A Criança



NO DIA seguinte, uma tempestade de neve uivava fora das paredes do castelo, cobrindo de branco a paisagem. Gina viu Harry poucas vezes, logo se tornando claro que ele a evitava. Ela havia dormido pouco durante a noite. Seus pensamentos estavam distantes quando, ao erguer os olhos, viu Ronald, irmão de Harry.


— Bom dia — ele disse. — Esperava por uma oportunidade para conversar com você. — Pelo tom formal, ela pressentiu que o assunto era bem importante.


— Espero não ter causado problemas entre sua tribo — comentou Gina.


— Alguns se sentem desconfortáveis — ele admitiu. — Mas como você está aqui a meu convite, terão que aceitar.


Ronald a levou para uma área mais reservada, longe daqueles que pudessem ouvir a conversa.


— Conversei com Harry a respeito de um acordo.


Os penetrantes olhos azuis a fitavam, como se avaliando seu valor. Gina esperava que ele explicasse a proposta, mas pressentiu certa hesitação, como se Ronald não soubesse como abordar o assunto.


— Diz respeito a Godric? — ela adivinhou.


— Sim. Sei de uma maneira de garantir a paz entre nossa gente, e acredito que você queria o mesmo.


A sinceridade e a atitude calma a tranquilizaram.


— O que quer que eu faça?


— Quero que se case com Harry. Uma aliança com sua família faria com que Godric pertencesse a ambos, e acredito que seu rei ficaria satisfeito com a união.


Embora Gina já tivesse considerado esta solução uma vez, sabia que Harry nunca concordaria.


— Seu irmão preferiria morrer a casar com uma sonserina.


A predição não deteve Ronald.


— Ele o fará se eu ordenar.


Agitação e desapontamento convergiram para o coração dela. Gina sabia que a proposta de Ronald era a melhor solução, uma maneira e proteger a família da guerra. Mas teria que passar o resto da vida com um homem que não a desejava.


— Você concordaria caso eu levasse a questão ao rei Snape e ao nosso rei supremo?


— Minha opinião não tem qualquer peso. É preciso a aprovação de meu pai antes que o compromisso seja feito.


— Enviei mensagem para que ele nos encontrasse em King’s Cross. O mensageiro dele me trouxe a resposta hoje. Ele concordou em nos ver lá.


Uma combinação de torpor e alívio se apossou dela, Seu pai finalmente viria. Não sabia se ele havia recebido qualquer uma de suas cartas, mas tinha certeza de que ele a ajudaria a terminar o noivado com Draco.


Mas será que aceitaria que se casasse com Harry? Gina tinha suas dúvidas. Era mais provável que seu pai e Harry guerreassem entre si, lutando pelos direitos a Godric. A não ser que ela se colocasse entre eles.


Queria que o pai viesse para Hogwarts e a levasse novamente para casa, evitando todo aquele problema.


— Qual é a sua opinião, Lady Gina? — perguntou Ronald calmamente. — Casaria com meu irmão para reparar a discórdia entre nossas famílias?


Ela não tinha escolha. Não mais do que Harry. Era a única maneira de evitar uma matança.


— Se meu pai concordar, eu aceito.


 


 


 


 


 


 


 


 


 


A TEMPESTADE de neve abrandou, grossos flocos revestindo o chão de branco. Gina decidiu andar lá fora, para pensar na conversa com Ronald.


Vestida num casaco de lã que lhe envolvia os ombros, e numa capa para proteger o vestido, saiu para o frio intenso. Flocos de neve lhe atingiram o rosto, mal permitindo que visse alguns passos adiante de si.


Além da muralha do pátio externo, um manto de neve cobria as colinas de Hogwarts. Enquanto observava o horizonte, Gina imaginava quais seriam as intenções de Draco. Nem por um instante acreditou que ele desistira da perseguição.


Estava em Hogwarts há poucos dias, contudo não deixava de ter medo. Sentia que estava sendo observada, embora a ideia fosse tola. À noite, acordava ao menor ruído, imaginando um atacante despercebido. Ficava aborrecida ao saber que continuava se comportando como uma covarde mesmo agora. Desprezava a maneira como Draco a controlava, mesmo em sua ausência.


