Previsão de Tragédias



Quando Christian chegou no corredor que dava acesso à sala de Remo, presenciou Rony estendendo uma mão para Hermione levantar-se. O rapaz gelou quando viu a expressão de terror nos olhos deles, e temeu pelo que haviam visto no interior da sala. Se aproximou tentando não piorar as coisas.

- O que houve aqui? – Ele perguntou, com curiosidade normal de quem presencia uma cena estranha.
- Chris, Daniel está lá dentro... – Hermione apontou o dedo trêmulo para a porta da sala – Ele está estranho... A sala está revirada!
- Ele nos mandou sair aos berros... – Rony disse, com ar de ofendido.
- Ah, Dan... – Christian suspirou – Eu vou falar com ele...
- Não! – Hermione segurou seu braço – Ele está revoltado! Ele pode fazer algo contra...
- Ele não vai me fazer mal, Hermione... Somos amigos de longa data, eu sei como cuidar dele, fique calma – Ele respondeu com um sorriso torto.

Delicadamente, Christian soltou a mão da garota de seu braço, e após um longo suspiro, entrou na sala, destemido. Analisou o local, estava mais bagunçado do que temia, mas o ponto principal estava lá, imóvel, perto da mesa de Remo.

- Chris... – Daniel falou com dificuldade – Saia daqui, por favor...
- Não, espera... Eu trouxe o que você precisa... – Ele deu dois passos à frente, e a mão de Daniel se levantou. Christian parou imediatamente.
- Me dá sem se aproximar...

O rapaz moreno retirou a varinha de dentro das vestes, fazendo um pequeno frasco transparente, no qual continha um fluido prateado, levitar graciosamente até Daniel. Este o pegou, desesperadamente, e virou todo o seu conteúdo pela boca. Esta cena aconteceu em fração de segundos. Após tomar a poção, Daniel jogou-se na cadeira, respirando com dificuldade. Christian avançou novamente, sem se importar com o aviso para manter distância.

- Eu sou um maldito... – Daniel disse, com a cabeça baixa em sinal de vergonha.
- Não é, você é um guerreiro... Eu te admiro pela sua força de vontade e coragem.
- Eu quase ataquei Granger e Weasley... E você.
- Mas não atacou. Há um grande abismo entre ter vontade e realizar o ato. – Christian levou a mão até o ombro do amigo, em sinal de conforto. – Isso é que diferencia um herói de um assassino.
- Eu não sei o que seria de mim sem vocês... – Daniel se virou, dando um abraço fraternal no rapaz – Amanda e você... Deveriam me odiar, mas... São minha família.
- Nunca o odiaríamos, Dan. Você foi sempre o único que apoiou minha mãe, nosso amigo mais fiel.
- Eu... O que eu fiz com Sophie... – Daniel começou, mas Christian o interrompeu com um chiado alto.
- De novo isso? Sophie está bem, não está? Esqueça, droga... Falando em Sophie... – Christiam gelou quando lembrou do ocorrido. – Aquele rato do Pettigrew disse que ela foi seqüestrada... Eu não entendi nada, mas estou temeroso...

Daniel levantou a cabeça, notavelmente normal, encarando os olhos de Christian. Para sua surpresa, a expressão dele era de curiosidade.

- Mas já? Foram tão rápidos... – Comentou, e Christian fez uma careta.
- Você sabia disso?
- Desculpa não ter comentado... Eu sabia, sim. Amanda me comunicou.
- E por que não me contaram? – O rapaz estava ofendido.
- Por que você estragaria os planos... Ou acha que não sabemos que sua amizade com Harry é tão sincera quanto o que Sophie sente por ele? Sophie é mais perigosa perto de Harry do que longe.

Christian não falou nada. Era verdade que ele sentia por Harry uma amizade, embora há pouco tempo atrás o odiasse mais que qualquer coisa. A convivência com ele o fez entender que Harry era um herói nato. Tudo o que Christian desejava era poder conhecer seu pai, e viverem em paz, os três: Sua mãe, ele e Sirius. Mas a cada minuto que passava, esse parecia ser um sonho mais distante. Christian estava começando a indagar de qual lado sua mãe realmente estaria.

