As paredes têm ouvidos



Hogwarts, 8 de janeiro de 1998.

São quase quatro e meia da manhã e eu ainda estou aqui, rolando na cama. Simplesmente acordei no meio da noite e não consegui mais dormir. O estranho é que eu nunca tive problemas de sono, e não quero começar a ter agora.

Na realidade, só perco o sono quando estou preocupada com alguma coisa. Coisas com que se preocupar não faltam, é claro, mas eu estou terrivelmente cansada e não há motivo algum para que não consiga dormir.

O pior é que há alguma coisa no ar, eu posso sentir. É como se existisse algo me incomodando, mas não sei o que é exatamente. Poderia chamar isso de... sim, acho que sim... um pressentimento.

É como se alguma coisa me dissesse que algo está para acontecer.

Isso me preocupa. Deve ser por isso que a noite está tão longa.

Só espero que não seja nada ruim...


Virgínia Weasley




Neville deu mais uma dentada na maçã que roubara da mesa da Grifinória. Era uma manhã gelada de inverno. Ele conseguia ver, através das janelas do Hall de Entrada, os jardins cobertos pela neve. Encostado à parede, ao lado da entrada do Salão Principal, ele já estava começando a ficar impaciente com aquela espera.

Não conseguira encontrar Luna na tarde do dia anterior, como pretendia. Procurou-a por todo o castelo, mas não obteve retorno algum. Depois de tanto procurar, achou-se estúpido. Como a maioria dos alunos, ela tinha voltado exatamente naquele dia a Hogwarts e deveria estar cansada da viagem, permanecendo na torre de sua Casa, a Corvinal.

No entanto, aquela espera pela manhã (na realidade uma tentativa até então frustrada de Neville encontrar Luna, esperando-a na porta do Salão para interceptá-la quando tentasse tomar o café), somada ao fato de que o garoto tinha tentado achá-la por todo o Expresso de Hogwarts na viagem de retorno ao castelo, estavam intrigando-o. Ou algo tinha acontecido, ou Luna estava se escondendo dele. Será que estava envergonhada pela sua atitude com a carta? Neville achava que, pelo contrário, ela deveria se orgulhar; tinha gostado muito daquelas palavras divertidas de Luna. Tinham-no feito esquecer toda a tristeza do Natal.

Por mais que tentasse, ele não conseguia definir como se sentia em relação àquela garota. Não tinha certeza se aquilo que sentia significava que estava apaixonado, mas sabia, ao menos, que nunca tinha se sentido daquela forma por mais ninguém. Era muito esquisito. Não que sentisse que fosse ficar completamente desesperado se Luna não quisesse nada com ele no final das contas, mas ao mesmo tempo, queria muito estar com ela. Aquele jeito diferente dela o atraía, intrigava-o... Ao invés de afastá-lo, como acontecia com a maioria das pessoas, esse jeito esquisito de ser de Luna Lovegood apenas o deixava com uma vontade maior dele querer conhecê-la melhor, estar próximo... Sem contar que ele achava magníficos os olhos esplendidamente azuis da garota e seus cabelos louros.

E era tão diferente sentir aquelas coisas! Obviamente, sendo um adolescente, Neville já se sentira atraído por outras garotas, mas não daquela maneira. Talvez isso se devesse à sua história de vida; Neville estava sempre mais preocupado com seus problemas familiares do que com sua própria vida e nunca fora de se aproximar demais das pessoas. Não se sentia à vontade para isso, nunca conseguira.

Ele não sabia ao certo quando começara a reparar tanto naquela loirinha maluca da Corvinal; só sabia que, agora, ele não conseguia deixar de observá-la em todo canto que a encontrava naquele imenso castelo.

Neville terminou sua maçã. Parecia que Luna não iria aparecer mesmo. Quando já estava quase desistindo, viu-a atravessando as portas duplas de carvalho e se aventurando nos jardins cheios de neve. Sem pensar muito no que estava fazendo, Neville a seguiu.

