A Festa



GINA SUPERVISIONAVA a decorarão do salão, enquanto lá fora outra tempestade de neve rugia. Não via Harry desde cedo e suspeitava que ele a estivesse evitando.


Ela fez com que as tapeçarias de Cho fossem penduradas na parede do fim do salão. Espalhou guirlandas de azevinho e folhagens ao redor do salão, colocando velas nas janelas para iluminar o caminho da Sagrada Criança. A cozinheira aceitou assar um leitão novo e preparar salmão, cordeiro e enguias temperadas para o banquete. Seu pai havia reabastecido as despensas de comida esvaziadas por Draco e seus homens como parte de seu presente de casamento. Harry oferecera 20 cavalos, vários barris de uísque e jóias de prata como preço da noiva. A prata certamente deixaria a mãe satisfeita, pensou Gina.


Uma criada trouxe vinho de sabugueiro, hidromel e uísque da adega, para matar a sede dos convidados. Para a sobremesa, Gina pediu que a cozinheira preparasse tortinhas cobertas com mel e avelã picadinha.


Luna a apresentou as esposas de alguns arrendatários e Gina fez amizade enquanto trabalhavam juntas, acrescentando toques festivos ao salão. Não falaram de seu noivado com Draco, o que a deixava agradecida.


Draco nunca permitia que ela saísse de Godric, alegando que uma mulher da nobreza não tinha lugar entre as pessoas livres. Ela tentou protestar dizendo que este era seu dever como senhora do castelo. O argumento Ihe valeu outra surra, então ela ficava de boca calada enquanto o mordomo cuidava de seus afazeres.


Agora ela reconhecia que aquilo era outra maneira de mantê-la prisioneira. Draco não confiava nos grifinórios, e Gina sabia que ele tinha a reputação de ser um cruel guerreiro — um invasor sonserino.


Às costas dela surgiu Colin tagarelando com Harry, vangloriando-se de suas novas habilidades com a espada. Gina se ocupou com a arrumação de uma guirlanda, imaginando o que o marido diria quando visse a decoração. O olhar dele vagou pelo salão, observando a arrumação.


— Quando Harry enxergou as tapeçarias, uma transformação aconteceu nele, um súbito relaxamento das feições. Os olhos dele buscaram por Gina, que percebeu o perdão no cumprimento de cabeça.


— Os arrendatários virão celebrar o Natal conosco esta noite — ela disse. — Você vem? — Esperava que Harry não Ihe negasse a chance de receber as pessoas.


Ele parecia favorável.


— Sim, virei.


— Que bom.


O desconforto se estendeu, então Gina pediu licença para terminar a decoração. Harry não ficou para observar, deixando Gina aliviada por não ter os olhos dele acompanhando seus movimentos.


Por fim, dispensou as mulheres para que pudessem se arrumar para o banquete. Colin vagava por ali, dirigindo olhares para uma garota ruiva de olhos castanhos. A garota o ignorava e Gina ficou sentida pela expressão apaixonada de Colin. Ele se consolou roubando uma tortinha de mel de uma das travessas.


— São para a celebração desta noite — lembrou Gina. Colin estava para colocar o doce no lugar quando Gina meneou a cabeça. — Só esta.


Ele acenou com a cabeça em agradecimento e devorou a tortinha, lambendo os dedos. Um criado interrompeu Gina momentos depois, entregando-lhe um pequeno pergaminho dobrado e lacrado com cera. Ela agradeceu e rompeu o lacre. Não havia nada escrito dentro, mas uma fita azul esfiapada caiu no chão. Gina a reconheceu de imediato. Era uma fita que Draco Ihe dera quando ainda cortejava sua afeição.


Era um aviso. Um aviso amedrontador. Draco não tinha voltado para a Sonserina, como ordenado.


— Viu quem enviou isso? — ela perguntou ao criado.


O servo meneou a cabeça.


— Uma das crianças dos arrendatários me entregou. Ele recebeu de um mensageiro desconhecido.


Uma sombra surgiu sobre a cadeira onde ela estava, e Gina viu Colin parado diante de si.


— O que e isso? — perguntou.


— É de Draco — ela respondeu, exibindo a fita.


Colin aprumou o corpo e pôs a mão sobre a espada, como se preparado para uma luta.


— Ele a ameaçou?