- Tenho que arrumar essa bagunça... – Daniel olhou em volta.
- Eu ajudo. – Christian se ofereceu.
- Chris... E Hermione e Rony? O que faremos? Eu não sei o que eles estão pensando, mas Hermione é muito esperta...
- Deixa comigo. Esqueceu que quando eu quero, sou muito talentoso em confundir as cabecinhas? – Christian piscou, sorrindo maliciosamente.
- Eu sei... Mas acho que você deveria fazer isso logo. Deixa que eu dou um jeito aqui, vá atrás deles, antes que seja tarde.
- Certo... Se cuida, Dan. – Christian acenou e saiu o mais rápido que pôde da sala.

***

O sol estava brilhando num céu azul-claro e sem nuvens, tocando gentilmente com seu calor as folhas das árvores de copas altas, no coração da floresta amazônica, no Brasil. Não estavam ainda no verão, mas o clima quente era bem-vindo todos os dias naquele abençoado país. Por entre a fauna e flora intactas, um esplêndido castelo se estendia, em perfeita harmonia com o habitat, embora fosse contrastante tal edifício no meio do paraíso tropical. Era ali o Instituto Brasileiro de Magia Korõaran, que seria a sede do Torneio Tribruxo entre as escolas do Reino Unido e Japão. Contrastando com o clima de paz e harmonia ao redor do castelo, em seu interior, o clima não parecia nada amistoso.

- Acho que vocês deveriam ouvi-la, e desistir dessa maluquice antes que tudo esteja acabado! – Uma mulher de beleza exuberante, com cabelos dourados e cacheados até a cintura fina, falava em tom imperativo.

Sentado atrás da mesa estava o diretor, com um olhar distante, mirando a mulher, que andava de um lado para o outro, nervosa. Na cadeira à sua frente, outra mulher estava sentada. Era bastante diferente da primeira. Era miúda, branca como papel, com cabelos em corte chanel e muito pretos, mas sua beleza não deixava nada a desejar à outra: era simplesmente encantadora. Ela estava com a respiração falha, e comprimia os lábios, deixando-os em uma linha fina no rosto de boneca. Estavam também na sala outros dois homens: um deles, o com a pele de tom marrom dourado e cabelos lisos e negros até a altura do ombro, estava encostado no batente da porta, com ar de tédio, e o outro, com uma cor mais pálida e cabelos castanho-claros e olhos cor de mel, estava abaixado ao lado da cadeira, segurando a mão daquela sentada à frente do diretor, como se tentasse acalmá-la.

- Você tem certeza do que viu, Liah? – Bernardo, o diretor, a olhou atentamente.
- Sim... – A pequena mulher balançou a cabeça – Eles virão, e trarão um lobisomem com eles... Ele não é mau, mas atraíram outros maus... Os lobisomens estão do lado das trevas... Eu pressinto tragédias sobre esse torneio.
- Estão vendo?! – A outra mulher deu uma gargalhada dissimulada – Isso é loucura! Não precisamos de confusão! Eles trarão uma criatura das trevas e um exército de comensais da morte amigos de lobisomens!
- Basta, Rosário! Não coloque mais lenha na fogueira! – O homem abaixado gritou, olhando-a severamente e apertando a mão de Liah.
- Basta? Julio, aquele povo vive em guerra! Não foi lá que um rapaz de 17 anos morreu no Torneio Tribruxo? Queremos que alguém morra aqui também e macule o nome de nossa escola, de nosso país?
- Você viu mortes, Liah? – Bernardo questionou, antes que Julio pudesse redargüir a provocação de Rosário.

Liah olhou para Julio, como se buscasse conforto. O homem a beijou na mão e balançou a cabeça em sinal de positividade. Então, Liah olhou nos olhos de Bernardo, se inclinando um pouco, usando um tom de voz doce e sereno.

- Eu vi. Mas eu também vi vida renascida. Não acho que devemos suspender o torneio, devemos só estarmos alerta. Temos uma vantagem de conhecer o futuro.
- Eu não acredito nisso! Você está concordando com essa loucura! – Rosário deixou o queixo cair.
- Rosário, cala a boca...! – Julio grunhiu irritado.
- Eu só acho que eles estarão mais seguros aqui, Rosa. Nós sabemos o que poderá acontecer, então... Saberemos como agir. – Liah respondeu educadamente.

Rosário mantinha um riso incrédulo no rosto perfeito, olhou para todos no recinto, como se esperasse que mudassem de idéia, concordando que ela estava certo sobre não correr riscos de colocar o nome de Korõaran em evidência de insegurança. O homem moreno-jambo que estava até aquele momento em silêncio, encostado, deu uns pequenos passos em direção à mesa do diretor, se inclinando na mesma, com os olhos negros mirando-o atentamente.