O vento gelado arranhou seu rosto, e ele foi obrigado a ajeitar a capa junto ao corpo e o cachecol – recém devolvido no Natal – ao redor do pescoço. Ele observou Luna bem mais à frente, próxima às estufas de Herbologia. Neville se apressou, na medida do possível (a neve estava afundando na altura dos joelhos), para alcançá-la.

Ela parou de caminhar quando estava próxima à estufa quatro, a de flores mágicas. Neville se escondeu atrás de um canteiro de begônias. Ele apenas observou a garota, que olhava pelas paredes de vidro da estufa, sem chamá-la. Ela parecia distraída, quase como se estivesse sonhando, enquanto observava, através dos vidros, as flores daquela estufa. Neville esperou alguns minutos antes que tomasse um pouco de coragem e se aproximasse.

- Pensei que eu fosse o único que me interessasse por Herbologia... – ele disse lentamente, por trás de Luna, que se virou assustada. Ela arregalou ainda mais seus olhos azuis ao ver Neville e deu um passo para trás, dando a impressão de estar um pouco sem jeito.

- Eu não me interesso por Herbologia. – a garota disse depressa, como se tentasse se explicar. – Só acho esse lugar bonito.

Ela tinha razão, e Neville não se importava de admitir isso; aquele lugar, cheio de árvores e canteiros de flores era realmente encantador. Naquele momento, apesar de toda a neve, ainda tinha seu charme.

- Você tem as chaves, não é? – Luna perguntou, aparentemente só por perguntar. Ela não parecia muito à vontade.

- Tenho. – Neville disse sorrindo. – Eu contei isso a você há muito tempo, não se lembra? E você acabou espalhando para o Rony, que já veio pedir minha ajuda com alguns assuntos...

Luna pareceu ficar um pouco aborrecida à menção daquilo ou (Neville teve essa impressão), à menção de Rony. No entanto, a garota permaneceu em silêncio, apenas balançando seu corpo para frente e para trás, ligeiramente desconfortável. Neville estava apreciando isso.

- Você quer entrar na estufa? – ele perguntou, com uma vontade incrível de ficar sozinho com Luna em meio àquelas flores exóticas. – É muito bonito lá dentro.

Ela ergueu ligeiramente os olhos, desconfiada.

- Por que está me propondo isso?

- Porque você parecia interessada.

Ela abriu a boca para dizer algo, mas desistiu antes que completasse a ação. Meditou por alguns instantes, até finalmente dizer, com uma voz que sugeria descontração, apesar de Neville ainda achar que ela estava desconfortável:

- Tudo bem, se você quer tanto.

Neville sorriu, divertindo-se cada vez mais com aquilo. Nenhum deles ainda tinha sequer sugerido o assunto da carta que Luna tinha mandado no Natal. O garoto adiantou-se, tirou um molho de chaves do bolso, escolheu uma delas e abriu a porta de vidro da estufa. Sabia que, àquela hora da manhã, não deveria haver ninguém lá dentro e eles estariam seguros.

Luna entrou logo atrás de Neville, e ele percebeu, pela expressão facial dela, que tinha apreciado bastante aquele lugar. Provavelmente nunca tinha entrado ali, já que só estudavam alunos de sétimo ano naquela estufa. Neville encostou a porta devagar, ainda observando a garota, que parecia maravilhada. Também, pudera; qualquer garota ficaria impressionada com a quantidade de flores diversas que havia naquele lugar.

- Você gostou? – Neville perguntou, tirando seu cachecol. Luna se virou e observou-o fazendo o movimento.

- É, sim... – ela disse, com seu tom sonhador. Seus olhos ainda observavam o cachecol. – Vejo que... – pigarreou, nervosa. - ...recebeu o recado.

- Ah, isso? – Neville tentou fazer pouco caso, mostrando o cachecol. – Sim, eu recebi, obrigado.

A garota pareceu murchar ligeiramente após ver a maneira como Neville tinha conduzido o assunto. Ela pigarreou novamente e apenas murmurou em seguida um “ótimo”, desviando seu olhar para as flores. Neville se aproveitou disso para se aproximar.

