A poção para esquecer



Ela não tinha ouvido direito. Era a única explicação plausível.

Gina tinha a plena noção de que seu coração batia rápido dentro de seu peito. Podia sentir o sangue palpitar dentro de suas veias, escutava-o pulsar no seu ouvido. Uma gota d’água caiu de seus cabelos encharcados, atingiu seu colo e escorreu por seu corpo ainda úmido. Ela continuava encarando o rosto aflito de Hermione, que mordia o lábio inferior com nervosismo, mas não a via. Seu cérebro não estava processando direito o que estava acontecendo. Sentiu a mão de Harry desvencilhar-se lentamente da sua, mas não fez nada para impedir, simplesmente porque não conseguia fazê-lo. Foi incapaz de virar seu rosto para encarar a expressão facial dele.

- Gina? – ouviu, distante, a voz de Hermione penetrar em seu cérebro entorpecido. Tentou engolir, mas percebeu que sua garganta estava seca demais para que conseguisse.

- Eu... – a sua voz era apenas um murmúrio... não podia acreditar naquilo. - ...acho... que não entendi direito o que você disse, Hermione.

Rony pigarreou de algum lugar. Harry não se manifestou, e Gina não conseguia olhar para ele. Hermione a observou com os olhos fundos e a expressão penalizada de quem entendia o que Gina estava sentindo. Entendia? Entendia nada... ninguém podia ter a pretensão de entender o que ela estava sentindo...

- Bem... é uma longa história... – Hermione recomeçou a falar, parecendo ainda mais hesitante do que antes, o que não era muito comum nela. – Acho melhor nós irmos para a sala do A.D... lá teremos maior privacidade...

- EU NÃO VOU PARA PORRA DE LUGAR NENHUM! – Gina finalmente se descontrolou; agora podia sentir sua respiração se acelerando cada vez mais rápido. – Eu quero saber direito o que está acontecendo agora mesmo. – ela prosseguiu, sua voz saindo abafada entre os seus dentes cerrados de nervoso.

A boca de Hermione estava aberta, movendo-se estranhamente, como se ela quisesse dizer várias coisas, mas não conseguisse pronunciar palavra alguma. Rony cerrou os olhos por um segundo, bufou longamente, e então, num átimo, adiantou-se e puxou a irmã pelo braço com tamanha força, que ela sentiu a circulação no lugar onde Rony a segurava paralisar naquele momento.

- Rony! – Hermione exclamou chocada.

Gina foi arrastada por Rony mais além no corredor, suas pernas caminhando cambaleantes pelo esforço que fazia para não acompanhá-lo, escutando os passos apressados de Hermione, que não parava de gritar com seu irmão. Ao mesmo tempo, a garota tentava se desvencilhar do aperto de Rony, sem entender porquê ele estava fazendo aquilo, a raiva que circulava por todo o seu corpo anteriormente se intensificando cada vez mais.

- O que... você... está... fazendo?! – Gina ralhou entredentes com o irmão, puxando fortemente seu braço já avermelhado pelo aperto dele, numa tentativa frustrada de se soltar. Sua vontade, mais do que tudo, era de bater em Rony por ele estar sendo tão bruto, mas antes que conseguisse, ele a soltou com um impulso que fez suas costas baterem na parede de pedra fria.

Gina sentiu seu corpo tremer com o impacto e mordeu seu lábio inferior de raiva, fazendo-o sangrar levemente; encarou Rony com fúria, e ele devolveu seu olhar com desolação, seus cabelos ruivos grudados no rosto pelo suor. Ele também respirava rápido. O olhar dele lembrava a ela brigas de infância que já tivera com o seu irmão; por serem ambos muito esquentados, isso geralmente acontecia com freqüência quando conviviam muito juntos. Rony costumava chamá-la de “matraca” quando Gina era criança, e isso a irritava mais do que as bombas de bosta que Fred e Jorge explodiam no seu quarto.

- Nós vamos lhe contar tudo, Gina. – Rony disparou com a respiração rasa. – Mas só quando você estiver calma, então acho melhor você se controlar, porque não queremos alardear para o castelo inteiro o que está acontecendo por aqui!

Gina mordeu ainda mais o seu lábio e sentiu o gosto de sangue invadir sua boca; odiava admitir aquilo, mas Rony estava certo. Era estranho ouvi-lo mandar alguém se acalmar, porque geralmente ele era o primeiro a se descontrolar, mas no fundo ela sabia que ele tinha razão. Não queriam que toda a escola soubesse do que estava acontecendo com Harry, mesmo que pessoas piores como Draco Malfoy já soubessem. No entanto, se ele não tinha espalhado a notícia por todos os cantos do castelo, não poderiam ser eles a fazê-lo. Ela escutou os passos de Harry e Hermione; a garota, sem mais palavras, apenas se postou perto deles e exclamou um desolado “Rony!”, observando-o com enorme desânimo. Ele virou o rosto, resmungando qualquer coisa incompreensível e chutando o ar. Gina arfou, começando a se sentir envergonhada pelo seu descontrole. Por um instante, seu olhar cruzou com o de Harry, que a observava com uma expressão que ela não conseguia definir; Gina, no entanto, preferiu desviar o rosto. Doía olhar para ele e lembrar das coisas boas que tinham acabado de acontecer...

- Certo, que tal irmos para a sala do A.D. e nos acalmarmos um pouco? – Hermione sugeriu pausadamente, observando Gina e Rony com autoridade, como se os desafiasse a tentar brigar mais uma vez.

Ninguém fez objeção; o olhar de Hermione era severo demais para que alguém se atrevesse. Rony seguiu na frente, apressado; Harry observou-o por alguns instantes, com um olhar distante, então se virou para Hermione, que devolveu o olhar. Gina percebeu que suas pálpebras se estreitaram por um momento e suas sobrancelhas se franziram, como se Hermione estivesse analisando algo. Harry desviou o olhar rapidamente e seguiu na mesma direção que Rony. Gina fitou Hermione com cansaço; a garota suspirou.

- Vamos, Gina. Eu imagino que para você isso deva ser... – ela respirou fundo. – Deixa pra lá... Nós só precisamos conversar direito sobre isso.

Alguns minutos depois, eles estavam na antiga sala do A.D., onde costumavam passar tanto tempo pesquisando formas de reverter a memória de Harry e, agora que tinham conseguido, Gina desejava que não tivessem. A última coisa que ela queria era que fosse assim... que ele esquecesse todos os momentos que passaram juntos... que ele a deixasse sozinha com aquelas lembranças...

Rony preferiu ficar de costas, encarando os objetos de detecção de Artes das Trevas que ficavam do outro lado da sala; Harry se posicionou próximo à janela, encarando os jardins com um olhar longínquo. Gina começou a andar de um lado para outro. Hermione trancou a porta e se encostou à ela, observando os outros como se estivesse prestando atenção à uma aula de Transfiguração.

- Vocês podem explicar o que está acontecendo agora? – Gina inquiriu, tentando soar controlada, o que estava sendo bastante complicado. Imagens de momentos tão maravilhosos que ela tinha passado com Harry não deixavam de aparecer em sua mente, lembrando-a de que aquelas memórias seriam apenas dela e de que ele jamais saberia de tudo aquilo que tinha acontecido.

Hermione respirou fundo.

- Eu encontrei, semana passada, um livro de Poções na seção reservada da biblioteca que me interessou muito. – ela começou a explicar. – Havia certas poções lá que eu nunca tinha ouvido falar, Snape não mencionou nenhuma delas em suas aulas. Eu não tinha pegado o livro antes porque estava cheia de livros emprestados, além disso ainda não tinha a permissão de um professor, enfim... – ela respirou fundo mais uma vez, apressando-se ao notar o olhar impaciente de Gina. – Eu achei. Achei a uma poção que vai fazer Harry se lembrar de todo o seu passado.

Harry se revirou incomodado, mas não deixou de observar os jardins através da janela. Hermione parou de falar por um momento, prestando atenção nisso. Então, ela atravessou a sala e se esticou para alcançar um livro em uma prateleira alta, sendo observada por um desanimado Rony; Gina preferiu não olhar muito para ele, ainda estava muito revoltada com a atitude anterior do irmão.

- Eu deixei o livro aqui... – Hermione explicou, adiantando-se até a mesa e colocando o grosso e antigo volume sobre ela. – Não fazia sentido deixá-lo na Grifinória, onde qualquer um poderia mexer nele. – ela folheou algumas páginas carcomidas pelo tempo, parando sobre uma particularmente desgastada e amarelada. Seu dedo indicador correu as palavras enquanto lia. – Aqui está: Solução Confucius.

