Refúgio Noturno



GINA ESCONDEU-SE num cômodo usado para estocar alimentos e ervas até que os ruídos da batalha desaparecessem ao longe. A densidade da fumaça sujava o ar, mas ela tentou não pensar no número de homens mortos no momento. Havia dois que poderiam ser salvos, e Gina os salvaria.


Analisou raízes e talos secos até descobrir o que precisava. Misturadas à cerveja, o gosto amargo não seria notado pelos guardas, assim as ervas os fariam dormir.


Draco mandara os prisioneiros para um porão. Como Gina esperava, Potter estava fortemente vigiado. Ela equilibrou o jarro de cerveja e os canecos enquanto descia a escada. O ar frio lhe provocou arrepios no braço, mas ela ergueu os ombros e colocou um sorriso falso no rosto.


Assim que o guarda a viu, franziu a testa.


— Lady Gina, não deveria estar aqui.


— Achei que você e seus homens mereciam uma recompensa pela bravura desta noite — ela disse, erguendo o jarro.


O guarda ficou radiante com a oferta, permitindo que ela lhe enchesse o caneco. Ele ergueu o caneco num brinde, então bebeu com vontade. Gina serviu cerveja aos outros soldados, que logo relaxavam com um jogo de dados. Ela esperou por um instante, para ver se alguém reagiria à mistura de ervas, mas nada aconteceu.


Teria colocado o suficiente? Ou, pior, será que as ervas surtiriam qualquer efeito? Esta noite era a sua única chance de ajudar os Potter, pois Draco estava ocupado com os invasores grifinórios. Olhou na direção dos prisioneiros, encolhendo-se quando viu o olhar suspeito de Harry Potter.


Ele estava agachado, os punhos acorrentados. Embora por fora parecesse calmo, Gina pressentia que ele estava apenas esperando por uma oportunidade. Potter transpirava força, era um lobo enjaulado preparado para rasgar a garganta do inimigo quando tivesse a chance.


Seria a decisão certa libertá-lo? Se fosse apenas o menino, Colin, ela não hesitaria. Mas não sabia nada sobre Harry Potter, nem mesmo se era um homem honrado.


Gina tomou a direção da escada, como se pretendesse partir. Outro soldado ergueu a mão em despedida, e ela fingiu subir os degraus. Quando a atenção deles se concentrou no jogo, Gina esgueirou-se para as sombras. Recostou-se nas pedras frias, a pulsação disparada de ansiedade.


Na escuridão, viu Potter observá-la. O olhar penetrante a deixava trêmula, embora ele não dissesse nada que denunciasse sua presença.


As ervas estavam demorando demais para ter efeito. Gina não sabia o que fazer caso os soldados não sucumbissem ao sono.


O menino se debatia com as correntes, lutando para se soltar. Potter se encostou novamente à parede, nenhum traço de emoção no rosto marcado. Esperava com a paciência de um homem que já conhecera o cativeiro. Gina rezava para não estar cometendo um erro ao confiar nele.


Depois de longo tempo, ela ouviu passos se aproximando. A voz de Draco ecoou enquanto ele descia a escada.


— Quero ficar sozinho com os prisioneiros.


Ao som de sua voz, Gina tentou se encolher ainda mais. Encontrou um pequeno vão atrás de um dos barris, curvando bem o corpo. Os guardas subiram a escada, mas nenhum deles pareceu notá-la. Gina apertou as mãos, cada músculo tenso.


Draco puxou uma adaga, o dedo alisando o gume da lâmina. O aço brilhava prateado à luz das tochas. Ele parou diante de Potter, uma expressão sombria lhe afinando a boca.


— Não devia tocá-la. Ela me pertence. Qualquer homem que a ameace morrerá.


O menino empalideceu, mas Potter enfrentou o olhar do adversário sem titubear.


— Então deve estar pronto para enfrentar a própria morte. Foi você quem bateu nela, não foi?


Uma fúria assassina escureceu o rosto de Draco. Ele ergueu a adaga e cortou o rosto de Potter, talhando uma ferida que se assemelhava à cicatriz na face oposta.


Embora um lampejo de dor tivesse ofuscado os olhos do guerreiro grifinório, ele não se mexeu. Encarava Draco em mudo desafio. Gina conteve a respiração, a mão procurando as costelas doloridas.