Luna só percebeu o quanto ele estava próximo quando seus corpos já estavam praticamente grudados. Ela levantou seus olhos azuis para ele, um pouco assustada. Neville decidiu parar de brincar com ela e ser sincero.

- Eu gostei muito daquela carta... – sussurrou, tão próximo de Luna que podia sentir sua respiração formando nuvens de fumaça branca devido ao frio. – Foi o meu melhor presente de Natal...

- É mesmo? – ela murmurou e, desajeitada, acabou dando um passo para trás na bancada de flores, derrubando sem querer um vaso cheio de terra no chão. – Ops, desculpa...

Se fosse outra pessoa, Neville se irritaria, mas ele não estava nem se importando com uma porcaria de vaso quebrado naquele momento. Um Reparo mais tarde e tudo voltaria a ser como era. Ele se aproximou mais de Luna, praticamente prensando-a na bancada. Ela definitivamente não estava à vontade, mas não tirava seus olhos arregalados de cima do garoto. Neville segurou os braços dela com ambas as mãos e sentiu que ela tremia; de frio, ou de nervoso, ele não sabia. Ele abaixou o rosto, aproximando-o do dela, e tocando seu nariz com o dela, quase congelado. Ela enrijeceu. Ele fechou os olhos e tocou levemente os lábios dela...

Mas Luna virou o rosto, como que por impulso.

- O que foi? – Neville sussurrou, soltando-a. Por que Luna tinha que agir sempre da maneira mais esquisita?

- Eu... eu... me desculpe...

Ela parecia tão chateada, que Neville sentiu um pouco de pena dela.

- Por quê? Você não quer...

- Não! – ela disse depressa, olhando-o quase como se implorasse para que ele tentasse entendê-la. – Não é que eu... ah... eu não sei, acho que não está certo isso.

- E por que não estaria?

- Eu acho... que posso magoá-lo.

- Eu gosto de você, Luna. – Neville disse de supetão, surpreendendo a si mesmo e à garota. – Por que não poderíamos ao menos tentar?

Ela desviou o olhar.

- Eu... não tenho certeza... se gosto assim de você...

Neville ficou por alguns instantes em silêncio. Luna parecia muito chateada e olhava para qualquer lugar que não fosse o garoto.

- Me desculpe... – repetiu dolorosamente.

- Quem te machucou, Luna? – Neville perguntou, observando-a profundamente. – Quem te fez ficar assim?

Os olhos dela pareciam querer sair das órbitas, de tão arregalados. Sua boca entreabriu-se, mas ela permaneceu em silêncio ainda por muito tempo. Suspirando profundamente, ela observou atentamente um exemplar de Limblus Livlitúnea.

- Isso é muito complicado... – sussurrou tristemente. – Ainda há certas coisas que eu prefiro guardar sozinha, Neville.

Ele preferiu não continuar o assunto, em respeito à decisão dela. Desanimado, ele já estava quase desistindo e sugerindo que saíssem dali, quando Luna segurou a manga da camisa dele com força. Neville a olhou, intrigado.

- Você... quer mesmo... tentar? – ela perguntou, olhando-o de esguelha. – Tem certeza que é isso que quer?

Neville sentiu algo quente correndo dentro de si e formou um sorriso no rosto sem perceber.

- É claro que eu quero.

- Há muitas coisas sobre mim... – Luna sussurrou com cuidado. - ...que você não sabe. Eu entenderia se você não quisesse...

- Eu não me importo com nada disso. – ele se apressou em dizer. – Eu nem me importo que você seja meio maluquinha... – brincou, piscando divertidamente para ela.

Luna riu ligeiramente, levando a brincadeira na esportiva, para alívio de Neville. Ela levantou o rosto e encarou o garoto nos olhos.

- Bem, não vá dizer que eu não o avisei!

E, surpreendentemente, ela se ergueu na ponta dos pés, puxou o rosto dele e beijou-o com urgência, como se tivesse esperado algo como aquilo por toda a sua vida.




