Planos



QUANDO PÔS os olhos na cunhada, Hermione, Harry sentiu como se a mão de alguém lhe arrancasse o ar dos pulmões. Ela segurava o filho recém nascido nos braços, o rosto tão sereno. Num olhar mais próximo, viu o rosto enrugado do bebê, os olhos azul-acinzentados, e a boquinha se movendo à procura do seio acolhedor.


— O nome dele é Sirius — disse Hermione carinhosamente. Pelo tio que jamais conheceu.


Harry notou o ar orgulhoso no rosto do irmão e conseguiu murmurar suas congratulações. Hermione levou o bebê ao ombro, lembrando-o de uma época anos atrás, quando a própria filha se aninhava em seu pescoço. Obrigou-se a desviar o olhar.


— Sentimos sua falta, Harry — disse Hermione, dando-lhe um leve abraço.


— Você parece bem — ele respondeu.


— Ficará mais tempo conosco desta vez? — ela perguntou, embalando a criança nos braços.


— Não. Remo John Lupin pediu minha espada contra o exército de Fenrir Greyback. Seus homens estão lutando em Azkaban. Eu me juntarei a eles quando resolver a questão de Godric.


O rosto de Hermione demonstrou desapontamento, mas seu irmão Ronald lhe ofereceu apoio.


— Se é o que deseja. Conte-me o que aconteceu. Posso presumir que Colin se meteu em confusão novamente?


Harry ficou tenso. Inclinou a cabeça e preparou-se para contar a história. Neste instante, seu irmão caçula entrou no salão.


— O que está fazendo aqui? — perguntou Colin. — Pensei que estivesse com Gina.


À menção do nome, Harry viu a cunhada exultar de curiosidade.


— Quem é Gina?


Harry lançou um olhar de advertência a Colin, mas o irmão o ignorou.


— Ela é...


— Fique fora do assunto, garoto... — ameaçou Harry.


— ...a mulher que nós salvamos — concluiu Colin com um sorriso convencido. — Na verdade, ela nos salvou primeiro.


Colin se esquivou antes que Harry o agarrasse, escondendo-se atrás de Ronald.


— Verdade? — refletiu Ronald. — Ora, isso é interessante.


— Muito — concordou Hermione. — Quem é ela? E por que não está aqui?


— É um arranjo temporário — disse Harry. — Eu a deixei em Hogsmeade.


Podia ver que Hermione ardia por fazer mais perguntas, mas o marido a silenciou com um olhar de advertência.


— Ela é sonserina — declarou Colin,


— Uma refém? — perguntou Ronald. Sua expressão agora estava séria. — Não é uma atitude inteligente, Harry.


— Ela não é refém. Ela salvou nossas vidas. Tudo que ela queria era escapar do noivo. — Harry deu de ombros, agindo como se isso não tivesse muita importância. Cortaria a língua intrometida de Colin se o garoto não parasse de tagarelar. Olhou para Colin e disse: — Encontre-me no campo de treinamento amanhã de manhã, e veremos se sua espada é tão boa quanto sua língua.


O sorriso de Colin se alargou, e Harry desejou não ter caído na armadilha do irmão. Sabia que Colin queria mais lições com a espada. Harry odiava o treinamento porque, por mais que tentasse, o garoto nunca melhorava. Sua habilidade com a espada ainda o mataria um dia, e todos sabiam disso. Colin estaria melhor servindo à igreja.


Depois que se afastaram, Hermione se voltou para o marido.


— Harry odeia sonserinos. Existe algo que ele não quis nos contar.


— Ele deve ter sido forçado a isso — disse Ronald em tom impassível. — Do contrário, não a teria trazido.


— Que tipo de mulher será ela? — refletia Hermione, levando o filho ao seio para amamentar. O bebê se agarrou a ela, fazendo ruídos suaves enquanto o leite fluía. — Por que abandonaria seu lar?


Ronald olhou para a esposa com suspeita.