“É denominada dessa maneira por colocar o indivíduo que a ingere em um completo estado de confusão nos primeiros minutos após o efeito. Descoberta pela bruxa Lorraine d’Marco, famosa na França por seus preparados perigosos, que testava em si mesma (o que acabou levando-a a morte no ano de 1683), essa poção só começou a ser efetivamente usada com funções terapêuticas em 1759 por bruxos da Bélgica. Foi testada em vários pacientes atingidos pelo Obliviate, mas os resultados, em sua maioria, foram desastrosos. O uso da poção foi proibido em 1765, quando duas pessoas morreram ao testá-la. Vinte anos depois, os estudos sobre ela foram retomados de forma cautelosa na Inglaterra, sendo ainda proibido o teste em humanos (este era feito clandestinamente). Sabe-se que a poção causa a morte apenas se for ministrada acima de uma dosagem específica, mas seus efeitos colaterais podem ser catastróficos. Nos poucos casos em que obtém sucesso, o indivíduo que a ingere, após alguns minutos de completa confusão, recupera sua memória anterior ao momento no qual a perdeu; no entanto, tudo o que viveu enquanto em estado de amnésia é esquecido.”

Hermione terminou a leitura com um longo suspiro e se virou para observar os outros. Harry continuava junto à janela; Rony se aproximou, puxando o livro para si e correndo os olhos por ele. Gina ainda estava entorpecida por aquelas informações.

- Mas... – ela começou hesitante, uma pontinha de esperança se acendendo dentro dela. - ...como conseguiremos prepará-la se ela é proibida? Quer dizer, onde estão as instruções? Não estão jogadas por aí, com certeza.

Ela esperava que Hermione desanimasse, que dissesse que não tinha acesso a essa informação e que Harry não poderia tomar aquela maldita poção pelo simples fato de que eles não poderiam prepará-la. Hermione, no entanto, abriu um mínimo sorriso prepotente.

- Eu já encontrei isso também. Rony, passe-me o livro de novo. – ela estendeu a mão e Rony, que observava o livro pensativo, entregou-o a ela, com enorme desânimo.

Hermione segurou o pesado livro em seus braços e, com um murmúrio, tocou a página com sua varinha. Ela colocou o volume sobre a mesa novamente, onde Gina pôde observar as letras da página se rearranjarem para formar os “Ingredientes” e o “Modo de Preparo”. Hermione guardou sua varinha entre as vestes e se virou para Gina, que estava agora, além de entorpecida, impressionada.

- Alguns são bem difíceis de se conseguir, mas podemos dar um jeito... E, logicamente, nós vamos fazê-la nesta sala, porque ela é muito difícil de se encontrar e ninguém mais vem aqui além de nós. Se a prepararmos com cuidado, não haverá riscos, no livro diz que...

- Talvez... – Rony se pronunciou após muito tempo. – ...nós devêssemos perguntar ao maior interessado o que ele acha disso antes de planejar qualquer coisa...

Hermione ficou ligeiramente avermelhada após a frase; provavelmente, tinha se empolgado tanto com sua “genial” descoberta, que acabara se esquecendo que ainda precisavam decidir se seguiriam adiante com o plano. Ela se virou, ansiosa, para Harry, que permanecia encarando a janela com o olhar perdido; Gina também o fitou, todo o seu ser implorando para que ele dissesse não àquela idéia maluca. Era uma loucura, poderia ser perigoso, poderia...

A verdade é que ela estava se preocupando mesmo com o fato de que Harry esqueceria tudo aquilo que viveram juntos se tomasse aquela poção.

- Harry? – Hermione chamou depois de algum tempo, já que ele não respondia. – O que você a...?

- Eu não vou tomar essa poção.

A voz dele soou convicta, firme, mesmo que ele não tivesse encarado os outros ao dizer isso. Hermione fechou os olhos e suspirou profundamente, com desânimo. Rony continuou encarando Harry com as sobrancelhas franzidas.

Gina não pôde deixar de se sentir imensamente aliviada ao ouvir aquilo, apesar de uma voz em sua cabeça repetir “egoísta, egoísta”. Ela sabia que ele precisava se lembrar, era necessário, muitas coisas dependiam disso. No entanto, não era para ser daquele jeito... ele não podia esquecer tudo, todos os momentos bons que eles viveram juntos, os momentos que a fizeram se apaixonar definitivamente por ele.

Do quê você tem medo? Ele te amava antes disso, lembra-se? Era verdade, mas mesmo assim... ele não podia esquecer... esquecer o beijo, a canção... o lago... as palavras... os risos... ele não podia esquecer...

- Harry... – Hermione insistiu, encarando as costas dele. – Você precisa se lembrar, não pode continuar assim! Isso está indo longe demais! Você precisa saber quem é.

- EU NÃO QUERO ME LEMBRAR! – ele gritou, finalmente se virando; seu semblante revelava que estava exausto daquilo tudo. – EU NÃO QUERO SABER QUEM EU SOU!

Gina respirou fundo e fechou os olhos; em sua cabeça passaram as imagens da noite na qual contara a Harry quem ele era e tudo o que tinha sucedido a ele. Quem gostaria de se lembrar de algo assim? Ele vai esquecer tudo... tudo o que nós vivemos...

- Não há outra maneira? – Gina perguntou com a voz rouca, e sentiu os olhares de todos sobre si. – Podemos usar outra coisa, essa poção pode ser perigosa, se nós tentarmos encontrar...

- Nós já tentamos encontrar outra coisa, não? – Rony disse sem emoção. – Todos os livros que reviramos, todo o tempo que passamos procurando é prova disso, não é? Será que existe mesmo outra maneira? – ele completou desanimado, como se também não estivesse satisfeito com aquela solução.

- Tem que existir! – Gina exclamou desesperada, pedindo para que existisse. – E se nós falássemos com Dumbledore? Ele com certeza deve...

- Nós já tentamos, não foi? – Rony gritou. – E o cara não tá nem aí para nós, parece até que ele está fugindo da gente!

Hermione pareceu ter uma idéia, então se virou para Harry com os olhos estreitos; ele, por sua vez, desviou o olhar, bufou e gritou novamente:

- PAREM DE FALAR SOBRE MIM COMO SE EU NÃO ESTIVESSE AQUI! – a respiração dele estava descompassada e o verde-esmeralda de seus olhos mais escuros. – Eu não vou tomar essa maldita poção!

- Você tem que tomar, Harry! – Hermione exclamou com visível desespero. – Foi a única solução que encontramos! Você precisa se lembrar!

- Por quê? Por que eu preciso voltar a viver uma vida que era pior?

- Porque Voldemort está lá fora, só esperando uma brecha para acabar definitivamente com você, e quando ele tentar fazer isso, você precisa saber que é Harry Potter! – Hermione gritou mais alto que ele. – PARE DE FUGIR DE SI MESMO, HARRY!

Algo nas palavras de Hermione foi forte o suficiente para fazê-lo se calar. Rony a encarou chocado. A garganta de Gina estava seca demais para que ela conseguisse dizer alguma coisa.

- Ele sabe o que aconteceu com você, Harry. – Hermione continuou num tom de voz mais baixo, mas ainda duro. – Ele sabe e vai se aproveitar disso. – Harry fechou os olhos. – Tudo o que ele mais quer é te matar, e ele vai usar cada gota de sua astúcia para conseguir o que quer. Você pode ter esquecido Voldemort, e esquecido a dimensão do que ele significa, mas nós sabemos muito bem tudo o que você passou todos esses anos. Eu não sei porquê, Harry, e talvez isso esteja escondido aí na sua cabeça, mas Voldemort não vai sossegar enquanto não vê-lo morto. E quando ele tentar fazer isso, você tem que estar preparado para enfrentá-lo. Tem que saber enfrentá-lo, e isso só o outro Harry sabe. Esse Harry que está aqui não é capaz disso. E nós não podemos deixá-lo morrer. Eu não vou permitir isso, se puder evitar. – a respiração funda de Rony pôde ser ouvida. – E a única maneira que eu vejo de impedir isso, Harry, é fazendo-o se lembrar de quem é. – Hermione prosseguiu com a voz embargada. – Porque eu confio no Harry que eu conheci, eu tenho certeza de que ele é capaz de derrotar Voldemort! Mas você... você não é o Harry que nós conhecemos... é apenas um espelho dele, uma parte dele. E eu não sei se você é capaz...