Rony já estava cansado daquele silêncio. Mastigava irritado seu pão salgado, observando Hermione à sua frente, lendo um livro mais grosso do que o normal. Já deveria fazer uns bons dez minutos que ela estava daquela maneira, lendo e comendo seu café da manhã, sem dizer palavra alguma. Rony tamborilou os dedos na mesa, impaciente.

- Que droga de livro é esse, hein?

Mesmo depois da pergunta, ela não desviou seus olhos do maldito livro.

- Nada de seu interesse. – respondeu seca.

Rony seria capaz de soltar fogo pelas ventas. Tinha vontade de arrancar aquela porcaria de livro das mãos dela, mas se conteve. Desde o começo era assim, e Hermione nunca iria mudar. Antigamente, Harry tinha o costume de dizer que Rony tinha ciúmes dos livros de Hermione e que quando se casassem (Rony tinha espasmos de horror ao ouvir o amigo falando desse jeito), ele teria que preparar horários para os livros e para ele. Fazia tempo que Harry não falava essas coisas. Aliás, fazia tempo que Harry não falava e fazia um monte de coisas...

- Você vai ficar aí, lendo essa coisa a manhã inteira mesmo?

Hermione suspirou profundamente, levantou os olhos e observou Rony pacientemente.

- Há alguma coisa tão importante que queira me falar, Rony?

- Não, é só que ficar em silêncio aqui é um tédio!

- Volte a comer. – ela retrucou, voltando a ler.

Rony bufou.

- Ao menos me diga o que tanto você procura. – ele pediu. – Porque desde que estávamos no Largo Grimmauld você não pára de revirar um monte de livros...

- Você vai ser o primeiro a saber, Roniquinho... – ela caçoou, e ele grunhiu. - ...na hora certa.

As corujas entraram no Salão Principal, voando freneticamente pelo lugar para entregarem as correspondências aos seus destinatários, deixando a neve que estava sobre suas asas caírem nas pessoas. Rony levantou a cabeça, tentando enxergar alguma coruja conhecida; Pichitinho desceu como um raio na mesa da Grifinória, pousando desajeitado sobre o pote de cereais, espalhando-o sobre a mesa.

- Você não tem jeito, não é? – o garoto perguntou, erguendo sua corujinha por uma das patas. Ela piou alegre como sempre.

Hermione finalmente largou seu livro de lado para receber o Profeta Diário que uma coruja das torres lhe trouxera. A garota colocou cinco nuques dentro de uma carteirinha de couro que a coruja trazia numa das patas e, depois disso, abriu seu jornal sobre a mesa e desapareceu atrás dele. Rony bufou novamente, mas repetiu a si mesmo que já estava mais do que na hora de se acostumar; Hermione nunca mudaria.

Ele resolveu abrir o pequeno envelope que Píchi lhe trouxera, já imaginando o que era. Não tinha se enganado. Sua mãe já lhe mandara uma carta preocupadíssima perguntando como ele, Gina, Harry e Hermione estavam. Típico.

Quando guardou a carta no bolso, resolvendo que iria respondê-la só depois das aulas, Harry se sentou bem à sua frente, ao lado de Hermione. Ele parecia um pouco cansado; quando Rony tinha acordado, o amigo ainda parecia dormir a sono solto no quarto.

- Bom dia... – ele murmurou com a voz arrastada de sono, bocejando, ao mesmo tempo em que tentava arranjar espaço na mesa para colocar seu prato.

- Bom dia. – Rony respondeu, observando o amigo olhar confuso para o livrão de Hermione que estava bem em cima de seu prato. – Acordou cedo hoje, hein?

Harry sorriu ligeiramente.

- Eu acabei dormindo demais. – ele pegou o livrão e se virou para o jornal aberto ao seu lado. – Hermione, esse livro aqui é seu?

A garota apareceu detrás das páginas do Profeta com um sorriso e um olhar enigmático para Harry.

- É sim, por quê? Você se interessou, Harry?

- Na verdade eu acho que ele está mais interessado que esse livro idiota desocupe o prato para dar espaço para a comida, Mione. – Rony provocou.

