Capítulo Dezenove



Décimo Nono Capitulo 


 


Antonietta andava seguida por cem pessoas, aproximadamente. Ela se dirigia para a entrada do bosque nos fundos de seu terreno. A copa do grande carvalho estava visível atrás dos troncos de algumas árvores menores. Respirou fundo e apressou o passo.


Tudo a incomodava. O sapato de salto a incomodava. Tanto por estar caminhando na grama quanto por sua idade, mas não poderia deixar os outros perceberem. O som dos vários passos e cadências faziam um chiado irritante na grama. O esmagar da grama. O silêncio a incomodava, mas não queria sons de choro, tampouco. A presença de muita gente a incomodava.


Tudo lhe punha em alarde. O som do caixão sendo levado para o local designado lhe apavorara. Ela quase fugira. O toque de seu primogênito a punha em alarde.  Respirou fundo mais algumas vezes.


Como Criatura, seus sentidos eram amplificados. Ela sentia o cheiro ocre da tristeza, o doce da morte, o denso e indescritível desespero. Esse vinha de Carla, ela sabia.


Os Lambóglia sempre se orgulharam de ser uma família influente e pacífica. Conseguiam tudo por mérito e respeito. Seus contatos eram fiéis. Tanto no mundo bruxo quanto trouxa. Assim como no submundo das Criaturas.


Chegaram ao limite do bosque. O clima pareceu esfriar, embora tenha somente parecido. Julho estava quase terminando e o calor reinava.


Ah, o verão europeu. Tão belo quanto suas outras estações.


Sua mão tremeu, ao pensar que enterraria sua filha mais nova. Doeu.


Um passo a mais. Estava na linha das árvores, ao lado de um seixo.


Mais um, e pode ver um galho retorcido do carvalho.


Outro passo; seu filho mais velho, Itallo, estava atrás de si, acompanhado da família e dos amigos, mais atrás.


O coração apertou. Deus, pediu, onde quer que ela esteja, que esteja bem. Que não sofra com nosso sofrimento.


Depois disso, se deixou levar pelo filho, que a guiava pelo bosque até as raízes da árvore escolhida.


Lá, uma cova profunda, marrom e escura, esperava para ser preenchida com terra e com o caixão de sua filha.


O coração falha uma batida, e perde o equilíbrio. Procura algo em que se manter. Não esperava a tristeza.


Os outros se aglomeraram em volta, todos olhando para cima, onde um caixão roxo e azul com as cores de sua família, flutuava, ou para baixo, para a cova.


Um som agudo, indefinível, saiu de algum lugar. Alguns procuraram, mas Antonietta não tinha necessidade de olhar. Ela sabia o autor.


Jean Claude estava lá, então. Segurou sua mão, apertando-a. Beijou suas bochechas e cumprimentou um por um de seus filhos. O bruxo foi embora.


“Mãe, a signora quer começar?” Itallo perguntou. Nos braços dele, a esposa, Talia, chorava baixinho.


Uma respiração profunda.


“Min-” a voz secou.


Repirou.


 “Minh-” O coração parou de novo.


 Havia um bolo em seu estômago.


 “Minha fi-” Outra respiração cortava, nervosa. Ela olhou assustada para Itallo. Ele estava mais concentrado em abraçar a esposa, chorando baixinho no cabelo dela. Então, virando-se para os presentes, Antonietta respirou  fundo e entoou:


“Minha filha foi uma grande bruxa, uma excelente mãe, e uma filha um tanto teimosa. Mas foi ela mesma. Foi minha maior conquista, porque ajudei uma criança que era rebelde a encontrar seu lugar no mundo. Agradeço a todos que vieram, e peço desculpas por não ter mais palavras. Só os que a realmente conheceram sabem como foi. Tenho muito orgulho de dizer que era minha filha, e sei que ela ficaria grata pela presença de vocês aqui.” Outra inspiração, para tomar força. Então, mãos suaves envolveram as suas, e ela olhou para sua direita e depois esquerda. Charles e Gianni estavam do seu lado. Levantou o olhar. Carla estava bem em frente à si, do outro lado da cova, segurando Oscar Rutherford como se ele fosse sua própria vida, sua alma. Como se fosse o que a prendesse na Terra. Ele lhe devolvia o abraço na mesma intensidade. “É muito difícil falar dela no passado. Mas é o que temos que fazer. Acabou. Ela criou sua filha da melhor maneira, e trabalhou para ser feliz, amou intensamente, e hoje, viverá com nossos ancestrais, nos guiando. Peço que, em respeito ao seu espírito, não evoquem seu nome no primeiro ano após este acontecimento. Grazzi.”