Um silêncio palpável pairou no ar após aquelas palavras. Hermione recostou-se à mesa, cansada como se tivesse corrido quilômetros. Harry encostou-se à parede e escorregou por ela, enterrando as unhas nos cabelos. Gina o encarou com pesar. Hermione estava certa; daquela maneira que ele estava, se ficasse frente a frente com Voldemort, não teria chance. Harry morreria. Ela engoliu em seco, sentindo o quão desesperador era pensar naquela hipótese. Mas a verdade é que Harry não sabia fazer um único feitiço corretamente do jeito que estava; enfrentar um bruxo das trevas, e ainda aquele bruxo, seria o fim. Ele vai se esquecer de tudo... esquecer de mim... do que vivemos, do que sentimos...

- Eu pensei muito se isso deve ser feito. – Hermione disse. – Eu e Rony conversamos sobre isso, nós também não queríamos que fosse assim! – e nesse momento ela encarou Gina, que virou o rosto, envergonhada.

- Foi o único jeito que encontramos, nós não podemos esperar mais... – Rony finalmente falou. – Não podemos esperar a boa vontade de Dumbledore ou quem quer que seja em nos ouvir... – ele disse com raiva. – E nem podemos esperar que alguma outra solução apareça... mesmo que depois...

Ele parou de falar subitamente e socou a porta para descarregar a raiva. Hermione suspirou e encarou Harry, sentado no chão, ainda com a cabeça baixa e as unhas enterradas nos cabelos negros; ela abriu a boca, como se quisesse dizer algo a ele, e então se virou para Gina rapidamente e pareceu que a visão da garota ali a impediu de dizer o que queria. Gina se voltou para Harry, sentindo o coração apertado.

- Nós precisamos conversar... – sussurrou lentamente, sem saber de onde estava tirando coragem para dizer aquilo. – A sós. – Harry levantou o rosto, encarando-a com surpresa. – Hermione, Rony... por favor...

Rony ia abrir a boca para dizer algo, mas Hermione o silenciou com um gesto, sem deixar de encarar Gina.

- Tudo bem, nós entendemos. – ela se virou para Harry, que arregalou os olhos para a garota. No entanto, mesmo que tivesse a vontade, Hermione acabou não dizendo nada. – Vamos, Rony.

- Mas...

- Por favor.

Gina escutou o irmão bufar. A porta abriu e fechou, deixando-a a sós com Harry. Eles apenas se entreolharam.

Ela tinha que convencê-lo a esquecê-la.




Rony observou Hermione encostar a porta atrás de si. As palavras que ela tinha dito para Harry ainda ecoavam em sua cabeça; ele nunca teria coragem de dizer tudo aquilo para ele. Aquele era o motivo por Hermione ser uma grifinória; ela tinha a coragem de dizer as coisas certas, mesmo que soubesse que iria doer, mesmo que o preço para abrir os olhos de alguém que ela gostasse fosse machucá-lo. Rony nunca teria essa coragem. Ele não teve coragem de contar a Harry o que tinha descoberto e não sabia se algum dia teria.

Hermione parou e encarou Rony. Sua face estampava desolação.

- Você disse a ele o que tinha que ser dito.

- Eu não tenho certeza... – ela murmurou. – Eu estou tão confusa, Rony... Às vezes eu tenho certos pensamentos... e eu fico imaginando se eu não estou indo longe demais... Eu posso estar muito errada, mas...

- Mas o quê? – Rony insistiu. – Você tinha que dizer isso a ele! Mione, ele tem que voltar a ser quem era...

Ela suspirou com desânimo.

- Você não entende...

Rony a encarou de volta, intrigado.

- O que você está pensando, Hermione?

- Eu não sei... eu não sei...




Pense nisso... pense que ele te amava antes... ele não vai esquecer isso; isso é um sentimento, não uma memória... Ele só vai esquecer os momentos, esses serão só seus... Mas vocês poderão criar outros... Ele tem que lembrar quem é, ele precisa....

Mas esse pensamento não a consolava.

Mesmo assim, Gina se ajoelhou à frente de Harry. Ele não disse nada, apenas ergueu os olhos para enxergá-la. Havia algo naqueles olhos, algo que eles queriam transmitir, algo que Harry queria dizer a ela, mas não conseguia ou não podia.

- Há algo que queira me contar, Harry?

Ele abriu a boca, seus lábios tremendo ligeiramente. Então, ele desistiu e fechou-os novamente. Suas mãos alcançaram seu rosto, e os dois permaneceram em silêncio por mais algum tempo. Gina sentia-se destruída por dentro. Por que aquilo tinha que acontecer? Por que tinha que ser assim? O que eles tinham vivido tinha sido apenas um sonho... um sonho que Harry logo iria esquecer.

- Eu não quero que isso acabe... – Harry murmurou, retirando as mãos do rosto, seus olhos encarando um ponto distante atrás de Gina. – Não pode acabar...

- O quê?

- Nós. Eu não quero que acabe.

Gina segurou os ombros dele, encarando-o com emoção. Havia um nó em sua garganta que a incomodava muito e a impedia de falar direito.

- Harry... – ele ainda não olhava para ela; Gina segurou seu rosto e forçou-o a encará-la nos olhos. – Não vai acabar... você e eu continuaremos aqui depois disso... Eu vou estar sempre aqui para você... E... – ela respirou mais fundo, o nó se intensificando. – E não importa... não importa que você vá esquecer... Eu vou me lembrar... E nós começaremos tudo de novo, desde o começo... Porque eu te amo, Harry... e isso nunca vai mudar... Só, por favor... por favor, Harry... você pode esquecer tudo, mas... por favor... Não esqueça nosso amor...

Ele a encarou por poucos instantes eternos, que nunca se apagariam da memória de Gina. Ela viu tantas coisas naquele verde-esmeralda dos seus olhos... Aquele olhar ela jamais esqueceria.

Então, Harry também se ajoelhou de frente a ela, segurando seu rosto, sentindo-o. Ele puxou-o para si, pressionando seus lábios nos de Gina, surpreendendo-a num beijo sôfrego, como se naquele momento fosse necessário senti-la, apenas senti-la... Harry nunca tinha a beijado dessa maneira. Era quase como se ele quisesse guardá-la nele, impregnar a sensação de beijá-la em sua própria pele, não em sua memória. Uma das mãos de Harry alcançou a cintura dela, puxando-a, fazendo com que seus corpos se encaixassem. Gina sentiu o calor que emanava do corpo de Harry, quase como se ele estivesse febril; ela enfiou seus dedos entre os cabelos ainda úmidos dele e a sua outra mão alcançou as suas costas. Harry passeou sua mão pelas costas da garota, sentindo suas curvas, seu calor... Sua mão penetrou por uma brecha na blusa úmida dela para que pudesse sentir a pele de Gina... Os pêlos da garota se eriçaram por completo e um arrepio percorreu sua espinha. Seu sangue corria mais quente nas veias. Seus joelhos estavam doloridos pela pressão no chão, mas ela não se importava. Ela sentiu algo inimaginável que nunca tinha sentido na vida, e parecia que Harry sentia o mesmo. Precisava sentir Harry quase tanto quanto ele precisava senti-la. Aquele momento seria somente dela... mas ela não guardaria na memória, e sim na pele, como Harry estava fazendo.

As mãos de Harry, em sua cintura, forçaram seu corpo se inclinar para trás, lentamente, e Gina sentiu o chão frio sob suas costas quando ele a deitou com cuidado. Seu corpo estava todo suado, grudado no dele. Parecia que cada mínimo poro seu estava emanando suor. A temperatura do seu corpo estava quente como jamais esteve, e aumentou ainda mais quando ele colocou ambas as mãos por debaixo de sua blusa, subindo-as mais e mais, e Gina somente desejava que ele fizesse aquilo... A pressão do corpo de Harry sobre o seu, somada ao beijo, estava sufocando-a, mas a sensação era maravilhosa demais para que ela quisesse sair dali. Ela enterrou ainda mais as unhas nas costas dele... Harry não queria parar, ela não queria parar, mas...

Seus lábios se desgrudaram devagar. Suas testas continuavam juntas. Seus narizes se tocavam. Seus olhos trocavam confidências. Suas respirações ainda se confundiam.

Gina queria mais, queria mais do que somente um beijo... não importava o que ir além significasse, ela estava ávida por continuar sentindo Harry, inteiramente, seu corpo pedia, ansiava por mais... ansiava por ele... desejava-o...

