Lendas e Mitos



Aos poucos, Harry melhorava, mas não se sentiu capaz de levantar-se daquela maca na Ala Hospitalar. Sua cabeça não mais pesava ou doía, mas ele não conseguia parar de pensar. Milhares de pensamentos corriam sem rumo, se chocavam, se embaralhavam na frente de seus olhos, e ele sentia-se exausto só pelo simples fato de conseguir os organizar em uma ordem que fizesse sentido. Ao menos ali não havia ninguém para questioná-lo ou perturbar sua cabeça com mais problemas.

Quer dizer, até aquele momento. Assim que fechou os olhos tentando novamente – e inutilmente – organizar sua mente, a porta se abriu rangendo alto. Ele não abriu os olhos ainda assim, mas alguns passos foram ouvidos e uma voz suave chamou seu nome. Definitivamente, ele não respondeu aos sussurros de Hermione.

- Ele está dormindo... – Hermione cochichou, observando Harry com suspeita de que ele estaria fingindo. E estava mesmo.
- Deixa ele, Harry merece um pouco de paz, deve ser barra passar por isso... – Rony comentou.
-Alguém esteve aqui antes da gente? – Ela perguntou, e Harry pensou que ela não estaria falando com Rony.
- Não, Daniel estava com ele até agora pouco, ele foi me chamar na minha sala – A voz de Remo era inconfundível.

Harry apurou os ouvidos, atento para quando o deixassem em paz. Mas a porta não abriu novamente. Houve um momento de silêncio, mas logo foi dissipado.

- Lupin... – Hermione parecia com medo, mas não conseguia calar-se. – Sobre Daniel...
- Que tem? – Remo soou tenso.
- Eu não sei... Ele é tão... Ah...
- Tão misterioso? – Ele adivinhou.
- Isso! Eu não sei se deveríamos confiar tanto nele...
- Hermione... – A voz de Remo agora estava mais suave e calma, Harry sentiu – Não se preocupe com Daniel. Eu estou muito perto dele, tenho motivos de sobra para confiar nele.

Outro momento de silêncio. Harry queria mais, aquela conversa parecia começar a ficar interessante. Novamente, a voz insegura de Hermione quebrou a pausa.

- Rony, querido... Lembrei de uma coisa! Dino... Queria falar com você! Oh, eu esqueci de te dar o recado! Corre lá, ele disse que era importante!
- Dino? – Rony repetiu e Harry podia imaginar a cara de “hã” que ele estava fazendo.
- Dino! Ande logo antes que ele pense que não te dei o recado!

Passos foram ouvidos, o ranger da porta chegou aos ouvidos de Harry e com um baque lento ela se fechou. O garoto se esforçou ao máximo para parecer desmaiado, desligado, morto ou demonstrar qualquer outra forma de inconsciência. Se Hermione dispensou Rony para ficar a sós com Remo, certamente, ele ia desabafar sobre sua conduta duvidosa apresentada desde a noite anterior. Ela se aproximou da cama, ele sentiu sua mão passando na frente dos olhos e se concentrou para não se denunciar, mesmo quando o vento de um quase tapa lhe soprou a face. Parecia que ela estava convencida de sua ausência espiritual ali.

- Remo, não precisa mentir para mim... – Hermione falava tão baixo, Harry teve que juntar toda sua força na audição.
- Eu não desconfio da sua inteligência, Hermione, afinal, você descobriu sozinha que eu era um lobisomem... – Remo a cortou, num tom se sussurro quase inaudível também – Mas isso é diferente...
- Não, não é! Daniel... Oras... Ele é...
- Ele é tão perigoso quanto eu, acredite.
- Não! Lobisomens mestiços só são perigosos em noites de lua cheia!
- Lobisomens transformados não são racionais... – Ele apontou.
- E os instintos? Ele pode até ser racional, mas seus instintos quando...?
- Como você acha que ele está se comportando tão bem? Daniel é inteligente, ele desenvolveu um soro tão bom quanto a poção utilizada por mim.
- Ele quase atacou a Rony e a mim! – Ela aumentou o tom de voz, mas logo o baixou, provavelmente olhando para Harry, que parou de respirar por um momento – E tem mais... Lobisomens não são inimigos dos...