Embora tivesse escapado de sua presença física, o domínio dele sobre seu estado emocional a enfurecia. Rangendo os dentes, deu mais alguns passos adiante. Depois mais alguns, até parar na entrada para a muralha exterior.


— Não é prudente se aventurar mais além com este tempo disse o guarda, bloqueando seu caminho.


— Só irei até o pé da colina — prometeu Gina. — Apenas se distanciaria o bastante para enfrentar seus medos. Ela se mantinha dentro da fortaleza, escondendo-se da ameaça dos homens de Draco. Embora ele não estivesse ali, Gina ainda sentia sua presença controladora.


— Não irei além de onde possa me ver — ela prometeu. Com isso, o guarda cedeu.


Gina andou com dificuldade pela neve espessa, a barra do vestido ficando úmida. Havia uma sensação de paz ali, a amortecida quietude da beleza do inverno. Viu uma única árvore, seus galhos fustigados por uma cobertura de neve. Ao seu redor, todo o verde das colinas havia sido substituído por um reluzente lençol branco.


Não havia ninguém ali para ameaçá-la. Gina respirou fundo, absorvendo o perfume da liberdade. A neve dançava ao redor de seu rosto, e ela recordou o banquete da noite anterior, quando Harry a beijou.


Embora ele não parecesse odiá-la, seria possível ganhar sua amizade? Ela detestava a ideia de escapar de um casamento apenas para se colocar em nova prisão.


A união dos dois evitaria uma guerra por causa de Godric, mas apenas se seu pai e Harry concordassem. Embora Ronald alegasse poder obrigar o irmão a casar-se com ela, isso só aumentaria a animosidade de Harry. Ele acabaria se ressentindo de sua presença, a não ser que Gina o convencesse de que não lhe representaria ameaça.


A ideia criou raízes e começou a florir. Se convencesse Harry de que ela não esperava nada dele, talvez a situação não se tornasse tão ruim. Poderiam se casar e manter distância um do outro.


Quanto mais considerava o plano, melhor parecia. Gina temia a reação dele. Mas se ela apresentasse a ideia de uma maneira que lhe oferecesse completa liberdade, talvez Harry compreendesse suas razões. O arranjo protegeria sua família, o que era da maior importância. Seus antigos sonhos de desposar um marido que a amasse haviam embotado com a realidade. Aprendera da pior maneira a não confiar seu coração a ninguém.


À distância, Gina ouviu um fraco ruído semelhante ao chamado de um pássaro. Era o único som a quebrar o silêncio. Ela quase o ignorou, mas então o ouviu novamente. Franzindo a testa, Gina se moveu na direção do ruído. Observou a paisagem, procurando pela origem.


Quando ouviu o chamado pela terceira vez, compreendeu o que estava ouvindo. Ergueu as saias e correu na direção dele. Ignorando os cristais de neve caindo na pele, Gina lutou para abrir caminho na direção do som.


Havia um pequeno lago coberto de gelo e neve bem na base da colina. Delicadas tábuas dançavam ao vento, revelando uma profunda fenda com pedaços flutuantes de gelo no centro do lago. Gina enxergou uma cabecinha se sacudindo abaixo da superfície. Com o coração disparado, rezou para que não fosse tarde demais.


Quando alcançou o lago, Gina não soube dizer se a superfície de gelo suportaria seu peso. Deitou-se sobre a barriga, arrastando-se na direção da criança que se debatia para se livrar das garras da morte.


— Aguente, amorzinho — ela disse em grifinório. — Estarei aí num instante.


O gelo estalava com o peso, mas Gina continuava num rastejar constante. O soluçar do menino aumentava sua determinação em alcançá-lo. Quando seus dedos tocaram a mão dele, Gina o puxou com toda a força.


O gelo rachou e ela caiu na água gelada, Gina arfou, quase ofegando quando subiu para buscar ar, os braços segurando a criança. Não o deixaria afundar.


O lago não era profundo, mas Gina se debatia para se livrar do gelo. O peso das saias de lã a arrastava para baixo.


O menino estava inerte em seus braços. Ele respirava, mas seu corpo estava frio — terrivelmente frio.


