O fim da profecia



Nota da autora: Primeiro, gente, MIL DESCULPAS pela demora. Aconteceram tantas coisas na minha vida pessoal, e eu acabei deixando minha fic de lado... Realmente sinto muito. Estou postando o penúltimo capítulo! O último e o epílogo já estão feitos, apenas aguardando betagem. Por isso, não demorarei muito a postar depois desse. Muito obrigada mesmo pelos comentários e, mais uma vez, mil desculpas pela demora! Beijos!




Mas agora... o que vou fazer com você?
Sentia o frio na espinha, à medida que aquelas mãos asquerosas tocavam sua pele machucada, apertando-lhe as feridas, enterrando as unhas em sua carne frágil.
Onde está o Potter agora, hein?
Aquele hálito quente, próximo aos seus lábios, não queria, não queria... Onde ele estava agora que não ali, protegendo-a?
Tem que ser algo que te marque para sempre...
As mãos chegavam aos seus seios, rasgavam suas vestes, machucavam-na... Não, não...
Será que ele esqueceu de você?
Por que ele tinha mentido tanto para ela? Por que não estava ali?
Algo que você nunca esqueça...
Preferia morrer... Matá-la seria mais caridoso que aquilo...
Talvez esteja longe... morrendo...
Morrendo... morrendo... Ele estava morrendo...
Ele está aqui, comigo, e só vai morrer se eu...
Ele está... ele está...
- Morto. – Gina ofegou assim que abriu os olhos, assustada, sentindo o suor escorrer por seu corpo cansado assim que se sentou na cama, todo o seu corpo tremendo de terror. – Morto... morto... – ela repetiu aos sussurros, enlouquecida, tentando assimilar aquelas palavras. Ainda não conseguia acreditar naquela realidade tão estranha. – Ele está morto. Harry... o meu Harry...
Sua cabeça parecia que estava prestes a explodir. Ela a inclinou, escondendo-a entre os joelhos. Os lençóis estavam encharcados de suor. Seu corpo ainda tremia por inteiro ao lembrar das cenas daquele pesadelo.
Que fora real.
Não saberia dizer por quanto tempo permaneceu naquela posição, movendo o corpo suavemente para frente e para trás, tentando apagar de sua memória aqueles momentos. Tinha vontade de gritar, de chorar, mas o quarto estava silencioso, escuro, e suas colegas dormiam tranqüilamente em suas camas, sem imaginar o horror que Gina sentia. Tinha voltado aquela sensação de sujeira, de imundice, de seu corpo manchado por aquelas mãos nojentas de Draco Malfoy.
E Harry não estava ali. Nem jamais estaria novamente.
Precisava sair dali. Precisava se limpar. Ergueu a cabeça, observando o quarto em meio a uma névoa escura. Arrastou-se sobre os lençóis úmidos, até encostar os pés descalços no chão frio de pedra. Não se preocupou em procurar sapatos, muito menos um roupão para cobrir seu corpo, vestido apenas com uma camisola colada a ele pelo suor. Apoiou uma das mãos no criado mudo e levantou-se. O mundo girou, suas pernas bambearam, e ela perdeu o equilíbrio; sua mão escorregou pelo criado mudo, derrubando vários objetos que estavam ali. Um vidro de perfume tombou e quebrou, ao mesmo tempo que alguns cacos se enterravam na carne de seus dedos trêmulos. O líquido escorreu, molhando sua mão, ardendo profundamente.
- Que barulheira é essa? – alguém reclamou do outro lado do quarto.
- Ah, vá dormir!
Gina tentou permanecer de pé, apoiando-se ainda ao móvel, esperando que sua cabeça encontrasse o eixo para que ela pudesse andar. Sentia-se enjoada. Mordeu os lábios, tentando se concentrar em ficar de pé e, segurando-se nas paredes e nos batentes das camas, ela conseguiu se arrastar para fora do dormitório.
Encostou-se à parede de pedra por alguns segundos, esperando a cabeça deixar de girar. Ainda deveria ser madrugada alta, pois era possível até ouvir o som do vento noturno balançando as copas das árvores. Não havia um só ruído no castelo. Esperou. Após alguns minutos, apoiando-se às paredes, caminhou lentamente até encontrar o banheiro no final do corredor.
A claridade do lugar ofuscou seus olhos acostumados à escuridão. Gina caminhou até a pia, ergueu os olhos e enxergou seu próprio reflexo no espelho grande da parede. Seu rosto estava ligeiramente inchado, pálido, os olhos vermelhos, cheios de olheiras à sua volta. Os cabelos estavam presos e desgrenhados. Ela passou as mãos por seu rosto, sentindo-os sujos, como todo o resto de seu corpo cansado. Sem pensar duas vezes, ela caminhou até um boxe e entrou debaixo do chuveiro gelado, de roupa e tudo.
Sentia a água fria bater em sua cabeça e depois escorrer por todo seu corpo. Não era a primeira vez que Gina fazia aquilo; tentava, desesperadamente, levar junto com aquela água, além das impurezas de seu corpo, todas as lembranças daquela noite horrível. Porém, no fundo, sabia muito bem que aquilo era impossível.
Não sabia ao certo o que tinha acontecido a Draco Malfoy após aquela noite. Tinha ouvido falar que alguns Comensais da Morte tinham sido levados a Azkaban depois da queda de Voldemort, e parecia que ele estava entre eles. Mas não era muito certo que permaneceriam lá. Havia um rumor de que os comensais planejassem se vingar pela morte de seu mestre, e a comunidade mágica ainda temia que alguém tentasse “substituir” Voldemort. Gina rezava para que Draco Malfoy sumisse do mapa para sempre; tudo o que menos queria na vida era revê-lo. Melhor seria se ele morresse.
Gina ficou por muito tempo debaixo da água. Esfregou-se tanto, tentando tirar uma sujeira que, na realidade, não existia, que quando saiu do chuveiro, sua pele estava quase tão avermelhada quanto seus cabelos. Ping, ping. Ouvia a água pingar de seu corpo e bater no chão, ecoando no banheiro silencioso. Não tinha trazido toalha. Caminhou novamente até o espelho e se viu, encharcada, da cabeça aos pés. Seus cabelos tinham se soltado e caíam ao redor de seus ombros. Fechou os olhos e lembrou daquelas mãos horríveis, passeando os dedos por seus cabelos, puxando-os, arrancando-os violentamente. Sentiu um arrepio desagradável na espinha. Abriu os olhos.
Sobre a pia, estavam espalhados alguns objetos de suas colegas. Deviam ter esquecido ali quando vieram tomar banho mais cedo. No meio dos objetos, havia uma tesoura; Gina se lembrou que Romilda Vane estava aparando as pontas de seu cabelo no dia anterior. Ela olhou de volta para sua imagem no espelho e passou as mãos pelos cabelos molhados.
As cenas embaralhavam-se em sua mente. Alisou os cabelos. Eles estavam sujos. Aquelas mãos arrancando-os. Puxou-os com força. Engoliu em seco. Seu estômago revirava. Tateou a pia. Seus dedos encontraram a tesoura. Segurou os cabelos com tamanha força, que eles pareciam estar prestes a se desmanchar em seus dedos. Abriu as pás da tesoura. Seus olhos continuaram fechados.
Os braços de Harry a envolveram, quentes e confortadores. Ela sentiu quando sua cabeça encostou-se ao peito dele e quando ele tocou o alto dos seus cabelos com os dedos.
Clec.

A tesoura escorregou de sua mão e caiu com estrondo no chão. Ao mesmo tempo, Gina caía de joelhos no chão frio, os muito fechados, tentando impedir que as lágrimas caíssem, mas ela já estava soluçando descontrolada. Não tinha conseguido. Não tinha coragem...
...para enfrentar aquela realidade.
Harry estava morto. E Gina jamais o veria novamente.




Hermione apertou o nó de seu lenço distraidamente. Estava começando a pegar aquela mania. Só se deu conta de que estava fazendo isso – de novo – porque estava encarando seu reflexo no banheiro feminino do segundo andar do castelo.
Talvez para animá-la, Rony disse que aquilo tinha virado um charme seu. Mas a verdade é que aquele lenço – e mais alguns outros que Hermione tinha comprado – apenas tentavam esconder o feio vergão que tinha ficado em seu pescoço depois que Rabicho o apertou com sua mão de prata. Mas aquilo era tolice.
Pensou em Rony. Ele andava muito calado desde que Harry se fora. E isso já fazia mais de duas semanas. Duas semanas... já tinha passado tudo isso. Hermione mal podia acreditar. Ainda era difícil crer que Harry, o seu amigo Harry, não estava mais ali. Ele jamais estaria novamente presente, nem sua risada, seu ocasional mau humor, sua teimosia, suas preocupações, ou o modo como ele fazia piada junto de Rony por Hermione estudar tanto...
E ele não iria voltar...
Hermione respirou fundo. Pensou em Rony novamente. Estava preocupada com ele. Desde que Harry morrera, ele não tinha extravasado nenhuma emoção, não tinha chorado, gritado, ou qualquer coisa que o valha. Apenas tinha ficado lá, calado, todo esse tempo. E Hermione sabia que ele estava sentindo a falta do amigo – e muito. Ainda mais porque ele sabia de tudo, muito antes que acontecesse. Hermione ainda não sabia toda a história, apenas o que tinha deduzido naquela manhã em que vira Harry pela última vez, quando notou que Rony sabia que aquilo era uma despedida. No entanto, ainda não tivera coragem de falar com Rony a respeito, e até preferira esperar que ele falasse sozinho, quando se sentisse à vontade para isso. Mas Hermione sabia que guardar tudo aquilo deveria estar matando-o.
Ela apertou o nó mais uma vez, decidida a procurá-lo para conversar e tentar fazer com que se abrisse com ela. Saiu do banheiro num ímpeto, mas mal andou alguns metros e esbarrou com alguém bem mais alto que ela.
- Você está bem, Hermione? – perguntou uma voz doce e cansada.
A garota ergueu os olhos e viu o Prof. Lupin à sua frente. Estava muito abatido, com enormes olheiras ao redor dos olhos – além dos recentes acontecimentos, a fase da Lua Cheia tinha terminado há apenas dois dias. Ele colocou as mãos nos ombros da garota, solícito.
- Tudo bem, professor. – ela sorriu fracamente. – Não se preocupe. Eu que estava distraída, desculpe-me...
- Não, não, eu também estava. – ele meneou a cabeça e então fitou a garota, pensativo, como se quisesse dizer alguma coisa, mas não estivesse certo do que ia falar. – Hum... e como vocês estão?
Hermione percebeu que ele se referia a ela, Rony e Gina.
- Ah, bem, professor. – ela respondeu sem sinceridade. Então fitou o bruxo novamente, incerta. – Quer dizer... Gina não parece nada bem. Está sempre com os olhos vermelhos, não chora na nossa frente, mas ela não está lidando nada bem com tudo isso... Ela é forte, mas parece que dessa vez foi demais. E Rony... Rony não diz nada, fica sempre tentando animar a irmã e a mim, e não demonstra o que está se passando com ele... Mas eu sei que está sentindo muito a falta de Harry, e fico tão preocupada... Eu estava mesmo indo mesmo procurá-lo, para tentar conversar...
Lupin aumentou o aperto nos ombros de Hermione, tentando confortá-la.
- Vocês são fortes. Vão conseguir superar isso. Tenho certeza de que Harry gostaria que vocês seguissem com suas vidas se estivesse aqui...
Hermione assentiu e disse que precisava sair para procurar Rony. Quando ela já estava indo embora, o bruxo a chamou de volta. Ela se virou. Lupin parecia ligeiramente hesitante.
- Hermione... Você poderia fazer um favor para mim? – ele explicou tudo para ela. – Acho que já é a hora de vocês verem isso...
Alguns minutos depois, ela estava entrando pela passagem do quadro da Mulher Gorda. Sabia que Gina deveria estar no dormitório feminino, então falaria com ela antes e depois procuraria Rony. Talvez até fosse ao quarto dele e pegasse o antigo Mapa do Maroto de Harry, para encontrá-lo mais fácil. No entanto, qual não foi sua surpresa ao dar de cara com Rony assim que adentrou o Salão Comunal da Grifinória.
Ele estava sentado à mesa que ele, Hermione e Harry costumavam ocupar quando estudavam ali, e acariciava distraidamente a coruja de Harry, Edwiges. Não havia mais ninguém na sala além dele. Edwiges piava tristemente à medida que Rony a acariciava; tinha perdido várias penas e mesmo que Rony e Hermione a tivessem levado mais de uma vez até Hagrid para ser cuidada, ainda assim a coruja parecia estar definhando aos poucos. Era óbvio que sentia, assim como eles, a falta de seu dono.