— Não está planejando nada?


— Ainda não — ela declarou. — Mas gostaria de saber mais sobre ela. Acho que devo fazer uma visita a Hogsmeade.


— Não se intrometa, Hermione.


Ela levou o bebê ao ombro para que arrotasse.


— Será que é bonita? Harry está sozinho há muito tempo.


Ronald pôs o braço sobre os ombros da esposa.


— Deixe-o em paz, coração. Ele ainda sofre por ela.


Hermione ergueu o olhar para o marido.


— Então já é hora de recomeçar a vida. Descobrirei o que for possível sobre esta mulher.


 


 


 


 


 


 


 


 


 


NA MANHÃ seguinte, a espada de Harry cortava o ar, provocando um talho no braço do irmão.


— Está tentando ser morto por mim? — ele perguntou. — Levante este escudo!


Colin se esquivou de outro golpe e tropeçou, resvalando na ponta da espada de Harry, que girou no último segundo para impedir que o irmão transpassasse a si mesmo.


Aborrecido, Harry guardou a arma na bainha.


— Isto basta. Encare a verdade, irmão. Você não nasceu para soldado.


Colin tossiu, a cabeça inclinada para a terra congelada. Harry podia ver a frustração na postura dele.


— Eu poderia ser um — insistiu Colin. — Preciso de mais treino.


— Está treinando a vida inteira — disse Harry com tom comedido. — E não posso protegê-lo para sempre.


— Nunca lhe pedi isso — disse Colin, a voz áspera. Levantou-se e apanhou a espada caída. — Sei cuidar de mim mesmo.


Harry quase disse Não, você não sabe, mas ficou de boca fechada.


— Volte para dentro.


O irmão ergueu o queixo, e em seus olhos Harry não viu aceitação, apenas fúria.


— Eu lhe provarei que posso ser um guerreiro. Juro. Não pretendia deixar que os sonserinos me capturassem.


— Ninguém nunca pretende ser capturado — observou Harry —, mas você foi. Poderia ter sido morto.


— Sinto muito. — Colin guardou a própria espada. — Por tudo.


Harry sabia que ele se referia à derrota quanto a retomada de Godric, mas ignorou o pedido de desculpas do irmão. Em vez disso, acalmou o tom de voz.


— Deveria encontrar outra habilidade. Nem todo homem precisa ser soldado.


Sou um Potter. É isso que somos. — Colin olhou duro para Harry, e naquele instante Harry temeu que o irmão nunca aceitasse a realidade. A feroz determinação no rosto de Colin deixava evidente que ele preferia morrer a escolher outro caminho.


Ao lembrar do outro irmão morrendo sob uma espada, um nó se formou na garganta. Seu irmão mais velho, Sirius, morrera na luta contra os sonserinos, a mesma batalha que reclamara a vida de Cho.


Harry virou-se e bagunçou os cabelos de Colin.


— Um dia, talvez — ele disse. A afirmativa lhe valeu um sorriso.


— Veremos Gina outra vez hoje? — perguntou Colin, subitamente animado. — Gosto dela.


Harry deu um resmungo nada tolerante.


— Nós não vamos a lugar nenhum. Eu talvez consiga com que ela volte para Sonserina pela manhã. Ou no dia seguinte. Mas você fica aqui.


— Sir Draco não a deixará em paz — Colin o lembrou. — Pode até estar montando um exército neste momento.


— Ele não tem homens suficientes para nos combater. E Gina está segura em Hogsmeade.


Colin deu de ombros.


— É possível.


— O que quer dizer?


— Ele poderia aparecer à noite, sozinho. Não seria difícil.


— Ninguém pode passar por nossos guardas.


— Eu posso — disse Colin. — Fui muitas vezes à Hogsmeade. Gosto de dormir sob as estrelas.


— Os guardas o conhecem.


— Eles não sabiam que eu estava lá — insistiu Colin. — Mas se você mandar Gina com um escolta para a Sonserina, ele a encontrará. E matará qualquer homem que estiver com ela.