Então Draco cravou a adaga no ombro de Potter, onde a flecha o cortara mais cedo. Gina esperava que Potter gritasse, mas ele não emitiu nenhum ruído. Apenas sustentava o olhar de Draco, o rosto contorcido de dor.


Já tinha visto o bastante. Se não agisse agora, Draco cortaria a garganta de Potter em seguida. Ela saiu do esconderijo, segurando o jarro de cerveja. A frágil cerâmica se estilhaçou na cabeça de Draco, mas ele continuou de pé. Gina tentou se afastar, mas ele a agarrou.


Draco lhe bateu no rosto, e uma dor violenta explodiu ao longo de sua bochecha. Não pôde evitar o grito que lhe escapou dos lábios em grande agonia. O punho dele foi de encontro às suas costelas machucadas, expulsando o ar de seus pulmões. Pela primeira vez, Gina vislumbrou o rosto da morte. Havia ultrapassado os limites do medo e da raiva, agarrando-se à necessidade de sobreviver. Os joelhos se dobraram, pois não conseguia respirar. A escuridão tomava sua visão.


Harry aproveitou a oportunidade para prender a garganta do homem com sua corrente. Sentia gosto de sangue, mas ignorava a forte dor no ombro. Um claro senso de propósito atiçava a raiva que crescia em seu interior


Quando o cavaleiro sonserino bateu em Gina, era como se ele estivesse vendo a esposa. Passado e presente se confundiram, as imagens do campo de batalha preencheram sua mente. Viu a esposa, Cho, gritando por socorro enquanto os sonserinos a perseguiam a cavalo. Potter enfrentava hordas de soldados inimigos, tentando com todas as forças alcançá-la.


Seu fracasso o assombrava desde então.


Embora fosse Gina quem sucumbiu sob os punhos de Sir Draco, era a esposa que Harry via ao pressionar a corrente de metal ao redor da garganta do homem, estrangulando-o. À medida que a corrente apertava, o rosto do cavaleiro ficava frouxo, o corpo desabando na inconsciência.


Os olhos de Harry perceberam movimento. Soldados começaram a descer a escada, espadas em punho. Foi forçado a largar Draco, embora desejasse ter tempo para arrancar-lhe a vida. Qualquer homem que batia em uma mulher não valia a sujeira debaixo dos próprios pés. Arriscou uma olhada em Gina e viu que ela segurava as costelas. Estava viva, mas era enervante que uma mulher tentasse resgatá-lo.


Uma espada veio na sua direção, mas Harry deteve o ataque com a corrente. Anos de treinamento tornavam fácil defender-se, então esperou por uma oportunidade de desarmar o oponente.


Estranhamente, os soldados pareciam não ter firmeza nos pés, comportando-se como se tivessem tomado cerveja demais. Um dos homens mirou em Colin, e Harry girou para receber o impacto da lâmina em sua corrente. Respirou aliviado quando os homens deixaram seu irmão m paz.


Colin jogou-se no chão, usando os pés para derrubar um dos guardas. Harry se esquivou de mais golpes enquanto lutava para manter-se de pé. Sentiu-se revigorado quando um dos homens perdeu o equilíbrio, pois pode tomar a espada. Segundos depois, o homem jazia morto no chão.


O segundo guarda veio cambaleando, a expressão vazia. Urna adaga estava cravada em suas costas. Por trás dele surgiu Gina, o rosto fantasmagoricamente pálido. Harry já tinha visto aquela expressão antes. Era a primeira vez que Gina matava um homem, ele podia apostar. Ela agia como se esperasse que Deus a castigasse pelo pecado cometido.


Harry não se importava mais com a alma. Vivia na perdição eterna há dois anos. Capturou o terceiro guarda, enrolando a corrente na garganta do homem e apontando a espada na barriga dele.


Abra meus grilhões.


O guarda olhou na direção da escada. A paciência de Harry desapareceu.


— Estará morto antes que cheguem aqui se não abrir isso.


O homem tateou pelo pesado aro de ferro pendurado à cintura com as chaves e abriu os grilhões.


— Agora meu irmão.


Quando a última corrente caiu, o guarda tentou disparar para a escada. Harry girou a espada na direção da cabeça do homem, atingindo-o com o punho. O guarda desabou no chão, inconsciente.


— Você não o matou — murmurou Gina.