Rony, por sua vez, parecia tão imerso em seus próprios pensamentos, que não reparou a presença de Hermione. Ela, então, aproximou-se dele silenciosamente e sentou-se em uma cadeira ao seu lado, chamando-o de mansinho pelo nome. Rony se voltou para ela sem se abalar, e a garota se perguntou se ele realmente não tinha notado sua presença quando entrou.
- Hey, Mione. – ele disse tranqüilo, bem baixinho. Rony não era mais o mesmo; parecia ter amadurecido pelo menos dez anos desde os últimos dias. – Estava começando a me perguntar por onde você andava.
- Ah, eu... estava resolvendo aqueles assuntos sobre meu emprego com a Profª McGonagall... – ela comentou sem o entusiasmo que teria se estivessem em outros tempos. – Ainda estou um pouco indecisa, você sabe, mas ela realmente insistiu, e eu...
- Eu acho que você deveria aceitar. – disse Rony prontamente, voltando-se novamente para Edwiges, mas sem tirar a atenção de Hermione. – Você é ótima nessa matéria, Hermione, sempre foi. – ele riu. – Mas em que matéria você não é boa, não é?
A garota corou. Rony era uma pessoa difícil de elogiá-la e, talvez por isso, quando o fazia, tinha o condão de deixá-la extremamente sem graça.
- Quando estávamos no primeiro ano, – ele prosseguiu com um sorriso saudoso – eu e Harry costumávamos chamá-la de “Mini-McGonagall”. Você lembra?
- Lembro... Vocês me contaram. Isso quando não falavam na minha cara mesmo!
Rony riu baixinho e parou por um momento de acariciar Edwiges, abaixando os olhos, pensativo. Hermione pensou em falar de Harry, mas achou melhor esperar. Rony respirou fundo.
- Mas então... Você se daria muito bem como professora de Transfiguração, Mione. – ele mudou de assunto depressa, como fazia sempre que a conversa se voltava para Harry. – Se a própria McGonagall pediu isso, é porque confia em você e acha que pode dar conta.
- Mas eu não sei, quer dizer, eu sou muito nova ainda, tenho tanto a aprender, nunca vou conseguir ser como ela...
- Eu tenho certeza que você consegue.
Hermione corou novamente, desconcertada, sem saber o que dizer depois disso. Rony voltou a acariciar Edwiges, sem parecer perceber que tinha deixado a garota sem graça. Depois de algum tempo, Hermione encontrou outro assunto.
- Ela parece tão abatida ainda... Nem com as ervas que Hagrid receitou ela parece ter melhorado...
- Verdade. – Rony disse, e parou abruptamente de acariciar a coruja. – Mas nós dois sabemos que não vai adiantar nada... Ela não está doente, está...
- Está triste. – Hermione completou. Parecia que Rony também tinha percebido que tinham voltado ao assunto, e não poderiam fugir novamente, pois ele tentava não fitar Hermione nos olhos. – Ela sente a falta de Harry, e não há erva ou remédio que resolva isso.
Eles ficaram em silêncio novamente por vários minutos. Hermione esperou. Depois de muito tempo, Rony apoiou os cotovelos na mesa e escondeu o rosto nas mãos, arqueando as costas. Hermione o observou sem saber o que fazer ou o que dizer para confortá-lo. Depois de um tempo, levou a mão, hesitante, ao seu ombro esquerdo, e sentiu que ele estava soluçando baixinho.
- Oh, Rony...
- Ele era meu melhor amigo...
- Eu sei, Rony... – Hermione sussurrou, atordoada, sem saber como agir. Percebeu que lágrimas grossas escorriam pelo rosto de Rony, lágrimas que ele tentava ainda ocultar sem sucesso. Todas as lágrimas que ele tinha tentado evitar por todos aqueles dias. – Ele... ele...
- E eu não pude fazer nada! – ele gritou, arrancando os cabelos. – Eu sabia há tanto tempo e não pude fazer nada! E agora ele se foi pra sempre!
Agora que tinha chegado a hora, Hermione não sabia o que dizer. Sua vontade era chorar junto a Rony, mas sabia que tinha que ajudá-lo, e chorar de nada adiantaria para fazê-lo se sentir melhor. Então, sem conseguir pensar em mais nada, ela apenas envolveu-o num abraço forte e pendeu a cabeça em seu ombro, sentindo seu corpo tremer por inteiro devido aos soluços desesperados. Por muito tempo, – Hermione não soube precisar quanto – Rony continuou ali, chorando tudo o que não tinha desabafado desde que descobrira o que estava por acontecer.
- Eu sabia, Hermione! – ele exclamou, erguendo-se e fitando-a nos olhos com desespero. Seu rosto e seus olhos estavam quase tão vermelhos quanto os cabelos. – Eu não fiz nada, eu poderia ter evitado, tinha que ter feito qualquer coisa que o ajudasse, ele poderia estar aqui, agora, com a gente, não poderia? Eu tinha que ter feito alguma coisa, eu fui um idiota, eu...
- Rony... – Hermione ofegou, acariciando seu rosto lavado pelas lágrimas. – Não havia nada que você pudesse fazer, não é sua culpa... Era o destino dele, Harry sabia que isso poderia acontecer desde que ouviu aquela maldita profecia no quinto ano, não é? Ele não iria descansar enquanto não acabasse com Voldemort, mesmo que isso custasse sua vida...
- Ele sabia que isso ia acontecer! E eu também sabia, Hermione!
Ele parou de falar e apenas a encarou fundo nos olhos. Hermione permaneceu em silêncio. Rony respirou fundo. Ela percebeu que ele iria contar tudo que ele e Harry não compartilharam com ela. Rony abaixou os olhos.
- Eu sabia... Eu vi.
Olhando para ele, parecia que um filme estava passando por sua cabeça. Houve mais alguns minutos de silêncio antes que Rony prosseguisse.
- Foi no nosso sexto ano. – ele começou num sussurro rouco. – Você lembra como Harry estava naquela época, ele quase não contava mais nada para a gente, depois que Sirius morreu... Quase não falava mais, quase não ria... E ainda tinha aquela maldita profecia que ele tirou do Departamento de Mistérios, aquela noite. Nós não sabíamos, mas isso também estava acabando com ele...
- Eu sei... – Hermione murmurou. – Ele mudou muito depois de tudo aquilo, eu e você realmente comentávamos se ele não estaria escondendo algo da gente, lembra?
Rony assentiu.
- E estava. – ele falou um pouco mais alto. – Ele não queria que ninguém soubesse isso. Nem mesmo Dumbledore.
Ele respirou fundo, seus olhos perdidos num ponto distante, parecendo estar se lembrando.
- Isso foi num dia após o treino de quadribol. – Rony disse. – A Trelawney e o Firenze já dividiam as aulas nessa época, depois que Umbridge saiu e Dumbledore reassumiu o comando. Eu, ele e Gina estávamos voltando do treino, você estava na Sala Comunal, fazendo o meu dever de Poções para o Snape. Quando estávamos subindo, Firenze apareceu do nada e disse que precisava falar com Harry, a sós. Não deu para entender porquê, já que não tínhamos mais aula com ele. Eu e Gina continuamos...
“Eu encontrei você aqui na Sala Comunal, e você queria que eu terminasse o dever, mas eu disse que precisava tomar um banho, mais para escapar de você e do dever, do que para ficar limpo mesmo. Fui para o dormitório, não tinha ninguém lá. Tomei banho, mas... Mas quando eu estava saindo, ouvi uma porta batendo. Pensei que deveria mesmo ser o Harry e já ia sair para perguntar o que Firenze queria, mas ele estava gritando sozinho, jogando coisas no chão... Abri uma fresta da porta e comecei a espiar, sem entender o que estava acontecendo. Não sei porquê não saí e fui conversar com ele. Talvez tenha pensado que ele não iria me contar se eu saísse. Ele quebrou um monte de coisa, revirou o malão como se quisesse encontrar alguma coisa. Repetia todo o tempo que aquilo não estava certo, que não podia acontecer, que não era justo, que tinha que haver outra maneira...”
“Até que ele parou. Sentou na beirada da cama, com o que parecia ser um livro nas mãos. Ele virou algumas páginas... passou o dedo nelas. Disse qualquer coisa de que eu e você não podíamos saber. Ele chorou; eu não lembrava de tê-lo visto chorar, nem quando Sirius morreu. E então ele disse, como se repetisse palavras que não eram dele ‘Aquele que foi marcado como seu igual não poderá sobreviver se destruir o outro, pois esgotará o que tem de mais sagrado.’”
“Ele jogou o livro na parede, enxugando o rosto com as mãos, e gritou ‘Não importa o que essa maldita profecia diga, eu não vou morrer!’”
- E ele saiu porta afora... Eu continuei lá, Hermione. Tive medo que ele voltasse e percebesse que eu estava ali escutando o tempo todo. Não sei por quanto tempo apenas fiquei ali, com o ouvido na porta, esperando que ele voltasse a qualquer momento. Mas Harry não voltou. Então, bem devagar, eu saí dali, e me aproximei de onde ele estava quando quebrou as coisas, sem tocá-las.
“Sentei na beirada da cama dele e apanhei, do chão, o livro que ele estava mexendo... Não era um livro, era o álbum de fotografias dele, o que o Hagrid tinha dado de presente pra ele... Havia fotos dos pais dele lá, de Sirius... E havia fotos nossas também. Ele estava aberto em uma foto que estávamos nós três, Mione, pequenos... Acho que aquela foto foi do segundo ano, na época que Colin Creevey tirava fotos que nem doido do Harry... Estávamos nós três ali...”
- E agora só sobramos eu e você... – ele finalizou, fitando Hermione com os olhos molhados. – Ele não está mais aqui... E eu sempre soube que esse dia chegaria...
Hermione também sentiu os olhos arderem pelas lágrimas prestes a serem derramadas. Então era isso; existia uma outra profecia, a última, que dizia que Harry padeceria no final para derrotar Voldemort. E a profecia se cumpriu.
- E você guardou isso tudo sozinho, Rony? – ela perguntou com a voz rouca. – Nem Harry...?
- Não. – Rony disse amargamente. – Nem Harry sabia, muito menos ele poderia saber... Tudo o que ele menos queria era que nós descobríssemos o seu segredo, para ele, isso o faria se sentir ainda pior, então eu jamais comentei isso com ele... E espero que entenda, Hermione, porque eu também não lhe disse nada. Seria como traí-lo, e, além disso... você também não precisava saber antes de tudo para sofrer pelo que não tinha jeito...
Houve um minuto de silêncio muito longo, no qual ambos estavam perdidos em seus próprios pensamentos. Hermione imaginou a pressão que Rony sentia, por tanto tempo, guardando esse segredo consigo, impotente, sabendo que mais cedo ou mais tarde, seu melhor amigo morreria – não “Harry Potter”, o “Menino-que-sobreviveu” ou qualquer outro título que ele tivesse – mas sim o seu melhor amigo...
- E então ele começou a se aproximar da Gina... – Rony disse mais tarde, de súbito, sua voz distante como se lembrasse. – Agora eu vejo que não deveria ter agido daquela maneira... Mas eu ficava pensando, quer dizer, como ela ficaria depois que ele fosse embora? Eu sabia que ela já tinha gostado dele, e se eles tivessem algo, como é que ela ficaria? E eu ficava implicando com ele por isso... Eu deveria era ter aproveitado melhor esse tempo com ele... e deixado os dois em paz. Era algo pelo que todos nós teríamos que passar. E a Gina... ela está sofrendo porque o amava. E vale a pena sofrer por amor.
Hermione levou uma das mãos delicadamente ao rosto de Rony, e ele a fitou com olhos tranqüilos. Aquele era o seu Rony sim, mas, ao mesmo tempo, ele era outro Rony também. Ele tinha mudado. Todos eles tinham. E, agora, tudo seria diferente.
- Só sobramos nós dois, Rony... – Hermione murmurou. – Mas você tem a mim, e eu tenho a você. E eu tenho certeza que Harry pensaria como eu que isso já é maravilhoso.
Rony sorriu sinceramente, como não fazia há muito tempo.