A afirmativa do menino o enfureceu, porque era exatamente o que Gina dissera. Queria gemer de frustração. A única maneira de assegurar a segurança de Gina e impedir que Sir Draco a capturasse seria ele mesmo escoltá-la.


 


 


 


 


 


 


 


 


 


HARRY PRAGUEJOU quando colocou o pé na ilha. Não pretendia voltar a Hogsmeade, mas, além de retornar, trazia Colin consigo. Colin implorara para vir junto, já que tinha de suportar provocações depois de seu fracasso em Godric.


Harry havia refletido várias vezes sobre os argumentos de Colin, mas não tinha qualquer vontade de servir de escolta para Gina. Mesmo assim não esquecia da surra que ela sofrera de Malfoy, nem o medo em seus olhos ao sucumbir aos punhos dele.


Mais uma vez desejou ter tido a chance de matar o homem.


Colin estava certo, Sir Draco apareceria cedo ou tarde para reclamar sua noiva, ou os interceptaria na jornada para Grimmauld.


Harry levou a mão ao ombro ferido, que começava a sarar. Ainda levaria semanas, mas felizmente fora ferido no lado esquerdo, o que não afetava seu manejo da espada.


Avançou pelo pátio interno, em direção a uma área destinada ao treinamento. Os homens de sua tribo estavam envolvidos com os exercícios diários, supervisionados pelo capitão. Desde as invasões, esperava-se que todos os homens defendessem o forte. Era a única maneira de sobreviver.


Colin se juntou a eles, praticando seu manejo com a espada. O ressoar de metais ecoava além das pedras, a respiração dos homens formava nuvens no ar gelado.


Gina estava parada ali perto, assistindo. Vestia uma capa negra com capuz e, quando viu que Harry se aproximava, seu rosto se iluminou.


— É bom revê-lo, Lorde Potter.


— Harry — ele corrigiu. — Não usamos títulos aqui... ao contrário de sua gente.


— Harry, então. — Ela virou-se para observar os homens. — Eles fazem isso todos os dias?


— Sim. Nossos soldados estão entre os mais bem treinados em Grifinória.


Gina estremeceu com o ar frio, e uma leve neve começou a cair.


— Acha que eles poderiam me treinar?


— Do que está falando?


Ela observava os soldados.


— Não a lutar com espada. Combate corpo a corpo.


— Porquê?


— Para que um homem como Draco nunca me toque novamente. — As palavras soavam frágeis, feito os pingos de gelo que ficam suspensos nas torres.


— Vamos para dentro. Está frio. — Harry a conduziu para longe dos homens, mas Gina o deteve.


— Quero aprender a lutar — ela insistiu.


— Está segura aqui. Não há necessidade. — A lesão no rosto dela tinha adquirido uma tonalidade roxa, ele notou. Um instinto protetor de defendê-la de Malfoy surgiu dentro de si.


— Nunca mais quero me sentir daquela maneira. Impotente. Não fui forte o suficiente para me defender sozinha.


Harry colocou a mão em seu braço, mas Gina se afastou. Lágrimas brilhavam em seus olhos, mas eram lágrimas de raiva, não de lamento.


— Aprenderei a cuidar de mim mesma. Com ou sem sua ajuda.


Se sua esposa soubesse como se proteger, teria sido levada pelos invasores?


— Eu lhe ensinarei — ele disse por fim. Um dia a mais não seria problema. Era tarde para começarem a jornada para Grimmauld, ele refletiu. Pela manhã seria melhor.


Foi recompensado com um pálido sorriso. Talvez esta fosse uma segunda chance para expiar seus pecados. Não fora capaz de proteger a esposa.


Mas poderia ensinar Gina a se proteger.


 


 


 


 


 


 


 


 


 


A PRIMEIRA lição começou no salão. Harry encarou Gina e lhe ergueu mais o queixo para que encontrasse os olhos dele.