Tirou a varinha do bolso do vestido, e, com um aceno, o caixão foi abaixado. Quando tocou o chão, o fundo da cova, seu peito se fechou. Antonietta caminhou até um montinho de terra e encheu sua mão com a areia. Jogou em cima do caixão.


Outro grito agudo foi ouvido. Ela olhou para cima.


Carla estava segura por quatro fortes braços. Ela gemia e se debatia. Seus olhos estavam brilhantes de lágrimas, desesperados. Ela engasgou, e mais um par de braços a seguraram quando cada vez mais pessoas jogavam terra dentro do buraco.


Alguém a abraçou. Antonietta virou-se para encontrar Rosa, sua quarta filha. Ela tinha ruguinhas em volta de seus olhos castanho-claros, e os cabelos de um tom acobreado. Muito parecida com o pai. Respiraram fundo juntas, mãe e filha, e logo mais alguém a envolveu. Angelica, filha do seu terceiro filho, Tales, a segurava, deixando suas lágrimas caírem livremente. A avó afagou as costas da neta, visto que a moça era mais alta, e lhe murmurou baixinho: “Não chore, minha querida. Sua tia não gosta de choro.”


E mais uma ladainha. Todos os seus descendentes a circundaram. Quem diria, pensou, nunca imaginei que enterraria sua mais nova. Sempre pensei que seria qualquer um de nós, menos ela.


Quando um gemido mais sofrido foi ouvido, ela levantou a cabeça e afastou todos. A terra era erguida para cobrir tudo. Carla estava desesperada nos braços de seu Protetor, se debatendo e chorando. O pai e o padrinho andavam ao seu redor, sem saber o que fazer. Cannish estava lá, perto, mas olhava para a terra. Devaneava. Sua mão estava em volta de um grosso crucifixo de ouro, que pendia de seu pescoço.


“Não!” a neta gritou, sufocando, e estendendo um braço para o bruxo que levantava a terra. “Não! Ela não vai respirar, por favor, ela não vai poder respirar! Não!! Mãe!” O agudo era quase impossível de ser ouvido. A frequência era altíssima. Mas as Criaturas presentes puderam ouvir o desespero do filhote abandonado.


No, mamma, no! Per favore! Non si respira, per favore! Non farlo!”  Carla gemia e se contorcia entre os braços de Oscar. O idioma de sua mãe saindo numa tentativa de reaver o que perdera.


Antonietta caminhou para a neta, deixando os outros para trás. Oscar chorava baixinho junto à menina desesperada. Ele só podia segurá-la, não havia como parar sua dor.


“Levanta, Carla.” A avó ordenou. O tom irredutível e seco que sempre acompanhou a ovelha negra dos Lambóglia estava lá, mesmo quando sua dor era igual à dos outros. A menina baixou a cabeça e chorou mais. Baixinho e constante. Então, ela se firmou em suas pernas, respirou fundo e levantou a cabeça, sem enxugar as lágrimas que já caíram, mas não derramando nenhuma nova.


Si, nonna?” Não havia arrogância ou ironia. Não havia nervos para jogos.


“Levante sua cabeça. Você sabe: uma vez que alguém parte não há volta. E sabe que se não a deixar ir, ela vagará no Espaço, no Vazio. Deixe-a ir, então poderá descansar.”


“Sim, nonna...” A voz da garota rachou e ela baixou os olhos verdes. Aqueles que pertenceram à sua filha.


Antonietta viu sua neta se virar para seu pai, seu padrinho, seu Protetor e Cannish, e partir. Sem dizer nada mais.


“Você foi muito dura com ela, mamma.”


“Ela tem que deixar ir, Camilo” E seus olhos encontraram os olhos do pai de Charles e Gianni. Olhos castanhos, como os de Rosa, e cabelos castanho-escuros, como os seus foram uma vez.


“Ela sofre como nós, mamma. Carla é só uma criança. Não podemos culpá-la pelos erros de seu pai.”