— Mantive minha palavra. — Ao irmão, disse: — Pegue nossas armas e liberte os homens. Diga que alertem os outros e voltem para Hogwarts.


Colin disparou pela área de armazenamento para cumprir a ordem.


Harry ajudou Gina a ficar de pé, embora ela ainda segurasse as costelas.


— Está ferida.


— Não tanto quanto você — ela balbuciou. — Deixe-me cuidar de suas feridas. Seu ombro está sangrando muito.


— Não há tempo. — O ferimento não era mortal, embora a dor o deixasse tonto.


— Precisa partir. Matarão você.


Harry sabia disso, com a mesma certeza com que sabia que precisava levá-la consigo. Era a única maneira de mantê-la a salvo.


— Você vem conosco?


Os olhos de Gina encheram-se de lágrimas, e ela olhou para o corpo caído de Draco.


— Ele ainda está vivo?


Harry deu de ombros.


— Por enquanto.


— Não posso ficar aqui. Não mais.


Colin retornou, carregando arco e flechas, além de duas espadas. Era visível que a lâmina tinha mais da metade da altura do menino, mas Colin a segurava com fervor.


— Os homens saíram. Pela passagem subterrânea, como você ordenou.


— Bom. — Harry pôs a espada na bainha e estendeu a mão para Gina. — Vem ou fica? A escolha é sua.


Com um olhar amedrontado para o homem que lhe batera, Gina segurou a mão de Harry.


— Eu vou.


 


 


 


 


 


 


 


 


 


ESCAPARAM PELA estreita passagem, o cheiro de terra e barro molhado a envolvê-los. Harry os guiou por um túnel secundário que dava para a floresta. A noite se tornara fria, o ar gelado açoitando-lhes o rosto quando ventava.


Gina segurava as costelas, o rosto contorcido de sofrimento, mas não reclamava.


Harry considerava que alguma loucura havia se apossado dele, para trazer uma mulher consigo. Era fraqueza sua não suportar ver uma mulher apanhar. Suspeitava que Sir Draco era alguém próximo de Gina, um parente, ou o noivo.


Ele sabia que precisava encontrar abrigo para os três. A jornada de regresso à fortaleza de seu irmão levaria dias, e não houve tempo para recuperar os cavalos. A voz da dúvida fincava os dentes em sua confiança. Não sabia se eles teriam sucesso.


E também não havia qualquer sinal de seus homens. Isso o incomodava, pois Harry não sabia se tinham sido detectados. No negrume da floresta, parou para ver Godric. Tochas ardiam na escuridão em meio ao cintilar de armaduras de malha. Precisavam se distanciar mais, então Harry acelerou o passo.


A viscosidade sob a túnica o alertava da necessidade de estancar o sangramento. A dor se tornara uma grave realidade, mas Harry não tinha escolha senão seguir adiante. Se parassem agora, estariam mortos.


O irmão conseguia acompanhá-lo, mas Gina começou a ficar para trás. Ela se encostou a uma árvore, o braço envolvendo as costelas.


— Dê-me um instante — ela implorou, recuperando o fôlego.


— Não podemos. Estão nos seguindo. — Harry a observou, avaliando ferimentos. Baixando a voz, perguntou: — Prefere ficar aqui? Voltar com eles?


— Não. — A rebeldia luziu nos olhos de Gina, que ergueu os ombros. — Nunca voltarei para ele. — Aprumou o corpo, então recomeçou a andar.


— Quem é ele? Seu marido?


— Meu noivo. — Ela acelerou o passo até se afastarem da floresta. — Mas não por muito tempo. Não se eu ficar livre dele.


Atravessaram campo aberto, o instinto guiando Harry pelo caminho certo. Envolto pelo escuro, usava a fraca luz que vinha da igreja. A cada passo, ele sentia suas forças cessando.


Gina pareceu pressentir isso, pois o deteve.


— Precisa fechar as feridas.


— É muito perigoso.


— Ela está certa, Harry. — Colin segurou a mão dele. — Você não vai aguentar muito mais.


Harry não gostava de admitir fraqueza, particularmente quando os outros dois dependiam dele para sobreviver. Mesmo assim, não seria bom para nenhum deles que tropeçasse e desabasse. Seu olhar buscou as luzes distantes. Por fim, disse:


— Sei de um lugar onde podemos ficar. Mas se houver qualquer sinal dos homens de Sir Draco, teremos que partir.