— Nunca tire os olhos de seu inimigo.


Gina obedeceu, observando-o. As cicatrizes no rosto apenas acentuavam os traços fortes, a boca firme, e os selvagens olhos verdes.


— Não lute limpo. Mire as regiões sensíveis. Os olhos. A garganta. A virilha.


O olhar de Gina vacilou ligeiramente quando ela se lembrou da sensação de sua pele contra a dele. O toque cálido, as mãos segurando as suas. Seu corpo ficou tenso em reação à lembrança. Não gostava de como Harry a fazia se sentir. Os estranhos desejos conjuravam temores que ela não queria enfrentar.


Harry parou atrás dela, segurando-a ao redor dos ombros. Embora o gesto não significasse nada, um tremor inconveniente de desejo incendiou suas veias. Gina tentou ignorar a sensação, além do desconforto de ser abraçada tão forte.


— Se um homem a atacar desta maneira, use a nuca para esmagar o nariz dele. Com sorte conseguirá quebrá-lo, e quebrará a concentração dele também.


A concentração de Gina já tinha desaparecido, mas ela conseguiu concordar com a cabeça.


— Você tinha uma faca ela disse. O que eu deveria fazer então?


— Ainda poderá lutar com seu oponente. — Ele trocou as posições, ficando na frente dela. — Finja que está com uma faca na minha garganta.


Gina se aproximou, mas seus braços mal lhe envolviam os ombros largos. Ficou na ponta dos pés para alcançá-lo, uma faca imaginária nas mãos.


A posição lembrava um abraço, e Gina perdeu a coragem por um instante.


Não seja tola. Precisa aprender isto. Respirou fundo e tomou a posição.


— Primeiro, eu abaixo o queixo e agarro com força o braço com que o homem segura a faca. — Harry cobriu as mãos dela com as dele.


A proximidade a deixou desconfortável novamente. Ele cheirava à fumaça, ao ar da floresta no inverno.


— Agora você dá um passo para trás. — Ele pressionou a perna para trás, contra as dela, girando o corpo para a direita. Gina perdeu o equilíbrio e precisou se agarrar a ele. Em segundos ela estava no chão, por baixo de Harry.


Gina não pôde evitar o tremor, o medo cego que a assaltou. Draco havia tentado prendê-la assim uma vez. Embora parte dela estivesse indistintamente ciente de que Harry não tencionava de lhe fazer mal, Gina fechou bem os olhos.


— Se cair por cima do homem, vai arrancar o ar dos pulmões dele — instruiu Harry. — E então você estará com a faca na garganta dele.


Gina abriu os olhos, mas não pôde mascarar o horror.


— O que foi? Harry sentou ao lado dela, ajudando-a a sentar também. — Eu a machuquei?


Ela meneou a cabeça, tentando afastar a aguda sensação de medo que continuava a nublar sua mente. Ele não era Draco.


Mas Draco viria atrás dela. Não deixaria de caçá-la. Não até vê-la sucumbindo aos seus pés novamente.


— Ele ainda me assusta — ela murmurou.


— Todo homem sente medo em batalha. O único homem que não sente medo é aquele que já está morto.


— Você não sentiu medo naquela noite. Vi Draco esfaquear você. Ele o mataria.


— Não. A intenção dele era me ferir, não me matar.


— Como? Como você poderia saber de uma coisa dessas? — Ela mantinha os braços estendidos de maneira tensa, furiosa consigo mesma por ser incapaz de controlar o terror. — Ele tentou amedrontá-lo. Mas você o enfrentou. Quanto a mim... — A voz dela falhou. — Não consigo afastar o medo.


— Não tente. Pratique o que lhe ensinei e não precisará imaginar os movimentos. Não se tem tempo para pensar quando um inimigo ataca. Por que acha que nossos homens treinam todos os dias? Para que não precisem pensar. O treinamento faz com que ajam.