Ouviu-se um novo barulho de porta abrindo, Harry amaldiçoou mentalmente quem quer que fosse. Logo agora? Que inferno, pensou. Mas logo se arrependeu.

- Lobisomens são inimigos... – A voz calma de Daniel ressoou. – São inimigos de quem, Granger? Eu acho que já te implorei para aquietar sua curiosidade...

Não houve resposta, certamente não era por Hermione não saber respondê-lo. Ao invés disso, ela o pressionou e, embora sua voz tivesse trêmula, era resoluta.

- Eu sei o que você é!
- Sabe? Então, você sabe também que isso poderia te matar? – Ele a desafiou, embora sua voz fosse puro veludo.
- Para com isso, agora! – Remo se meteu, Harry pensou se falava com Hermione ou Daniel.
- Por que eu pararia? Eu não confio nele! Harry não confia! – Agora ele tinha certeza que era com Hermione.
- Você não entende, Hermione? – O tão calmo timbre de Daniel mudou para uma súplica – Sabe o que significa você descobrir essas coisas?

O coração de Harry disparou, e ele poderia apostar que o de sua amiga também estava batendo em ritmo frenético. O que seria tão grave assim, que fizesse Hermione ter medo?

- Como você acredita nele? Ele pode enganar qualquer um, ele foi feito para isso! – A garota chorava.
- Eu poderia realmente enganar todos, mas eu preferi falar a verdade... – Daniel respondeu por Remo – Só que essa verdade poderia matar inocentes, exceto... – ele fez uma pausa – Exceto se a pessoa para a qual você contou fosse tão... Amaldiçoado quanto você.
- Por isso, Hermione, eu acredito em Daniel... – Remo completou.

Harry começou a suar frio. Aquela conversa tensa deu a ele algo a mais para se preocupar, algo que parecia deixar as histórias de Horcruxes, de visões, de torturas que antes circulavam livres em sua mente, todas para trás. Ele estava muito próximo de saber o que tinha de errado com o tão certinho Daniel, e isso o assustou. Talvez ele não quisesse de fato saber. Não depois do próprio Daniel afirmar que isso poderia matar.

- Você pode estar assinando sua sentença de morte, Lupin... – Hermione grunhiu entre os soluços – Só peço que pense em Dora, ela não merece ficar viúva tão cedo!

Pelo que ele percebeu, tampouco sua amiga quis saber, vide o modo grosseiro como falou com Remo – o que era realmente incomum vindo dela. Os passos de Hermione eram firmes e ao sair ela bateu a porta atrás de si com força, o fazendo pular da cama. Já estava na hora de parar de fingir.

- Que foi isso? – Harry perguntou, querendo que eles entendessem o que ele realmente queria que lhe fosse explicado.

Remo e Daniel o olharam como se dissessem “sabemos que você ouviu tudo”. Porcaria. Harry se arrependeu, era tão difícil enganar esses dois, assim? Ainda assim, Daniel, com sua calma estressante, respondeu sua pergunta, sem nenhuma alteração no timbre de voz.

- Harry, há coisas que precisam ser omitidas para o bem de todos. Eu sei que pode parecer que sou um tanto... Bom, como dizer... Desconfiável, mas eu te garanto que é muito melhor assim mesmo.

Harry fez uma careta. De que diabos ele estaria falando? Antes que pudesse contestar, Daniel virou-se ligeiramente para Remo, sua expressão mudou para preocupada.

- Acha que ela vai espalhar sua tese para mais alguém?
- Não, ela não o faria... Sabe o que está em jogo. – Remo balançou a cabeça.
- Como ela é esperta, bem que você comentou... – Daniel falou como se esperteza fosse um grave defeito.

