A Verdade Revelada



NAQUELA NOITE na santidade da fortaleza, depois da união dos corpos, Harry a aninhou nos braços. Com a cabeça debaixo do queixo dele, Gina enroscou os pés gelados nos dele, querendo aquecê-los. Embora tivesse se assustado com o contato, Harry deixou os pés dela ali.


O macio cabelo ruivo cheirava a lavanda, fragrância que ele sabia que Gina usava no banho. Embora só estivessem casados há poucos meses, suas vidas tinham se interligado. Ela tomava o cuidado de não fazer mais mudanças em Godric, respeitando seus desejos. Mesmo assim, a cada dia, seu sentimento de culpa aumentava.


Tinha quebrado o voto de fidelidade à primeira esposa. Prometera nunca esquecer Cho, mas às vezes tinha dificuldade de lembrar o rosto dela. A presença de Gina estava por toda parte, preenchendo os espaços de suas lembranças perdidas.


Harry sabia que ela desejava ser mãe. Mas, embora se odiasse por pensar assim, estava secretamente contente por isso ainda não ter acontecido. Lembrava do choroso e frágil bebê que era um pouco maior que suas duas mãos unidas em concha. Ficava apavorado com a idéia de ser pai novamente. Embora perder uma criança para a morte fosse comum, e fato esperado, não imaginava a dor que isto seria. Não queria perder outro filho.


Harry percebeu a mudança recente em Gina. Embora ela nunca negligenciasse seus deveres, seu olhar sempre se demorava na criança de alguém. Nestes dias ela se tornava mais sedutora, atraindo-o com o corpo até Harry não conseguir manter um pensamento racional.


Era perturbador saber que Gina tinha tanto controle sobre ele. Precisava colocar um fim nisso — nos sentimentos que Gina evocava. Arranjou algo que a distrairia amanhã, algo que ocuparia os pensamentos de Gina e o manteria longe dela.


Na manha seguinte, visitantes se aproximaram dos portões. Harry observava do pátio interno, a mão de Gina na sua. Quando ela viu quem era, apertou a mão dele com um sorriso nos lábios. Gina virou-se para o marido, os olhos cheios de alegria.


— Você o trouxe para me visitar — ela murmurou, erguendo-se para Ihe beijar o rosto. Harry assentiu, sentindo uma estranha agitação por causar tamanha felicidade.


Correndo até eles, Gina recebeu Lilá e o pequeno Teddy. A mulher entregou Teddy para Gina, que apertou o menino num abraço. Ele se contorceu até voltar ao chão, então Gina o tomou pela mão, conduzindo-o até a fortaleza.


Lilá caminhava ao seu lado e as duas mulheres desataram a conversar. Antes de entrar, Gina se voltou e ofereceu a Harry um sorriso de gratidão.


Enquanto o dia passava, Harry teve dificuldade de manter a atenção nas responsabilidades. Ouviu sobre as contendas no Grimmauld, dando sua opinião quando necessário. Inspecionou as obras na fortaleza e conversou com vários arrendatários sobre as colheitas do ano. Mas em meio a isto tudo, continuava pensando no sorriso Gina.


— Está apaixonado por ela — declarou Colin.


Harry encarou o irmão com ar exasperado.


— Não. Eu estava pensando se deveria expandir a fortaleza e as dependências.


— Você estava pensando em Gina. — Colin sorriu maliciosamente. Quando Harry tentou esmurrá-lo, ele se esquivou. Não estava apaixonado por Gina. Importava-se com ela, só isso.


— Acho que esta precisando de outra lição com espada — comentou Harry. O que o irmão realmente precisava era de uma lição sobre humildade.


Colin puxou a espada e os dois irmãos se encararam. Harry deu um passo adiante, atacando o lado esquerdo de Colin. Para sua surpresa, o garoto bloqueou sua lamina com mão firme. Harry mudou a direção, investiu, mas novamente Colin rechaçou o golpe.


— Esteve praticando — ele comentou, tentando não deixar que o irmão percebesse sua satisfação. Era a primeira vez que Colin demonstrava qualquer sinal de progresso.


O rosto de Colin corou, mas ele se manteve concentrado. Harry manteve a velocidade, forçando Colin a se esforçar mais. Só encerrou a sessão quando viu que Colin já respirava pesado. Embora pudesse derrotá-lo facilmente, atacando-o no momento em que revelou exaustão, não queria desanimar o espírito do garoto hoje.


Baixando a arma, deu uns tapinhas no ombro do irmão.


— Bom trabalho.


Colin exibiu um sorriso cansado, guardando a espada. Ele assentiu.


— Gina mandou a cozinheira preparar daquelas tortinhas de maçã que você gosta. — Por que não vai lá provar algumas? — Harry sabia que o irmão caçula adorava doces.