— Socorro! — ela gritou para os guardas, esperando ser ouvida. Em segundos, um deles desceu a colina. Ele ordenou que outro guarda viesse ajudá-lo, e logo Gina era amparada pelos dois homens e se arrastava para subir a colina. Nunca sentira a pele tão fria. A dormência nas pernas tornava difícil andar, mas os soldados a impediam de desabar.


Os dentes batiam enquanto ela continuava caminho acima, segurando o corpo do menininho. Não deveria ter mais do que três anos de idade. O rosto dele estava azulado, o que a assustava. Se fosse para ele continuar vivo, precisava levá-lo para dentro logo.


Alcançou o pátio externo, e não demorou para que um grupo de pessoas a rodeasse, todos falando ao mesmo tempo. Gina aninhou mais o menino, porém não respondeu ao turbilhão de perguntas.


Finalmente conseguiu chegar ao salão. Hermione ordenou água quente e roupas secas. Gina já tinha começado a subir a escada com Hermione quando Harry apareceu.


— O que estava fazendo? — ele perguntou, segurando o braço dela.


Gina mal podia falar, mas conseguiu responder:


— A criança caiu no gelo. Não podia deixar que se afogasse.


— Não deveria ter deixado a fortaleza num tempo destes. Por nada.


— Ele morreria — insistiu Gina. — Veja. Ele ainda está vivo.


— E você poderia ter morrido também. Já vi homens se afogarem em águas mais rasas.


Gina pensou em discutir, mas percebeu que havia preocupação por trás das palavras dele.


— Estou bem, Harry. Mas não sei dizer o que acontecerá com este menino. É praticamente um bebê.


Harry tomou a criança dela, o rosto grave.


— Vá com Hermione e se seque. Eu cuidarei do menino.


— Não. Não o deixarei sozinho.


— Sei como cuidar de uma criança. — A expressão de Harry era furiosa. — E você precisa se aquecer. Faça isso agora. A não ser que queira ser arrastada até lá em cima.


Gina recuou, mas só porque viu a maneira como Harry segurava o menino, como se fosse filho dele.


— Está bem. Mas virei para ajudá-lo com ele.


Hermione levou Gina para seu quarto, onde o fogo ardia na lareira. Ajudou Gina a se despir das roupas, enrolando-a num grosso cobertor e secando-a vigorosamente.


— Pode tomar banho depois — prometeu Hermione. — Você precisa readquirir a sensibilidade da pele antes disso.


Gina sucumbiu aos cuidados de Hermione, aceitando uma bebida fermentada que queimava ao descer pela garganta.


A pele ardia de dor, e as pernas pareciam pesadas ao vestir o vestido seco e enrolar um pesado casaco ao redor dos ombros. Não se preocupava com o próprio desconforto, pensando apenas na criança.


— Conhece os pais do menino? — perguntou Gina. — Eles devem ser trazidos aqui.


Hermione baixou a cabeça.


— O pai era um dos soldados que foi para Godric com Harry. Ele não retornou. Mandarei mensagem aos arrendatários para que a mãe dele seja trazida para Hogwarts.


Gina rumava para a porta, mas Hermione a deteve.


— Antes que vá, saiba disto. Harry perdeu a filha para a febre quando estava longe, em batalha. Ela tinha quase a idade deste menino quando morreu.


Gina ficou paralisada. Não sabia que ele havia sido pai. Não era de surpreender que tivesse insistido para cuidar da criança ele mesmo.


— Leve-me até ele.


 


 


 


 


 


 


 


 


 


A CURANDEIRA tinha ajudado Harry a massagear o calor de volta ao corpo do menino, enrolando-o num cobertor. Harry segurou o menino adormecido nos braços, fechando os olhos. Pousou o rosto na testa do menino, a respiração de ambos os únicos sons ouvidos.


Não morra, ele rezou em silêncio. O frágil limite de seu controle fraquejava. Fugia da angústia de perder esposa e filha há tanto tempo que não sabia o quanto ainda poderia suportar. Não visitara seus túmulos em Godric nenhuma vez. Enquanto se mantivesse afastado, poderia lidar com a tênue dor que o assombrava nos últimos dois anos.