- Dá licença... – Harry fez ar de tédio – Eu estou meio perdido aqui... Tudo bem que pode ser algo... Pode ser, não, é algo grave... Mas o que é tão grave que eu não possa saber? Afinal, vamos combinar? Nada me assusta, eu sobrevivi a uma maldição imperdoável quando tinha um ano, perdi meus pais, fui criado por tios que me odeiam, vivo sendo perseguido e tenho visões com meu inimigo e ainda por cima descubro que sou parte dele... Há algo mais impressionante que minha vida? Por favor, me contem, estou louco para me sentir normal uma vez na vida!

Parte do que Harry falou era um sincero desabafo, mas Daniel e Remo só ouviram até a parte do “descubro que sou parte dele”.

- O que você quis dizer com ser parte d’Aquele que não se deve nomear? – Daniel ergueu uma sobrancelha. Remo tinha a face lívida ao seu lado.

“Merda!” Harry gelou e empalideceu. “Eu tinha que falar isso?” Como se explicar agora?

- Modo de... Falar... – Harry gaguejou.

Houve uma breve pausa, na qual ele agradeceu, pensando que tinha enganado os dois. No mesmo período de tempo, Daniel e Remo se olharam profundamente, como se estivessem se comunicando por telepatia ou pelo poder da mente. Ambos estavam muito rígidos e quando um movimento de Daniel aconteceu, Harry deu um pulo. Ele estava na sua frente, com a varinha em punho, apontando diretamente para sua testa. Um frio percorreu sua coluna vertebral e a única reação que ele teve foi de deixar seu queixo cair, já que em fração de segundos, um sussurro de Daniel cortou o tão tenso silêncio.

- Legilimens! – E Harry sentiu-se rodando em pensamentos, entre os mais íntimos que tinha, sem nenhuma chance de defesa.

***

Quando Cauã se aproximou de Liz, logo após o café da manhã, enquanto ela ainda estava sentada à mesa da Rudá, ela rolou os olhos, pela primeira vez na vida sentindo raiva de Liah, que escondia um ligeiro sorrisinho de vitória, sentada numa outra extremidade da mesa.

- Liz? Pronta para aula? – Cauã sorria, seu sorriso era intenso e claro.
- Que aula, Senhor? – Ela parecia confusa.
- Como que aula? A de mitos e lendas brasileiras, queridinha...
- Ah... Mas... Hoje? Hoje é sábado!
- Por isso, né, esperta? – Cauã debochou – Dia de semana tem aula, então, não rola... Vamos, estou inspirado...
- Será que eu posso comer, primeiro? – Liz fechou a cara.
- Sim, sim... Eu deixo...

Cauã estava se preparando para sentar-se ao seu lado – Uma das coisas mais interessantes de Korõaran é que os alunos tinham muita liberdade para se misturarem entre as casas. Era quase normal isso. – Até que uma menina de cabelos compridos até o quadril, pele tão morena quanto a dele e um rosto descomunalmente lindo e exótico, se aproximou dele, puxando-o pelo braço.

- Cauã, querido... – Ela falou, sua voz era uma melodia. – Preciso falar com você, posso? – E olhou com ar de superioridade para Liz, que revirou os olhos.
- Fala, Janaína... – o rapaz a olhou de soslaio.
- Em particular, insensível... – Ela retrucou, ainda olhando para Liz, com cara de reprovação.

Janaína Iandara era uma garota linda, mas o que tinha de linda, tinha de arrogante. Era aluna da Y-Îara, e tinha um parentesco, ainda que distante, com Rosário, a diretora da casa. Na verdade, todos os alunos dessa casa eram de alguma forma ligados por laços familiares, seja qual for a geração que os unissem. Rosário, por exemplo, era descendente direta da fundadora da casa, Jussara Albuquerque. Assim como a diretora, Janaína era mestiça, parte sereiana. Esses mestiços eram caracterizados pela beleza incomparável, o dom de persuasão e a bela e encantadora voz. Os trouxas criaram lendas sobre eles, era o que chamavam de sereias, isso Liz ia aprender com Cauã naquele dia, mais tarde.