— Não. — Gina não sabia o que Draco pretendia ao enviar a fita, mas não deixaria que ele a assustasse. Ela se levantou da cadeira e foi para perto da lareira. Atirando a fita nas chamas, ficou observando-a se encrespar e pegar fogo. — Vamos esquecer o assunto.


— Harry precisa saber disso.


— Não. — Gina sabia que a fita fora enviada para Ihe causar medo. Não queria que Harry saísse atrás de Draco e arranjasse mais ferimentos. O casamento havia colocado um fim em qualquer ameaça que Draco pudesse representar.


— Tem certeza de que não quer que eu descubra quem mandou? —  perguntou Colin.


— Isso agora é parte do passado. — Enquanto a fita virava cinzas, Gina resolveu não pensar mais no assunto. Ela se concentraria no banquete de Natal do qual seria anfitriã. Com o tempo Draco compreenderia que Gina não deixaria o passado controlar seu futuro.


 


 


 


 


 


 


 


 


 


QUANDO OS OSSOS do leitão jaziam expostos, a carne macia devorada até sobrar apenas pedacinhos, todos se juntaram para ouvir as histórias de Dudley Potter. Ele havia passado os últimos meses viajando por Grifinória e tinha acabado de regressar para casa. Harry o convidou para participar do festejo de Natal.


Maciço como um carvalho, Dudley tinha barba preta encaracolada e cabelo longo que passava do ombro. Seu peito era tão largo que nenhuma mulher conseguiria rodeá-lo com os braços, e ele encorajou todas a tentar. Gina ficou envergonhada, mas participou da brincadeira por insistência de Colin.


— Quantos irmãos você tem? — perguntou quando Harry se aproximou.— Pensei que já conhecesse todos.


— Somos cinco vivos — ele disse. — Nosso irmão mais velho, Sirius, morreu em batalha há dois anos. Ronald agora é o mais velho, depois eu, depois Dudley, Neville e Colin. — Ele se sentou numa cadeira enquanto Dudley começava suas histórias.


— Seis filhos — ela refletiu, baixando a voz para não interromper o conto. — Muitos pais ficariam satisfeitos com isso. Nenhuma filha?


Harry meneou a cabeça.


— Minha mãe continuou tendo esperanças, mas Deus teve ter achado que nós já bastávamos. — Ele entregou-lhe um copo de hidromel, tomando um gole do próprio cálice. — E você? Tem irmãos ou irmãs?


Ela assentiu.


— Dois irmãos. Guilherme é o mais velho, depois Carlos. — Ela tomou um pouco de hidromel. — Foi bom Carlos estar na Escócia e não saber o que Draco fez comigo. Ele tem péssimo temperamento.


— Então é provável que eu e ele nos entendêssemos muito bem — disse Harry. — Também fico de péssimo humor quando o assunto é Draco. — Os olhos dele ficaram escuros, fitando Gina como se tentasse memorizar seus traços. Ela sentiu a pele arder e concentrou a atenção no próprio cálice.


— Você tinha outros pretendentes alem de Draco? — perguntou Harry. Ele aceitou um jarro de uma serva que passava. Então pôs a mão sobre os dedos de Gina enquanto Ihe completava o copo. O contato causou uma pequena agitação dentro dela.


— Sim. — Gina escondeu o desapontamento quando Harry afastou a mão. — Alguns eram bem bonitos.


Harry estreitou os lábios.


— Eu sou bem bonito.


Gina deixou escapar uma risada espantada antes que percebesse.


— Claro que é.


Harry desviou o olhar. Gina percebeu que o deixara embaraçado. Um leve rubor tinha surgido em seu rosto.


— Eu não estava falando sério.


— Eu estava. — Gina tocou a cicatriz recente. Incapaz de se conter, acariciou o rosto de Harry.


Ele a olhava como se quisesse beijá-la. Gina conteve o fôlego, mas ele não se mexeu. Em vez disso, concentrou a atenção em Dudley.


— Já ouvi esta antes. Ele tem o dom de tornar qualquer história engraçada.


Gina não respondeu, sentindo que fora repelida mais uma vez. Ela bebeu o hidromel tão rápido que sentiu a cabeça girar.


— O que aconteceu com seus pais? — perguntou Gina, embora suspeitasse que já estivessem mortos.