Mas Harry fechou os olhos lentamente e, por um instante, acariciou a bochecha dela com a sua própria, num suave movimento de vai e vêm. A respiração dele estava incrivelmente descompassada, como se tivesse percorrido quilômetros. Ela pensou que ele fosse sussurrar em seu ouvido, mas palavras não eram suficientes naquele momento; somente a energia dele que a envolvia dizia tudo. Gina soltou um leve gemido.

- Me perdoa, Gina... – ele finalmente murmurou, sua respiração rasa e rápida. – Me perdoa...

- Harry...

Num momento, ela estava sentindo o corpo dele sobre o seu; no momento seguinte, em questão de segundos, ele tinha saído de cima dela. Gina recebeu o ar em seus pulmões como um sopro que quase a fez engasgar, então, como se tivesse mergulhado num vazio desesperador, deu-se conta de que seu corpo estava separado do de Harry.

Ele tinha se sentado com a cabeça ligeiramente abaixada, seus olhos muito fechados com força, como se ele quisesse se forçar a não olhá-la. Ele mordia o lábio inferior com tamanha violência, que eles quase romperam. Sua respiração ainda era muito rápida, e seu corpo se remexia todo, como se ele estivesse com dor.

- Harry? – Gina chamou preocupada, sentando-se. – O que foi?

- Por que eu estava fazendo isso? Eu não posso fazer isso! Onde é que eu estou com a cabeça?

- Harry, não, eu...

- Gina, vá embora, apenas vá embora, eu não posso fazer isso! Vá antes que eu não me controle mais!

- Harry, por favor...

- VÁ!

Foi como se ela tivesse levado um tapa. Gina se levantou, suas pernas ainda cambaleantes hesitando em sustentá-la; ela não suportou olhar Harry mais uma vez. Saiu o mais rápido que pôde daquela sala, não podia permanecer nem mais um minuto ali dentro. Bateu a porta com força ao sair. Por que ele tinha tratado-a daquela maneira? O que ela tinha feito de errado?

O corredor estava vazio e silencioso; a luz vacilante das tochas projetava sombras fantasmagóricas nas paredes frias que Gina usava para amparar seus passos hesitantes. Ela finalmente parou de lutar contra si mesma e encostou-se totalmente à parede gelada, que contrastava com seu corpo ainda fervente. Por que ele tinha feito aquilo?

Ela encostou a testa na pedra fria. Deixou seu corpo escorregar até alcançar o chão, onde se encolheu, abraçando as próprias pernas.

O sonho tinha acabado.




- O meimendro, além de suas propriedades anestésicas, também é um poderoso alucinógeno, que pode levar algumas pessoas ao vício, dependendo do organismo. Como a mandrágora, ele pode...

Já fazia muito tempo que Gina tinha deixado de prestar atenção nas palavras de Snape; copiá-las, então, estava fora de cogitação. A pena apenas riscava o papel, repetidamente, no mesmo lugar, e um vinco já estava presente na folha, tamanha era a força que Gina aplicava. Por que ele tinha feito aquilo?

Duas semanas tinham-se passado. Duas semanas, nas quais, Gina mal trocou palavras com Harry. Quase não falou com Rony e Hermione também, mas com Harry era muito pior. Ela não queria nem olhar para ele, e ele também não parecia muito disposto a fazê-lo. A única coisa que ela sabia era que Hermione já tinha começado a fazer a poção na sala do A.D.; Rony roubou alguns ingredientes do estoque particular de Snape com a capa de Harry.

Gina sentia raiva, vergonha, frustração, incompreensão, infelicidade, tudo misturado, e isso só piorava cada vez mais. Ela quase não falava com ninguém na realidade; sabia que uma única palavra poderia fazê-la explodir, e as outras pessoas não tinham culpa que sua vida tivesse ficado maravilhosa de um dia para o outro e, no dia seguinte, tudo tivesse desmoronado e ficado pior do que antes. Será que a culpa tinha sido dela, afinal?

Harry tinha se comportado como um idiota. Como ele pôde ter feito aquilo com ela? Gina começou a achar que aqueles momentos... o beijo, o lago, tudo tinha sido fingimento. Será que ele só estivera brincando com ela? É claro, aquele Harry não a conhecia, nem se lembrava dela, como poderia se apaixonar por ela? Besteira. Hermione estava errada. Que sentimento adormecido que nada, Gina estava começando a achar que aquilo que a garota tinha lhe contado, naquela manhã já distante, pudesse ser apenas um grande engano. Harry, gostando dela, e Gina não percebendo? Idiotice. Isso nunca poderia ter acontecido de verdade. Ela é que tinha sido mesmo muito estúpida de cair naquela esparrela...

“Eu te amo, Gina.”

Mentira... Ela não queria acreditar. Mas só podia ser... só podia ser...

“Eu sou o cara mais sortudo por ter você, Gina...”

A pena afiada finalmente escapou ao seu controle e rasgou o pergaminho, produzindo um som alto, que ecoou pela sala totalmente silenciosa. Gina arfou. A pena rolou para o chão, e ela ouviu o barulho do objeto batendo no chão de pedra. A sala estava em silêncio. Ela percebeu que todos a encaravam.

- Talvez a aula não esteja suficientemente interessante para atrair a atenção da senhorita, não é, Srta. Weasley? – a voz seca de Snape chegou em seus ouvidos.

Todos os seus outros colegas grifinórios do sexto ano prenderam a respiração. Colin Creevey engoliu em seco quando Snape passou por ele, esvoaçando como um morcegão. Gina permaneceu quieta, encarando o pergaminho rasgado à sua frente; sabia muito bem o que viria pela frente, mas, insanamente, o que mais queria naquele momento era agarrar o vidro de tinta negra à sua frente e jogá-lo bem na cara do professor; talvez assim aquela sua pele macilenta pudesse combinar melhor com os cabelos oleosos.

Ela sentiu a presença de Snape quando ele parou ao lado de sua carteira. Num ímpeto, o mestre puxou o pergaminho rasgado da garota e correu seus olhos negros por ele (mesmo que não houvesse nada ali para ler), segurando o papel com um certo nojo, como se algo tocado por uma Weasley não fosse digno de também ser tocado pelo tão grandíssimo idiota Prof. Severo Snape. Ele soltou uma risadinha de desdém, amassou o pergaminho e atirou-o na mesa de Gina com um gesto violento; a bolota de papel esbarrou no tinteiro, que tombou, permitindo que a tinta negra escorresse pela mesa e pingasse na saia de pregas da garota. Era a única porcaria de tinteiro que ela tinha. Era a única porcaria de saia que ela tinha.

- A Grifinória acabou de perder vinte pontos por sua falta de atenção, Srta. Weasley. – Snape sentenciou secamente, com um quê de satisfação na voz. – E também outros dez pontos a menos por estar com a cabeça nas nuvens e não copiar a matéria.

Ela viu, com profundo ódio, a capa dele esvoaçar enquanto ele lhe virava as costas e seguia para o centro da classe, com uma enorme pose majestosa, como se fosse alguém muito importante... Idiota. Ela o encarou com raiva através da cortina de cabelos ruivos que cobria seus olhos, imaginando mil e uma formas diferentes de afogar aquele nariz de gancho num caldeirão, cada maneira mais dolorosa e lenta do que a anterior. O “pinga-pinga” insistente continuava, e já havia uma grande mancha escura na sua saia, que estava se espalhando pela sua meia-calça e a coxa direita.

Finalmente o sinal para o almoço tocou, e os alunos ansiosos por sair dali se dispersaram rapidamente. Extremamente irritada, Gina começou a juntar o seu material sujo de tinta; o vidro tinha se quebrado no lugar onde tombou e a sua pena se partiu em duas. Ótimo, ficar sem material também era só o que ela mais precisava. Ela juntou todas as suas coisas e as colocou de qualquer jeito dentro da mochila – dane-se, o estrago já estava feito mesmo – e a jogou em suas costas, agitando os cabelos para que saíssem de seu rosto. A primeira coisa que viu foram os olhos escuros de Snape observando-a; um sorrisinho irritante e debochado se encrespou no canto da boca dele. Gina desejou fortemente que ele tropeçasse, batesse de cara no chão e entortasse ainda mais aquele nariz adunco, só para aquele sorriso estúpido sumir da sua face macilenta.