- O que você tem de tão importante para me falar que não pode ser na frente da minha namorada? – Cauã rebateu, fazendo Liz ficar rubra de raiva.
- Você não é mais meu namorado... – A garota falou entre os dentes.
- Ah, nossa! Você não sabia disso, Cauã? – Janaína deu um risinho de vitória – Korõaran inteira já sabe que a cara-pálida aí te deu um passa fora...
- Eu não dei passa fora nenhum, Janaína... – Liz a olhou severamente – Eu apenas não estou mais namorando ele, é difícil entender?
- Pois para mim, ainda não acabou! – O rapaz olhou para Liz intensamente.
- Quando um não quer, dois não brigam, meu amor... – Janaína cantarolou, sua voz era deslumbrante.

Liz bateu com a mão na mesa, olhando para os dois.

- Cauã, quer saber? Vai lá, conversa com ela, isso me parece ser mais importante... – A menina levantou-se ligeiramente e saiu da mesa como um raio.

Liah se antecipou e já estava atrás dela, quando Cauã fez menção de levantar-se para acompanhá-la. Contudo, a mão de Janaína já estava segurando seu braço novamente.

- Não se aborreça com uma menina mimada como ela, querido... Olhe para os lados, enxergue aqueles que realmente valem a pena...

Janaína passou uma das mãos pelo rosto dele, logo depois correndo a mesma mão para sua nuca, entre os seus cabelos compridos, presos num rabo de cavalo. Cauã prendeu seus olhos nos dela, e parecia ligeiramente enfeitiçado pela sua beleza. Janaína ia falando, sua voz harmoniosa.

- Eu te quero tão bem, será que você não percebe?
- Percebo... – Cauã passou uma das mãos pelo rosto perfeito de Janaína – Percebo... Que você está tentando me seduzir, sereia! Desiste! Eu não caio facilmente nessa!

O rapaz girou nos calcanhares e partiu atrás de Liz, deixando Janaína fervendo de raiva.

- Ai, ai, ai... – Ela ouviu uma voz lamentando atrás dela – Será que você não pode ser mais... Estúpida?
- Vá para o inferno, Tainá! – Ela praguejou.
- Você está fazendo tudo errado, Jana! – Tainá balançou a cabeça – Temos que fazê-lo odiar aquela americana nojenta!
- E o que você sugere, gênio...?
- Sugiro que... Encontremos alguém para... Substituir Cauã na lista de preferências dela... E algo me diz que teremos muita sorte quando os estrangeiros chegarem...
- Como assim? – Janaína enrugou a testa, olhando Tainá atentamente.
- Soube que a “chata-pálida” vai ser a tradutora oficial do Torneio Tribruxo... Eca... – A menina fingiu vomitar – Então, haverá muitos meninos perto dela, Cauã com certeza ficará muito, muito, muito desconfortável... E aí, é a hora, queridinha...

As duas meninas sorriram maquiavelicamente. Enquanto isso, Cauã alcançou Liz e Liah, que estavam paradas num dos corredores, conversando algo que não parecia nada agradável. Ao se aproximar, percebeu que as duas pararam imediatamente de falar – Lógico que o assunto era ele. Liah tinha uma expressão de reprovação e Liz parecia estar engasgada com algo. Ele ergueu as mãos na frente do corpo, olhando para elas.

- Eu não tenho nada a ver com aquilo...
- Eu sei que não tem... – Liah comentou, sorrindo.
- Ela estava tentando me dizer isso... – Liz completou, rolando os olhos para o chão.
- Liz... – Cauã ergueu ligeiramente o rosto da menina pelo queixo, de modo que ela o olhasse nos olhos – Eu te amo, sabia? Acho que estamos agindo feito duas crianças mimadas, está na hora de acertar o passo...

