Desencontro



Água e Vinho


Capítulo Vinte e Dois - Desencontro







Eu não sei o que quis exatamente explicar quando beijei Potter daquele jeito. E ele... Ele reagiu naturalmente depois que se acostumou ao fato que estava sendo agarrado por mim. Segurou o meu rosto e, quando as nossas bocas se separaram outra vez, ele beijou o meu pescoço e eu me arrepiei toda, outra vez, como uma gata sob ameaça.



-Ev... Lílian - gaguejou ele, então me segurando com um pouco de incerteza. - Ah, droga, não sei mais como te chamo. Essa transição rápida nome-sobrenome é um pouco demais pra mim.



Sorri, sem jeito. Agora era a deixa onde ele pedia explicações pela minha maluquice. Ele até mesmo já estava soltando alguns murmúrios, ensaios de como me perguntar o que certamente martelava a cabeça dele a noite toda.



-Eu sei o que você está pensando - me precipitei, olhando no relógio. - Que diabos essa maluca andou fazendo a noite toda?, não é? Bem... Daqui a alguns minutos os outros vão subir, e eu sei que tenho muito a te contar...



-Você pode vir ao meu dormitório - replicou Potter, malicioso. - Eu posso dar um jeito de fazer o Aluado nos dar uma certa paz.



Não pude evitar um sorriso, mas ergui a mão em negativa.



-Acho que teremos tempo pra conversar amanhã de manhã, antes que você volte para casa - falei, rapidamente. - Não se importa de acordar mais cedo, não é?



-Claro que não - ele disse imediatamente.



-Ótimo - murmurei, sem saber o que dizer em seguida. Potter continuava me olhando, agora um pouco mais seguro.



-Adoro quando você fica calada, sabia?



Ergui uma sobrancelha.



-Isso me dá a chance de fazer isto - disse ele, se aproximando e me beijando outra vez.



~~



Revirei tanto na cama aquela noite que me senti um bife à milanesa, enrolada nas cobertas. Minha imaginação não parava de criar imagens de nós dois conversando, de nós dois se acertando, das coisas mudando... Eu estava me tornando outra pessoa completamente diferente da Lílian Evans de sempre!



Que não fazia sentido era verdade. Mas que eu gostava dele também era. Revirei mesmo na cama, mas foi de felicidade. Parecia que haviam grudado um sorriso na minha cara com aquele feitiço de cola permanente. Sim, eu ainda teria muito a explicar a Alice depois de tudo. Depois de me espancar por não ter dito a ela desde o início, talvez ela confessasse que já sabia que terminaria assim. É sempre o que acontece; há tempos que eu não consigo surpreendê-la, e há tempos que ela lê meus pensamentos como se estivessem o tempo todo carimbados na minha testa.



Chega disso, Lílian Evans, trate de pegar no sono!



~~



Todas as minhas colegas de quarto ainda dormiam a sono solto quando despertei, ansiosa. E eu sabia que ainda teriam uma boa ressaca do baile para aproveitar quando acordassem, por isso abri o cortinado da minha cama sem fazer esforço para não fazer barulho, me vesti e respirei fundo, encarando meu reflexo no espelho.



Minha nossa, eu estava apaixonada por Potter e estava ainda lutando por ele! Pelo galinha, imprestável e metido!



Antes que pudesse pensar mais e acabar diminuindo Potter no meu conceito, saí e comecei a descer as escadas. Assim que estava a poucos degraus da sala comunal, olhei desapontada para Black, o único que estava ali.



Mesmo antes de falar comigo, pude notar que ele estava muito nervoso. Andava de um lado para o outro sem nem mesmo fazer uma pausa, punha a mão na testa, depois soltava alguma exclamação furiosa e recomeçava o ciclo. Parada por um momento, me perguntei qual dos dois, Tiago ou Black, seria mais bonito.



Provavelmente, antes que pudesse chegar a tal decisão, eu teria que me acostumar a chamar Potter de Tiago, pois isso ainda me soava estranho.



-Evans! - exclamou ele, quando me viu. -Preciso que venha comigo. Eu estava justamente pensando em como poderia fazer você vir até aqui, já que essa droga de escadaria bloqueia os garotos.



-Você devia parar para pensar no que aconteceria se não fosse assim - repliquei, sem piscar. - Mas o que quer exatamente que eu faça? Saia com você da Grifinória, tão cedo?



-É, mais ou menos isso - ele respondeu, mudando a perna de apoio três vezes em dois segundos. - Ande logo, você não vai se arrepender, é importante.



Olhei instintivamente para a escadaria do dormitório masculino. Se eu fosse com Black, poderia perder o encontro com o Tiago!



A este pensamento, uma vozinha na minha cabeça me confidenciou: "e se ele estiver nervoso assim por algo estar acontecendo com ele?"