Harry parecia muito seguro de si. Gina queria acreditar nele.


— Mas você está enganada — ele acrescentou. — Senti muito medo naquela noite.


— Por seu irmão? — ela perguntou, pensando na falta de experiência de Colin.


Harry ficou calado, o olhar preso ao dela. Gina esperava que ele concordasse, mas Harry manteve o silêncio um pouco mais. Com o nó dos dedos, tocou a beirada do hematoma, a expressão insondável.


Ele não revelou suas emoções, mas Gina se tornou mais ciente dele. As cicatrizes de batalha, o poder silencioso e indômito daquele guerreiro grifinório, tanto a assustavam quanto a atraíam. Os olhos verdes como o mar a observavam de uma maneira que a deixavam trêmula.


— Sim — ele disse. Senti medo naquela noite.


Harry se levantou e estendeu a mão para ajudá-la. Gina se ergueu, mas ele não lhe soltou a mão.


— Enquanto estiver comigo, juro que não deixarei que ele a machuque. Draco não tocará em você.


Apertou a mão dela, como se para selar a promessa. Gina queria muito acreditar em Harry, mas sombras de dúvida desgastavam sua confiança.


— Que assim seja — conseguiu responder.


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


ENQUANTO A tarde se transformava em noite, Harry lhe mostrou outras táticas, maneiras de lutar com um inimigo. Gina as praticou, determinada a aprender. Sozinha em seu quarto, guardava cada movimento na memória, lutando contra um inimigo invisível.


Da janela espiava Harry, enfrentando os soldados lá embaixo no pátio. Ele se movia com a facilidade que a experiência lhe proporcionava, bloqueando um golpe enquanto cortava o ar com a espada. Se não tivesse visto por si mesma, nunca diria que Harry estava machucado, de tão rápido que se movia. Observando-o, não podia deixar de admirar suas habilidades.


À refeição da noite, ela perguntou:


— Onde aprendeu a lutar?


— Meu pai ensinou aos meus irmãos e a mim.


— Você é talentoso. — Gina tomou um gole de hidromel. — Seu ombro está doendo?


— Sim — ele admitiu. — Mas ficará bom com o tempo. — Harry se levantou. — Arrume seus pertences. À primeira luz da aurora, eu a levarei para Grimmauld.


— Por que não tomar um barco? — ela perguntou. — Se não viajarmos por terra, os homens de Draco não poderão nos tocar.


— Os exércitos sonserinos de Voldemort estão patrulhando ao longo da costa. Não temos escolha senão fazer a travessia ao norte daqui.


As razões dele eram justificadas. Gina ouvira histórias de Tom Marvolo Riddle, apelidado Voldemort. Ele viera para a Grifinória há dois anos, para ajudar o deposto rei grifinório Kingsley Shacklebolt a recuperar seu reino. Seus soldados haviam assassinado centenas de homens, mas obtiveram sucesso na missão.


Por sua vez, Voldemort se casou com a filha de Shacklebolt, planejando reclamar o reino para si. O rei Severo começava a suspeitar dos ganhos territoriais de Voldemort. Tinha ordenado que o pai de Gina fosse à Grifinória, junto com outros Lordes sonserinos, para ficar de olho nele.


Gina concordava sinceramente com o desejo de Harry de evitar a costa sul.


— Quantos homens nos acompanharão?


— Temos homens que bastem.


A resposta não a agradou.


— Quantos? — ela repetiu.


O rosto de Harry demonstrava o descontentamento com a pergunta.


— Nossos soldados estão entre os mais fortes lutadores em todo o mundo. Não precisa temer Draco.


— Força não importa — ela argumentou. — Você não teve homens que bastassem para retomar Godric. Os soldados chegaram a retornar?


Harry continuou em silêncio.


— Foi o que imaginei. — Gina meneou a cabeça. — Se não pode destacar homens suficientes para uma escolta, prefiro ficar aqui e esperar que os homens de meu pai venham me buscar.