Estava silêncio. Muito, muito longe, havia apenas os sons abafados de gente aproveitando o final do semestre nos jardins, conversando, rindo, tomando sol na beira do lago, sentados nos gramados, todos felizes. Ninguém parecia se importar muito com o que tinha acontecido. Estavam felizes porque o semestre tinha terminado, porque tinham passado nos exames... porque Lord Voldemort fora embora para sempre... mas ninguém parecia realmente se importar que, para tanto, outras pessoas tivessem ido embora também...
Ninguém parecia se importar que Harry Potter tivesse morrido para que Voldemort também desaparecesse.
Para Gina, aquilo tudo lá fora era barulheira inútil e irritante, e ela não conseguia imaginar que ainda – pelo menos naquele momento – fosse possível que ela, algum dia, riria e comemoraria por qualquer coisa.
Seus cabelos, ainda longos, caíam molhados sobre o travesseiro. Não se dera ao trabalho de secá-los; sua mãe ralharia por ela, pois podia pegar um resfriado e mais um monte de bobagens, mas Gina não queria pensar no que a mãe diria. Não queria pensar ou fazer nada naquele momento. Só queria ficar ali, deitada em sua cama, sozinha, observando o céu azul e brilhante pela janela, sem realmente enxergá-lo.
Ficou ali por muito tempo até que ouviu a porta abrir devagarzinho com um clique da fechadura. Pensando que fosse apenas uma de suas colegas de quarto que veio buscar alguma coisa, Gina se encolheu mais um pouco na cama, respirando silenciosamente para que não percebesse sua presença ali e a deixasse em paz o mais rápido possível. A cama de dossel estava envolta em cortinas fechadas; somente o lado que dava para a janela tinha um pouco da cortina aberta, para que pudesse observar o céu por ali. Ouviu um novo clique e, pensando que fosse a porta sendo fechada pela pessoa que foi embora, ela relaxou; porém, quando menos esperava, alguém escancarou as cortinas, produzindo um som metálico e de tecido arrastado ao fazê-lo, deixando que toda a claridade invadisse os olhos de Gina.
A garota praguejou alto, sentando-se num susto na cama e olhando feio para a pessoa que tinha acabado de aparecer. O sol iluminava os cabelos cheios e castanhos de Hermione; ela usava um lenço cor de champagne em volta do pescoço, certamente para esconder o feio vergão que tinha restado ali depois que a mão prateada de Rabicho a tocou.
Hermione tinha, ao mesmo tempo, um olhar de sentida pena e de dura severidade, se isso era possível. Gina, por sua vez, estava lívida.
- Hermione, saia daqui. Eu quero ficar sozinha. – ela disse ríspida, sem meias palavras.
Não adiantou. Hermione continuou ali parada, encarando Gina sem piscar. Suspirou profundamente, murmurando pacientemente:
- Você não pode ficar aí deitada a vida toda, Gina.
- E por que não? – Gina respondeu grosseiramente. – Eu sou dona da minha vida, posso fazer o que quiser, posso me embebedar, dormir o dia todo, ficar deitada para sempre nessa cama ou me jogar pela janela! E eu quero que me deixe em paz, Hermione!
- Não fale besteira! – Hermione gritou rispidamente, colocando as mãos na cintura, numa imitação muito clara da mãe de Gina, o que a irritou ainda mais. – Você acha que Harry gostaria de te ouvir dizer uma tolice dessas?
- Ninguém sabe o que Harry queria ou deixaria de querer, porque ele não está mais aqui! – Gina alteou ainda mais a voz. – Porque ele está morto!
Hermione bufou, meneando a cabeça de um lado para o outro. Sem permissão, sentou-se na beirada da cama de Gina, sem tirar os olhos dela. A garota desviou o olhar, pois não queria ter que ficar agüentando aquele brilho de censura nos olhos de Hermione.
- Você está agindo como uma criança mimada, Gina. Você não é assim.
Gina bufou também.
- Ora, está sendo difícil agir de outra maneira agora, Hermione. Sinto muito se eu não sou forte e perfeita como você. O problema é todo meu, e não seu.
- Eu não quis dizer isso, você está torcendo minhas palavras.
- Então por que você simplesmente não me deixa sozinha aqui com minha grosseria e vai embora, que era o que eu queria desde o início?
- É isso que você quer? Afastar todos os que gostam de você?
- Eu estou sozinha!
- Não era somente Harry que te amava no mundo!
Gina parou de falar. Doía muito ter que ouvir aquilo. Que Harry a amava. Não a ama mais. Amava, no passado. Porque agora ele não estava mais ali para amá-la. Ela continuava o amando, sozinha...
Virou o rosto para Hermione não ver que seus olhos estavam úmidos e mordeu firme os lábios para que não tremessem. Houve um certo silêncio por algum tempo.
- Gina, eu sei que você está sofrendo muito. Mas você não acha que todos nós também estamos?
Como Gina não respondeu, Hermione prosseguiu falando.
- Você não está preocupada com o seu irmão também? Por duas semanas, Rony só fez consolar a mim e a você, sem dizer ou pedir nada, sem chorar, e ele era o melhor amigo de Harry, como você acha que ele está se sentindo?
- Eu sei, eu estou preocupada com ele também... – Gina sussurrou timidamente.
- Eu sei que está. Mas você está tão imersa em sua própria dor, que nem consegue demonstrar isso. Você passou duas semanas inteiras trancada nesse quarto, sem falar com ninguém, sem comer direito, sem sair, sem levantar... Gina, você e Harry se amavam – Gina fechou os olhos, que tremiam por segurar as lágrimas – “se amavam” , Hermione disse – e é claro que você está sofrendo demais, mas você tem que continuar vivendo... Tenho certeza de que era isso que Harry queria, que ele não queria que você se entregasse assim...
“Eu vou me sentir horrível se você for infeliz por minha causa. Por favor, eu quero ser a sua melhor lembrança, e não o seu pior sofrimento... Você vai me prometer, Gina, não vai?”
- Eu sei... – Gina sussurrou, encostando a nuca na cabeceira da cama. – Ele me pediu, ele disse... Mas, eu não sei... Está sendo tão difícil... Eu não sei se vou conseguir fazer o que ele me pediu, se eu sou forte o suficiente...
- É claro que é, Gina. A maior prova de força que conseguimos dar é demonstrar que sentimos dor. – Hermione disse compreensivamente. – Mas o que não se pode fazer é se entregar a essa dor... Você sempre vai sentir a falta dele, Gina, mas vai ter que continuar a viver mesmo assim... É o que ele queria, não?
Gina assentiu, lembrando de cada palavra de Harry naquela despedida. E ela tinha prometido.
Hermione alcançou a mão de Gina que estava largada na cama e a apertou. Gina ergueu os olhos para ela e sorriu fracamente.
- Desculpe por gritar com você, Hermione.
A garota meneou a cabeça, sorrindo carinhosamente.
- Eu não seria sua amiga se não a compreendesse por isso.
Gina apertou a mão dela também. Hermione, por sua vez, apertou a mão de Gina com ambas suas mãos e respirou fundo para falar o que queria.
- Eu vim aqui para ver como você estava e por mais uma coisa.
- O quê?
- Encontrei o Professor Lupin mais cedo. – Hermione começou. – E ele me pediu que chamasse você e o Rony para encontrá-lo na antiga sala de Dumbledore. Tem uma coisa que o Harry pediu que ele mostrasse para a gente.




Os corredores do castelo de Hogwarts estavam quase totalmente desertos e silenciosos, exceto por seus quadros falantes e um fantasma ou outro que vagava, atravessando as paredes tranqüilamente. Parecia que todos os alunos estavam lá fora, aproveitando o belo dia de sol que fazia, sentados à beira do lago sobre os jardins. Nick Quase Sem Cabeça flutuou à frente deles, no sexto andar, sem perceber a presença dos garotos, de tão distraído que estava. Isso fez Rony pensar, por alguns instantes, o que acontecia quando as pessoas morriam, e o porquê de algumas virarem fantasmas e outras não. O que acontecia a essas que não se transformaram em fantasmas? De repente, as maluquices que Luna Lovegood costumava falar pareciam começar a fazer algum sentido.
Hermione, Gina e Rony caminhavam juntos, sem falarem entre si, perdidos em seus próprios pensamentos. Estavam dirigindo-se à antiga sala de Dumbledore que, agora, pertencia a Minerva McGonagall. Porém, não seria ela quem eles encontrariam lá. Lupin os tinha convocado para uma reunião com ele, a pedido de Harry, antes de morrer. Rony não conseguia supor o que Lupin poderia mostrar a eles sobre Harry que desconhecessem. Se bem que, nos últimos tempos, descobrira muita coisa sobre seu amigo que jamais poderia imaginar...
Pararam em frente ao gárgula de pedra, e Hermione disse a senha que Lupin a informara mais cedo. Ainda era uma daquelas de Dumbledore, com nomes de doces, os mais estranhos possíveis. O gárgula girou, abrindo a passagem, e eles entraram. Gina soltou um pigarro impaciente. Tinha mesmo sido um grande feito de Hermione tirá-la do quarto. Rony fitou a irmã, pensativo; imaginou se, algum dia, ela voltaria a ser aquela garota alegre e descontraída que era antes de tudo que tinha acontecido. Não tinha certeza se isso poderia acontecer.
Foi Hermione também quem bateu à porta; de lá de dentro, veio uma voz conhecida e abafada, pedindo que entrassem. Era, de certa maneira, desconfortável adentrar aquela sala e não ter ali a presença de Dumbledore. Assim que entrou e viu todos os objetos delicados e os quadros dos antigos diretores, veio na cabeça de Rony que aquela sala não lhe remitia exatamente a momentos agradáveis. A última vez que estivera ali fora quando seu pai, Arthur Weasley, fora atacado por uma cobra gigantesca, e Harry tinha visto tudo acontecer enquanto dormia. A aflição daqueles momentos, esperando notícias de seu pai, sem saber se ele estava vivo ou morto, jamais se apagariam da memória de Rony.
Lupin os esperava, sentado na cadeira de visitas, à frente da antiga mesa de Dumbledore, parecendo mais velho e cansado do que nunca, mesmo sendo um homem jovem. Porém, ele ainda assim sorriu amavelmente quando viu os garotos. Ele tamborilava os dedos em uma vasilha de prata, que Rony sabia muito bem o que era, mas não imaginava o porquê de estar ali. Lupin ficou de pé e pediu que encostassem a porta atrás de si.
- Vejo que conseguiu convencê-los a acompanharem-na, Hermione. – ele os cumprimentou sorrindo. – Era mesmo muito importante que vocês três viessem.
- Não foi fácil, professor. – Hermione disse, olhando de esguelha para Gina, que cruzou os braços, aborrecida. – Mas todos nós queremos muito saber o que Harry tinha a nos dizer.
- Ainda não entendo o que Harry queria tanto que o senhor nos falasse, professor. – Gina comentou mal humorada. Lupin a fitou condolescente. – Por que ele pediu que o senhor falasse, ao invés de falar conosco pessoalmente?
Lupin suspirou, parecendo escolher as palavras com o máximo de cuidado.
- Penso, Gina, que ele na realidade não teve tempo para mostrar a vocês tudo o que precisavam ver...
Foi então que Rony, ainda calado todo esse tempo, observou novamente a Penseira que estava sobre a mesa de Dumbledore, e teve uma idéia que não fazia muito sentido. Ele percebeu que Lupin captou seu olhar e, dirigindo-se a ele, perguntou:
- Harry queria nos mostrar lembranças dele?
Lupin sorriu tristemente, aquiescendo. Hermione e Gina olharam pasmas de Rony para Lupin.
- Mas ele... ele guardou essas lembranças... para nós?
- Sim, Hermione. – Lupin assentiu, compreensivo. – Ele guardou cuidadosamente todas as lembranças que achava que precisava compartilhar com vocês... – ele mostrou alguns frasquinhos cheios de uma substância prateada, nem líquida, nem sólida. – ...e me pediu, naquela conversa que teve comigo antes de morrer, que as mostrasse para vocês.
Houve um momento de silêncio, no qual eles apenas tentavam digerir aquela informação. Lupin os esperou pacientemente, até que Gina se pronunciou primeiro:
- Ele tinha que ter mostrado isso para nós, diretamente. – ela argumentou nervosa. – E não ficar passando recados pelo senhor!
Lupin respirou fundo, pigarreando baixinho.
- Já foi muito difícil para Harry encará-los novamente depois de tudo que aconteceu. – o professor disse com brandura. – Penso que mostrar isso a vocês seria ainda mais difícil, porém, acredito que, se ele ainda estivesse aqui, não recuaria. Harry enfrentaria a situação e mostraria tudo a vocês, não importasse o quanto fosse difícil encará-los depois disso.