- Opa, sobrei... – Liah murmurou e saiu na ponta dos pés do local, com um sorriso de conquista nos lábios.

Liz ficou por algum tempo perdida nos olhos negros do rapaz. A mão de Cauã pousou em sua face, descendo num carinho até seu queixo novamente, enquanto ele aproximava o seu rosto do dela. Quando os narizes de ambos se encontraram, os lábios dele pressionaram os de Liz num beijo selinho. A menina fechou os olhos, cedendo aos encantos de Cauã, que aproveitou o ensejo para beijá-la mais calorosamente. Os braços de Liz passaram pelo seu pescoço e ela estava praticamente nas pontas dos pés, por ele ser vários centímetros mais alto.

- Então? – Cauã parou com o beijo, mas ainda estava abraçado com ela – Descobriu que me ama também?
- Mas como você é convencido... – Ela bateu no braço dele, rindo.
- Eu sei que sou... Agora, mocinha... Nossa aula, eu prometi à Liah.
- Claro, estou curiosa sobre o que é lobo maldito... Vem, vamos para os jardins, está um dia tão lindo lá fora para ficarmos trancafiados!

Liz pegou Cauã pela mão e os dois saíram correndo pelos corredores, rindo, como o casalzinho apaixonado que sempre foram. A menina tinha verdadeira loucura pela área aberta de Korõaran, na qual uma grande diversidade de árvores, flores e animais que se via. A flora e a fauna brasileiras era simplesmente encantadora, até para aqueles que já estavam acostumados com o lugar. Sentaram-se sob a sombra de uma grande nogueira brasileira, Liz se acomodou no peito de Cauã, que estava encostado no tronco da árvore.

- Então, vamos começar pelo Lobo Maldito? – Cauã comentou, beijando a bochecha da namorada.
- Ah, sim... Lobo Maldito é um Lobisomem? – Ela arriscou.
- Não, não... Lobisomem é uma coisa, Lobo Maldito é outra...
- Qual a diferença entre os dois?
- Lobisomens são aqueles que somente na lua cheia se transformam... São humanos mordidos por Lobos Malditos.
- Espera... – Liz virou-se para encarar o rapaz, uma ruga em sua testa – Não, tem algo errado aí... Lobisomens mordem humanos, e aí sim os humanos viram Lobisomens, isso que eu aprendi...
- Liz, estamos falando de lendas brasileiras, lembra? – Cauã pressionou o dedo no nariz branco dela. – Lendas que são usadas para explicar esse mundo estranho para os trouxas...
- Ah, desculpa! – Ela enrubesceu – Então, quando não é mestiço, é chamado de Lobo Maldito, mas de onde vem essa lenda?

- Bom, um Lobo Maldito não precisa de lua cheia para ser perigoso, e ele é atraído por sangue humano. Sua aparência é mais de lobo do que de humano, porém, muito maior que um lobo comum. Reza a lenda que uma antiga tribo indígena teve vários de seus membros atacados por um Lobo Maldito, e vários homens viraram lobisomens, somente aqueles que sobreviveram, pois não são todos que sobrevivem a esse ataque. Eles falavam sobre um animal maior que um lobo do mato, ou cachorro selvagem, como queira... E que tinha sede por sangue. Na maioria das vezes, os índios eram encontrados sem nenhum sangue, eram totalmente drenados, e aí surgiu uma nova preocupação...

- Mas... Um Lobisomem, digo, um Lobo Maldito... Não consegue drenar todo o sangue humano... E isso independe de lendas, não? – Liz contestou, passando a mão distraidamente pelo braço do rapaz.