— Posso defendê-la de Sir Draco — disse Harry.


— Não duvido que seja um lutador habilidoso. Mas foi ferido.


Harry se ergueu da mesa, a mão posta sobre o punho da espada.


— Acha que não posso protegê-la?


Gina hesitou.


— Você me ajudou a escapar, e sou grata por isso. — Não mencionou que o único homem em quem confiava para levá-la em segurança para casa era o pai. Sir Draco não tinha poder sobre Arthur Weasley.


A expressão de Harry se tornou tão fria quanto a neve que cobria o chão lá fora. Gina ergueu os ombros, recusando-se a recuar. Havia algo mais em sua expressão, algo por trás do orgulho ferido. Um olhar sombrio, que se dissipou em segundos.


— Não se preocupe em me proteger — ela disse. — Ao menos aqui podemos ver nosso inimigo. Estarei segura até a chegada de meu pai.


— Já disse que não trarei mais sonserinos para cá.


— Meu pai não faria mal aos seus homens. Ele o recompensaria pela ajuda.


— Como? Devolvendo-me Godric? — ele zombou, baixinho.


Gina meneou a cabeça.


— Isso não é possível.


— Você prefere atrair minha vingança sobre sua família? — ele perguntou, a voz feito aço. — Prefere que eu levante a espada contra aqueles que ama por causa de um pedaço de terra?


Ela cruzou os braços.


— Não acredito que você faria tal coisa.


Harry se aproximou até que apenas um sopro de ar estivesse entre eles. Embora não a tocasse, Gina sentia a ameaça velada. Os pulmões pararam, o medo corria gelado por suas veias.


— Acredite. Não deixo ninguém pôr em perigo o que me pertence.


Gina sabia que ele queria amedrontá-la, forçá-la a entregar a terra.


Mas, embora o temesse, uma secreta vibração aquecia sua pele. A doce ânsia que Harry havia despertado fluiu por ela. Escuridão e desejo guerreavam dentro de si, o corpo rememorava o toque proibido.


— Godric pertence a minha família — acrescentou Harry. — O filho de Ronald, Sirius, herdará a terra quando tiver idade. Ou Colin.


— E você? Não pretende se casar e ter seus próprios filhos? — Parecia estranho que ele lutasse por algo que não queria para si mesmo.


— Jurei nunca me casar novamente — ele disse.


Gina ouviu a raiva e a dor na sua voz, então perguntou:


— É algo relacionado a Cho?


Ele enrijeceu.


— Onde ouviu este nome?


— Você chamou por ela quando estava com febre. — Gina notou um lampejo de dor, embora Harry a mascarasse com a raiva. — Era sua esposa?


— Era.


— O que aconteceu com ela?


— Foi assassinada pelos sonserinos.


A voz continuava amena, mas Gina percebeu a ponta de fúria em seu tom. Embora Harry considerasse sua gente um inimigo, ela conseguia enxergar através daquela raiva. Ao invés do guerreiro inclinado á vingança, reconhecia um marido pesaroso. Mesmo assim não podia ver qualquer traço de emoção em seu rosto. Era como se Harry tivesse um escudo invisível guardando seus sentimentos.


Gina desejava perguntar mais, porém ficou em silêncio. Por trás do rosto marcado do guerreiro havia um homem que ainda não derrotara os fantasmas do passado. Seu coração se apiedava pela perda dele.


Não quis perguntar mais do que Harry já revelara.


— Mande uma mensagem ao meu pai — ela insistiu. — Por que colocar seus homens em perigo por minha causa? Sabe tão bem quanto eu dos riscos.


Harry não respondeu, então ela insistiu mais:


— Meu pai pretendia vir para meu casamento com Sir Draco. Talvez já esteja em Grifinória.


Harry olhou na direção da terra firme e por fim cedeu.


— Se o que diz for verdade, então pela manhã seguiremos para a casa de meu irmão, em Hogwarts. Caso seu pai tente um ataque, os homens dele sofrerão nas mãos de mais de 300 soldados.