Ela saiu da sala num átimo, desejando mais do que tudo desaparecer daquelas masmorras horrendas antes que Snape lhe dissesse algo desagradável e ela não suportasse e o mandasse para um lugar muito bonito onde não havia sol. Uma parte da tinta que caíra na sua saia estava escorrendo para sua perna, e ela sabia muito bem que deveria estar tremendamente ridícula, mas se alguém ousasse comentar alguma coisa, uma coisinha que fosse, levaria uma azaração bem no meio da cara e nem saberia o que lhe tinha atingido.

Foi com esses pensamentos de raiva, imaginando mais maneiras de cozinhar Snape em óleo fervente, que Gina adentrou o Hall de Entrada e deu de cara com ninguém menos que Draco Malfoy.

- Ah, era só o que eu queria... – ela não agüentou ficar calada. – Poluição visual logo antes de almoçar. Já até sinto meu estômago dar voltas.

Os olhos cinzentos dele se estreitaram e suas sobrancelhas se ergueram com desprezo. Gina enxergou aqueles dois armários que eram Crabbe e Goyle, postados um de cada lado de Malfoy; ela só estava esperando uma palavra de qualquer um deles, um mínimo gesto, para descarregar toda a fúria que estava acumulada naquelas duas semanas. Ela até queria que Malfoy dissesse alguma coisa... Diz, seu filho da mãe, fala logo o que você está pensando...

Ele cruzou os braços, o desdém estampado no rosto pálido; um sorrisinho besta se formou nos seus lábios finos quando o olhar dele avaliou-a e alcançou a grande mancha que se alastrava por sua saia, a meia e a perna.

- Há! – ele debochou. – O que vai fazer agora, pirralha Weasley? Aposto que a sua família teria que vender aquele barraco que chamam de casa com tudo dentro para comprar outro uniforme para você... – ele riu bobamente da própria piada, e seus capangas estúpidos o acompanharam. – Ah, esqueci... eles compram uniformes de segunda mão, não é? Ou talvez você possa achar algo no lixo para vestir. – os olhos cinzentos dele, então, se arregalaram como se acabasse de ter uma idéia. – Mas você ainda pode pedir algo para o seu querido Potter Perfeito! Ou será que ele também esqueceu onde fica o seu cofre no Gringotes?

Aconteceu tudo muito rápido. Num minuto Malfoy estava rindo dela e no próximo ele foi atingido por um feitiço bem no meio da cara, saiu voando pelo Hall de Entrada, sobrevoando alguns alunos embasbacados, e fez uma aterrissagem desastrosa na estátua de Georgina, a doida, que perdeu o polegar direito no meio de toda a história. Crabbe e Goyle arregalaram os olhos e estavam prontos para atacar quando Gina passou entre os dois como um tufão, marchando na direção de Malfoy, sem se importar com a quantidade imensa de alunos curiosos que começavam a se aglomerar para assistir à confusão.

Malfoy, que ainda estava tentando se recuperar, apoiou as mãos no chão e sentou-se um tanto quanto atordoado; outro dedo da estátua de Georgina pendeu de sua mão, quicando na cabeça loira do sonserino. Várias pessoas riram. Gina se postou bem na frente do garoto, seu olhar exalando fúria, e sua varinha mirando bem no meio dos olhos de Malfoy, pronta para atacar novamente. Ele levantou a cabeça apenas um pouco para vê-la, seu olhar dividido entre o ódio pelo vexame que ela estava fazendo-o passar e o medo que ele sentia do próximo feitiço dela. Covardão.

- Qual o próximo feitiço que você quer, Malfoy?

Era a vez dela de debochar e sorrir com desdém.




“Hey, Malfoy, cuidado para não borrar as calças!”

“Ele vai molhar a cueca!”

“Apanhando de mulher, Malfoy?!”

Rony parou de andar tão subitamente, que Harry, distraído, deu um encontrão nas costas do amigo. Eles tinham acabado de sair de uma exaustiva aula de Defesa Contra as Artes das Trevas. Hermione se abraçou aos seus livros, rindo da cara amassada de Harry, que xingou Rony e alisou o nariz dolorido.

- Opa, foi mal, cara. – Rony se desculpou, controlando-se para não rir do amigo. – Mas vocês estão ouvindo isso?

- Ouvindo o quê? – Harry perguntou emburrado, ainda ajeitando o nariz.

- Eu também não estou ouvindo nada... – Hermione disse.

Rony fez um sinal para que ficassem calados e apontou para trás, com o dedo indicador, um sorriso enorme se alastrando no seu rosto sardento. Hermione, então, pôde ouvir perfeitamente uma frase ecoando da direção do Hall de Entrada:

“Uhhh, o Malfoy tá com medo dela!”

Hermione deixou o queixo cair.

- O que será que está acontecendo?

- Eu não sei ainda, mas deve ser algo muito engraçado! – Rony cantarolou alegremente, correndo em disparada para o Hall de Entrada. Harry e Hermione se entreolharam confusos e também correram na mesma direção.

À medida que eles ficavam mais próximos, as gargalhadas aumentavam de volume e as frases de zombaria contra Malfoy se tornavam mais maldosas. Eles pegaram um atalho e desceram as escadas aos tropeços, ouvindo as risadas cada vez mais intensas. Quando chegaram ao Hall de Entrada, havia uma enorme aglomeração de alunos, que riam, apontavam para algo no centro e debochavam. Àquelas alturas, Hermione já estava ardendo de curiosidade para saber o que estava acontecendo. Rony, atabalhoado, embrenhou-se num grupo de grifinórios, e Hermione e Harry aproveitaram o caminho que ele abriu para verem o que estava acontecendo.

- Ei, Simas, o que está havendo? – Rony perguntou animadamente, assim que alcançou um grupo que incluía Simas, Dino, Neville, Lilá e Parvati.

- Há, vocês ainda não tinham visto? – o garoto retrucou num tom de divertimento, ao mesmo tempo em que Dino aplaudia e ria ao lado dele. – O Malfoy tá apanhando de uma garota! Ele até já voou pelo salão!

Hermione viu que a expressão de Neville não era animada como a dos outros; ele parecia sério e preocupado. Ela se virou para Harry, que tinha se esticado para enxergar e arregalara os olhos, ajeitando os óculos no nariz tal era seu espanto. Rony também estava se esticando para ver, sem perder a animação.

- Há, bem merecido! E quem é essa garota fantástica que tá humilhando o idiota do Malfoy? – ele perguntou, tentando ver por cima da cabeça de Dino.

- A sua irmã, Rony! – Lilá exclamou rindo. – Ela tá arrasando!

O sorriso no rosto de Rony se desfez como por magia. Hermione sentiu a garganta muito seca.

- Gina?

- É, Rony, e você tem mais alguma irmã em Hogwarts por acaso? – Parvati zombou com uma risada.

Hermione quase derrubou Lilá e Parvati no seu ímpeto de tentar enxergar alguma coisa. O ombro de Dino provavelmente destroncou após o salto que Rony deu, apoiando-se nele para ver. O queixo de Hermione caiu ao enxergar Gina, no centro da roda de alunos, apontando a varinha altivamente para um acuado Draco Malfoy, que já tinha sido atingido e estava inclinado no chão.

- Pelo amor de Deus, o que ela está fazendo? – murmurou para si mesma, espantada e apavorada. Gina sabia o que significava provocar Malfoy, ela sabia que ele tinha contatos com Comensais da Morte, com Voldemort!

Malfoy soltou uma risadinha nervosa pelo nariz.

- Você não vai ter coragem de fazer isso na frente da escola toda, pirralha...

Mas ele não parecia tão convicto. Gina abriu um sorriso maroto.

- Não teria mesmo, Malfoy?

Hermione conseguiu ver, em câmera lenta, a mão de Malfoy escorregar lentamente para o seu bolso de trás da calça, de onde saía um pedaço da varinha. Se Gina não fosse rápida o bastante... Seus olhos encontraram Harry ao seu lado; ele tinha estreitado os orbes na direção de Malfoy, sua mão também tateando o bolso traseiro da calça, onde Hermione sabia que ele escondia a varinha. Faíscas saíam dos seus olhos...

Novamente, aquele mesmo pensamento a atormentou.




Aquilo era perigoso... Ela não podia estar fazendo aquilo. Malfoy poderia se vingar. Ele era bem capaz de fazer algo muito ruim depois daquilo.

O olhar de Neville ainda estava focado em Gina, apontando a varinha ameaçadoramente para Draco Malfoy. Ele desviou o olhar por um segundo e viu que Harry, Rony e Hermione tinham acabado de chegar; os três também pareciam assombrados. Rony dava a impressão de estar dividido entre a preocupação com a irmã e o orgulho por ela estar humilhando Malfoy na frente de toda a escola.