— Sim. — Colin caminhava ao lado dele. — Harry, posso dizer uma coisa?


— O que é?


— Gina é uma boa mulher. É melhor esposa que Cho. Há coisas que você não sabe...


Harry se eriçou com o comentário.


— Não fale de Cho desta maneira.


— Mas é verdade — insistiu o irmão. — Cho nunca Ihe foi tão fiel quanto você pensa.


— Basta. — O bom humor de Harry desapareceu. — Não quero que fale disto outra vez. — Tomou a direção do pátio interno sem olhar para o irmão nem mais uma vez. Sabia que seu casamento com Cho tinha falhas, mas a esposa sempre Ihe foi fiel. Sabia disso, não importava o que Colin dissesse. Não aceitava pensar de outra maneira.


 


 


 


 


 


 


 


 


 


GINA COLOCOU Teddy no colo, embora o menino estivesse muito mais interessado nas tortinhas de maçã colocadas diante dele. Ela mesma não tinha qualquer interesse por comida. Só de pensar sentia-se um pouco enjoada, embora forçasse um sorriso no rosto. Desde manhã sentia-se mais cansada que o normal.


— Como Teddy tem passado? — perguntou a Lilá.


— Sente falta dos pais — disse Lilá, o rosto tomado de pesar. — Soube o que aconteceu com o marido de minha irmã. Ele não deveria ter traído os Potter. Agora meu sobrinho não tem nenhum dos pais para confortá-lo.


— Sinto muito — disse Gina.


— Houve justiça pelas mortes deles?


— É complicado — ela respondeu, pensando em Draco. Ninguém via ou ouvia falar dele desde aquela visita. — Mas sei que Harry cuidara disso.


— Que bom. — Lilá observava o salão, uma expressão preocupada no rosto. — Fico satisfeita por poder conversar com você sozinha. Há algo que me preocupa e acho que você precisa saber. — Ela baixou a voz. — Meu marido e eu moramos no norte... muitos dias de viagem daqui.


Gina sentiu o estômago revirar novamente, mas fechou os olhos para se livrar do mal-estar. Levou as mãos ao rosto para refrescá-las.


— Diga.


Lilá hesitou.


— Não sei como Ihe dizer isso, nem sei se é verdade. Mas você precisa descobrir.


Gina estava intrigada.


— O que é?


— Lembra que eu disse ter visto Cho Potter no verão passado?


Gina assentiu.


— Você confundiu outra pessoa com ela.


Lilá meneou a cabeça.


— Não.


Gina ficou confusa. Sentia o estômago revirar, mas assentiu para que a mulher continuasse.


— Descobri através de outros que era ela. Cho Potter não morreu na batalha, como seu marido acredita. E se o que descobri for verdade, seu casamento com Harry é inválido.


Era como se a vida de Gina começasse a desabar após ouvir as palavras de Lilá.


— Não. — Ela negou, sentindo uma pressão nas têmporas. — Harry a enterrou.


— O corpo estava queimado. Ninguém pode ter certeza — corrigiu Lilá. — Identificaram uma mulher usando as jóias dela.


Gina meneou a cabeça, sem querer acreditar. Mas se manteve firme.


— Por que acha isso?


— Os sonserinos com que conversei disseram que ela foi por vontade própria. Estava apaixonado por Cedrico Diggory, o barão de Lufalufa.


Gina conhecia o nome. As terras de Lufalufa ficavam perto da fronteira de Sonserina, ao norte das terras de seu pai.


— Como sabe que disseram a verdade? — conseguiu perguntar.


O rosto de Lilá estava tomado de simpatia.


— Tente descobrir. Rezo para que não seja verdade. Mas se eu fosse você, eu gostaria de saber.


Gina precisava se deitar, clarear os pensamentos.


— Por favor, fique a vontade — disse a Lilá. — Preciso cuidar de algumas obrigações lá em cima. Conversamos sobre isso mais tarde.


Lilá pos a mão no braço de Gina.


— Você não me parece bem. Quer que eu vá com você?


— Não. Estou bem — ela mentiu. No momento só havia as suposições de Lilá, mas a possibilidade de ser verdade a abalava profundamente.


Uma terrível voz dentro dela questionava se deveria contar a Harry. Seu senso de honestidade se confrontava com o desejo de manter o marido. Se não dissesse nada, sua vida continuaria a mesma. Mas seria uma mentira. Ela tinha mais honra do que isso.


A sensação de enjôo piorava, então Gina se deitou na cama. Descansaria um pouco. E depois contaria a Harry o que tinha descoberto.