Hermione parecia ter escutado, porque respirou fundo para se acalmar, mas provavelmente preferiu ignorar Rony solenemente. Ela sorriu para Harry e abriu o livro numa página marcada, mostrando-o a ele.

- Eu estou lendo essa parte aqui. Muito interessante, não acha?

Harry abaixou os olhos para o livro e os músculos da sua boca se contorceram – se era de nervoso ou porque ele quase tinha sorrido, Rony não saberia definir. O garoto fechou o livro e devolveu-o a Hermione, sem demonstrar mais nenhuma reação. Hermione pareceu ficar muito irritada e frustrada depois disso, porque abriu novamente o jornal e se escondeu atrás dele nos próximos cinco minutos. Rony olhou intrigado para Harry, mas ele apenas deu de ombros e se ocupou em tomar seu café da manhã.

Como Hermione estava absorta (e escondida) lendo, e Harry comendo seu café da manhã silenciosamente, Rony começou a observar o Salão Principal para não morrer de tédio. Foi então que ele reparou algo muito desagradável: Draco Malfoy não tirava os olhos da mesa da Grifinória, especificamente do lugar onde ele, Hermione e Harry estavam sentados. Rony até tentou chamar a atenção do sonserino, só para gesticular para que ele fosse cuidar da sua vida, mas Malfoy parecia estar tão absorto que nem notou as suas tentativas.

- Eu gostaria de saber por que Malfoy não pára de olhar pra cá. – rosnou aborrecido.

Harry se virou para trás, e Hermione finalmente abaixou o jornal para fazer o mesmo. Rony reparou que Malfoy encarou Harry por alguns instantes antes de desviar o olhar, fingindo que nada tinha acontecido. Harry e Hermione se viraram para Rony novamente.

- Vai ver ele não tem o que fazer. – Harry sugeriu, voltando a comer.

Hermione, contudo, tinha levado o assunto a sério.

- Você tem razão, Rony... É esquisito mesmo.

- Eu tenho razão? – o garoto perguntou ironicamente, arregalando os olhos. – Salve-se quem puder, o teto vai cair sobre nossas cabeças! Hermione Granger me deu razão!

Eles passaram o restante do café da manhã discutindo, o que rendeu várias risadas a Harry. Pelo menos Hermione tinha largado suas leituras e Rony pôde se divertir um pouco.

Bem mais tarde, na aula de Transfiguração, quando Harry estava longe tentando inutilmente transformar uma xícara num sapo, a mando da Profª. McGonagall, Rony observou que aquele mesmo livro do café da manhã estava sobre a mesa, junto de todas as outras coisas de Hermione. Enquanto a garota estava distraída observando atenta à transformação imperfeita de Harry (o sapo dele conservava as asas da xícara), Rony aproveitou para dar uma olhada naquele livro que era tão interessante assim para a garota.

“Feitiços, feiticeiros e enfeitiçados”, o título, estava escrito em letras caprichadas e douradas na capa de couro. Rony abriu o livro na página marcada por Hermione, a mesma que ela tinha mostrado anteriormente a Harry no café da manhã. Rony juntou as sobrancelhas ao ler aquilo.

- O que há com você, Potter? – a Profª. McGonagall ralhou com Harry, enquanto Rony ainda se via às voltas com aquele livro. – Esse feitiço é do nível de alunos de segundo ano!

Mas Rony não estava interessado. Ele só queria entender aquilo que estava lendo; por que Hermione estaria tão interessada em “Feitiços de Memória”?




Já tinha anoitecido. Apesar disso, não importava se era dia ou noite, sempre estava escuro naquele corredor das masmorras que levavam à sala de aula de Snape. Estava bastante frio também. Gina, escondida atrás de uma grande armadura de bronze, encolheu-se contra a capa, tentando se esquentar.