Quando alcançaram os limites das terras dos arrendatários, Gina se encaminhou para uma cabana em forma de colméia. Harry meneou a cabeça.


— Não colocarei minha gente em perigo.


Só existia uma possibilidade de abrigo. Ele apontou para uma distante torre redonda erguida ao lado da igreja.


— Fiquem atrás de mim.


Quando se aproximaram viram que a igreja era pequena, mas que a torre ofereceria grande proteção durante a noite. Harry viu uma vela acesa na janela e ergueu o punho contra a porta. Um padre alto e magro atendeu a batida. Ele reconheceu o padre Dumbledore, um homem quieto, que era conhecido por ter manejado a espada durante a juventude. Harry respeitava o padre e a força da fé daquele homem.


— Procuramos um lugar para ficar — disse Harry.


O padre olhou para os três, a atenção na túnica ensanguentada.


— Harry Potter. — Ele esfregou a barba branca e abriu mais a porta para que entrassem. — Já faz muito tempo. Quase um ano e meio desde que saiu de Godric — O padre gesticulou para que entrassem — Fico feliz por vê-lo. Temos rezado por seu retomo desde que os invasores vieram.


Harry compreendeu a censura velada. Mas, depois da morte de Cho, o vazio de Godric tornara sua permanência insuportável. No primeiro ano, viajou de uma tribo para outra, vendendo os serviços de sua espada. Então na ultima primavera seu povo foi atacado e conquistado.


Ele segurou o braço do padre.


— Retomaremos outra vez. Eu juro. — O rosto de seu irmão caçula, Colin, corou de vergonha. O menino se culpava pelo fracasso da invasão.


— Que bom. — Padre Dumbledore apontou para a pequena capela. — O que posso fazer para ajudá-lo?


— Precisamos de abrigo esta noite, e comida. Cavalos pela manhã, se possível.


O padre assentiu.


— Acho que a torre será o melhor. — Ele os levou para fora, por trás da igreja. A torre de pedra se erguia acima das sombras do lugar, estreita em diâmetro. O padre trouxe uma escada para que eles subissem para a entrada, seguindo na frente. Uma vez lá dentro, fechou a porta e baixou uma escada de corda que conduzia ao andar de cima.


— Que lugar é este? — perguntou Gina.


Usamos como depósito — respondeu padre Dumbledore. — Mas também podemos detectar nossos inimigos a distância. Está aqui há centenas de anos. Dizem que os padres costumavam esconder tesouros religiosos nestas torres.


Usando uma tocha para iluminar, ele os guiou vários andares acima, mas não os levou ao topo. Bem acima deles estava o sino usado para anunciar as horas. Seis janelas rodeavam o andar mais alto. Harry pretendia usá-las para vigiar os inimigos


— Não há fogo, mas devem ficar bem aquecidos neste andar. Há um catre, caso desejem dormir. — Padre Dumbledore apontou para a ferida de Harry. — Trarei uma bacia d’água para cuidar dos ferimentos...


— Eu cuido — interrompeu Gina. — Você tem agulha e linha? Alguns cortes são profundos.


O padre inclinou a cabeça e deixou a tocha numa arandela de ferro antes de partir. Depois que ele saiu, Gina olhou o interior da torre examinando cada andar até o topo.


O vento soprava contra as pedras, um guincho agudo que fazia Harry pensar em espíritos demoníacos. Embora não fosse um homem supersticioso, fez o sinal da cruz. Não enganaria a si mesmo achando que estavam seguros aquela noite.


Demorou um pouco para que ele voltasse, mas padre Dumbledore trouxe pão e hidromel, além de água e tiras limpas de linho. Entregou a Gina um pacotinho de pano contendo agulha e linha. Então os deixou sozinhos. Colin ergueu a primeira escada selando a entrada principal, então se ocupou com a comida.


Com ajuda de Gina, Harry removeu a túnica, evitando cuidadosamente a fenda no ombro. Ela limpou o corte sem erguer os olhos para ele. Embora ela fizesse a tarefa com calma e eficiência, Harry pressentia um grande desconforto. Gina estava com medo dele, mesmo depois de tudo o que havia acontecido.


A bochecha dela estava inchada, uma mossa começava a se formar.


Uma crosta de sangue lhe cobria a têmpora, emaranhando o cabelo ruivo. Estava contente por ter tirado Gina de Godric. Contudo, não sabia o que fazer com ela.