Gina se calou, seu corpo tremendo como se um arrepio passasse por sua espinha. Rony achava que conseguia compreender o que sentia a irmã; era duro ouvir aquelas palavras sobre Harry, ouvir que ele não estava mais ali para falar com eles, para qualquer coisa. E ouvir as pessoas falando isso só tornava tudo mais real.
- Por isso, tenho certeza que Harry preparou tudo contando que já não pudesse estar mais aqui em algum momento e, ainda assim, vocês, as pessoas com quem ele mais se importava no mundo, pudessem entender tudo o que aconteceu nesses últimos tempos.
Houve mais um minuto de silêncio, no qual eles sentiam o peso daquelas palavras. Harry parecia ter planejado tudo aquilo realmente com muita cautela; ele já sabia exatamente o que iria acontecer e, tendo consciência de que iria morrer e não poderia explicar tudo para os amigos, ele tomou o cuidado de guardar suas lembranças mais importantes, para que elas pudessem explicar tudo por si mesmas.
Lupin contornou a mesa de Dumbledore e ficou de frente aos garotos, com a Penseira entre eles. Ele apanhou um dos frasquinhos sobre a mesa e, mostrando-os a Rony, Hermione e Gina, perguntou:
- Estão prontos? Eu penso que esta... – ele falou lentamente, balançando um pouco o frasquinho. – ...deva ser a primeira lembrança a assistirem. Harry me deixou instruções de quais mostrar, e em qual ordem deveriam ser reveladas.
Rony e Hermione se entreolharam, tão chocados com aquela revelação, que pareciam não saber, ambos, o que dizer ou fazer naquela situação. Gina, por sua vez, respirou fundo e, pigarreando para chamar atenção para si, disse imperativa:
- Então vamos logo acabar com isso. Que seja como ele queria.
Lupin, então, desfez o conteúdo do frasquinho dentro da Penseira. A substância começou a se mover em movimentos lentos dentro do recipiente, soltando uma espécie de vapor. Foi Gina que se aproximou primeiro; ela respirou fundo, fechando os olhos por um momento, e mergulhou dentro da Penseira. Hermione, depois de um olhar rápido e significativo para Rony, perguntou a Lupin:
- O senhor não vem?
O professor meneou a cabeça.
- Harry pediu que apenas vocês vissem as lembranças.
Hermione assentiu, fitou a lembrança por alguns instantes e, então, mergulhou na substância, decidida. Rony, por último, aproximou-se do objeto e, encarando Lupin, disse:
- Não tenho certeza se quero ver tudo isso.
Lupin respirou fundo.
- Posso lhe garantir que esta... – ele apontou para a Penseira. – ...foi uma das conversas mais desagradáveis da minha vida. – foi então que Rony percebeu, surpreso, lágrimas saltando aos olhos de Lupin. – Sabe, Rony... Quando nós conversamos... ele me chamou de “Aluado”. Eu nem me lembrava mais como era ser chamado assim... Por um momento, eu achei que estivesse vendo Tiago ali... falando comigo... E no momento seguinte... assim como o meu amigo, o pai dele, Harry também não estava mais ali... nem jamais estará.
Rony sentiu um nó na garganta e não conseguiu mais fitar o bruxo; portanto, voltou-se ao conteúdo da Penseira. Lembrou-se da última conversa que teve com Harry, e de seus olhos se despedindo. Quando eles apertaram as mãos e se abraçaram, sabendo que seria a última vez...
- Rony? – Lupin o despertou amavelmente, parecendo compreendê-lo. O rapaz assentiu e, respirando fundo, mergulhou na Penseira, seguindo Hermione e Gina.
Quando os pés de Rony tocaram o chão, ele viu que estava de volta ao Hospital St. Mungus, mais precisamente ao quarto que Harry ocupou depois da batalha contra Voldemort. Hermione e Gina já estavam ali, observando Harry deitado na cama; ele estava de olhos fechados, parecendo dormir. Rony observou o amigo por alguns instantes; sabia que aquilo era apenas uma lembrança, mas sentiu um aperto no peito – era como se Harry tivesse retornado à vida, como se novamente ele estivesse ali, vivo, com eles. Rony teve vontade de caminhar até ele e chamá-lo, mas a parte racional dentro dele dizia que Harry não o escutaria. Harry jamais falaria com ele novamente.
Foi então que eles ouviram o ruído de um trinco, e a porta do quarto se abriu. Por ela, entrou o Professor Lupin, e os três garotos sabiam que eles mesmos estavam do outro lado da porta, imaginando porquê Harry preferira falar com Lupin, antes de falar com eles.
Remo Lupin sentiu a porta ser fechada atrás de si pela curandeira do hospital, e os ruídos lá fora ficaram abafados; ali dentro só havia um silêncio incômodo.
Os olhos do homem procuraram Harry; o rapaz estava deitado na cama, sob vários lençóis, respirando devagar. Ele estava com a cabeça virada para o lado oposto a Lupin que, por alguns instantes, permaneceu em silêncio, apenas observando o rapaz. Parecia que por sua mente passavam vários pensamentos indecifráveis. Depois de um tempo, Harry virou o rosto e abriu os olhos vermelhos e cansados, que encontraram instantaneamente seu professor.
Harry sorriu. Mas aquilo parecia doer.
- Que bom que você veio...
Lupin pareceu engolir em seco e forçou um sorriso de volta.
- E por que eu não viria, Harry? – ele perguntou, aproximando-se do rapaz e puxando uma cadeira, onde se sentou, sem tirar os olhos de Harry.
Ele permaneceu deitado, em silêncio por alguns instantes, apenas observando profundamente o bruxo à sua frente. Então, riu baixinho, porém sinceramente.
- Não sei. Nessas horas a gente pensa cada bobagem, não?
- Nessas horas como, Harry? – Lupin repetiu intrigado.
- Deixa pra lá, professor. – Harry disse, meneando a cabeça, mas sem muito poder de convencimento em suas palavras. – Eu não o chamei aqui pra ficar me lamentando.
Parecia que Lupin ia dizer algo, mas se calou perante a tentativa de Harry se sentar sozinho. Era uma imagem triste. O rapaz forçou as mãos trêmulas para baixo no colchão, fazendo uma força incrível, numa atitude tão rotineira. Sua respiração se tornou mais rápida e parecia que ele estava perdendo o fôlego. Lupin se adiantou para ajudá-lo, instintivamente, porém Harry o deteve apenas com um gesto da mão direita e um olhar sereno. Queria fazer aquilo sozinho. Sem a ajuda de ninguém.
- Orgulhoso até o fim, não? – Hermione comentou baixinho.
Finalmente, após muito mais tempo do que o normal, Harry conseguiu sentar-se, ofegante. Ele também não permitiu que Lupin ajeitasse os travesseiros às suas costas. Quando finalmente retomou o fôlego, virou-se para o professor, dizendo:
- Desculpe-me por isso. Mas eu não me sentiria confortável se me ajudasse.
Lupin não respondeu. Parecia não ter palavras para tanto.
- Bem, professor... – Harry começou sério. –...serei sincero com você. Essa conversa que teremos agora... era para eu dizer essas coisas ao Prof. Dumbledore, mas... bem, isso não é mais possível.
- Tudo bem, Harry.
Ele olhou bem fundo nos olhos de Lupin agora.
- Certas coisas, talvez, eu deveria ter dito a ele antes. Muito antes. Mas, mesmo que ele fosse tão forte, às vezes, eu temia dizer certas coisas, pois parecia que ele poderia, sei lá, “desmontar”... Você entende?
Lupin sorriu tristemente.
- Eu sei. Também tinha essa impressão algumas vezes, mas Dumbledore foi o homem mais forte que eu conheci.
- Não tenho dúvidas disso. – Harry respondeu no mesmo tom de respeito do bruxo. – Talvez eu tenha sido o fraco por não ter coragem de dizer essas palavras em voz alta a ele, e assim, torná-las reais.
Fez-se silêncio por alguns instantes.
- O que você quer me dizer, Harry? – Lupin perguntou com um certo receio.
- Primeiro você vai me prometer, pela consideração que tem comigo, e pela amizade que tinha com meus pais e Sirius, que não vai se revoltar ou discutir comigo a respeito desse assunto. Ele está encerrado, e não há mais nada que se possa fazer para mudar o rumo que as coisas tomaram. Você promete?
- Harry, você está me assustando...
- Apenas prometa. – Harry replicou calmamente, como se aquilo fosse a coisa mais simples do mundo.
Silêncio novamente. Lupin ainda não parecia muito certo quando disse:
- Tudo bem, Harry. Agora fale.
- Você, é claro, sabia tudo sobre o plano que eu e Dumbledore tínhamos a respeito de Voldemort...
- Sim, eu e Snape o confrontamos aquele dia, nas masmorras, Harry.
Harry assentiu, e completou:
- Inacreditável logo você ter-se juntado àquele desgraçado do Snape.
- Harry...
- Não me corrija, por favor. Já não basta que o Professor Dumbledore fazia isso. Eu quero ter a alegria de dizer que Snape – e não “Professor Snape” – é mesmo um canalha filho da mãe.
Lupin deu um sorrisinho no canto dos lábios.
- Falando assim, você me lembra tanto seu pai, e Sirius também...
Harry fez uma pausa, sorrindo tristemente.
- Eu queria tanto que eles estivessem aqui... – Harry disse dolorido. – Você sabe que o chamei aqui também por eles, não? Você foi o único que restou. Falar com você é como se um pouquinho deles estivesse aqui presente...
Lupin abaixou os olhos. Parecia que aquela conversa estava sendo difícil também para ele.
- Eu gostaria de vê-los... será que eu consigo? – Harry divagou, mais para si mesmo que para Lupin. – A Luna diz que sim...
Lupin arregalou os olhos; parecia não gostar nada do rumo que aquela conversa estava levando.
- Harry...? Do quê você está...?
O rapaz meneou a cabeça, afastando o assunto.
- Bem... – Harry continuou, retomando o seu tom firme anterior. – Nós tínhamos esse plano. E acho que você também sabe muito bem a respeito daquela profecia feita por Sibila Trelawney, dezessete anos atrás, não?
- Eu sei a respeito sim, Harry. Mas onde você quer chegar com isso?
- O que você não sabe – e nem Dumbledore sabia – é que havia mais uma profecia. Que só eu ouvi.
Lupin respirou fundo, prestando atenção, em silêncio.
- Não importa agora que você saiba o que ela dizia. O que importa é que ela me deu duas escolhas – eu poderia derrotar Voldemort como fiz ou... ou poderia seguir minha vida. As duas escolhas tinham um preço. E eu só tinha uma maneira de derrotá-lo. Agora você já sabe qual foi minha escolha.
- Que maneira era essa, Harry? E que preço você vai ter que pagar?
- O jeito era prender Voldemort em um lugar que ele jamais pudesse sair. Junto com a magia que ele ignorou quando tentou me matar, dezesseis anos atrás. E o preço... o preço é morrer junto com ele.
Lupin estava paralisado. Parecia não acreditar. Ele ficou olhando para Harry, estático, quase como se esperasse (ou quisesse) que ele dissesse “Te peguei, primeiro de abril!”. Mas Harry permaneceu em silêncio, impassível.
- O-o... o que você está dizendo, Harry?
- Eu estou dizendo que Voldemort não morreu. Ele está aqui, comigo, e só vai embora quando eu também morrer.
- Então isso quer dizer...? Bem, isso quer dizer que ele ainda vai demorar para...
- Eu acho que você não me entendeu, professor. Eu vou morrer junto com Voldemort. E só então nós vamos nos separar, definitivamente.
- Mas não agora! – Lupin exclamou um pouco mais alto, ligeiramente transtornado.
Harry suspirou profundamente, desviando o olhar do homem à sua frente. Parecia que as coisas estavam se desenrolando exatamente como ele temia. Lupin se ergueu da cadeira, andando de um lado para outro no quarto, mexendo nos cabelos com nervosismo. Harry permaneceu em silêncio, talvez porque estivesse cansado demais para discutir com Lupin naquele momento.
- Eu não vou aceitar isso, Harry! – o bruxo disse algum tempo depois. Ele olhou para Harry, esperando uma resposta, mas o rapaz nada disse. – Isso... isso é loucura! Seu pai ou Sirius também jamais aceitariam uma insanidade dessas! Muito menos Dumbledore! Essa profecia está errada, e, além disso, não se precisa fazer o que uma profecia diz, Trelawney deveria estar... – ele engoliu o que ia dizer; sempre o polido Professor Lupin. – não sei, transtornada quando disse isso, não é verdade, deve haver algum jeito de...