 


 


 


 


 


 


 


 


 


QUANDO VOLTOU ao pôr do sol, Harry abriu a porta do quarto e encontrou Gina deitada, os olhos fechados. A pele estava pálida como a lua, a respiração fraca. Quando tocou-lhe o rosto, sentiu que as bochechas estavam quentes.


— Gina? — Erguendo-a nos braços, acariciou o cabelo dela, tentando acordá-la. Seus pensamentos imediatamente evocaram a filha,


Lílian. Não estava lá com ela quando caiu doente. Era praticamente um bebê quando a perdeu. E recordar isso o sufocava de tristeza.


Gina abriu os olhos.


— Acho que dormi. — Ela tentou exibir um sorriso.


— Chamarei Pomfrey.


— Não. — A voz dela soava fraca e Harry sentiu medo novamente. — Harry, preciso Ihe contar algo.


— Shh... — Ele a amparou nos braços, cobrindo sua boca com os dedos. — Não fale. Agora descanse e recupere as forças. O que tiver para contar pode esperar.


Gina entrelaçou os dedos nos dele, as mãos frias.


— Obrigada por me trazer Teddy — ela murmurou.


— Chamarei a curandeira — insistiu ele.


Gina não protestou, pois sabia que a presença de Pomfrey tranqüilizaria Harry. Quando enfim a curandeira chegou, examinou Gina sob o olhar atento de Harry. Deu a Gina um pó misturado no vinho, para ajudar a dormir. Foi então que Gina lembrou que Pomfrey estava com Cho quando a filha morreu. Ocorreu-lhe que a curandeira poderia ter as respostas que procurava.


Contudo não queria que Harry testemunhasse estas respostas. Não até Gina descobrir mais. Se a história de Lilá fosse falsa, então não haveria necessidade de reviver memórias dolorosas.


— Posso conversar com você em particular? — perguntou a Pomfrey. Olhou para Harry, e disse: — Quero fazer algumas perguntas de mulher.


Como ela esperava, Harry não fez objeção.


— Estarei aqui fora, caso precise.


Assim que ele fechou a porta ao sair, Gina encarou a curandeira. Não sabia exatamente como começar, mas antes que conseguisse dizer qualquer coisa, Pomfrey falou:


— Leva tempo para saber se uma mulher esta grávida.


Gina corou.


— Foi o que pensei. Mas acho que não estou.


A velha se sentou ao lado de Gina, as mãos nodosas sobre o colo.


— O que quer saber?


— Quero saber se Cho alguma vez conheceu um homem chamado Cedrico Diggory, o barão de Lufalufa.


Gina viu o ar alarmado antes que Pomfrey conseguisse escondê-lo. A curandeira meneou a cabeça.


— Não minta para mim. Sei que Cho não morreu na batalha, como todos dizem. — Gina cerrou os punhos para impedir que as mãos tremessem. Tinha esperanças de que Pomfrey negasse.


Contudo, o rosto da curandeira parecia pálido e cansado.


— Darei as respostas que procura. Pelo bem de Harry e o seu. Vi que ele finalmente recuperou a paz, e o que fiz é um pecado que preciso enfrentar.


— Então é verdade. Cho ainda está viva. — Gina sentiu a boca seca, os pulmões mal Ihe permitiam respirar. Fechando os olhos, concluiu que não teria coragem de contar a Harry. — Chame meu marido. Conte-lhe a verdade. Você deve fazer isso se ainda tiver qualquer lealdade por ele.


Pomfrey sacudia a cabeça.


— Serei punida. Não posso.


— Sua punição será ainda maior se continuar escondendo dele a verdade. — A fúria de Gina era tão grande que ela não sentia mais os efeitos da indisposição. Quando estava para se levantar, Pomfrey já abria a porta.


A velha retorcia as mãos, lágrimas se formando nos olhos.


— Não fiz por mal. Eu a amava como a uma filha.


— O que está acontecendo? — perguntou Harry.


Gina se agarrou à decisão tomada e respirou fundo.


— Pomfrey tem uma confissão a fazer. É sobre sua esposa Cho.


— O passado não importa mais, Gina — alertou Harry.


— Importa para mim — ela disse, o coração doendo. — E o que ela tem a dizer afeta a nós dois. — Ela limpou as lágrimas que desciam pelo rosto. Harry veio para perto dela, para oferecer conforto. A presença dele tornava as coisas mais difíceis.


— Então diga — ele disse. — Se é tão importante.


Pomfrey sentou num banco e baixou a cabeça.


— Preciso contar a verdade sobre o que aconteceu no dia em que Cho morreu.


Um mau pressentimento Ihe causou calafrios, mas Harry assentiu.


— Continue.


— Quando Cho era bebê, fui sua ama. Eu a criei junto com minha filha, e era como se ela também fosse minha em todos os sentidos, exceto pelo sangue. Eu faria qualquer coisa por ela. Anos atrás, vi como Cho estava infeliz. Ela amava a menina, Lílian, mas vivia inquieta. Vagava por horas quando você não estava.


