só consigo pensar numa saída. Mas é a coisa mais arriscada e perigosa que alguém poderia fazer. E seria uma solução desesperada.

- Qualquer solução seria bem vinda, mesmo uma desesperada – disse Draco Malfoy com uma voz ligeiramente cansada.

- Por favor, Remo – pediu Hermione – Eu sei que você não nos aconselharia nada tolo ou irresponsável.

- Uma solução absurdamente drástica e arriscada seria entrar na mente de Harry. Convencê-lo a baixar as suas defesas mágicas a fim de permitir que os remédios e poções para a sua enfermidade fizessem efeito.

- Ora, por que não fazemos isso imediatamente, então? – indagou Patrícia, olhando excitada para o Professor.

- Você não parece feliz com essa solução, Remo. Qual o problema? – quis saber Gina Weasley, pressentindo que coisas não muito agradáveis não haviam sido mencionadas.

Luppin refletiu por alguns segundos. Todos esperavam ansiosos. Só Hermione e Draco não pareciam muito animados com as revelações. Isso preocupou Gina. Os únicos na sala com conhecimento em medicina bruxa não pareciam felizes com a suposta solução encontrada pelo Professor. Patrícia podia sentir, através do “DOM” a tensão da medibruxa e do preparador de poções. Apenas respirou fundo e esperou as más notícias.

- Eu duvido que Hermione não tenha pensado nessa solução – disse por fim o homem mais velho.

- O que? – disse bruscamente a irmã de Harry – A Srta. Granger sabia que havia uma solução e não fez nada?

- Desculpe decepcioná-la, Patrícia – disse Hermione, mais cansada do que ela se lembrava de ter estado em qualquer momento na vida – Mas eu esperava que houvesse outra solução. Eu teria rezado por isso, se eu ainda tivesse alguma fé religiosa.

- Alguém poderia explicar, por favor? – falou por fim Gina, contrariada com aquele mistério todo – Por que não é possível penetrar na mente de Harry? Com os poderes de Patrícia aqui, creio que não seria tão difícil.

- Seria, querida. – disse Hermione, tentando manter fora de sua voz a tensão acumulado dos últimos dias.

- Quantos bruxos vocês conhecem, capaz de entrar na mente de outras pessoas? – perguntou Draco – Não falo de legilimência, não falo de hipnose. Falo de entrar na mente, descobrir pensamentos, segredos íntimos. Quantos bruxos poderiam fazer isso? Talvez a nossa amiga Patrícia aqui consiga, graças ao “DOM”. Talvez Dumbledore conseguisse, ou o Lorde das Trevas, mas esse era muito mais um legilimente habilidoso. Provavelmente não há muitos bruxos capazes de entrar na mente dos outros. E ainda que houvesse, poderia danificar permanentemente a sua própria mente ou a do outro.

- A mente humana é um mistério, mesmo para o mundo mágico – retomou Hermione – E imaginem a mente de um bruxo poderoso como Harry. Tentar uma invasão poderia levar a pessoa à morte ou ela poderia ficar presa nas suas lembranças, medos e angústias para sempre, o que daria no mesmo.

- Eu poderia tentar, Hermione – disse Gina, de maneira muito decidida.

- Desculpe, Gina – interrompeu-a Patrícia – Mas acho que eu teria mais possibilidade de êxito. Acho que o “DOM” me daria alguma vantagem.

- Não quero ser desmancha-prazeres, mas entendo que as duas seriam um risco para si mesmas e para Harry – Frente o espanto das duas moças, Remo Luppin continuou explicando: - Gina seria um risco muito grande, pois o seu vínculo afetivo poderia perturbá-lo, com resultados incertos. Sua mente poderia fazer com que sua “essência” se refugiasse ainda mais para protegê-la. Poderíamos condenar Harry a viver para sempre num estado de semivida. Quanto a Srta. Okosha, o “DOM” que ambos partilham poderia potencializar tanto os seus medos quanto os do seu irmão.

- O que o senhor quer dizer com isso? – perguntou a garota, confusa.

- Que os pesadelos seus e de seu irmão poderiam materializar-se bem no meio do St. Mungus. Não seria um boa idéia juntar os inconscientes de duas mentes tão poderosas como as de vocês dois – explicou Draco.

- Então não há solução possível? – quis saber Gina.

- O ideal seria alguém que tivesse um vínculo forte o suficiente com Harry, que ele confiasse na pessoa, sem que os sentimentos fossem perturbadores o suficiente para abalar ou ativar suas defesas, que já são bastante poderosas – disse o Professor depois de um momento, franzindo o cenho, gesto que todos sabiam ser de extrema preocupação – Talvez eu possa...

- Talvez EU possa! – disse uma voz decidida, na porta da pequena sala de reuniões que servia aos amigos de Harry.

- Rony? – disseram Hermione e Gina ao mesmo tempo.

- O panaca em pessoa – disse Draco sem emoção, mas o sarcasmo presente da primeira a última sílaba.

- Cala a boca, seu loiro aguado! – sibilou Rony entre dentes – O fato de Harry ter se comunicado comigo através de um sonho, não criaria um vínculo forte entre nós? – quis saber o ruivo a um surpreso Remo Luppin.

Todos encaram Rony sem saber o que dizer. Gina e Hermione mal acreditavam no que acabavam de ouvir. Era a segunda menção do rapaz a um suposto sonho com Harry. O ruivo havia enlouquecido?
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