Ele voltou a andar de um lado para outro, falando sem parar, muito diferente do calmo Remo Lupin que conheciam; Harry continuou com o olhar perdido, talvez esperando que o bruxo terminasse de falar.
- Sim, sim. Deve haver. Nós vamos descobrir, Harry, eu mesmo vou falar com os outros, talvez uma contra-maldição, um feitiço ou uma poção...
- Professor...
- É, é isso, eu vou pesquisar! – por um momento, Rony se lembrou dos planos malucos que ele, Harry e Hermione faziam para resolver as coisas; e Hermione sempre se comportava assim com Harry, dizendo que “iria pesquisar” e, aí, tudo se resolveria. Só que nem sempre era assim... – Sim, Harry, você vai ver, isso não vai acabar assim, não pode, é...
- Lupin... eu...
- Talvez Snape saiba. Ou McGonagall. Sim, ela é fantástica com encantamentos... ah, se ao menos Dumbledore estivesse aqui, tudo estaria resolvido num pis...
- Aluado! – Harry gritou enérgico. Lupin paralisou instantaneamente. – Você vai acabar cavando um buraco no chão se continuar fazendo isso, dá pra parar? Estou ficando tonto.
Novo silêncio. Lupin apenas ficou olhando para Harry, chocado, como se visse outra pessoa ali em seu lugar. Rony se lembrou das palavras dele: “Ele me chamou de ‘Aluado’. Eu nem me lembrava mais como era ser chamado assim... Por um momento, eu achei que estivesse vendo Tiago ali... falando comigo”.
Harry respirou fundo.
- Passou um minuto pela sua cabeça que eu aceitei isso tranqüilamente? Passou pela sua cabeça que eu também não fui procurar saber se não havia outra alternativa, você não acha que eu fiz de tudo pra achar outra maneira de derrotar Voldemort?
- Mas... mas você tinha que nos ter procurado, Harry! Dumbledore, você tinha que ter falando com ele e...
- Eu acabei de lhe dizer que não queria contar a ele! – Harry exclamou duramente.
- Mas você tinha que ter contado! – Lupin também se alterou. – Ele iria lhe dar uma resposta!
- Ele iria me impedir de fazer o que eu tinha que fazer! Como ele quase fez outras vezes, ele não me contou sobre a primeira profecia porque queria me proteger, o que faria se soubesse disso?! – Harry se ergueu um pouco mais na cama, mas o movimento pareceu causar-lhe uma imensa dor, e ele voltou à outra posição, acalmando-se um pouco. – Dumbledore começou a se preocupar mais comigo do que com a situação. Ele mesmo me disse isso. E eu não podia deixar de fazer isso, por isso eu não contei! Eu teria que me afastar de Dumbledore para fazê-lo, de todos, e eu não podia nem queria isso! Por isso, eu preferi fazer as coisas sozinho. Era um assunto meu, afinal, e eu teria que seguir sozinho mais cedo ou mais tarde.
Lupin parecia sem palavras para responder. Desanimado e sem mais argumentos, ele apenas disse:
- Dumbledore o amava muito mais do que como um aluno. Eu diria que como a filho, Harry.
- Eu sei... – o rapaz sussurrou. – Por isso mesmo, eu quis poupá-lo. Mas, acho que, no final, ele já estava sentindo o que iria acontecer...
Lupin largou os braços ao redor do corpo, suspirando. Parecia que finalmente ele tinha sido abatido pelo peso das palavras de Harry.
- Então... eu simplesmente terei que aceitar isso?
- Você prometeu. – Harry disse calmamente. – O assunto já está encerrado e não há mais nada que se possa fazer a respeito.
Lupin levou a mão à cabeça, derrotado. Ele caminhou até a janela, ficando de costas para Harry por alguns minutos. O rapaz apenas esperou. Lupin parecia estar digerindo aquilo, que provavelmente ainda era inacreditável e inaceitável para ele. Ele tamborilou os dedos pelo parapeito da janela, até que se virou novamente para Harry, caminhou até a cadeira que estava ao lado de sua cama e sentou-se, como se preparado para começar tudo novamente. Harry apenas o acompanhou com os olhos, sem dizer palavra alguma.
- Por que você me chamou aqui, Harry?
- Porque eu precisava de alguém que entendesse tudo isso e... – ele engoliu em seco. – porque quero lhe pedir um favor.
- Que favor?




“Ele ainda está aqui, Gina. Ninguém sabe para onde Ele foi, mas eu sei. Porque Ele está aqui, comigo, e só vai morrer se eu...”
Gina fechou os olhos com dor. Agora entendia realmente o que Harry queria dizer com aquelas palavras. Ele fora capaz de morrer para derrotar Voldemort, fora capaz de deixar as pessoas que amava para isso... Gina não queria, não podia aceitar aquilo, era demais para ela.
Mas, conhecendo Harry, ela sabia que essa era a única atitude que ele tomaria. Ele não descansaria enquanto não terminasse de cumprir seu dever. Ele não conseguiria viver se Voldemort também estivesse vivendo.
Assim como dizia aquela profecia horrível...
“Ele está aqui, posso sentir. Ele fala comigo, Ele quer sair, mas eu não vou permitir. É aqui que acaba, é assim que eu e Ele vamos terminar o que começamos dezessete anos atrás.”
Eles tinham retornado à sala de Dumbledore. Rony parecia tão abalado, que não conseguia formar uma frase completa. Lupin, por sua vez, apenas os esperava, observando-os com os olhos úmidos. Hermione respirou fundo e disse:
- Ele... no final de tudo... – ela parecia engasgada. – O senhor tem certeza, o senhor sabe nos dizer se ele, depois de... se ele conseguiu se livrar de Voldemort depois de morrer? – ela mordia os lábios, reprimindo as lágrimas. – Ou ele ainda está sofrendo?
Rony ergueu os olhos para ela, abatido. Gina sentiu o mesmo medo que, sabia, Hermione e seu irmão também sentiam; estaria Harry, mesmo depois de tudo, ainda sofrendo por causa de Voldemort? Como ele estaria agora? Isto é, se realmente acontecia algo às pessoas depois que elas se morriam, se Luna estaria certa...
- Eu sinto muito, Hermione. – Lupin admitiu derrotado. – Eu também não sei. Gostaria muito de ter uma resposta, mas, assim como vocês, também apenas imagino o que possa ter acontecido. Mesmo achando que temos tanto poder, nós, bruxos, ainda não temos certeza sobre o que acontece após a morte. Tudo o que podemos fazer é imaginar... E eu espero que tudo tenha terminado, e Harry esteja em paz, como ele me disse que ficaria depois que...
Ele não conseguiu terminar a frase. Virou o rosto, procurando outros frascos de lembranças, parecendo mais concentrado em não olhar para os garotos do que qualquer outra coisa. Eles apenas esperaram; depois de algum tempo, Lupin despejou o conteúdo de mais um frasco na Penseira, convidando-os a adentrá-la novamente.
- Ainda há muito para vocês verem... – ele disse.
Gina se recordava da próxima lembrança, pois ela mesma estava presente nela. Harry e ela estavam na ala hospitalar de Hogwarts, após o incidente no jogo de quadribol, quando todos pensaram que Harry, após bater novamente a cabeça, tivesse perdido a memória mais uma vez. Mas agora eles sabiam que Harry jamais tinha perdido a memória, e que toda a preocupação que tiveram aquele dia foram em vão...
- Vou fazer esse esforço. – Gina se viu dizendo a Harry; ela sabia que ele tinha acabado de convidá-la para ir com ele ao baile. Harry sorriu, e Gina acariciou seu rosto. – Claro que vou com você.
Gina respirou fundo; lembrava como, naquele dia, ela e Harry tinham feito as pazes após seu desentendimento. Lembrava como ele tinha dito que se recordava dela, de quando se beijaram pela primeira vez, de quando tinham visitado a cachoeira, do que tinha acontecido na antiga sala do A.D., de como Harry tinha dito que a amava...
Um barulho assustou o casal na Penseira. Instintivamente, Rony, Hermione e Gina olharam para a porta, ouvindo, ao mesmo tempo, a outra Gina dizer:
- Será que é o Malfoy?
- Não. – Harry murmurou. – Escute.
Alguém se aproximava lá fora. Gina sabia que eram Dumbledore e a Profª McGonagall.
- Não podem te ver aqui. – Harry sussurrou com urgência. As vozes lá fora se tornavam mais altas. – Vamos, se esconda!
Eles observaram Harry jogar a Capa de Invisibilidade para Gina, que se cobriu e se atirou debaixo da cama. Eles não podiam mais vê-la. Harry, por sua vez, deitou-se na cama rapidamente, mas permaneceu com um dos olhos entreabertos, espiando. Dumbledore e a professora entraram, parando por um momento próximos à cama onde estava Draco Malfoy. Gina notou que, após ver Dumbledore e McGonagall, Harry fechou os olhos, fingindo que dormia.
- Será que ele já acordou, Dumbledore? – era a voz preocupada da professora. – Malfoy ainda está dormindo...
- E vai dormir por muito tempo ainda. – o diretor respondeu. – Falei com Madame Pomfrey, e ela ministrou uma excelente poção do sono para ele.
Eles voltaram a andar, conversando e se aproximando da cama de Harry.
- Alvo! Eu não sabia disso.
- Se ele acordasse em um momento inoportuno, seria perigoso, Minerva. – Dumbledore explicou tranqüilamente. – Ele poderia ouvir algo que não desejamos. Você sabe a quem ele se reporta.
- Malfoy já era um comensal. – Rony comentou por comentar. – Filho da mãe.
- Sim, é claro... – o dois bruxos continuavam a conversar, alheios aos garotos. - Lúcio Malfoy soube por ele e passou a informação a Você-Sabe-Quem, você me contou.
- Malfoy descobriu que Harry tinha... “perdido a memória” – disse Gina com amargura, lembrando-se que fora através da discussão entre Harry e Draco Malfoy que ela finalmente descobriu o quanto tinha sido enganada. – ou melhor, Harry fez com que ele percebesse. Foi dessa maneira que Lúcio Malfoy soube de tudo e passou, em seguida, a informação a Voldemort.
Hermione e Rony se entreolharam após a fala de Gina, pasmos.
- Prefiro que o chame pelo nome, Minerva. Voldemort, se não se importa.
Eles pararam ao lado da cama. Foi, então, que Harry abriu os olhos, revelando aos dois que estava muito bem acordado. Dumbledore, surpreso, quase disse algo, mas, prudente, calou-se. A Profª McGonagall soltou uma exclamação abafada, recuando um passo, assustada. Por meio de sinais, Harry os recomendou que permanecessem calados quanto à sua presença, e apontou para debaixo da cama, claramente indicando que havia alguém ali escondido. Gina boquiabriu-se; ele tinha revelado sua presença! Os joelhos da professora se dobraram ligeiramente, e ela quase olhou debaixo da cama, mas se deteve.
- Ele ainda está dormindo. – Dumbledore sussurrou, num tom totalmente diferente. Ele acenava para Harry silenciosamente com um meneio da cabeça. – Vamos, Minerva, podemos voltar mais tarde.
Harry suspirou, aliviado, e voltou a fechar os olhos, fingindo que estava dormindo; não para os professores, e sim para Gina, que reapareceria em breve debaixo da cama.
A lembrança se desfez. Hermione e Rony fitaram Gina, que os encarou de volta, dizendo:
- É, eu sei. Ele nos enganou direitinho, não? – havia novamente uma certa amargura em sua voz. – Acho que ele não queria que eu ouvisse demais.
- Gina... - Hermione começou, mas logo eles estavam em uma nova lembrança. Eles estavam no mesmo lugar, porém, pela luz que incidia pela janela, parecia ser um pouco mais tarde da madrugada. Estavam na sala Harry e Dumbledore.
Harry ainda permanecia naquela mesma posição, deitado de lado, os olhos verdes perdidos numa imensidão além do que se poderia imaginar. Dumbledore, sentado ao seu lado na cama, observava-o com evidente tristeza nos olhos azuis claros.
Quando falou, a voz de Harry soou fraca, frouxa e com emoção profunda.
- Professor... – Dumbledore piscou por trás dos óculos de meia-lua; não havia mais aquele brilho característico no azul de seus olhos. – Depois que eles descobrirem tudo, quando for inevitável que eles descubram...