— Já lhe disse. Ele não faria tal coisa.


— Não confiarei em um sonserino disse Harry. — Quanto mais cedo você nos deixar, mais seguros estaremos.


Gina não deixou o rosto mostrar a mágoa que ele provocara. O ostensivo preconceito aos sonserinos a incluía, embora ela não tivesse feito nada de errado.


Seu consolo residia no fato de Draco não ter feito qualquer tentativa de reclamá-la nos últimos dias. Se nada mais além disso, Harry ao menos a mantivera segura, como prometido.


 


 


 


 


 


 


 


 


 


NO CÔMODO iluminado de Godric, Draco Malfoy andava de um lado ao outro. Gina continuava com Potter. Draco visualizava sua pele macia marcada pelo toque do grifinório.


Harry Potter morreria por isso.


Draco parou e ergueu um espelho polido para estudar sua aparência. O criado havia aparado seu cabelo, à moda sonserina, e barbeado seu rosto. Draco passou a mão pelo queixo, certificando-se que não havia restado qualquer pelo.


Na cama, uma jovem aguardava por ele. Os cabelos eram ruivos, como os de Gina, mas ela não era nem de perto tão esbelta ou bonita.


— Venha, milorde ela chamou, estendendo os braços nus para ele. Os seios eram convidativos e abundantes e Draco se aproveitaria da oferta. Mas ardia por dentro por saber que Gina o abandonara.


Draco a amava. Gina seria sua esposa, e o ciúme serpenteava por seu coração ao lembrar que ela havia fugido dele. Por que faria isso? Ele a punira com uma surra, sim, mas era para o bem dela. Quanto antes aprendesse a ser uma esposa adequada, melhor. Não gostava de disciplinar Gina, mas, nas semanas em que ficaram sozinhos, descobriu seu lado teimoso.


Era como uma égua selvagem que precisava ser domada. Ele seria o homem a lhe domar o espírito, e Gina ficaria grata por isso. Quando se sentasse ao lado dele como esposa, a ascensão de Draco estaria completa.


Seu olhar recaiu no colar dourado que encomendara. Feito do mais fino ouro batido, engastado com safiras, combinaria com os olhos de Gina. Esperava que o presente a ajudasse a perdoá-lo. Se não tivesse fugido, não teria sido punida.


Ensinaria o que era preciso a Gina, que se tornaria a esposa perfeita, completamente obediente a todos os seus desejos. E, em retribuição, ele a recompensaria com preciosos presentes. Acariciou o colar delicado, imaginando-o contra a pele dela.


Restava pouco tempo. Sua missiva pedindo que o pai de Gina protelasse a jornada recebera uma recusa. Arthur Weasley, o conde de Tocah, chegaria em uma semana. Se não trouxesse Gina de volta até lá, Draco não gostaria de pensar na ira do conde.


A aflição crescia feito um verme na boca do estômago. Dispensando a garota de sua cama, chamou Sir Pedro.


Vestiu-se cuidadosamente, garantindo que não houvesse manchas ou sujeira visíveis na túnica ou na calça estreita. Acrescentou uma corrente de ouro para enfatizar sua aparência como senhor da fortaleza.


Uma batida soou na porta.


— Entre — disse Draco.


Sir Pedro cruzou os braços sobre a cota de malha de sua armadura.


— Minha esposa e eu estaremos voltando para a Sonserina ao amanhecer.


— Você deveria trazer Gina de volta.


— Nós os perdemos na neve. E há irlandeses demais contra nossas forças. Precisamos dos homens do conde.


O temperamento de Draco explodiu.


— Não tolerarei desculpas. Você era o guardião, o responsável por cuidar dela.


A expressão do cavalheiro se tornou insolente.


— Você não é meu suserano. Tenho que admitir meu erro ao conde. Ele sabe que a filha foi levada pelo grifinório. — Dando de ombros, acrescentou: — E você era o noivo, jurou protegê-la. Terá de responder ao descontentamento do conde. Estamos de partida.