Agora, segurando a criança nos braços, era como se segurasse sua filha outra vez. Harry observava o fogo bruxuleante na lareira, forçando o lamento a sumir.


A porta abriu e Gina entrou. Ela pensou em falar algo, mas calou-se. Apenas fechou a porta e aproximou-se da cama. Sem dizer nada, sentou-se ao lado de Harry, passando a mão pelos cabelos úmidos do menino. Juntos, acalentaram a criança.


Harry sentiu algo sendo pressionado na palma de sua mão. Abrindo-a, viu o frágil retalho de linho que Gina lhe devolvera em Hogsmeade.


— Onde pegou isto? — perguntou.


— Entre suas coisas — disse Gina, cobrindo a mão dele com a sua. — Pertencia a sua esposa, não é?


Harry apertou o pedacinho de tecido e assentiu.


— Pertenceu ás duas. Cho o carregava no dia de nosso casamento. Depois, ela o costurou num gorro para o batismo de nossa filha.


Gina viu a dor se infiltrar nas feições dele. Queria consolá-lo de alguma maneira, mas palavras não bastariam. Acabou por levar a mão ao rosto de Harry. A cicatriz se tornara uma áspera linha vermelha, mas ela pressentia que ele carregava muitas outras cicatrizes dentro de si.


A dor de Harry era quase tangível, e os olhos de Gina se turvaram de lágrimas. Longos momentos se passaram entre eles. Gina não fez perguntas, mas levou a mão dele aos lábios.


— Que Deus alivie sua dor.


Os dedos dele apertaram os dela e, juntos, os dois mantiveram vigília sobre o menino. Horas mais tarde, Harry deitou-se ao lado da criança, a respiração suavizando-se com o sono. Gina afastou uma mecha de cabelo do rosto de Harry, estudando-o sob a luz do fogo.


Ficaria cuidando de Harry e do menino esta noite. Não se importava com o que o resto da casa poderia pensar. Ficaria ao lado deste homem e da criança que haviam salvado.


Era perigoso pensar da maneira que estava pensando. Os muros de seu coração ruíram ao saber o que Harry sofrera. E Gina temia o que ele diria quando se oferecesse para ser sua esposa.


 


 


 


 


 


 


 


 


 


HARRY SENTOU em uma das mesas de cavalete no salão. Lá fora, o céu continuava escuro, por isso grande parte da casa ainda continuava na cama.


Embora o menino tivesse sobrevivido à noite, sua respiração continuava fraca. Ele tossia com frequência, o corpinho tremendo com o esforço. Será que sua filha tinha sofrido assim? Será que Cho cuidara da menina assim antes que Lílian desse seu último suspiro? Não podia se perdoar por estar em batalha. A guerra lhe roubara a última chance de abraçar e filha. Ela já tinha sido enterrada quando ele voltou.


Naquela manhã, Harry acordou e deparou com Gina ao seu lado, seus braços envolvendo o menino. Tentou negar para si mesmo o quanto era bom despertar ao lado de uma mulher outra vez.


Depois de um instante, viu Ronald se aproximar.


— Venha caminhar um pouco comigo, Harry — disse o irmão.


Harry acompanhou Ronald até lá fora. O tempo estava frio ao amanhecer. A lua se escondia por trás de um nevoeiro de nuvens, mas um leve brilho as atravessava. A neve se triturava sob as botas enquanto eles caminhavam ao longo do pátio interno.


— Mandei mensagem ao rei supremo, Rúbeo Hagrid — disse Ronald. — Ele nos chamou a King’s Cross.


Harry ficou tenso.


— Com que propósito?


O rei sonserino está lá. Hagrid informou que ele e o rei Snape julgarão a questão de Godric.


Harry olhou furioso para o irmão. Deveria ser uma simples questão de posse anterior, mas Ronald estava deixando que a política ditasse o futuro. Ele sabia o que os juizes do caso diriam.


— Você ainda quer que eu case com ela — disse sucintamente.


— Sim. É a solução mais simples, e os dois reis ficariam satisfeitos,


— Não posso. — As palavras saíram rápido demais. Mas exprimiam a verdade.