— Morreram ha alguns anos. Antes de meu casamento com Cho. Eles nunca teriam aprovado nossa união — ele acrescentou.


A confissão a surpreendeu. Imaginava que qualquer família teria alegremente aceitado a enaltecida Cho como filha. Repreendeu-se mentalmente por ser tão maldosa. Mas uma parte secreta de si sentia satisfação por saber que nem todos idolatravam Cho.


— Por que não teriam aprovado?


— Papai odiava os Chang... todos deles. — Quando o conto de Dudley acabou, o salão explodiu em gargalhadas e aplausos. Harry ergueu o copo num brinde, e o irmão começou outra história. — Ele os chamava de ladrões de gado e coisas piores. Mas todos sabiam a verdade.


— O que quer dizer?


— Eles eram inimigos por causa de minha mãe. O rei Chang queria se casar com ela, e meu pai também.


— Mas sua mãe escolheu se casar com seu pai?


— Não, não foi escolha dela. — Harry encheu o copo de Gina com mais hidromel, embora ela já tivesse bebido o suficiente para ficar tonta. — Ela preferia o Chang, mas o pai dela a obrigou a casar com papai. — Harry tomou um gole de sua bebida.


— Ela aprendeu a amá-lo?


— Mamãe tentou se divorciar, mas papai não aceitou. Dizem que teve que cortejá-la por um bom tempo. — Harry parecia conter um sorriso. — Toda semana ela ia ao tribunal exigir o divórcio, mas papai sempre a convencia a dar uma nova chance ao casamento deles.


Gina não conseguia imaginar uma mulher tentando se divorciar do marido. Tal coisa era rara na Sonserina, a menos que houvesse um grau muito próximo de parentesco entre marido e esposa.


— Deixariam uma mulher se divorciar do marido?


Harry assentiu.


— Existem sete razões que permitem uma mulher se divorciar e ainda ficar com seu dote. Mas minha mãe não conseguiu convencer o tribunal a não perder tudo, então desistiu. Mas, no fim, acabou amando meu pai — ele comentou.


— Como você sabe?


— Quando meu pai morreu vitimado por um ferimento de guerra infeccionado, ela ficou ao lado dele, segurando-lhe a mão. Foi assim que a encontramos, com a mão segurando a dele. Ela morreu meses depois.


— Amor é coisa rara num casamento — disse Gina. — Às vezes invejo os plebeus porque podem casar com quem quiserem.


— Todos podem escolher com quem casar aqui — disse Harry. —  Desde que os pais aprovem a união.


Gina subitamente desejou que Harry nunca tivesse conhecido Cho. Então ele seria livre para amá-la. Eram pensamentos ciumentos, mas não conseguia evitá-los. Afinal, podia pensar o que bem quisesse.


— Como conheceu sua esposa? — perguntou Gina. Seu estômago estava embrulhado por causa do hidromel. Comida aliviaria o enjôo, então comeu um pedaço de pão.


— Ela estava andando sozinha pela floresta quando cruzou com um javali. Ele a atacou, e eu o matei. Cho tinha subido numa arvore para fugir e não conseguia descer. — Harry tomou outro gole do hidromel. — Ela jamais gostou de alturas.


Dudley aceitou uma grande caneca de cerveja de uma criada e começou outra história com sua voz grave e estrondosa.


— Havia em King’s Cross uma moça que ficou com pena de um homem que foi deixado para morrer na beira da estrada...


Enquanto o conto prosseguia, Gina ficou absorvida com a mágica lenda da mulher que se apaixonou por um homem defeituoso. As vozes se misturaram num confuso zunido.


Colin veio se sentar ao lado dela.


— Não durma — ele chamou. Gina piscou e viu que a história tinha terminado. Harry tinha ido para junto dos parentes. Todos os homens de Godric estavam de pé, formando fila com suas espadas.


— O que esta acontecendo?


— Os jogos vão começar. Os homens competirão para exibir suas habilidades de luta. Há prêmios para os vencedores.


— Que tipo de prêmios? — Ela bocejou e deixou que Colin a levasse para mais perto, para um banco onde as mulheres se sentavam para assistir a competição. Um soldado troncudo tirou a túnica, revelando o peito musculoso. Os outros também tiraram as túnicas, arrancando aplausos das mulheres.


— Isso depende. Às vezes, é um animal, uma vaca ou porco. Às vezes, dinheiro. Às vezes, um beijo da moça que quiser.