- O Cálice de Fogo já está lá fora, alunos inquietos estão depositando mais que seus nomes naquele objeto, estão depositando seus sonhos. São pequenos guerreiros, demonstrando toda sua coragem em busca de um ideal. Por favor, não interfira nisso. Deixa que da segurança nós cuidaremos.

Rosário deixou os ombros caírem, ao passo que Julio e Liah sorriram para ele. Bernardo reconsiderou.

- Não impedirei, Mariú. O Torneio Tribruxo vai acontecer e o nome de Korõaran não será lembrado como palco de tragédias, será como o da Escola segura que protegeu seus alunos e visitantes de todo o perigo.
- Estão todos loucos! Que morram! – Rosário gritou e saiu do local, em fúria.
- Mariú, vá atrás dela e evite que faça alo insano. – Bernardo pediu gentil e Mariú sem pestanejar, se retirou.
- Julio, por favor... Vá verificar se os alunos estão em ordem. O Cálice de Fogo tende a despertar confusão. – O diretor falou, em voz suave. Julio beijou novamente a mão de Liah, se levantando e saindo rumo ao Salão Principal da escola, onde estava o Cálice de Fogo.

Bernardo se levantou, dando um breve suspiro. Olhou pela grande janela que se estendia por toda a parede atrás de sua mesa, permitindo observar os jardins de Korõaran, onde agora o sol tocava timidamente a grama, informando que em breve daria espaço para a lua no céu. Liah permaneceu ali, apertando as mãos, como se tivesse criando coragem para falar algo mais.

- Pode falar agora, Liah. O que mais você viu? – Ele falou, sem olhar para ela.
- Não é o lobisomem que me preocupa, nem os comensais, Bernardo... – Ela sussurrou, como se ainda tivesse medo de falar – É algo um pouco pior, e eu não consigo ver nada sobre isso... Não sei se somos fortes o suficiente para enfrentar tal coisa, se o pior acontecer.

Como Bernardo previa, o Salão Principal estava um caos. Alunos nervosos, entre aplausos e gritinhos de incentivo para aqueles que iam depositar seus nomes no Cálice de Fogo, ocupavam toda a extensão dali. Julio sorriu para alguns alunos da sua casa, Îasy, quando passaram por eles com os pergaminhos nas mãos.

- Boa sorte para todos, que a deusa da lua os guie nos melhores caminhos... – Ele os abençoou gentilmente.

No meio de toda aquela algazarra, apenas uma pessoa, fora Rosário, parecia estar achando tudo aquilo desnecessário, e, porque não dizer, uma loucura sem medidas. Um garota de cabelos castanho-mel, olhos azuis brilhantes e bochechas rosadas, com pele muito branca, que denunciava não ser brasileira e dava um contraste incrível com o rapaz com o qual falava, cuja pele era num tom lindo de marrom, falava num português impecável, demonstrando que embora não parecesse, poderia ser tão brasileira quanto os demais alunos.

- Não faça essa loucura, Cauã, eu te imploro! – Ela andava apreensiva ao seu lado, falando em tom suplicante.
- Ah, Liz! Pára com essa neura! – O garoto balançou os cabelos negros, ainda andando – É só um jogo!
- Não é só um jogo! Pessoas morrem nesse Torneio maldito!
- Liz... – Cauã parou, pegando-a delicadamente pelos ombros – Escuta... Não há o que temer. Se eu vou depositar meu nome no Cálice de Fogo é porque eu me garanto, sei me defender...
- O garoto que morreu em Hogwarts também sabia! – Ela redargüiu, irritada – E o aluno lá da Academia Leste-Sulista que morreu em 1977 também! Era um dos melhores alunos da história da nossa escola!
- Ai, você ama esse cara aí... – Cauã revirou os olhos. – Ele não devia ser tão bom assim...
- Quê? – Ela se ofendeu – Era um dos melhores! Lá na Academia Leste-Sulista tem uma área na sala de troféus em sua homenagem!
- Aqui não é sua escola dos Estados Unidos, Elizabeth...
- Não me chama de Elizabeth! E presta atenção no que estou falando... Minha escola nos Estados Unidos era muito boa, se você está insinuando que...
- Ah, era boa? Por que você não volta para lá, para o seu herói esperto morto? – O rapaz cruzou os braços na frente do corpo. Liz o encarou, surpresa.