Com um cumprimento desdenhoso, o cavaleiro fechou a porta. Draco lutou para controlam a fúria. Berrou para um criado que passava que chamasse o comandante de suas tropas.


Após poucos minutos, Gregory Goyle, o líder de seus homens, entrou. Ele se inclinou num cumprimento.


— Milorde.


O trato formal lhe abrandou um pouco da raiva. Goyle ao menos conhecia o seu lugar.


— Por que seus homens não a trouxeram de volta? — perguntou Draco. — Por que falharam em seu dever?


A expressão de Goyle tornou-se tensa.


— Temos trinta homens ao nosso dispor — ele disse. — E os Potter são mais de 300. Ficaríamos satisfeitos em perder a vida por sua honra, milorde. Mas prefiro fazer o sacrifício sabendo que teríamos sucesso na tarefa.


Draco detectou um ar sardônico no comandante.


— Não deixarei minha futura esposa perecer nas mãos do grifinório — lembrou a Goyle.


— Tenho um prisioneiro que pode interessá-lo — respondeu Goyle.


— Se me acompanhar até lá embaixo, poderia lhe mostrar uma proposta. Draco escondeu o nojo ao pensar na imundície, mas acompanhou Goyle até lá. Quando viu os soldados de Potter, ainda acorrentados, seu bom humor retornou. Ao menos conseguira capturá-los, mesmo que não tendo conseguido alcançar Gina.


Goyle o conduziu até o último prisioneiro — uma mulher.


— De onde tirou esta aí? — perguntou Draco. A mulher era magra, o rosto marcado de sujeira. Ele notou que um dos soldados ficou imóvel, trocando olhares com a mulher.


— Nós a encontramos entre os criados daqui. Estava tentando ajudar os homens a escapar. Eu a teria executado, mas achei que poderia nos ser útil.


Draco não via como, mas deixou que Goyle continuasse. Goyle puxou uma adaga e a mulher empalideceu. Quando o comandante levou a lâmina à garganta dela, acrescentou:


— Mas posso matá-la agora, claro.


— Não — soou uma voz. Quando Draco se virou para a origem do som, viu um dos soldados de Potter. De estatura baixa, com o cabelo da cor do fogo, ombros quadrados, o homem dificilmente parecia se enquadrar como um guerreiro.


— Seu nome? — perguntou Draco.


O soldado debateu-se com as correntes e cuspiu aos pés de Draco. Deixe-a em paz. — A raiva delineava o rosto do soldado, junto com um ar de desespero.


A mulher significava alguma coisa para o homem. Agradava a Draco ter tal poder sobre alguém. Aproximou-se da mulher, tomando a adaga de Goyle. Pegou um cacho dos cabelos negros. Num gesto rápido, cortou-o.


— Responda!


O soldado o encarava e Draco notou a hesitação. A mulher era a fraqueza dele, então Draco se aproveitou da vantagem.


—A próxima coisa que cortarei será um dos dedos.


Draco agarrou a mão da mulher, separando-lhe os dedos enquanto ela lutava. Mais uma vez, alegrou-se com a sensação de dominá-la. Ela não poderia fazer nada contra sua força.


— Conhece Harry Potter? — perguntou Draco ao soldado.


O homem assentiu.


— Sim. Eu o conheço. — Brigando com as correntes, implorou: — Deixe-a ir.


Goyle deu um passo à frente, baixando a voz num sussurro.


— Nós o usaremos para chegar a Potter. Deixe que ele nos traga informações, então poderemos planejar melhor nosso ataque.


— Um traidor — murmurou Draco.


— Sim.


A ideia tomou forma e se metamorfoseou. Se este homem queria a mulher viva, obedeceria a cada ordem que lhe dessem.


Draco sorriu, um débil sorriso de exultação. E sonhou com a vingança.

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