As palavras o deixaram intranqüilo. Harry suspeitava disso, mas nunca quis acreditar.


— Um dia ela conheceu um homem. E Cho me confessou que estava apaixonada por ele.


A confissão fez Harry se sentir golpeado no estômago. Tinha oferecido a Cho tudo o que tinha para dar. E ela Ihe foi infiel apesar de tudo. Uma raiva profunda começou a se formar dentro dele.


— O homem era um Lufalufano. Seu nome era Cedrico Diggory, barão de Lufalufa.


O vulto vermelho da raiva apertava seu peito, borrando qualquer pensamento racional. Notou vagamente que Gina segurava sua mão. O mudo apoio manteve sua fúria sob controle.


Pomfrey continuou:


— Cho o conheceu quando um dia saiu para cavalgar sozinha. Os soldados dele estavam acampados nas redondezas e o barão a encontrou junto ao rio. Ela se apaixonou por ele a primeira vista, e ele sentiu o mesmo por ela, embora fosse um amor proibido. Sempre que você saia em batalha, ela mandava uma mensagem para o barão, que vinha vê-la. Eu os ajudava a se encontrarem, embora fosse errado.


Gina apertou a mão de Harry, cujos dedos estavam agarrados aos dela. O tormento Ihe desolava o rosto. Ela podia sentir o pesar, o orgulho ferido. Harry adorava Cho e agora descobria-se traído. Gina apenas podia imaginar a dor que ele sentia.


Encostou-se nele, tentando demonstrar naquela mensagem silenciosa que ficaria ao lado dele, não importava o que ainda havia para ser revelado.


— Quando o exercito de Voldemort planejava atacar Hogwarts, Cedrico pediu que Cho fugisse com ele. Ele queria capturá-la e deixar que você morresse em batalha. Mas Cho não permitiu que você fosse morto.


O rosto de Pomfrey se abrandou.


— Você sabe que ela o amava. Mas não da maneira que amava Cedrico. — Ela respirou fundo. — Então Cedrico ordenou que você fosse atingido na cabeça, mas mantido vivo.


Harry lembrava dos gritos da esposa ao ser levada. Aqueles gritos não eram verdadeiros. Cho queria fugir, queria deixá-lo.


— Ninguém a viu partir — ele murmurou. — Enterrei o corpo dela.


— Você enterrou a criada dela, Marieta. Elas eram parecidas, então Marieta vestiu as roupas e jóias de Cho. A idéia era que Marieta fosse levada pelos soldados, para que todos pensassem que Cho fora capturada. Mas o corpo de Marieta queimou na cabana naquele dia.


— Por que nunca me contou isso antes? — A voz de Harry estava perigosamente calma. Ele se lembrava do horror de encontrar o corpo carbonizado usando o cordão de prata que dera de presente a esposa. Em sua mente não houve dúvida de que era Cho.


— Perdoe-me. — As lágrimas rolavam pelo rosto de Pomfrey, que cobriu os olhos com as mãos. — Eu só queria ajudar Cho a encontrar a felicidade ao lado do amante. Ninguém deveria ter morrido. Deus me castigou por isso.


— Se ela não queria mais ser minha esposa, por que não pediu divórcio? — perguntou Harry. — Não havia necessidade de tamanha farsa.


Pomfrey o encarou.


— E você teria aceitado? — Ela meneou a cabeça com tristeza. — Cho sabia que você nunca a deixaria partir. Você a tratava como um pertence valiosíssimo.


Algo se agitou dentro dele ao ouvir isso. Queria negar, alegar que teria oferecido o divórcio se ela tivesse pedido. Mas no fundo sabia da terrível verdade. Ele a amava com cada parte de seu ser. E nunca desistiria dela. Especialmente para um outro homem.


Mesmo que tivesse de passar o resto da vida brigando no tribunal, nunca deixaria Cho partir. Seu próprio pai tinha recusado o divórcio à esposa. Harry não era diferente. Acreditava que Cho um dia o amaria tanto quanto ele a amava.


A triste realidade mostrava que ele não era nada diferente de Sir Draco Malfoy.


— Você esta certa — ele murmurou. — Eu não daria o divórcio. — A esposa fugiu dele. Assim como Gina tinha fugido de Draco. E doía saber que Cho preferiu viver escondida com outro homem a confrontá-lo com a verdade.


Harry então compreendeu algo terrível. Todo o seu corpo ficou inerte, a respiração presa nos pulmões.


— Marieta está enterrada naquela cova — disse Pomfrey. — Cho escapou. E até onde sei, ainda está viva.

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