- Por isso! É aí que entra outra lenda... A do Curupira.
- Não me diz que um Curupira drena o sangue dos humanos? – O queixo de Liz caiu.
- Aham... É, Curupira, na lenda, é um ser muito ágil, dizem que o pé dele é ao contrário, para despistar as pessoas. Sempre quando um ser desses aparece, um animal, ou, pior, um humano, aparece com o sangue drenado.
- Um Curupira é um vampiro?
- Vampiro mestiço... São terríveis, esses! Enganam muito facilmente a todos! Então, quando essa tribo percebeu que o trabalho não era de Lobos Malditos, perceberam que estavam perante uma ameaça muito pior... Esses seres, os vampiros mestiços, inspiraram outras tantas lendas também: A do Boto Rosa, por exemplo.
- Do Boto...? – Liz ajeitou-se, de modo que ficou de frente para Cauã, sua expressão era de pura curiosidade.

Cauã explicou que na lenda do Boto Rosa, o ser mítico à noite virava um homem muito formoso ou uma mulher linda e misteriosa. Na verdade, esses seres eram Vampiros mestiços que seduziam suas vítimas para matá-las em seguida. Uma vez descobertos como seres perigosos e sendo caçados pelos seus inimigos, os Lobisomens – inspirando a lenda dos Curupiras – Usaram-se de sua inteligência sobre humana para se passarem por humanos mortais. Contudo, são seres dotados de uma beleza surpreendente e são praticamente indestrutíveis, mas são vulneráveis à luz solar: os torna mais fracos.

- Houve um bando de Curupiras aqui, nos arredores de Korõaran – Cauã, comentou em tom de suspense. – Adivinha quem os deteve?

Liz balançou a cabeça, sem fazer a menor idéia de quem poderia combater um bando de Vampiros. Se havia algo que ela dominasse, como já havia comentado com Julio, era o estudo de criaturas das trevas. Assim sendo, ela sabia que Vampiros eram os seres mais difíceis de se lidar, nenhum tipo de magia era útil contra eles, a não ser a maldição imperdoável Avada Kedrava ou a maldição do FogoMaldito. E ainda assim, ambas só destruiriam o ser se este estivesse enfraquecido pela luz solar. De outra forma, não fariam nenhum arranhão sobre a pele dura como aço deles. Muito diferente de Lobisomens, que, embora fossem tão fortes quanto os Vampiros, eram mortais.

- Bom... Curupiras e Lobos Malditos são inimigos desde sempre. Quando os Curupiras invadiram o terreno, os Lobos Malditos começaram uma guerra com eles, só que, idiotas... São muito mais fracos, e Vampiros são espertos... Isso já faz algum tempo, e quem viu a ameaça foi Liah.
- Liah? – Liz abriu um sorriso de incredulidade – Não diz!
- É... Na verdade, ela não viu os Curupiras em si... Ela não pode ler o futuro deles, porque eles simplesmente não têm futuro...
- Não têm futuro? Como assim?

- Claro que não! Eles estão mortos! Pelo que Liah explicou, seres inanimados não têm futuro, e esses troços não têm vida, entende? Ela viu a guerra que viria, a revolta dos Lobos Malditos. Ela avisou ao então diretor da Escola, que nem de longe acreditou nela. Liah só tinha 14 anos na época e uma fama de maluca beleza... – Ele deu um risinho de deboche – Ela não é muito certa até hoje, mas eu acredito em tudo o que ela vê... Enfim... O único que acreditou nela foi Julio, que já estava com 17, no último ano. Eu ouvi dizer que Julio era muito, muito macabro na época da escola...

- Ah, que isso! Julio é um doce! Eu não acredito que ele um dia foi macabro...
- Julio só acreditou em Liah porque ele tinha conhecimentos aprofundados de Magia das Trevas... – Cauã falou num sussurro, como se isso fosse algo realmente perigoso até para se falar em voz alta.

Liz empalideceu. Fazia sentido: Julio se propôs a ensinar Defesa Contras as Artes das Trevas para os alunos de Korõaran, já que essa matéria não constava na grade curricular. Ela se lembrou imediatamente do que Liah a havia dito, naquele dia que ela, sem querer, caiu em sua penseira, vendo uma de suas visões. Isso fez com que ela se sentisse tonta repentinamente, tendo que fechar os olhos para não tombar sobre Cauã. Ele se antecipou, e segurou seu rosto.