Neville observou, ao longe, um vulto negro se aproximando das masmorras. Ele não precisava ver o rosto da pessoa para saber que se tratava dele, Snape. Só ele andava esvoaçando a capa daquele jeito. Ele iria ver tudo.

Rapidamente, ele virou o rosto para ver Gina mais uma vez, mas seu olhar bateu numa garota loira, de olhos azuis arregalados e brincos de rolhas de cerveja amanteigada nas orelhas. Luna não estava com a expressão vaga de sempre; ela tinha aquela expressão que só Neville conhecia: pensativa, quase como se estivesse analisando uma situação. Ele acompanhou o olhar dela e viu que ela estava observando não Gina e Malfoy como todo mundo, mas sim Harry. Por que justo ele? Aquela expressão de Luna... era quase como se ela soubesse algo. Neville observou Harry com maior atenção e viu que ele estava pronto para sacar a varinha se Malfoy tentasse algo contra Gina.

E ele fez.

Malfoy rapidamente sacou sua varinha; Harry puxou a sua num reflexo, mas nenhum dos dois foi tão rápido quanto Gina. O sorriso dela se alargou, e um brilho de luz saiu de sua varinha após ela exclamar:

- Riddikulus!

A Azaração para Rebater Bicho-papão acertou o rosto de Malfoy em cheio. Imediatamente, começaram a aparecer feridas enormes e coisas que se mexiam, esvoaçantes, sobre a pele dele. Neville não conteve uma careta; ele se lembrava muito bem de uma outra vez que Gina tinha usado essa mesma azaração, contra essa mesma pessoa, mas o efeito agora parecia muito pior. Parecia que ela tinha se aperfeiçoado na técnica; Malfoy estava péssimo.

As gargalhadas estouraram no ambiente. Não havia, provavelmente, ninguém que não estivesse rindo da situação. Até mesmo os sonserinos riram. Neville viu que Rony tinha abandonado todo o fingimento e já estava gritando para quem quisesse ouvir: “É a minha irmã, essa é a Gina que eu conheço! Uma verdadeira Weasley!”. Hermione, apesar de preocupada, não conteve um sorrisinho. Harry parecia assombrado, mas havia um vestígio de sorriso disfarçado no canto de sua boca também; Neville só não tinha certeza se era por Gina ter agido daquela maneira ou se por Malfoy ter sido humilhado.

Por debaixo das feridas horríveis no rosto de Malfoy, era possível enxergar um tom assustadoramente rubro; talvez de vergonha e raiva misturadas. O olhar dele era de profundo ódio. Neville conseguiu ler o movimento dos seus lábios, como se estivesse praguejando:

“Eu vou me vingar.”

Neville viu Luna suspirar muito profundamente e sair do meio do aglomerado de pessoas, sumindo na multidão. Ele ficou dividido entre ir atrás dela e continuar assistindo ao que estava acontecendo. No entanto, a entrada de uma pessoa o fez permanecer onde estava.

- O que está acontecendo aqui?




O sorriso que Rony estampava no seu rosto sumiu mais uma vez, magicamente. Ele engoliu em seco.

Ferrou.

Snape tinha atravessado a verdadeira barreira que os alunos faziam ao redor da cena e parado de chofre a alguns metros de Gina e Malfoy, arregalando os olhos e fazendo uma cara ainda mais feia (mesmo que Rony não achasse possível que a cara dele ficasse pior do que já era). Um músculo tremeu no canto de sua boca e uma veia começou a pulsar na sua testa. Era agora que a vaca tinha ido mesmo para o brejo.

Rony se voltou para ver o rosto de sua irmã. Ela não estava apavorada com a presença do professor mais odiado e temido de toda a Hogwarts; muito pelo contrário, Gina continuava a sustentar sua pose petulante e encarava Snape de volta em desafio. Rony estava impressionado com o sangue-frio de sua irmã. Malfoy, cheio de coisas enormes e esvoaçantes no rosto, parecia apenas um massa informe e avermelhada jogada no chão de qualquer jeito. As pessoas na sala pararam de rir, segurando a respiração para ver o que Snape ia fazer.

- O que significa isso? – Snape perguntou entredentes, seus olhos negros mais estreitos do que nunca ao encarar Gina.

Rony percebeu que Gina era bem capaz de dizer uma grosseria para Snape naquele momento e se encrencar ainda mais. Ele já tinha visto a irmã daquela maneira várias vezes; algumas pessoas poderiam pensar que Gina era apenas mais uma garota qualquer, mas se enganava quem achava que ela era uma menininha frágil. Rony conhecia muito bem a irmã e sabia que, quando ela estourava, não havia quem a segurasse. E ela poderia perder a cabeça e fazer besteiras maiores do que ele próprio.

Porém, antes que Gina pudesse dizer qualquer coisa, uma bruxa com um rígido coque na cabeça veio andando apressada, embrenhando-se no meio dos alunos e soltando uma exclamação de espanto ao chegar ao centro da confusão.

- Por Merlin, o que é isso? – McGonagall exclamou assombrada. – Srta. Weasley? Sr. Malfoy!

Gina abaixou ligeiramente a cabeça, apesar de ainda estar com os nervos à flor da pele (Rony sabia muito bem disso); a Profª. McGonagall inspirava extremo respeito somente com aquele seu coque impecavelmente preso no alto da cabeça, imagine ainda com o olhar severo e espantado que dirigia à garota. Rony sabia que ela estava realmente encrencada agora.

- Srta. Weasley, eu estou chocada com a sua atitude! – a professora exclamou com a voz aguda, severamente; Gina abaixou um pouco mais a cabeça, respirando muito rápido. - Francamente!

- Foi culpa dele, professora! – Rony gritou sem pensar e sentiu as orelhas quentes quando todas aquelas cabeças se viraram juntas para encará-lo. Ele viu um olhar de advertência no rosto de Hermione, mas prosseguiu mesmo assim, inflando-se de coragem; ele nem tinha visto o começo daquela briga, mas não podia deixar de defender a irmã. – Foi ele quem começou!

Snape bufou com descrença e desprezo, revirando os olhos. Rony sentiu seu estômago se revirar de raiva do professor. No entanto, ele precisava mesmo era se preocupar com McGonagall.

- Ponha-se no seu lugar, Sr. Weasley, ou também será punido! – Rony se calou, bufando e sentindo as orelhas muito quentes. A professora se voltou para Gina, que finalmente estava começando a parecer um pouco menor diante dela. – E a senhorita, pode me acompanhar!

- Mas, fui eu quem viu o que estava acontecendo! – Snape exclamou indignado. – Eu é que devo...

- Nem pensar! – a professora retrucou com autoridade. – Eu sou a diretora da casa dela, portanto, eu cuidarei do caso. – e apontando para Crabbe e Goyle, que de susto, deram saltos no mesmo lugar. – Vocês dois, acompanhem o Sr. Malfoy à ala hospitalar, agora!

Snape parecia ser capaz de matar o primeiro que se colocasse no seu caminho; não foi surpresa que os alunos abrissem um espaço enorme para que ele passasse, dirigindo-se às masmorras a passos rápidos e pesados. Enquanto isso, McGonagall conduzia Gina na direção oposta, mandando todos os outros alunos se dispersarem. No meio da confusão, Rony, Hermione e Harry, que estavam prestando atenção em Gina e McGonagall, perderam-nas de vista. Quando finalmente os alunos perceberam que o espetáculo tinha terminado e começaram a ir embora (aquele provavelmente seria o assunto do jantar e de todos os jantares naquela semana), os três juntaram as cabeças para decidir o que fazer:

- Nós precisamos ir lá! – Rony exclamou logo de cara. – Precisamos dizer à McGonagall que a culpa foi do sebento do Malfoy! Isso tá na cara!

Hermione suspirou profundamente.

- Isso nós já sabemos, mas a McGonagall vai ficar furiosa se formos lá também. E ela tem razão, a Gina exagerou!

- Exagerou nada, ela deu ao Malfoy o que ele merecia faz tempo! – Rony retrucou. – Aposto que ele provocou!

- Rony, você não vê que isso foi uma loucura?! Malfoy está envolvido até o pescoço com o lado das trevas, e se ele...

- Vocês podem parar por um segundo? – Harry cortou a discussão dos dois; Hermione olhou de um jeito esquisito para ele. – Eu sou a favor de irmos lá para ver o que está acontecendo, e se vocês forem ficar batendo boca aqui, eu vou sozinho!