Deveria fazer mais ou menos meia hora que ela estava ali, esperando. Ainda tinha aquela mesma estranha sensação que não a deixara pregar o olho por quase toda a noite. E, para preocupá-la ainda mais, ela não tinha visto Harry durante todo o dia. Sentia que algo de ruim estava por acontecer e tinha medo de que fosse algo relacionado a ele. Por esse motivo, ela inventara que não estava se sentindo muito bem na aula de Herbologia, saiu da classe fingindo ir à ala hospitalar e se escondeu atrás daquela armadura, esperando a turma da Grifinória sair da aula de Poções, a última do dia.

Ela tinha que ver Harry o mais rápido possível. Não conseguiria esperar até um momento propício, talvez no jantar, para falar com ele sobre seu pressentimento. Tinha que ser agora, o mais cedo que conseguisse.

Gina ouviu o som de passos e se escondeu melhor atrás da armadura. Estava tão escuro naquelas masmorras, que ela duvidava que fossem descobri-la ali. Ela viu, primeiramente, alguns alunos da Sonserina passando; claro, Grifinória e Sonserina tinham aula de Poções juntas. Gina se escondeu ainda mais. Depois vieram alguns alunos da Grifinória; Neville parecia muito contente, mesmo depois de uma tenebrosa aula de Poções. Gina esperou.

- Aquele filho da mãe do Snape! – Gina ouviu a voz de seu irmão Rony, enfurecido. – Deveria ser considerado crime o que ele faz!

- Ele é mesmo horrível, mas você poderia ter prestado mais atenção, Harry! – a voz de Hermione. – Francamente, confundir fígado de porco com intestino de urubu! Você anda muito esquecido, Harry!

Por um segundo, Gina gelou; será que a palavra “esquecido” era apenas coincidência ou Hermione estaria querendo dizer alguma coisa? Rony continuou a falar:

- Nem vem, Mione! Todos nós sabemos há anos que Snape odeia o Harry! Ele faz de tudo pra acabar com ele, não é a primeira vez que o deixa sem nota.

Gina se abaixou e, por baixo do braço da armadura, pôde ver o irmão, Hermione e Harry, que parecia bastante aborrecido, mas continuava em silêncio por todo o caminho. Quando Rony e Hermione passaram na frente, discutindo, Gina chamou baixinho:

- Ei! Harry!

Ele parou de andar, intrigado, procurando a voz.

- Aqui! Harry!

Finalmente ele encontrou Gina e arregalou os olhos ao vê-la; a garota fez um sinal para que ele se aproximasse, mas Harry indicou Rony e Hermione. Gina fez um gesto displicente, como que dizendo para que ele não se importasse. Mesmo sem entender o que estava acontecendo, ele se aproximou:

- O que você está fazendo aí?

- Shhh, fala baixo! – ela o puxou para detrás da armadura. Sorte que era grande e escondia os dois.

Gina observou Rony e Hermione se afastando, completamente absortos em sua discussão; vários alunos ainda continuavam passando pelo corredor, mas conversavam tão barulhentamente, que Gina achou que ela e Harry não seriam notados. O garoto ainda a observava muito intrigado.

- Eles não vão dar por minha falta? – Harry perguntou depois de algum tempo, referindo-se a Rony e Hermione.

- Ah, quando eles perceberem será tarde demais. – Gina respondeu rindo. – Daí você pode dar uma desculpa qualquer depois... Pode dizer que resolveu ir ao banheiro e eles não o escutaram avisando. Isso realmente acontece.

- Você pensa rápido, hein?

Gina sentiu as bochechas quentes; não queria que Harry ficasse pensando que ela era tão boa em mentiras.

- Eu te chamei aqui porque realmente precisava conversar com você, a sós! – ela disse muito séria. – Mas é melhor que não seja aqui.

Harry assentiu, ainda intrigado. Eles esperaram todos os alunos sumirem e saírem das masmorras, alcançando o Hall de Entrada. Subiram as escadas até o segundo andar, que estava completamente vazio àquela hora, e ficaram por lá mesmo.

- O que aconteceu, Gina? – Harry voltou a perguntar. – Você tá me deixando preocupado desse jeito!

Ela suspirou, temendo que Harry achasse o que ela iria dizer a seguir fosse muito bobo. Mesmo assim, ela precisava falar:

- Você tá bem, Harry? – ele ergueu as sobrancelhas, mas sorriu em seguida. – É que... eu... tive um pressentimento ruim.