A princípio, era seu juramento de nunca trair a memória de Cho. Agora era por causa de Gina. Se fosse com outra mulher, poderia manter distância. Mas não com ela. Ela o tentava, o atraía com sua inocência.


Imaginava um bebê de olhos cor de mel, com os cabelos vermelhos e o sorriso e Gina. A esmagadora lembrança da morte de sua própria filha solidificou sua decisão. Não se casaria novamente para enfrentar a perspectiva de perder outra esposa, possivelmente outra criança.


— Talvez você não tenha escolha — disse Ronald. — Recebi um convite para visitar o rei Snape, junto com os outros reis.


— Você irá?


— Ainda não decidi. Hermione acha que devo. Como é sonserina, ela acredita que seria um grande gesto em favor da paz. — Ronald voltou-se para a fortaleza, acenando com a cabeça para um parente enquanto caminhavam. — O rei sonserino pode exigir seu casamento com Gina. — Ele acrescentou: — E eu posso exigir o mesmo de você.


Surpresa e ressentimento tomaram Harry ao ouvir aquelas palavras.


— Você não tem o direito.


— Eu sou seu rei. — A voz do irmão assumiu um ar de autoridade. — E você está arriscando a vida de meu povo. Já fui tolerante deixando que ela ficasse, sabendo dos abusos que ela sofreu. Mas se a guerra acontecer...


Harry reconheceu a promessa não dita. Mas não deixaria que ninguém o forçasse ao casamento. Nem mesmo seu irmão.


— Viajarei para me encontrar com o rei supremo — disse Harry. — E quando a questão for resolvida, Gina voltará para casa com a família. — Ele deu as costas para Ronald, concentrando a mente nos preparativos para a viagem.


 


 


 


 


 


 


 


 


 


GINA PASSAVA água fria na testa do menino. Apesar dos esforços de todo um dia, ninguém encontrara a mãe dele. Tentou fazer com que ele tomasse um pouco de sopa, mas não adiantou. A testa continuava quente ao toque e ele ainda respirava com dificuldade.


A curandeira havia tentado vários cataplasmas, mas nada parecia aliviar a respiração do menino. Gina apenas podia ampará-lo nos braços, rezando para que sobrevivesse. Como não tinham encontrado a mãe dele, sentia-se ainda mais protetora.


Harry voltou ao quarto, o rosto tomado de preocupação.


— Ele não melhorou?


Gina meneou a cabeça.


— Acho que teremos de chamar o padre. Temo que ele não tenha força suficiente para sobreviver mais esta noite.


Harry estendeu os braços e pegou o menino. Com um aceno de cabeça, dispensou a curandeira. O menino choramingou, mas Harry o manteve ereto.


— Traga-me uma bacia.


Gina obedeceu. Harry a instruiu a enchê-la com água quente. Segurando o corpo mole com um dos braços, colocou um pano sobre a cabeça da criança, deixando que aspirasse o vapor.


— Acha que isso ajudará?


— Não fará mal. Uma vez ajudou minha filha no inverno, quando ela teve dificuldades para respirar. — O rosto dele se tornou afável ao recordar. — Cho e eu não saímos do lado de Lílian nem por um instante. Acho que nenhum de nós dormiu por três dias.


Quando o vapor esfriou, Gina encheu a bacia com mais água quente.


— E Lílian melhorou depois disso?


— Ela acordou de manhã dizendo que queria tortinhas de mel para o desjejum. Acho que teríamos lhe dado qualquer coisa que quisesse de tão agradecidos. Ela exigiu que eu a levasse para cavalgar no mesmo dia.


— E você levou?


— Não. Embora tivesse considerado a ideia. — Ele remexeu os cabelos do menino, abaixando os fios levantados. — Hermione me disse que não encontraram a mãe dele. Mandei alguns homens vasculharem o lago.


Gina estremeceu ao imaginar um corpo sendo encontrado. Não conseguia imaginar como um menino tão pequeno poderia ter sido deixado sozinho. Ele estava bem agasalhado, como se preparado para uma viagem. Pelo jeito da roupa, não era nobre nem escravo.


— O pai dele era um dos meus homens — disse Harry. — Só posso presumir que tenha sido capturado com os outros, em Godric.