- Liz, está tudo bem? – Ele parecia preocupado.
- Eu... Sei lá, me senti meio mal... Há alguma outra lenda que eu precise saber?

Sabiamente, ela preferiu mudar de assunto. Não queria nem saber como Julio e Liah conseguiram combater os Curupiras, ou Vampiros... A imagem de menina delicada de Liah e de namorado perfeito de Julio era muito mais importante que uma guerra entre Lobisomens e Vampiros.

- Ah, certo! Tem mais uma, das Sereias... Mas acho que dessa você sabe.
- Eu só sei que Mariú chama Rosário de Sereia, imagino que seja por ela ser mestiça, não é? Metade humana, metade sereiana...
- É mais que isso... há uma lenda que uma linda mulher atraía os marinheiros com seu doce canto, puxando-os para a água e matando-os afogados. Na verdade, é quase isso. Sabe sobre as Veelas?
- Sim, sei – Liz já ouvira falar sobre as belas mulheres que encantavam os homens com sua beleza suprema.
- Então, as chamadas Sereias têm o poder de enfeitiçar os homens, não só eles, como qualquer um que elas queiram, pois possuem um dom de persuasão incrível... Janaína é uma Sereia... Também.
- Ah, é? – Liz fez ar de ceticismo – E ela estava tentando te enfeitiçar agora pouco?
- Estava, mas ela chegou tarde... Eu já estou enfeitiçado por outra garotinha aí... – Ele respondeu, com um sorriso de canto.
- Está, é? Posso saber por quem? – Ela se aproximou do namorado, dando um beijo de leve em seus lábios.
- Ah, é uma garota aí, linda, branquinha e com os olhos da cor do céu de um dia ensolarado... Uma princesinha... – Cauã passou as mãos pelos cabelos de Liz, puxando-a para um beijo mais intenso.

Liz precisava mesmo daquele beijo, para não pensar nas coisas horríveis que se formavam em sua mente. Só não podia esquecer de uma coisa: Precisava tirar a limpo essa história toda com Liah.

***

Harry voava sobre uma infinidade de flashes, lances de sua vida. Via cada detalhe, tão rápido, mas de certa forma tão nítidos, que dava a impressão de que estava a um passo da morte, vendo na frente dos seus olhos toda sua vida em 60 segundos. De repente, era como se seu corpo mergulhasse num abismo escuro e frio, quando num piscar de olhos, tudo o que vira na sua frente era a expressão de frustração de Daniel, abaixando a sua varinha.

- Que Diabos você pensa que está fazendo! – Harry gritou, sua voz era falha e errada demais para quem estava realmente irritado.

Daniel não respondeu. Remo aproximou-se, olhando-o com urgência.

- Acho que temos algo muito maior para nos preocuparmos... – Ele murmurou, olhando diretamente para a cicatriz de Harry – Eu acabei de descobrir o significado dessa marca... É mais que uma prova de sobrevivência...
- Daniel, eu posso... – Harry até tentou, sentindo um mal-estar que fazia o quarto girar à sua frente.
- ...É uma maldição... – Daniel completou – Maior que a maldição da morte que a deixou ali...
- Não... – Remo fechou os olhos.
- É... Acho que temos mais um para a nossa Liga dos Malditos... – Daniel comentou, e seu tom não era de brincadeira, sem tirar os olhos da testa de Harry.

De uma coisa, Harry estava muito certo: Daniel acabara de descobrir que ele era uma Horcrux de Voldemort. Restava apenas saber se ele também tinha entendido que não era a única. Seu segredo estava aberto a mais duas pessoas. Isso já estava começando a preocupá-lo. Porque, seja lá que segredo Daniel mantinha que fosse capaz de matar alguém... Imagine o seu segredo sendo revelado, se, por ele, várias vidas já tinham sido perdidas?

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