- Quer saber, Cauã? Quer se matar? Se mate, então. Eu não estou nem aí se você quer cometer suicídio. Mas não me pede para te apoiar...
- Bom saber que não posso contar com minha namorada...
- É, quem sabe ela não quer ficar viúva antes de casar? Também, ela não parece contar com o namorado dela, que parece não entender porque ela mudou de escola faltando dois anos para concluí-la... Quem sabe ela não volta mesmo para os Estados Unidos e para o herói morto dela?

Liz virou-se de costas para Cauã, e saiu dando passos pesados. Tentou não sucumbir ao ódio que sentia, e a fazia trincar os dentes. Ela, de fato, não era brasileira. Era filha de uma brasileira com um norte-americano, fruto de uma relação passageira. Morou toda sua vida com o pai nos Estados Unidos, mas, após a morte do pai, finalmente veio para o Brasil completar seus estudos e ficar com a família da mãe, com a qual nunca tivera contato antes, por ser proibida pelo pai tirano. Aprendera português escondida do pai, com uma tia que era empregada doméstica nos Estados Unidos, assim como sua mãe o era na época que engravidou. Quando Liz nasceu, a família de seu pai a tomou de sua mãe e a denunciou como ilegal nos Estados Unidos, tendo sido deportada sem direito de levar a filha consigo. O sonho de Liz era poder voltar aos braços da mãe, e isso ela só conseguiu aos seus 16 anos. No ano anterior, ao chegar na nova escola, conheceu Cauã, e os dois se apaixonaram, mas viviam em crise na relação.

Cauã era descendente de índios, um dos garotos mais populares de Korõaran por ser filho de um pajé da uma das poucas tribos indígenas que ainda se mantinha intactas em seus costumes. Era irmão mais novo de Mariú, diretor da casa Tupã, tinha também uma irmã mais nova, Tainá.Estava no último ano, era tradição de sua família sempre serem escolhidos para a casa Tupã, e Mariú, com apenas 23 anos, já era seu diretor, por ter demonstrado ser merecedor. Na verdade, todos os diretores de Korõaran era jovens demais, o mais velho era Julio, e tinha 30 anos. Eram escolhidos por seus méritos, e todos eles tinham incríveis histórias de vida para contar. Cauã não era muito diferente de seu imão, era um guerreiro nato, por isso queria ser o campeão de Korõaran, e ganhar aquele Torneio. Mas Liz não entendia. E ele era grosso o bastante para fazer daquilo um inferno. Seu orgulho não o deixou ir atrás da namorada, apenas seguiu em frente, e acompanhado por uma platéia frenética de amigos da Tupã, colocou o pergaminho com seu nome no Cálice de Fogo.

***

Christian checou o Mapa do Maroto para verificar onde Hermione e Rony estariam. Não tinha muita noção de quanto tempo tinha passado desde que fora ao encontro de Daniel, mas agora via que os dois estavam na companhia de Harry e Remo, num corredor não muito longe dali. Ele se antecipou e foi ao encontro dos quatro. Chegando até eles, Christian estranhou os olhares na sua direção, mas ignorou, olhando para Remo, tentando parecer bem natural.

- Já está tudo certo lá... Onde está o rato maldito?

Mas houve um silêncio cortante. Ele reparou que Hermione estava com os olhos úmidos, Rony e Harry tinham os dedos fechados com força contra seus punhos. Ele sentiu um arrepio de tensão.

- Que houve, pessoal? – Perguntou, cauteloso.
- Traidor! – Harry falou entre os dentes – Covarde! Eu acreditei em você!
- Que isso agora? – Christian encarou Harry, confuso.
- Não tenta, Christian... Pedro estava sobre efeito do Veritasserum... Sabemos de tudo. – Remo comentou com ar de decepção – Acho que você sabe o que isso significa...

Christian sentiu todo seu corpo ficar rígido, num calafrio que atingiu seu estômago, como um soco muito bem dado. Sua face ficou pálida e seus joelhos bambearam. Não era possível o que estava acontecendo.

- Não... Vocês não estão pensando que eu...?
- Não estamos pensando... Temos certeza – Remo estava com a face triste – É uma pena, Christian... Eu achei mesmo que você fosse confiável... Eu lamento, mas a Ordem saberá. Afinal, você tem um pacto conosco. Seu futuro será decido ainda esta noite.

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