— Você tem outra família por aqui?


Ela meneou a cabeça, colocando linha na agulha.


— Meu pai deveria ter vindo. Ficou doente e não pôde viajar comigo para Godric. Em seu lugar, mandou Sir Pedro e a esposa como meus guardiões. — Ela juntou as beiradas da ferida no ombro e Harry ficou tenso. — Deveria me casar com Sir Draco assim que chegássemos.


E por que não casou? — Ele trincou os dentes com a dor da sutura. Sentia-se tolo por uma agulhinha lhe causar tonteira, uma vez que tinha suportado a punhalada sem fraquejar.


— O rei queria testemunhar o casamento. A boca de Gina se contorceu. — Suspeito que Draco queira o testemunho do rei. Ele superestima sua importância junto ao rei Henrique. Fiquei contente com a protelação. — Ela terminou a sutura, e Harry suspirou de alívio.


— Seus guardiões... não deviam cuidar de você? — Ele olhou explicitamente para o machucado dela, então para as costelas. O vestido rasgado o lembrou de Sir Draco, da brutal surra que testemunhara.


Gina ficou vermelha.


Sim. Mas Sir Pedro acreditava que eu era desobediente, e que Draco estava certo ao me punir.


As mãos de Gina se voltaram para o corte no rosto de Harry, que se preparou para a agulha novamente.


— E a esposa de Sir Pedro?


— Ela mal falava comigo — admitiu Gina. — Reclamava da Grifinória, queria voltar para a Sonserina. Ficava a maior parte do tempo no quarto, choramingando. — Gina fez uma careta de desgosto.


A agulha se movia rápido, fechando o corte. Gina, felizmente, terminou logo. Era mais fácil respirar agora que tinha acabado.


Ela enfaixou o ferimento com as tiras de linho. Com um pano, limpou o corte no rosto dele. Terminou de cuidar dos ferimentos e lhe serviu um copo de hidromel.


Harry tomou a bebida fermentada e apontou para o machucado no rosto dela.


— Para onde quer que eu a leve quando amanhecer?


— Para longe de Draco. Não importa onde — Gina se levantou e cruzou o cômodo, para se sentar no catre.


Harry lembrou a si mesmo que não deveria se preocupar com os problemas de Gina. Era filha de um inimigo, nada mais. Tinha pagado seu débito para com ela, então era melhor que seus caminhos se separassem o quanto antes. Ainda assim, a presença dela o desconcertava.


Seus cabelos eram vermelhos. Os olhos eram castanhos, da cor do mel. Era alta, a cabeça alcançando o queixo dele. Embora tivesse se afastado, Harry notou como ela segurava as costelas. Não era a primeira vez que Sir Draco a maltratava. Só não compreendia por que alguém permitiria que algo assim acontecesse.


Harry pegou a bacia e foi sentar ao seu lado. Um leve perfume de lavanda emanava da pele de Gina. Sem pensar, limpou-lhe o sangue na têmpora.


O que estava fazendo? Pensamentos de culpa lhe invadiram a mente com o ato íntimo, pois era a primeira vez que tocava uma mulher em mui tempo. Estendeu o pano para Gina, que o aceitou em silêncio.


— Ele a machucou. — Não era uma pergunta.


Gina encharcou o pano outra vez, torcendo-o. As mãos esfregaram as costelas.


— Acho que ele não quebrou nenhum osso, mas, sim, dói.


Harry lamentava não ter matado Sir Draco quando teve a chance.


Comeram a magra refeição fornecida pelo padre Dumbledore. Lá fora, o vento uivava. Harry subiu para o andar cercado por janelas pela escada de corda. O vento rugia através das aberturas, mas ele perscrutou a escuridão para ver se o inimigo se aproximava. Uma rajada branca rodopiou pelo cômodo.


— Vê algo? — chamou Colin.


— Neve. — Harry desceu vários andares, apoiando-se no ombro bom. A mudança de tempo diminuía sua preocupação, embora percebesse a confusão nos olhos de Colin. — Esconderá nosso rastro, caso tentem nos perseguir. Por esta noite, desde que a neve continue, estamos salvos.


Um sorriso surgiu em resposta nos lábios de Gina. A leveza da expressão chamou a atenção de Harry, que deu um passo adiante. Ela lhe susteve o olhar por um instante antes de desviar o rosto.