“Por falar nisso...” Antonietta virou-se para o filho, passando os olhos pelas pessoas que iam embora, se despedindo de sua família aos poucos. “Wulfmayer veio me dar condolências...”


Si, mamma. Talvez ele não seja tão malvagio, crudele e arrogante como pensiamo, no?”


Ela olhou enviesado para seu quinto filho e bufou.


“Só porque a cascavel não atacou agora, Camilo, não significa que nunca o fará!”


E saiu, de volta para sua casa.


 


Camilo olhou para o local de terra revolvida e acenou a varinha, fazendo com que a grama cobrisse toda a terra e que flores enfeitassem o local. Um movimento chamou sua atenção e ele se virou para ver Jean Claude pela primeira vez, ao vivo.


“Eu não entendo... como ela não se defendeu... ela sabia tanto, sempre disse que não poderia ser pega e que-”. A voz do francês quebrou. Ele engoliu em seco. “Eu não sei de mais nada...” Ele olhou ao redor e sorriu tristemente para o Lambóglia ao seu lado. Camilo encarou o sujeito. Sempre ouvira falar do namorado da irmã, mas achava que ele ou era errado demais para ela, ou que era invenção, afinal, depois de anos juntos, nunca fora apresentado à família. Então, contratara um detetive para vigiar sua irmã, e as fotos não mentiam sobre a beleza do homem. Agora ele sabia o porque. Jean Claude era uma Criatura, também. Seu cheiro forte e masculino dizia claramente o que ele era. Um felino. Restava saber qual. Camilo sabia que deveria se afastar. Se fosse em um campo aberto, o homem poderia caçá-lo.


Jean Claude percebeu a aversão.


“Me desculpe. Acho que ainda não nos conhecemos apropriadamente. Sou Jean Claude, namor-, ex namorado da sua irmã.” E estendeu a mão direita, dando um passo para trás, afim de dar espaço ao outro.


Camilo percebeu a dor na voz do homem. Quem não a amaria? Ela era especial.


Si, eu sei quem você é. Sou Camilo.”


Eles apertaram as mãos.


Piacere di conoscerti, signore Camilo.” Disse Jean Claude, com o sotaque francês enrolando o italiano.


Camilo sorriu fraco e se afastou outro passo. Depois deu as costas e virou, caminhando. Foi quando um barulho de roçado chamou sua atenção. Virou para onde deixara Jean Claude, que estava com uma varinha na mão. Atrás dele, fazendo sombra às flores sobre o túmulo, a escultura de uma bela mulher sentada preguiçosamente num banco de jardim olhava de volta. Os cabelos dela estavam esparramados pelo braço do banco que ela se recostava, e seu sorriso lânguido e fácil fazia pensar que era um sorriso secreto, do tipo que só era dado aos confidentes.


A escultura de sua irmã olhava pra ele de forma relaxa, lhe dizendo que estava tudo bem, e convidava-o a sentar no espaço vazio do banco para fazer-lhe companhia. Ele desceu os olhos para a posição dos braços, um apoiando a cabeça, no braço do banco, e as pernas sob seus quadris, o joelhos dobrados e encolhidos, do jeito que ela mais gostava. O outro braço segurava seus joelhos, como se o acariciasse.


Sua respiração faltou, quando ele se percebeu sozinho com o amante de sua irmã, sob o grande carvalho; sobre seu túmulo.


O moreno caiu sobre seus joelhos, e deixou a dor da perda lavar sua alma. Não viu quando foi deixado sozinho.


 


*************


n.a.: Bom, espero que tenham gostado. Triste, é. Mas, vamos, é um enterro.


Então, eu apresentei à vocês Jean Claude, que ainda não tinha aparecido. Ele vai ter alguns momentos, agora.


E também vimos que a família da mamma da Carly não é muuuito pequena, não?


E não tem nem metade das pessoas descritas. (:


Pois é, gente. Logo voltarei com as edições dos capítulos!


Ah! Se quiserem, vou postar algumas imagens, plantas baixas e desenhos da história. Não sei o que houve com o Google, não está abrindo aqui, mas assim que der, o Blog vai ser atualizado.


Deixem seus comentários, ok?


Beijão!


Mira.


20.07.2012

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Comentários (1)

  • Lory Tonks Lupin

    sua fic esta incrivel como era de se esperar, parabens estou muito ansiosa para o proximo capitulo! 

    2012-07-21
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