Não...Impossível. Ele não conseguiria se meter em encrencas tão cedo, conseguiria?



-Eu... Não posso, Black. Tenho outros compromissos.



-A esta hora da manhã? - nesse momento ele me pareceu malicioso, mas recuperou o tom em seguida. - Digo, o que você pode ter para fazer agora? E não venha me dizer que tem reunião de monitores. Remo está roncando a sono solto na cama dele.



Droga, pensei.



-Diga exatamente o que está acontecendo. - ordenei. - Ou não vou.



-É difícil resumir tudo numa frase só - ele disse, fazendo uma pose ensaiada que eu já o vira usar com Alice. - Mas digamos que eu descobri algumas coisas importantes sobre os Comensais da Morte da Sonserina.



A isto eu nem pensei duas vezes. Impedir reuniões de Comensais vinha antes dos meus assuntos. Eu tinha que me esforçar pra resolver tudo rapidamente e talvez, quem sabe, dar uma palavrinha com Tiago. Odiava aquilo, mas os meus deveres de monitora vinham antes da minha vida amorosa.



-Ah, está bem - me rendi. - Onde eles estão?



-Na biblioteca, eu acho - ele replicou, me levando até o retrato da Mulher Gorda e dizendo a senha.



Segui-o com passos apressados, mas em determinado momento pensei algo que realmente me alarmou. Caso eu não estivesse me lembrando muito bem do fato, aquele cara à minha frente era um Black. Era integrante de uma das famílias de sangue puro mais nojentas de todo o mundo da magia. Ele poderia ter sido o tempo todo uma exceção, mas ainda assim...



Outros nomes Black me vieram à mente. Narcisa era uma Black. Bellatrix, uma garota arrogante e da qual eu sempre me esforçava para manter a maior distância possível, era outra. Elas tinham também companhias nada simpáticas. Severus Snape, Lúcio Malfoy e, eventualmente, um garoto franzino e com olhar astuto, chamado Rodolfo Lestrange. Eram mesmo os maus elementos da escola.



Eram memoráveis as brigas que eu já presenciara entre Sirius Black e os outros membros de sua família, desde o primeiro ano, quando ele foi selecionado para a Grifinória. Todos pensavam que ele era uma vergonha, alguma espécie de ovelha negra. Sim, eu sempre achei esse tipo de atitude deprimente e sei que vocês também, mas o que fazer?



Mesmo assim, naquela hora o único fato que eu conseguia levar em consideração era que Sirius Black ERA um Black, e mesmo que ele sempre tivesse se esforçado para renegar isso, estava nele. E se, de uns tempos pra cá, ele não tivesse mudado? E se eu estivesse caindo numa armadilha?



Mais um fato somou-se à todos os meus temores: eu me lembro de que certa vez, McGonagall mencionou que a Sonserina não era a única Casa que abrigava Comensais da Morte em potencial, que acontecia com todas. Inclusive com a Grifinória.



Sem pensar mais, saquei a varinha e a apontei para Black. Estávamos num corredor que levava à biblioteca, que começava a se iluminar com a luz fraca do dia. Quando ele se virou para me apressar mais um pouco, viu a minha atitude.



-Mas... Mas que diabos pensa que está fazendo?!? - ele exclamou, parecendo muito surpreso.



-Eu é que pergunto, Black! - falei, exaltada. - O que me garante que você não está me levando para uma armadilha? Os Comensais daqui teriam muito gosto em emboscar Lílian Evans...



Black arregalou os olhos. Fitou-me por um segundo, apressado, e então ergueu uma sobrancelha.



-Ah, acho que essa é a viagem mais mirabolante que já inventaram de mim - ele replicou, calmamente então. - Você fala como se não soubesse do meu amor pela minha família. E OK, eles querem te pegar mesmo, Evans, mas não enquanto o Pontas estiver te protegendo... Francamente, parece que você não nos conhece.



-Protegendo? - foi a minha vez de erguer uma sobrancelha. - O que está querendo dizer?



-Não temos tempo pra esse tipo de explicação agora. - ele replicou. - Ande logo, vamos, baixe essa varinha. Você sabe que eu odeio meus parentes e teria dado tudo pra ter nascido trouxa, como você.



-E que garantia eu tenho de que você não andou mudando de idéia? - inquiri, dando um passo à frente, sem mexer a varinha. - Ou que você não seja mesmo Sirius Black? Você pode perfeitamente ser um deles com uma boa Poção Polissuco. Você pegou o Black ontem à noite, no baile, e entrou no nosso dormitório, tomou outra dose hoje de manhã e...