- Seus amigos vão lhe perdoar, Harry. – Dumbledore disse rapidamente. – Eles entenderão que o que você fez...
- Se eu morrer...
- NÃO DIGA ISSO! – Dumbledore exclamou subitamente, um brilho austero surgindo em seus olhos, como se ele pudesse controlar aquilo, como se pudesse proibir que Harry morresse... – Isso... não vai acontecer.
Porém, ele não parecia tão certo disso.
- Se eu morrer... – Harry repetiu, insistindo no assunto, seus olhos mais fundos do que nunca. Dumbledore respirou fundo. – Por favor... por favor, professor... – a voz dele era um mero sussurro; Dumbledore respirou ainda mais profundamente. – Diga a eles... diga a eles... que eles foram a melhor parte da minha vida... – uma lágrima solitária correu por seu rosto inexpressivo. – Diga a eles... que meus melhores momentos foram perto deles... que a amizade deles foi a melhor coisa que pôde me acontecer... que eles foram a família que eu não tive e que... – houve um silêncio quase palpável. - ... que eu os amo.
Outra lágrima escorreu pelo rosto de Harry. Ele fechou os olhos, por um momento, para depois voltar a abri-los.
- Acho... que eu nunca tinha dito isso... Eu sou tão estupidamente orgulhoso que nunca consegui dizer ás pessoas o quanto eu as amava. E então... quando eu me dou conta disso... é tarde demais.




Hermione teve o cuidado de se virar e enxugar discretamente suas lágrimas assim que eles retornaram à antiga sala de Dumbledore. Estava sendo muito difícil ver aquelas lembranças; era como se Harry tivesse retornado, mas ela sabia – ele não estava mais ali, nem jamais estaria. Ela não conseguia parar de pensar no que teria acontecido com Harry; nunca fora crédula, desde pequena sempre pensara que vida após a morte era apenas uma crendice, porém, agora, ela desejava que seu amigo ainda existisse, em algum lugar, e que onde quer que fosse, ele estivesse bem e feliz.
Lupin depositou mais lembranças na Penseira, pedindo que eles as acompanhassem. Hermione observou Rony e Gina; para eles, aquilo também parecia extremamente difícil.
Hermione se lembrava muito bem da próxima recordação.
- Professor, nós precisamos falar com o senhor! – a outra Hermione dizia aflita. – É urgente, nós...
Dumbledore lançou um olhar rápido para Harry, que estava mais atrás dos outros três. Agora ela entendia; Hermione reparou no olhar discreto que Harry dirigiu ao diretor – um olhar significativo, um leve movimento de cabeça de um lado para outro, claramente indicando “não”. Era como se os dois apenas se entendessem pelo olhar. Hermione nunca notaria essas coisas se já não soubesse a verdade.
- Eu sinto muito, Srta. Granger, mas não vou poder falar com vocês agora... – o diretor interrompeu Hermione, cuja expressão era desolada. – Eu estou muito ocupado.
Com um aceno de cabeça, Dumbledore se despediu, deixando os garotos, mais uma vez, sem conseguir dizer o que queriam.
Agora Hermione compreendia... Naquele dia, Harry tinha avisado Dumbledore para que não os escutassem – e provavelmente tinha sido assim todas as outras vezes também. Tudo era meticulosamente planejado entre os dois.
A lembrança mudou...
- Dobby repete, “Winky serve Professor Dumbledore agora”, mas Winky não esquece o amo antigo dela, Winky não esquece, não.
Gina, Rony e Hermione estavam na sala comunal da Grifinória. Era noite alta já, e eles discutiam a respeito do pesadelo que Harry tivera na sala do A.D., no qual ele falara como Voldemort. Dobby tinha aparecido para fazer a limpeza diária, porém parecia muito distraído, como se estivesse nervoso por alguma coisa. No momento, o Rony da Penseira impedia que ele derrubasse uma garrafa vazia de cerveja amanteigada. A outra Hermione perguntou:
- Dobby, você... Você está sentindo falta do Harry esse ano?
Dobby parou de limpar por um instante, tenso e, quando voltou a fazê-lo, esfregava o pano de um lado para outro, no mesmo lugar, jogando pedaços de doces no chão sem querer.
- Dobby não tem visto Harry Potter, não tem visto meu senhor, oh, não, senhorita. – ele disse com a voz aguda, e só agora Hermione notava que suas mãozinhas tremiam para não se bater e se denunciar; Dobby estava mentindo. Ela notou, também, que Rony, mais próximo a escada dos dormitórios masculinos, desviou sua atenção da cena e começou a observar algo ali. Ele fez um gesto para Hermione e Gina, que o acompanharam; porém, não havia nada ali, a não ser Bichento, que descia os degraus com leveza e ronronava, assim como fazia aos pés de Hermione... – Dobby sente falta, ah, sim, Dobby sente muita falta do senhor Harry Potter, Harry Potter é muito bom para Dobby, mas Dobby sabe que Harry Potter não pode conversar com Dobby, sim, Harry Potter sempre está muito ocupado...
Foi então que eles viram. Houve um estrondo na escadaria dos dormitórios masculinos, e Bichento miou alto. Um sapato tinha pisado no seu rabo de escovinha, e ele, naturalmente, miou em protesto, correndo para a sala comunal e pulando para o colo da outra Gina. O dono do sapato, no meio da confusão, desequilibrou-se e caiu para trás; uma parte da Capa de Invisibilidade escorregou, revelando um Harry assustado, que rapidamente se cobriu novamente.
Ele estava ali, ouvindo-os, todo o tempo...
- Gato maluco... – o outro Rony resmungou lá atrás.




Eles estavam agora em um lugar que também conheciam muito bem; havia objetos enormes e poltronas em que cabiam pelo menos duas pessoas grandes. Vestígios de animais mágicos, como pêlos de unicórnio e lascas de tronquilhos estavam por toda a parte. A cabana do Hagrid.
- E se você contasse a eles, Harry? – eles ouviram a voz retumbante de Hagrid, num tom lento e triste. – Não se sentiria melhor? Aliviaria um pouco o que você está sentindo...
Harry e Hagrid estavam sentados à mesa do professor, conversando enquanto tomavam chá; Harry, em uma caneca comum, e Hagrid, em uma do tamanho de um balde. Harry parecia deprimido; ele tomou um grande gole de chá antes de responder:
- Não posso, Hagrid. – a chuva lá fora fazia um barulho forte contra as janelas. – Já ficou grande demais, eles ficariam furiosos comigo. E o pior, eles se arriscariam por minha causa, eu não quero mais isso. Não quero ninguém mais morrendo por minha causa, muito menos meus melhores amigos.
- Um dia eles terão que saber, Harry. – Hagrid argumentou, sério. – E eu não acho que escondendo a verdade, você os está protegendo. Eu conheço vocês desde que eram crianças, e nem Rony, Hermione ou Gina desistirão de você só porque você não quer que eles se machuquem. Eles vão com você até o fim, eu tenho certeza.
Harry largou a caneca e levou as mãos à cabeça, desolado. Com as mãos cobrindo o rosto, ele disse com a voz abafada:
- Eu só não quero... sentir o mesmo vazio que eu senti quando Sirius morreu... eu não sei se vou agüentar perder mais alguém que eu amo... desse jeito.
Houve um intervalo de silêncio, no qual Hagrid suspirou, com um olhar piedoso para o rapaz sentado à sua frente. Então, ali, Hagrid já sabia de tudo, Gina refletiu, observando-os. Não sabia mais o que pensar ou o que achar.
Foi nesse momento que eles ouviram batidas insistentes na porta, confundindo-se em meio á chuva forte. Harry levantou a cabeça, assustado e confuso, enquanto Hagrid fazia um gesto para que ele esperasse em silêncio enquanto ele verificava quem era à porta. Ele apanhou uma arma grande de caça, a mesma com a qual, certa vez, há muito tempo, atendera Harry e Rony à sua porta. Rony se lembrava muito bem do terror que tinha sido aquela noite; ele e Harry tinham ido visitar Aragogue, uma acromântula, ou seja, tudo que Rony mais detestava no mundo – uma aranha gigante.
- Quem é? – Hagrid perguntou rígido.
- Luna Lovegood. – uma voz monótona e sonhadora respondeu. – Posso entrar?
Hagrid trocou um olhar confuso com Harry, que rapidamente se escondeu debaixo da sua capa de invisibilidade. Aquilo era maluquice, o que Luna estaria fazendo naquela chuva, visitando Hagrid? O meio-gigante abriu a porta, ainda atordoado, e deu de cara com uma Luna completamente encharcada pela chuva, fitando-o com atenção através daqueles olhos protuberantes.
- Olá, professor. – ela disse seriamente, o que não combinava exatamente com o seu perfil. – O senhor se importa que eu o incomode por alguns minutos?
- Não, imagine. – Hagrid respondeu atrapalhado, fechando a porta atrás dela. – Você vai pegar um resfriado desse jeito, menina! Quer um chá quente?
Ela sorriu, balançando a cabeça molhada, parecendo não se importar que estava completamente encharcada. Observou a cabana por alguns instantes, como se procurasse algo ou alguém, e seus olhos fitaram exatamente o local onde Harry tinha desaparecido debaixo da capa.
- Professor, Harry Potter está aqui? – ela perguntou diretamente, encarando Hagrid com tamanha significação, que ficava muito difícil mentir sem gaguejar. – Porque, sabe, eu tenho um recado muito importante para ele, e a pessoa que quer passar o recado tem certeza que ele está aqui, nesse momento.
Ela dizia tudo aquilo com uma enorme importância, pingando água no chão. Hagrid pestanejou, atordoado.
- Anh, não, ele não está. – ele respondeu atrapalhado. – Por que não o procura no castelo, com certeza Rony ou Hermione devem saber onde...
- Me desculpe, mas a pessoa que quer me passar o recado me preveniu que o senhor é um péssimo mentiroso. – ela retrucou com sua sinceridade que não media palavras. Hagrid parecia ter sido atingido por algo muito pesado no rosto.
- Hum... Suponho que você possa procurá-lo por aqui então, se quiser. – ele disse corajosamente, pensando que, provavelmente, a última coisa que ela faria seria o que ela fez a seguir.
Luna sorriu alegremente e, sem pensar duas vezes, caminhou tranqüilamente até onde Harry tinha desaparecido por baixo da capa. À medida que ela o fazia, eles ouviram barulhos abafados de passos até que – BAQUE – um estrondo contra a parede. Hermione quase podia vê-lo recuando contra a parede; Luna parou a apenas um metro dela, encarando-a como se tentasse enxergar algo além da parede descascada. Então, para a surpresa de todos eles, ela estendeu a mão direita e puxou a capa, revelando Harry debaixo dela.
- É, ele estava certo mesmo. – ela disse contente.
- Você vê através de capas de invisibilidade? – Harry perguntou de supetão, os olhos arregalados em choque, tão surpreso com a situação, que até parecia ter-se esquecido de usar aquele tom fingido que sempre usara com as pessoas todo aquele tempo.
A garota balançou novamente a cabeça molhada, sorrindo. – Não, mas acho que provavelmente gente como ele vê; foi ele quem me contou.
- Ele quem? – Harry quase gritou, fazendo a pergunta que todos gostariam de fazer. Hagrid, próximo à porta, ainda parecia chocado demais para exprimir alguma reação. – Do quem você está falando? Como...?
Luna suspirou, virando-se para Hagrid. – Acho que aceito aquela xícara de chá agora, professor. – ela disse com uma tranqüilidade apavorante. E, sem esperar convite, sentou-se à mesa, cantarolando baixinho. Depois de algum tempo, Hagrid se deu conta de que deveria apanhar outra xícara e o fez sem mais comentários – talvez porque, no momento, parecesse incapacitado de falar. Harry olhou a garota como se ela pertencesse a outro planeta.
- Luna, do que você está falando? O que quer comigo?
Ela sorriu.
- Eu deveria estar aqui para brigar com você por estar tratando a minha amiga Gina do que jeito que está. – ela disse séria. – Sabe, ela é uma garota muito legal e não merece ser enganada desse jeito. Por mim, eu contaria tudo a ela, mas ele – ela apontou para Hagrid, que tinha acabado de sentar-se à sua direita, servindo o chá – não deixa.
Harry olhou chocado para o amigo, que parecia perdido no meio daquela conversa maluca.