- Tudo bem comigo, Gina. – ele disse com um sorriso que fez Gina sentir as pernas um pouco moles demais. Harry tocou carinhosamente seu rosto, para confortá-la, mas logo retirou a mão, como se achasse que fosse algo errado. – Não se preocupe, está tudo bem. – ele remendou.

- Não aconteceu nada mesmo? – Gina insistiu. – Nada estranho?

- Não. – ele repetiu. – Assim você está me preocupando!

Ela fez um gesto negligente.

- Esquece, deve ser só idiotice minha... – e encostou-se à parede, sentindo-se miserável. – É só que eu... ah, Harry, eu me preocupo com o que possa acontecer com você. Não posso estar perto todo o tempo.

- Até agora eu não morri, não é? – ele brincou.

- Não brinque com uma coisa dessas! – ela atropelou as palavras, sentindo-se desesperada sem saber o porquê. Deveria ter sido aquele pressentimento idiota pela madrugada. – Desculpe... – emendou ao ver a expressão assustada de Harry. – Eu estou exagerando... Ando só... muito assustada com tudo que está acontecendo...

Eles ficaram em silêncio por mais algum tempo até que Harry voltasse a falar.

- Acho que eu não levo as coisas tão a sério como deveria. – Gina o observou; Harry, por sua vez, encostado também à parede, encarava um ponto qualquer na parede oposta. – Eu vejo todos por aí, como você, preocupados com essas coisas que acontecem, mas... eu não entendo direito, por isso não estou tão... apavorado.

- Eu tenho a impressão de que você não ficaria mesmo que se lembrasse de tudo. – Gina falou nostálgica, lembrando-se do antigo Harry. – Você era tão acostumado com essas coisas horríveis, que nem parecia mais se assustar.

Harry se virou para olhar Gina.

- Às vezes eu acho que se todos esquecessem as coisas como eu, seriam bem mais felizes.

Gina o encarou de volta, com tristeza.

- Mas é triste também, não é? É triste não se lembrar quem você é...

Harry encostou a cabeça à parede, encarando o teto.

- Eu não sei mais o que é triste ou não... Eu não sei de nada, Gina.

- Me desculpe, Harry... – ela murmurou, chateada. – Acho que grande parte disso é culpa minha...

- Não! – ele se virou para ela, tão sério, que Gina levou um susto. – Nada disso que está acontecendo é culpa sua, entendeu, Gina? Não quero que jamais volte a pensar dessa maneira!

Gina franziu as sobrancelhas. Harry a observou ainda sério por alguns instantes até relaxar de novo. Ele ajeitou melhor a mochila nas costas e sorriu para Gina:

- Que tal... esquecermos isso? Pelo menos um pouco... – completou. – E nos concentrarmos no jantar que está nos esperando?

Gina riu, um pouco mais aliviada, e seguiu Harry com destino ao Salão Principal. Ela não sabia o que aconteceria dali a uma hora, ou dali a um mês, mas estava feliz por ter Harry perto dela, pelo menos naquele momento. Enquanto caminhava, sorriu para ele, que devolveu o sorriso, com um brilho profundo nos olhos verdes. Depois daquele sorriso, Gina esqueceu completamente seu pressentimento.

Contudo, apenas alguns minutos após Harry e Gina deixarem aquele corredor, alguém saiu detrás da estátua de Wendelin, a esquisita. Alguém com os cabelos louros, sorriso arrogante e olhos cinzentos.

Draco Malfoy cruzou os braços, observando o local por onde Gina e Harry tinham se distanciado. Um enorme sorriso estava estampado em seu rosto e seus olhos cinzentos se estreitaram naquela direção.

- Então esse é o grande segredo de Harry Potter? – murmurou consigo mesmo, com sua voz arrastada.

E ele tomou o caminho oposto, indo na direção do corujal, com uma idéia na cabeça, mais satisfeito consigo mesmo do que jamais esteve.

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