O que havia naquela mulher para encantá-lo tanto? Seus parentes tinham assassinado sua gente e roubado seu lar. O sangue correndo em suas veias era o mesmo sangue de seus inimigos. Ainda assim, Gina era uma inocente presa numa batalha que não deveria envolvê-la.


— Agora durma — ele disse, afastando-se. — Ficarei de vigia durante a noite.


Gina se enroscou sobre o catre de palha, abraçando-se para ficar aquecida. Colin dormiu encostado a um saco de grãos no lado oposto da torre.


A noite se estendeu em longas horas, deixando Gina aflita por ter abandonado Godric. Draco viria atrás dela, caçando-a até retomar posse dela. Não desistiria enquanto ela não voltasse para ele. Gina queria de alguma forma se tornar invisível, uma serva que não atrairia a atenção dos homens.


Lembrou como Harry a olhava, a maneira como cuidou de seu ferimento. Antigamente teria encorajado suas atenções. Aceitaria de bom grado os sentimentos que Harry podia despertar nela quando as mãos dele aqueciam as dela.


Mas agora tinha aprendido a lição. Aqueles dias ficaram para trás, não confiaria novamente no próprio julgamento. Não deixaria que nenhum homem cortejasse sua afeição outra vez, embora o pai provavelmente fosse lhe arranjar novo casamento. Gina sentiu o coração pesado ao fechar os olhos, desejando saber o que o amanhã lhes traria.


 


 


 


 


 


 


 


 


 


NO ESCURO, Harry observava Gina dormindo. Ela estava deitada de bruços, as palmas das mãos apoiadas sobre o catre, a respiração calma e cadenciada. Os cabelos vermelhos caíam sobre os ombros. Ele estendeu a mão e tocou uma mecha de cabelo. Esta se enrolou em seu dedo, macia como uma fita de seda, antes que a soltasse.


Por que Gina os ajudara? O desespero para escapar de Sir Draco era verdadeiro e ele sabia que aquele ato de bravura tinha salvado suas vidas Em retribuição Harry jurou protegê-la. Mas esta promessa significava trazer um inimigo para o seio de sua família.


Colin aceitara a fuga como uma guinada de sorte do destino, mas era apenas um menino. Não parou para considerar a repercussão das ações de Gina. Embora ela tivesse vindo por vontade própria, Harry sabia que Sir Draco os perseguiria, buscando a morte deles. Ficava satisfeito com a perspectiva de matar sir Draco, mas não podia permitir que Gina ficasse com eles. A presença dela colocaria em perigo seus entes queridos.


Um leve ruído chamou sua atenção. Gina estava acordada. Ela se sentou e encostou os joelhos no peito, mantendo o olhar em Harry. O vento açoitava a torre de pedra, gemendo na escuridão do inverno.


— Não consigo dormir.


Harry não fez qualquer movimento, qualquer ruído, apenas a observava. O longo cabelo de Gina derramava-se sobre os ombros como uma cachoeira, um halo se formando sob a fraca luz da tocha.


— Não lhe agradeci por me salvar — ela disse. — Não há palavras que expressem o quanto sou grata.


— Assim que chegarmos à fortaleza de meu irmão, farei com que vá para um lugar seguro — ele murmurou com brusquidão.


— Quero voltar para minha casa na Sonserina — Gina relanceou Colin —, mas depois, quando você deixar seu irmão em segurança. As vidas de vocês estão em jogo, afinal.


— Não me importo com minha vida. Só com a dele. Não pretendia dizer isso em voz alta, mas era verdade. A morte não o assustava mais. Fora repreendido muitas vezes por Ronald e Neville por causa de sua imprudência nas incursões contra outras tribos.


Gina se aproximou, seu perfume o perturbou. Ela deu mais um passo, e Harry mal conseguiu respirar. Levando a mão ao rosto dele, Gina traçou com os dedos a nova cicatriz em sua mandíbula.


— Sua bochecha está sangrando outra vez.


No escuro, com os cabelos soltos sobre os ombros, Harry quase conseguia imaginá-la como uma amante, procurando por ele.


Ele se afastou dela.


— Deixe assim.


Harry tentou ignorar as imagens em sua mente. Antes que perdesse seu último vestígio de honra, subiu para um andar superior da torre, procurando pelo gélido abrigo da noite.

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