- Ei, eu não contei nada a ninguém, Harry, eu juro! – o meio gigante gaguejou, parecendo ligeiramente ofendido. Ele se virou para Luna. - Como pode inventar isso de mim?
A garota suspirou profundamente.
- Não você, ele!
- Ele quem?! – Harry dessa vez gritou.
- Sirius Black. – Luna disse calmamente, como se estivesse ditando a matéria de Transfiguração. Hagrid derrubou seu balde de chá, enquanto Luna, satisfeita, tomava um gole de sua xícara. Harry piscou abobado.
- Olha, eu acho que estou começando a concordar com o Rony. Você é realmente pirada. – ele disse como se aquilo concluísse a questão.
Luna terminou seu grande gole de chá antes de voltar a falar.
- Tudo bem, acho que antes eu preciso explicar algumas coisas.
- Boa idéia. – Harry respondeu friamente.
- Talvez... talvez seja melhor que eu me retire. – Hagrid disse sem graça, erguendo-se.
- Não, você fica, Hagrid, foi ela quem invadiu sua casa! – Harry retrucou com grosseria, apontando acusadoramente Luna. Ela apenas encarou o teto sonhadoramente.
- O senhor pode ficar se quiser. – ela disse. – Sirius não se importa.
Harry se virou para ela, parecendo prestes a espumar pela boca.
- Você pode parar de falar do meu padrinho como se ele estivesse aqui com a gente?
- Mas ele está! – ela disse como se aquilo fosse óbvio.
- Anh, eu realmente preciso dar comida para o Canino. – Hagrid murmurou desajeitado, saindo antes que alguém pudesse impedi-lo. Harry não conseguia tirar os olhos faiscantes de Luna.
- O que você está dizendo?
Luna respirou fundo. – Deixe-me explicar a ele antes. – ela murmurou pelo canto da boca para seu ombro, e Hagrid já não estava mais sentado ao seu lado. – Bem, Harry... – ela se voltou para o rapaz. – ...é um tanto difícil de explicar, e eu realmente não acho que você vai acreditar nisso, mas eu precisava falar. – pela primeira vez, ela não parecia muito decidida. – Acontece que... já faz muito tempo isso, eu... enfim, eu consigo falar com as pessoas que já se foram, sabe? Hum... as pessoas que já morreram.
As palavras não pareceram produzir o impacto que ela esperava em Harry. Ele pestanejou, incrédulo e até zombeteiro.
- Eu falo com o Nick-Quase-Sem-Cabeça e ele já morreu. – ele disse simplesmente.
- Você não me entendeu. – ela negou fortemente com a cabeça. – Ele é um fantasma, todos nós conseguimos vê-lo e falar com ele. Mas existem outros... outros que escolheram o que vinha depois da morte e não se tornaram fantasmas.
Harry se empertigou na cadeira. Parecia que muita coisa estava se passando por sua cabeça naquele momento. Hermione imaginou o que o amigo poderia ter sentido; uma vez, há muito tempo, Harry desabafou com ela que gostaria, às vezes, que seus pais tivessem se tornado fantasmas, apenas para que pudesse falar com eles. A garota lembrava-se da resposta pouco consoladora que dera ao amigo; fantasmas eram pessoas que tinham medo da morte – como ela mesma admitiu, para Harry, ter medo também – e seus pais, depois de tudo que enfrentaram para salvá-lo de Voldemort, certamente jamais se tornariam fantasmas, pois a morte deveria ser a última coisa que temiam.
Ele se levantou, e Luna o acompanhou com os olhos. Harry deu algumas voltas pela cabana de Hagrid, atordoado.
- Você não está falando sério.
- Eu estou sim. – a garota disse chateada, demonstrando que não achava aquilo nem um pouco agradável. – Gostaria de não estar.
Harry balançou a cabeça.
- Sirius está morto, meus pais estão mortos. – ele disse duramente. – Você não vai ficar me enganando, contando histórias sobre eles. Há muito tempo eu descobri que estou sozinho e que eles não estão mais aqui para me ajudar.
- Harry...
Ele se virou para ela, encolerizado.
- Saia daqui, Luna! – ele aumentou o tom de voz mais e mais. – Eu não quero mais ouvir isso, eu não quero ouvir ninguém brincando com a memória do Sirius! Eu já vi muita coisa que ninguém acreditaria, mas eu não vou permitir que você ou qualquer outra pessoa brinque com a memória dele! ELE ESTÁ MORTO! VÁ EMBORA!
Luna sequer respirou mais fundo. Ela continuou fitando Harry expulsá-la dali, imperturbável.
- Eu não vou. – ela disse calmamente. – Não vou até que você escute o que eu tenho a lhe dizer.
- Olha aqui...
- Eu não vou! – ela repetiu com firmeza. – Sirius não vai me deixar em paz enquanto eu não disser o que ele quer que você saiba, e quer saber, seu padrinho é um chato, não pára de me perturbar, então eu vou dizer logo tudo para você e depois você decide se quer acreditar ou não, o problema é seu!
Harry se calou. Respirou muito fundo, ainda vermelho de raiva, fitando Luna como se quisesse esganá-la. Ele estreitou os olhos para ela.
- Como espera que eu acredite em você se simplesmente chega aqui e diz que Sirius quer falar comigo?
- Eu disse que não esperava que você acreditasse em mim. – ela disse com simplicidade, olhando emburrada para um pouco acima de seu ombro direito. – Mas Snuffles insistiu que eu viesse, e eu já estava ficando louca com tudo isso.
Harry paralisou. Rony, Hermione e Gina entenderam porquê.
- O que você disse?
- Eu disse que ele insistiu que eu viesse! – Luna retrucou impaciente. – E eu já estava enlouquecendo com isso!
- Não... – Harry sussurrou. – De que nome você o chamou?
- O quê?! – ela retrucou sem entender. – Snuffles?
- Isso, como você...?
- Ah, isso! – ela espantou o assunto. – Ele me disse que vocês se chamavam assim quando ele estava vivo, para não despertar suspeitas, afinal, ele era um procurado e tudo mais. – ela recitou entediada. – Então ele disse que, se eu precisasse falar com ele, que o chamasse assim, mas é claro que eu não fiz isso. É sempre ele quem vem me perturbar, quando é que eu poderia chamá-lo para me enlouquecer ainda mais?
Harry pareceu não conseguir se sustentar em pé. Ele voltou a sentar-se em sua cadeira, de frente a Luna.
- Ele contou isso a você?
- Sim, e... – ela parou, virando-se para seu ombro direito. – Tá, eu vou falar. E não, você não vai falar por mim, esse foi o trato. – ela se virou novamente para um Harry assombrado. – Ele falou também que foi uma boa idéia utilizar o Espelho de Dois Lados para se comunicar com Dumbledore, mas que esperava que você o utilizasse para um fim mais divertido, como falar com seu amigo Rony quando estivessem em detenções, assim como ele fazia com Tiago. Sirius disse que você nunca o usou para se comunicar com ele, porque tinha medo que ele se arriscasse. Tiago era seu pai, não?
Harry não respondeu. Parecia incapaz de emitir algum som. Ele piscou várias vezes para Luna, sua boca entreaberta, enquanto a garota esperava alguma reação. Rony imaginou o que ele estaria pensando; era inacreditável, mas a única chance de Luna Lovegood saber tudo aquilo seria se o próprio Sirius tivesse contado. Pois ele, Hermione ou Harry jamais disseram algo assim para ela.
- O que foi? – Luna perguntou após alguns minutos, vendo que Harry não respondia. – Você está bem?
Ele assentiu com a cabeça, os olhos fortemente fechados e uma expressão de dor no rosto. Sua voz tremia quando perguntou:
- O que ele quer me dizer?
Luna arregalou ainda mais os olhos e trocou um olhar confuso com seu ombro direito.
- Eu pensei que você não acreditasse.
- Por favor, o Sirius quer me dizer? – Harry perguntou num tom de voz completamente diferente. Seus olhos brilhavam, ansiosos. Luna sorriu, e sua voz estava mais agradável quando disse:
- Bem, ele disse que o acompanha sempre. Sirius ainda está muito preso às coisas desse mundo, a você, e por isso não consegue se libertar daqui, mesmo que não tenha se transformado em um fantasma. – ela explicou pacientemente. – Ele sabe o que está acontecendo, sabe o que você está sendo obrigado a fazer; por isso eu também sei e, mesmo que ache horrível o que está fazendo com Gina, eu não vou contar a ela, fique tranqüilo, Sirius ficaria uma fera se eu fizesse isso. Aliás, ele já está ralhando comigo por eu estar dizendo que acho o que você faz horrível. “Limite-se a passar meu recado!” – ela resmungou, olhando feio, novamente, para seu ombro direito. Harry fitou-o confuso.
- Ele está aqui? – ele perguntou num sussurro.
- Está... – Luna suspirou. – Está me enchendo a paciência o tempo todo. – ela apontou para algo à sua direita. Não havia nada ali, porém, pelo que ela dizia, parecia ser onde Sirius estava.
Harry fitou o banco vazio como se desejasse desesperadamente poder ver o que Luna também via. Parecia sem palavras.
- Ele diz também... – Luna prosseguiu. - ...para você não desistir. Para ir até o fim. Disse que seus amigos vão lhe perdoar quando souberem a verdade e que, por mais que não pareça, o que você está fazendo é a coisa certa a se fazer. E disse também que... que se orgulha muito de você e que, com certeza, de onde estiverem, Lílian e Tiago também devem se orgulhar do filho deles.
Harry mordeu os lábios, abaixando os olhos. Sorria emocionado. Luna parecia aliviada ao fitá-lo. A xícara da garota, que estava sobre a mesa, tombou sozinha para o chão, tirando Harry de seus pensamentos.
- Ei, eu ainda não tinha terminado meu chá, Sirius! – Luna exclamou para ele, sentado ao seu lado. Harry sorriu.




A próxima lembrança não era de Harry, mas novamente de Lupin, assim como a primeira. O professor caminhava ao lado de ninguém menos que Severo Snape, falando em voz baixa:
- Mas a reunião, Severo... – Lupin disse com a voz cansada e ar grave. – Não podemos deixar de ir...
- Mas isso é mais importante! –Snape interveio com sua voz rascante. – Lupin, é o que estávamos esperando há tanto tempo!
Os garotos estavam observando os professores se aproximarem pelo corredor; eles tinham a visão tanto dos professores, quanto da escada para o andar de baixo, onde podiam ver claramente a outra Gina, escutando a conversa dos bruxos. Ela desceu as escadas alguns degraus para fingir que subia, quando eles aparecessem.
- Estou dizendo, Dumbledore vai desconfiar... – Lupin disse num tom ainda mais sigiloso. – Nós deveríamos fazer isso às claras, Severo, não dessa maneira... Eu não concordo com o que você sugeriu de nós...
- Ora, não seja estúpido, nós teremos que falar com Dumbledore de qualquer maneira, Lupin! – Snape parecia impaciente. – Você só está relutando porque...
- E você está sendo teimoso, Severo! – Lupin, inacreditavelmente, estava começando a perder a calma. – Eu digo que há outras maneiras de...
Ele parou de falar no mesmo instante que os dois paralisaram ao enxergar, do alto da escada, Gina. Ela tentou fingir uma educada surpresa.
- O que está fazendo aqui, Srta. Weasley? – Snape perguntou rispidamente. Lupin a observava pensativo.
- Eu só... – ela disse sem gaguejar, porém claramente nervosa. - ...estava subindo para minha Casa.
Lupin mostrou um sorriso bondoso a ela, mas os olhos dele demonstravam um brilho astuto. Snape, por sua vez, estava lívido.
- Então suba de uma vez! – o professor de Poções mandou com um grito ressonante que fez Gina dar um salto.
- Sinceramente, não entendo porque você sempre tratou as pessoas dessa maneira, Severo. – dizia Lupin, enquanto Gina sumia de vista. – Ela é apenas uma menina...
- Ora, cale a boca, Lupin! – Snape retrucou irritado. – Ela está sempre andando com Potter, e estava nos escutando, você também percebeu. O que você acha que ela vai fazer se descobrir algo? Alertar Potter a respeito de nós, e o nosso plano pode ir por água abaixo! – ele cuspiu. – Não vou permitir que Potter escape dessa, essa noite ele vai explicar direitinho o que está acontecendo!
Houve um rodamoinho de cores, e a cena desapareceu aos seus olhos. Quando este se desfez, Gina, Rony e Hermione perceberam que estavam novamente na sala comunal. No entanto, daquela vez, Harry estava visível, não mais envolto pela Capa de Invisibilidade. Eles perceberam que também estavam na cena.