Rony e Hermione ficaram em silêncio por um momento, espantados, até que Rony acordou do transe e se virou para a garota:

- Viu? Ele concorda comigo!

Hermione bufou longamente. Harry deu um passo para seguir na mesma direção de Gina, mas esbarrou em uma pessoa que vinha correndo sem olhar para onde ia.

- Neville? – Hermione chamou surpresa; o garoto se virou para ela com um sorriso tímido, pediu desculpas a Harry pelo esbarrão e saiu correndo na direção dos jardins.

- O que deu nele? – Rony perguntou intrigado.

Harry deu de ombros, como quem nem quer saber, e começou a caminhar apressado, desviando-se de várias pessoas no caminho, Rony e Hermione seguindo-o bem atrás.




Gina quase podia ouvir as fortes batucadas de seu coração. Ela tinha que correr para acompanhar os passos apressados e nervosos da Profª. McGonagall mais à frente. O som dos alunos em tropel, dirigindo-se para o Salão Principal para o almoço ia ficando cada vez mais distante.

A Profª. McGonagall não pronunciou uma palavra sequer durante todo o trajeto, o que só estava tornando as coisas ainda piores para Gina. Ela esperava que a professora fosse ralhar com ela durante todo o percurso, mas aquele silêncio pesado pairando no ar era muito pior. Talvez Gina tivesse realmente ido longe demais... não, aquele traste do Malfoy mereceu! Sim, ele tinha merecido por todas as coisas que havia dito! Além disso, ele também... ele também tinha mencionado novamente o que sabia sobre Harry, aquele sonserino desgraçado! Não, não quero pensar em Harry agora.

Um barulho estridente, de vidro estilhaçado, interrompeu a seqüência dos pensamentos de Gina. Ela deu um salto para trás de susto, bem como a Profª. McGonagall.

- PIRRAÇA! – ela gritou com a voz aguda ao bater os olhos no lustre que o Poltergeist tinha desaparafusado para cair bem em cima de quem estivesse passando. – Pirraça, você será punido por isso!

A risada debochada do Poltergeist ecoou pelo corredor vazio, até que ele finalmente apareceu atrás de Gina, gritando estridentemente no seu ouvido, fazendo a garota dar um salto e depois olhá-lo com toda a raiva que estava sentindo.

“Ai, ai, ai... sinto cheiro de bronca! Ui, ui, ui... alguém vai se dar muito mal aqui, e não serei eu!”Ele, então, saiu dando razantes e derrubando tochas apagadas, enquanto cantarolava e ria ao mesmo tempo. Gina ousou alcançar os olhos da professora à sua frente, que tinha postado as mãos na cintura e continuava olhando feio para o lugar por onde Pirraça tinha sumido. Subitamente, ela deu meia volta e prosseguiu o seu percurso sem encarar Gina de volta.

Quando a garota entrou na sala de McGonagall, um arrepio involuntário percorreu sua espinha. Fazia já muitos anos que ela não entrava ali; a última vez tinha sido no seu primeiro ano, quando... quando saíra da Câmara Secreta com Harry e Rony. Naquela ocasião, também estavam presentes na sala seus pais e Dumbledore; agora, eram somente ela e a professora. Gina tentou desviar seus pensamentos daquele dia horrível.

A professora contornou a escrivaninha, sentando-se e indicando a cadeira à sua frente para Gina se sentar. A garota obedeceu, tirando a mochila das costas e postando as mãos no colo; abaixou ligeiramente a cabeça, pois não tinha coragem de olhar a professora nos olhos. Agora que tudo tinha passado e estava ali, na sala dela, começou a perceber que estava terrivelmente envergonhada.

Gina observou a mesa da mestra; havia sobre ela vários papéis meticulosamente organizados; uma caixa de biscoitos, com uma estampa escocesa, chamou sua atenção. Pelo canto dos olhos, Gina viu que a professora tinha tirado os óculos de lentes quadradas do rosto por um instante, coçando os olhos com força num gesto de cansaço. A vergonha dentro de Gina se intensificou.

McGonagall respirou fundo, longamente. Ela depositou os óculos sobre a mesa e segurou a testa por alguns instantes. Gina começou a se assustar com aquela atitude da professora; chegou a pensar que ela estivesse passando mal ou coisa parecida, mas quando ela levantou os olhos para encará-la, a garota enxergou as grandes olheiras no rosto da mestra e percebeu que ela estava exausta.

- Srta. Weasley... – ela iniciou com um enorme suspiro. – Gina... por que você fez isso, menina?

Ela engoliu em seco. Não acreditou que a professora, a Profª. McGonagall, tinha chamado-a pelo primeiro nome naquele tom tão... humano. Gina preferia que ela tivesse gritado com ela; seria muito menos embaraçoso.

- Eu... eu... professora...

- Eu entendo que é difícil agüentar as provocações do Sr. Malfoy, mas a senhorita tem que entender que não pode ter esse tipo de atitude! – ela coçou os olhos novamente e recolocou os óculos quadrados no rosto. – A senhorita sabe muito bem de onde ele vem e a quem ele está ligado.

Gina abaixou ainda mais a cabeça. Aquilo estava pior do que ela imaginara. Esperara que McGonagall brigasse com ela, com aquele seu tom enérgico, mas a decepção de sua voz era muito, muito pior.

- Por Merlin! Deus sabe o quanto nós temos trabalhado para tentar manter o controle por aqui! – a professora desabafou num tom desanimado. – Nós não podemos deixar que a guerra entre aqui dentro também! Mas parece que está cada vez mais complicado! Parece que está ainda pior do que como foi dezesseis anos atrás...

- Professora... – Gina murmurou com a voz fraca.

- A senhorita sabe que eu terei que lhe aplicar uma punição severa. – Gina não se manifestou, muito menos olhou para a professora. – Snape irá cobrar isso de mim, já que ele assistiu ao espetáculo... – ela bufou, como se aquilo lhe contrariasse. – Eu acho que...

Ela parou de falar ao ouvir batidas insistentes na porta. Gina não conseguia atinar quem pudesse ser, mas a professora suspirou profundamente.

- Eu já esperava por isso...

Ela, então, levantou-se, voltando bruscamente à sua postura rígida habitual; ajeitou os óculos no nariz e abriu a porta com um olhar severo.

- Professora McGonagall... – uma voz feminina conhecida de Gina começou a falar. – Nós viemos...

- Eu já sei porque vocês vieram, Srta. Granger. Estava esperando-os.

Gina era capaz de dar um salto na cadeira, tal seu espanto; o que eles estavam fazendo ali?- Esperando... a gente? – era Rony, incrédulo.

- Isso mesmo, Sr. Weasley, e eu ficaria grata se pudéssemos sair da porta.

Gina se virou na cadeira para vê-los; seu olhar bateu primeiro na pessoa que ela menos queria: Harry.

Ele foi o primeiro a entrar; seu semblante era difícil de definir, mas Gina diria que ele estava bastante transtornado. O olhar dele também cruzou com o de Gina por um momento; fazia muito tempo que eles não se olhavam, na realidade, desde aquele dia na sala do A.D. A lembrança fez o estômago de Gina se revirar de raiva. Harry fungou e desviou o olhar.

Rony, que entrou logo depois dele, parecia não acreditar na atitude da professora. Esta, por sua vez, voltou a se sentar na escrivaninha, mas dessa vez preferiu tomar o cuidado de não demonstrar nenhum cansaço; pelo contrário, sentou-se com a coluna ereta e o queixo erguido. Gina trocou um olhar nervoso com Hermione, perguntando com os lábios: “O que vocês estão fazendo aqui?”, ao que a garota apenas fez um gesto indicando “depois”.

McGonagall cruzou os dedos e pousou o queixo sobre eles, encarando um a um na sala; Gina, sentada à sua frente, e os outros três, de pé, um em cada canto do ambiente. Ela encarou Harry um pouco mais prolongadamente do que os outros, mas depois não lhe dirigiu mais nenhum olhar.

- Professora, a senhora não viu o que aconteceu lá, Malfoy...

- Sr. Weasley, eu não preciso que o senhor me explique o que eu já sei. – a professora interrompeu Rony de maneira brusca. – Não foi preciso ver toda a cena para imaginar o que aconteceu ali.

Rony se calou. Hermione suspirou profundamente. Harry tinha os olhos fundos.