-Pára, pára, pára tudo! - exclamou ele, dessa vez rindo. - É, Evans, você ainda vai dar muito trabalho pra eles. Sou eu, acredite. Pode me perguntar qualquer coisa. Aluado é um lobisomem, por exemplo. Um impostor nunca saberia disso.



-A não ser que tivesse usado Veritaserum no verdadeiro Black.



-Com uma informação dessas, Evans, eles pegariam o Remo primeiro. Ele é um mestiço pior que você pra eles. Mais alguma dúvida??



Bufei.



-Droga, Black, é você mesmo. - me rendi.



Ele deu um sorriso de constatação e me puxou pelo pulso, na direção da biblioteca novamente.



Aquele caminho poucas vezes me pareceu tão longo. Olhei no relógio. Os outros alunos deviam estar acordando, pelo menos todos que fossem voltar pra casa. Perguntei-me como Tiago teria se sentido com um bolo espetacular como aquele. Como eu explicaria aquilo, Merlin.



-Ande com cuidado - Black falou quando avistamos a porta da biblioteca. - Eles estão atrás das estantes de Herbologia. Acho que colocaram um feitiço na porta, para que saibam quando chega alguém. Você fica aqui e eu vou tentar desarmar.



Naquele momento, pensei no quanto era estranho Black pedir a minha ajuda para um flagra numa reunião de Comensais. Vindo ele, eu não estranharia que pensasse que era capaz de fazer qualquer coisa, inclusive de derrubar todos eles com um só feitiço. Refleti por um instante sobre qual seria o meu papel naquela história.



-Pronto - murmurou ele, voltando. - Vamos.



Ele abriu a porta e eu entrei na frente; não conseguia ver nada de anormal por ali. Claro que as estantes de Herbologia costumavam ficar no fundo do lugar, mas ainda assim esperei ouvir vozes e estampidos de feitiços.




-E então... - resmunguei, olhando em volta.



Mas Black fechara de novo a porta e estava se aproximando depressa demais. Dei um passo pra trás, mas ainda assim ele conseguiu me abraçar pela cintura. Inclinei-me pra trás o máximo que consegui, mas ele estava me encarando de perto, com um olhar sem vergonha e malicioso.



-Seria mesmo o único jeito de te trazer aqui - disse ele, sedutoramente. Olhei em volta, desesperada.



Se a minha história sobre Polissuco e Veritaserum era viagem, o que uma cena de Sirius Black me agarrando na biblioteca seria?



-Black! O que está fazendo? Ei!



-Não se preocupe, Lílian - ele murmurou, tentando segurar o meu rosto. - Você vai acabar gostando... Anda, só um beijo...



-Mas isso... Mas ISSO É RIDÍCULO! - gritei, chocada. Black estaria morto se Tiago descobrisse sobre aquilo. Se quase matara Remo por gostar de mim, imagine só...



Soltei-me e quando Black estendeu o braço pra me puxar de volta, desci um tapa na cara dele que ecoou entre as estantes. Ele pôs a mão no rosto e me olhou, com um meio sorriso.



-Tem certeza que não quer? - ele insistiu. - Bem, de qualquer forma, você poderia ter verbalizado a idéia ao invés de demonstrar...



-Seu cérebro é pequeno demais pra ligar palavras ao seu significado, Sirius Black! Você é ridículo! Você me tirou da Grifinória apenas para... Ah, você não passa de um trasgo leproso! E merecia outro tapa, sabia? Mas eu tenho mais o que fazer!



Dei as costas e me encaminhei para a porta. Quando estava prestes a sair, virei-me e falei:



-Eu podia não saber desfigurar alguém da última vez, mas estive aprendendo uns truques muito interessantes... Vá por mim, você não vai querer ser a cobaia deles!



Saí correndo. Por Merlin, que Tiago Potter ainda estivesse na Grifinória... Olhei o relógio. À esta hora até eu já estaria nos gramados da escola. Droga! Eu ia matar Black!



Irrompi dentro da sala comunal algum tempo depois e vi apenas algumas meninas do terceiro ano, retardatárias. Parei por um minuto, olhei em volta, tirando algumas mechas de cabelo da frente do rosto. Sem pensar duas vezes, entrei correndo pelo portal do dormitório masculino.



Até que eu encontrasse o dormitório eu já estava exausta. Abri a porta com um murro e olhei o dormitório deserto. Era o quarto dos Marotos. Apenas uma cama estava como sempre: provavelmente a de Black, já que eu sabia que ele nunca ia pra casa nos feriados. Todos os outros já tinham ido.



Estava pronta pra correr até os gramados, até Hogsmeade, até a China se preciso, quando olhei pela janela e vi os alunos andando através dos jardins, muito distantes. Os mais altos estavam todos já nos portões. Eu nunca o alcançaria.



AH, BLACK, VOCÊ ESTÁ MORTO NA MINHA MÃO!

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