É melhor ele não beijar moça alguma, pensou Gina ao ver Harry entre os lutadores. O ciúme tinha retornado, embora tentasse manter em mente pensamentos mais condizentes com uma dama.


Dudley ergueu os braços e a multidão deu vivas. Com uma poderosa guinada, ele golpeou o estômago do primeiro soldado. O homem arfou, cambaleou, mas manteve-se de pé.


— O que ele esta fazendo? — perguntou Gina, horrorizada.


— Um teste de força. Um homem tem que suportar a dor quando esta em batalha — explicou Colin. — Dudley é o mais forte aqui.


Dudley continuou percorrendo a fila, lançando alguns homens ao chão com seus socos e quebrando as costelas de alguns, disso Gina tinha certeza. Quando ele alcançou Harry, o silêncio dominou a multidão.


— Harry está ferido — ela murmurou, lembrando-se do ombro dele. — Ele não machucaria o próprio irmão, não é?


— Principalmente o irmão — comentou Colin.


Mas quando Dudley desferiu o primeiro golpe na direção de Harry, seu marido agarrou o pulso dele. Praticamente torcendo-o, Harry moveu-se de uma maneira que fez Dudley perder o equilíbrio e cair no chão. Harry pôs o pé na garganta do irmão.


— Vejo que depois de tantas viagens ainda não aprendeu a me superar.


Dudley deu uma sonora gargalhada. Segurando o pulso de Harry, ele se pôs se pé. Com um gingado de quadris, ele debochou:


— Posso vencê-lo em outro assunto, irmão. Ao menos é o que as mulheres me dizem.


Gina gargalhou junto com os outros, mas sua atenção estava concentrada em Harry. O hidromel Ihe subira a cabeça, e ela pensava no belo guerreiro com quem tinha se casado. Sem a túnica, os músculos definidos brilhavam à luz do fogo.


Meu, ela pensou.


O corpo dela esquentou ao imaginar como seria se ele esquecesse da promessa e a tornasse sua mulher de verdade.


Luna veio se sentar ao lado de Gina no banco.


— A próxima disputa será com espadas. Harry é o melhor de todos, mas não compete nessa.


— Por que não? — O olhar de Gina acompanhava o marido, que vestia a túnica.


— O prêmio para a competição de espadas é um beijo. O vencedor pode escolher a dama, que deve conceder o obsequio.


— Qualquer um pode entrar? — perguntou Gina, observando Harry se sentar perto dos competidores.


— Sim. Ali, veja — a primeira luta começou.


Dois soldados se enfrentavam com as espadas bloqueando golpes e se esquivando. O pesado retinir de metal ecoava no salão de pedra enquanto os lutadores eram cercados por uma turba de animados espectadores. Umas poucas mulheres haviam chegado mais perto, enfeitando-se e esperando que o vencedor fizesse a escolha.


Por fim, um dos espadachins arrancou sangue do outro, que curvou-se derrotado. O vencedor tomou a mão de uma das moças e a puxou para um beijo sensual.


Ver o entusiasmado abraço dos dois amantes fez alguma coisa se agitar dentro de Gina. Embora pudesse ser errado, não conseguia expulsar os pensamentos da mente. Enquanto homem após homem se juntava à competição, a idéia se tornava mais forte em sua cabeça. Ela queria destruir a memória de Draco para sempre e enfrentar os próprios medos.


A multidão silenciou outra vez quando o ultimo lutador entrou no círculo, espada em punho.


— Ninguém vem lutar comigo? — ele perguntou.


O espadachim era Colin. Rodeado pelos outros soldados, seu corpo franzino parecia fraco. Gina recordou das longas horas de treinamento, de como ele praticara seu jogo de pés.


Todos imaginavam que ele perderia, ela concluiu. Sua reputação de péssimo lutador fazia com que os outros se negassem a humilhá-lo.


Mas ela acreditava que Colin prometia como lutador, apesar da pouca idade. Gina se aproximou da multidão e pegou uma espada de um dos curiosos. Ela sentiu o punho da espada esquentar em sua mão, mas manteve o pulso firme apesar do peso.


O homem quis protestar, mas Gina o silenciou com a mão. Ela ergueu a espada, sorrindo para Colin.


— Eu lutarei com você.

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