- Eu fiquei muito decepcionada com vocês dois. – ela prosseguiu, lançando um olhar duro para Rony e Hermione; esta abaixou a cabeça, envergonhada. – Como monitores-chefes, deveriam ter contornado melhor a situação, na ausência de um professor. Pensei que pudesse confiar mais em vocês.- Não foi culpa deles. – Harry disse num ímpeto que surpreendeu Gina, Rony e Hermione. Ele pareceu respirar mais fundo quando eles o encararam e, incrivelmente, preferiu olhar para McGonagall ao invés de para qualquer um deles. – Quando nós chegamos, já estava uma enorme confusão... – a professora o encarava com um olhar significativo, mas Harry não desistiu. – E também não é culpa de Gina, provavelmente... Malfoy a provocou e...

- Talvez seja melhor o senhor se calar, Sr. Potter. – a professora disse num tom de aviso, novamente com o olhar significativo. – Ou também pode levar uma detenção... – completou.

Parecia que havia algo mais naquelas palavras, mas Gina não soube identificar o que era ao certo.

- Detenção?! – Rony repetiu indignado. – Mas, professora...

- Sim, Sr. Weasley, detenção. – a professora sentenciou. – E antes que eu me esqueça, o senhor e a Srta. Granger perderão vinte pontos por não terem agido como monitores-chefes.Rony soltou um som abafado, mas acabou não dizendo nada. Hermione estava muda, com a cabeça baixa. Harry parecia frustrado.

- Eu pensei em excluí-la do time de quadribol, Srta. Weasley...

- EXCLUÍ-LA?! – Harry e Rony repetiram em uníssono. Gina permaneceu paralisada, sem palavras. – Professora, a senhora não pode fazer isso! – era Harry que protestava. Harry?

- Sim, Sr. Potter. – a professora respondeu com um olhar muito feio para o garoto, que se calou novamente. – Mas eu mudei de idéia. – ela continuou num tom casual, como estivessem apenas tomando chá. – E resolvi lhe aplicar uma detenção após a final de quadribol, Srta. Weasley. – ela completou, virando-se para uma Gina atordoada. – Dessa maneira, se a Grifinória for campeã, a senhorita perderá a comemoração.

Gina escorregou um pouco na cadeira. Aquilo era muito melhor do que perder o jogo propriamente dito, mas... também não era nada bom. No entanto, ela estava tão derrotada que não conseguiria dizer mais nada, nem para protestar.

- Mas isso é injusto, professora! – Rony protestou por ela.

McGonagall se levantou imperiosamente e abriu a porta, encarando os garotos incrédulos.

- Injusto é eu estar aqui, Sr. Weasley, perdendo meu tempo com vocês. A nossa conversa acabou.




- Eu não acredito! Eu não acredito! Não acredito mesmo!

- Rony, você já pode parar de repetir isso. Nós entendemos a mensagem. – Gina respondeu com a voz carregada de sarcasmo.

Hermione continuou encarando melancolicamente o chão enquanto caminhavam lentamente após a saída da sala da Profª. McGonagall. Ela estava decepcionada... Como Hermione pôde permitir que isso acontecesse?

Ela olhou Harry de esguelha; ele estava mais silencioso do que de costume. Hermione trocaria vários galeões pelo pensamento dele sem pestanejar.

- Foi uma injustiça, isso sim! – Rony continuou a protestar, indignado. – Ela não podia ter castigado a gente desse jeito! Foi culpa daquele projeto de gente do Malfoy! – subitamente, ele se virou para Harry. – E você, hein? Como conseguiu sair de lá ileso? Nem um pontinho você perdeu! É até estranho nós três aqui termos perdido tantos pontos e você, o recordista de encrencas, sair da sala da mulher sem um arranhão...

Gina fungou como se estivesse achando aquilo muito idiota. Hermione levantou os olhos do chão finalmente.

- Ela não tinha porquê castigar Harry. – disse, prestando atenção nele. – Se ainda fosse em outros tempos e ele tivesse perdido a cabeça com Malfoy...

Harry preferiu continuar em silêncio; seus olhos estavam esguios.

- Você nem pra dizer nada lá dentro, não é, Hermione? – Rony acusou. – Com certeza você estava do lado da McGonagall!

- E eu iria dizer o quê, Rony? – a garota retrucou revoltada. – Que nós estávamos certos em atacar Malfoy?

- Ele é um babaca, merece isso e...

- Será que você não enxerga um palmo na frente do nariz? Não passou pela sua mente brilhante que o motivo da McGonagall estar tão nervosa é porque humilhar Malfoy, nas circunstâncias em que vivemos, é arriscado?Harry finalmente olhou para Hermione, mas sua expressão facial era um mistério. Gina estava prestando atenção na conversa, mesmo que ainda muito nervosa.

Rony, após alguns segundos de incredulidade, gargalhou como se Hermione tivesse acabado de contar uma piada muito engraçada.

- Essa é muito boa mesmo! O Malfoy, perigoso? Estamos falando da mesma pessoa, Hermione? Aquele lá é estúpido demais para fazer alguma coisa além de inventar formas de nos perturbar a paciência!

Ela bufou, não acreditando no quão ingênuo Rony poderia ser às vezes.

- O pai dele é um Comensal da Morte fugitivo de Azkaban. E Malfoy tem dezessete anos, já é maior de idade para os bruxos. Ele pode muito bem já ser um Comensal iniciado, infiltrado em Hogwarts. Seria muito útil para Voldemort, não acha?

Harry respirou um pouco mais fundo, mas continuou no mais completo silêncio. Rony ficou sem argumentos e virou o rosto, procurando não encarar Hermione; foi então que ele bateu o rosto numa enorme mancha preta na saia de Gina.

- O quê você andou fazendo com sua roupa?

Gina lhe lançou um olhar medonho.

- Tente adivinhar com a sua inteligência superior, Roniquinho!

E, após bufar longamente, foi embora apressada e batendo os pés com raiva. Harry a observou por vários instantes, com o olhar perdido.

- O que deu nela? – Rony perguntou abobado.

- Ah, você pode tentar deduzir isso também, Rony... – Hermione retrucou sarcasticamente.

- Já chega! – Harry exclamou cansado. – Vocês dois fazem qualquer um subir pelas paredes, sabiam?

Rony arregalou os olhos de surpresa. Hermione teve um estalo na mente.

Será?



“Ah, sai daqui... Eu não quero mais saber disso, já cumpri minha obrigação com você... Não, não vou. Eu quero ter paz!”

- Com quem você está falando, Luna?

Luna levou um susto tão grande, que sentiu seu coração disparar dentro do peito. Ela tinha vindo se esconder naquela estufa de Herbologia justamente para ninguém descobrir o que tinha vindo fazer.

- Ne-neville? – gaguejou nervosa; até onde ele poderia ter escutado? – O que você está fazendo aqui?

Ele parecia confuso. Olhou para todos os lados na estufa vazia, a não ser pelas variedades de plantas mágicas, como se procurasse por alguém.

- Não tinha alguém aqui com você? Parecia que você estava falando com alguém...

- Não, eu não estava falando com ninguém. – Luna retrucou apressadamente. Podia vê-lo atrás de Neville, olhando para ela, esperando... – Por que você veio aqui?

- Estava falando sozinha? – Neville franziu as sobrancelhas com um ar divertido. Luna deu de ombros vagamente, rezando para que ele mudasse logo de assunto. – Ah, eu vi você saindo do meio daquela confusão no castelo e resolvi te procurar... Você parecia estranha...

- Você já deveria estar acostumado com isso. – ela retrucou distraída. Ele não iria embora daquela vez. – Seria diferente se eu não estivesse estranha, não é?

Neville riu pelo nariz, encarando-a com um sorriso. Ainda bem que ele não tinha notado nada...

- Eu fiquei preocupado com o que aconteceu. – Neville disse, observando um vaso com uma planta feia e gosmenta com atenção. – Quer dizer, Gina se descontrolou de verdade. Isso pode ser ruim para ela...

- Ela vai tomar uma bela duma detenção, mas mesmo assim foi legal o que ela fez. – Luna retrucou distraída.

- Legal? Eu não tenho certeza... – ele permaneceu em silêncio por alguns instantes. – Ela anda muito estranha e não é de hoje. Aliás, ela, o Rony, a Hermione e o Harry...

Ele continuava observando-a. Luna decidiu tomar uma atitude drástica.

- Você quer mesmo saber o que aconteceu com eles, Neville?

O garoto se virou para ela espantado. Luna respirou com dificuldade.

Mas ele não foi embora.

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