Gina estremeceu. Não havia dúvida de que o pai do menino já estava morto. Draco não permitiria que um único inimigo vivesse, ou que qualquer homem o ameaçasse.


— Você vai atrás deles?


— Meu irmão Neville já partiu com um grupo de soldados. Pedi para ir, mas parece que sou requisitado em King’s Cross.


Harry não olhava para ela, e Gina notou seu ressentimento. Se não fosse por ela, ele teria voltado a Godric.


— E se Draco atacar seu irmão?


— Ele sabe se cuidar. As habilidades de luta de Neville são fortes. Ele não será feito prisioneiro.


Gina estendeu a mão e tocou o ombro do menino. Seus olhos buscaram os de Harry.


— Sei que queria estar com eles.


— Conheço meu dever.


Mas por trás da voz, Gina percebia o significado oculto. Ele acre ditava que seu dever era para com seus homens, não para ser forçado a casar com uma mulher que não queria.


Gina recuou e pegou a bacia, concentrando-se nas necessidades da criança. Esvaziou a bacia e a encheu com mais água quente. Eles mantiveram o padrão, sem saber se os seus esforços seriam em vão. Depois de poucas horas, Gina quis pegar o menino.


— Eu continuo tentando o vapor. Pode se retirar, se quiser.


Harry meneou a cabeça.


— Não. Preciso ficar aqui.


Embora as palavras fossem puramente pelo bem da criança, Gina tornava-se mais ciente de Harry, do contraste entre o forte guerreiro e o pai zeloso. Seu espírito de luta a fascinava, mas também a assustava. Ele poderia facilmente se tornar tão dominador quanto Draco, tomando tudo o que quisesse. Contudo, Harry jamais pediu mais do que ela lhe oferecera.


O beijo fora gentil, embora tivesse despertado desejos dentro dela. Suspeitava de que ele escondia seus sentimentos, trancando-os bem fundo. Se acaso Harry os libertasse, Gina imaginava o tipo de homem que estaria por trás daquela superfície.


Gina se levantou e trouxe a bacia de volta á mesa onde Harry estava sentado.


— Quando parte para King’s Cross? — ela perguntou.


— Em três dias. O rei supremo pretende resolver a disputa pela propriedade de Godric lá.


Agora era o momento de contar a ele sobre a conversa com Ronald. Precisava convencer Harry a aceitar o compromisso. Mas a rigidez no rosto dele a fazia hesitar. Temia o que ele poderia dizer da proposta do irmão.


— Ronald acha que devemos nos casar.


— Não me casarei com você para readquirir o que me pertence por direito — disse Harry.


O tom determinado das palavras a magoou. Pressentia a fúria por trás delas, a frustração de ser forçado a um arranjo que não queria.


Mas de algum modo Gina pôs de lado seus sentimentos feridos e reuniu uma força que ignorava ter


— Esta tentando me afastar porque sou o inimigo — ela murmurou — Embora eu seja a única mulher com que poderá casar Eu não esperaria de você um casamento de verdade


Aproximando-se, pôs a mão sobre o ombro de Harry. Os músculos eram fortes, a pele cálida sob seus dedos.


— Não esperaria que você... partilhasse de minha cama


A palma da mão dela sentiu a pulsação dele acelerar.


— Poderia ir e vir como bem quisesse exatamente como faz agora. — A respiração dele ficou tensa, e Gina notava o efeito que estava provocando nele. — Godric seria sua sem que precisasse erguer um dedo. Sem que perdesse um único homem em batalha.


Harry agarrou o pulso dela.


— Você não sabe o que está fazendo, Gina.


A proximidade e o cheiro másculo fizeram o sangue dela disparar A boca não estava distante para um beijo. Ela estremeceu, temerosa de que aquele guerreiro nunca a perdoasse por ser sonserina.


— Vai considerar a ideia?


Harry não disse nada, mas o polegar dele se moveu sobre seu pulso numa inegável carícia. Os lábios firmes se suavizaram, os olhos verdes bebendo da visão dela. Harry a desejava, embora negasse isso.


Gina se soltou, um fio de esperança ainda existindo entre os dois.


— Pense nisso, Harry. Você teria liberdade. E Godric também.

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