- Por que você não podia ter continuado a ser o mesmo Harry Potter de sempre e simplesmente ficado longe de mim, como sempre foi?
Gina levou um susto ao ver a si mesma gritando com Harry, que estava de costas para os outros, na janela. Rony e Hermione se entreolharam, tinham notado o mesmo que Gina. Ela sabia muito bem que dia era aquele.
Aconteceu tudo exatamente como se lembrava; ela parou de gritar com Harry, foi para um canto da sala, limpar suas lágrimas, e Hermione a seguiu. Rony permaneceu onde estava, dividido entre olhar para a irmã ou para o amigo. No entanto, Gina, Rony e Hermione (os reais), observaram Harry com atenção.
Ele saiu da janela, lentamente. Não era possível ver seus olhos, mas ele os esfregou por baixo dos óculos, discretamente; Gina sentiu um peso no seu estômago – como ela, ele também tinha chorado depois daquela conversa.
Como todos estavam mais ocupados observando Gina, ninguém prestou atenção no que Harry estava fazendo. Os olhos de Gina se arregalaram ao perceber que Harry estava observando o seu diário; ele lançou um olhar furtivo para trás, e ao se certificar de ninguém estava prestando atenção nele, Harry apanhou o diário e guardou-o por dentro da capa.
Então... tinha sido ele. Gina tinha chegado a achar que tinha mesmo sonhando quando pensou que tinha perdido o diário naquela noite, mas não. Harry o tinha apanhado. Então... depois daquela noite... ele leu tudo... Ela olhou para Rony e Hermione; eles observavam Harry com um quê de indagação no rosto.
- Aquele era o seu diário, Gina? – Rony perguntou.
Ela não conseguiu responder com palavras, apenas assentiu fracamente.
- Harry está saindo! – Hermione exclamou com urgência.
Os três se apressaram em segui-lo pela passagem do retrato. Lá fora, eles observaram Harry; ele olhou de um lado para outro, respirando muito rápido, seu rosto contraído, como se ele estivesse reprimindo algo. Ele se decidiu por correr pela direita.
Harry parecia desesperado e corria tão rápido, que foi difícil para os três acompanhá-lo. Ele desceu escadas, pegou atalhos e desviou de alunos até chegar... tanto Gina, quanto Rony e Hermione fizeram expressões intrigadas; era a sala de A.D.! Ele entrou na sala, os três o seguiram.
Transtornado, ele andou de um lado para outro, respirando muito rápido. Harry finalmente apanhou o diário de Gina em suas vestes e o observou com tristeza. Ele se jogou nas almofadas, dedilhando, trêmulo, a capa do caderno. Gina, Rony e Hermione se entreolharam, mas acabaram se sentando ao redor de Harry. Enquanto observava o artefato em suas mãos, o garoto murmurou desanimado:
- Além de mentiroso, agora você também é ladrão e bisbilhoteiro... Olha só no quê você se transformou, Harry Potter...
Ele abriu o diário e o estômago de Gina deu voltas; Harry realmente o leu. E a cada página que virava, a expressão no rosto se contraía ainda mais, até que ele desistiu de lutar e permitiu que as lágrimas escorressem pelo seu rosto.
Depois de virar muitas páginas, Harry procurou entre suas vestes algo, mas não estava achando. Ele suspirou cansado e murmurou:
- Preciso de uma pena... – ao seu lado, a pena apareceu; é claro, ele estava na Sala Precisa, tudo que ele pedisse apareceria ali. Harry pegou a pena e a olhou chateado. – Você esqueceu do tinteiro. – ele completou, e logo a sala atendeu ao seu segundo pedido.
E então ele começou a escrever no diário, e parecia que a cada palavra, aquilo se tornava mais e mais doloroso. As lágrimas começavam a sujar o papel, e ele murmurava frases como “ela nunca vai me perdoar por isso” ou “eu sou um canalha mesmo, não mereço perdão”. Rony e Hermione estavam embasbacados. Gina, boquiaberta, observou o momento em que os soluços de Harry se tornaram tão fortes, que ele teve que parar, olhar para o teto e esperar se controlar um pouco. Parecia que nem ela, Rony ou Hermione jamais o tinham visto chorar dessa maneira. Harry não era de chorar, ele preferia engolir pus de borbotúberas puro a deixar transparecer essa fraqueza, mas naquele momento, sozinho, ele não conseguiu resistir.
Quando finalmente terminou e estava um pouco mais calmo (apesar do rosto vermelho e inchado), Harry murmurou um feitiço que secou as páginas do diário (Gina percebeu porque naquele dia ela achou que o diário não tinha sido nem tocado; era impressionante como Harry pensava em tudo). Ele se levantou, esfregou o rosto na manga das vestes com força e saiu intempestivamente da sala.
Harry guardou o diário novamente entre as vestes e saiu pelos corredores do castelo apressado. Rony, Hermione e Gina novamente penaram para segui-lo. Harry parecia ter uma prática inigualável de andar no castelo sem ser percebido, mesmo que estivesse sem a capa; ele sabia esconderijos e atalhos que Gina tinha a impressão de que nem Fred e Jorge saberiam. Até Rony e Hermione estavam pasmos; Rony murmurou um pouco desapontado que o amigo nunca tinha lhe contado desses atalhos.
Eles chegaram às masmorras, e ali Harry foi diminuindo o ritmo. Sua expressão estava agitada e quase temerosa. Quando ele parou à frente da sala de Snape, passou muito tempo apenas encarando-a, a mão na maçaneta flexionada, mas sem girá-la. Parecia estar se decidindo ou tomando coragem, quase como se esperasse que algo ruim fosse acontecer. Gina prendeu a respiração quando ele finalmente girou a maçaneta e entrou.
As vozes que sussurravam lá dentro pararam instantaneamente. Hermione foi a primeira a perceber as duas pessoas estavam na sala, além deles e de Harry – Snape, obviamente e (os olhos deles se arregalaram) Lupin.
- O que ele estava fazendo aqui? – Rony perguntou rouco. – Com Snape?
Hermione estava boquiaberta, mas ainda conseguiu balbuciar:
- Será que... os dois sabiam?
Harry também arregalou os olhos ao ver Lupin, mas ele rapidamente tentou dissimular seu choque numa educada surpresa. Não foi muito eficaz; Snape e Lupin se entreolharam, astutos. Lupin lançou um sorriso compreensivo a Harry ao observá-lo fechando a porta atrás de si, mas Snape estava lívido e disse com sua voz ríspida:
- Atrasado, Potter...
- Sinto muito, professor. – Harry murmurou, olhando de esguelha para Snape; Gina teve a impressão de que ele não queria olhar para Snape para não denunciar nenhuma emoção – por exemplo, a raiva que parecia sentir no momento.
- Eu deveria descontar mais...
- Você não vai aproveitar essa oportunidade para descontar mais ponto nenhum da Grifinória, Severo. – Lupin falou ameaçadoramente, apesar da expressão de profundo cansaço. – Nós combinamos que você não levaria isso para o lado pessoal.
Harry pigarreou; Gina notou que ele assumiu aquele tom de confusão que costumava fazer durante todo aquele ano e que agora, ela sabia, era apenas fingimento.
- Eu pensei que a detenção fosse só com o Prof. Snape.
- Ora, pode parar com o teatrinho, Potter. – Snape disparou seco. – Ou você acha que somos burros o suficiente para cair na sua esparrela como todos os outros?
Harry lançou um olhar de profundo ódio para Snape antes que pudesse se conter. O mestre sorriu, como se fosse exatamente aquilo que esperasse do garoto.
- Eu não sei do que o senhor está falando. – Harry disse rápido, mas dava para notar que ele estava agitado. Lupin também parecia observar isso, mas quando falou, não demonstrava estar irritado; seu tom de voz era o de sempre – calmo e compreensivo.
- Não precisa mais mentir, Harry. Nós sabemos que você está tendo que fingir que perdeu a memória.
Harry arregalou os olhos para Lupin. Por um instante fugaz, eles apenas se entreolharam, até que Snape quebrou o momento com um pigarro seco.
- Parece que você não é tão bom ator, Potter. – ele provocou. – Até onde você achou que fosse conseguir chegar com essa farsa?
Harry fechou os olhos, bufando longamente. Parecia estar reunindo tempo para pensar. Quando ele abriu os olhos, sua expressão estava totalmente diferente. Não havia mais nenhum rastro daquela confusão que ele fingia; aquele era Harry de verdade, ele olhava para Snape com o mesmo ódio que sempre sentiu do professor. Ele tinha decidido contar a verdade.
- Como vocês descobriram? – ele perguntou em tom de desafio, cruzando os braços, seus olhos verdes estreitos correndo de Snape para Lupin. – Não era para vocês descobrirem.
Snape ia falar, mas Lupin o impediu com a mão. Ele se virou para Harry pacientemente.
- Foi Snape quem notou primeiro que você estava diferente nas aulas dele, mais distraído... E você não respondia mais às provocações dele. – Snape soltou um barulhinho de escárnio. – Então, ele veio até mim... – Lupin se virou interrogativamente para Snape. – Mas eu mesmo não entendo, Severo; por que justo eu?
Snape abriu um sorriso desdenhoso.
- Esteja certo, Lupin, que isso não me agradou nem um pouco. Mas eu fui procurar Dumbledore antes de você; o diretor, no entanto, não me deu a mínima atenção, o que me fez desconfiar. Então, eu procurei aquele que eu achava mais adequado depois do diretor. Você queria que eu procurasse quem, afinal?
- Fico feliz que me ache adequado, Severo. – Lupin abriu um sorriso que, Gina podia jurar, escondia um traço zombeteiro. Todos se surpreenderam quando Harry soltou uma grande gargalhada.
- O que há com você, Potter? – Snape perguntou ríspido, enquanto Harry ria de se acabar, as mãos na barriga, encostado na parede fria de pedra da masmorra.
Quando ele finalmente se controlou, um sorriso claramente de zombaria apareceu em seu rosto, enquanto ele olhava de Lupin para Snape.
- Nunca pensei que fosse viver para ver isso... O Ranhoso e o Aluado aliados? – Snape ficou vermelho de fúria, enquanto um sorriso torto aparecia nos lábios de Lupin. – Fico imaginando o que Almofadinhas e Pontas diriam disso!
Para um estranho que ouvisse aquelas palavras, pareceria que Harry estava falando em código. Mas Snape e Lupin pareceram entender perfeitamente a mensagem; enquanto Lupin tinha achado muito engraçado também, Snape estava lívido de raiva:
- Olhe aqui, Potter. – ele estendeu seu dedo longo para Harry. – Eu não vou admitir que você me falte com o respei...
Harry o encarou com um sorriso arrogante, ainda apoiado na parede quase displicentemente.
- Ah, professor, o senhor deveria saber que agora que descobriu a minha esparrela, não há mais nada que eu tema a seu respeito.
A expressão de Lupin ficou séria subitamente. Snape ainda estava vermelho, mas parecia tão surpreso, que não conseguiu formular nenhuma frase.
- Quer dizer, o senhor pode me tirar alguns pontos, mas e daí? – Harry provocou com ousadia. – A esta altura do campeonato, professor, não há mais nada que eu possa perder...
- O que você está querendo dizer, Harry? – Lupin perguntou com cautela, mas Harry se desviou do assunto.
- Vocês não queriam tanto saber da farsa? Pois então, eu estou aqui, às ordens! Podem me perguntar o que quiserem, agora que descobriram tudo mesmo...
Snape e Lupin se encararam por um instante, claramente confusos com a atitude de Harry. O garoto se desencostou da parede e começou a andar de um lado para outro, as mãos às costas, observando os professores quase divertido.
- O que vocês querem perguntar primeiro? Talvez de quem foi a idéia? Bem, se algum de vocês achou por algum momento que foi minha, lamento desapontá-los... O professor Dumbledore pensou em tudo.
Lupin se sentou numa das carteiras; Snape, em sua cadeira da escrivaninha. Eles observavam Harry surpresos, quase chocados. Harry continuou de pé, andando de um lado para outro e ocasionalmente parando para olhar para algum deles enquanto explicava a história.
- Você é aquele membro secreto da Ordem, Harry? – Lupin perguntou em dado momento. – Aquele que Dumbledore mantém o nome em sigilo, apesar de passar-nos informações dele?
- Isso mesmo, professor. – Harry disse naturalmente. – Ingressei na Ordem pouco depois de completar dezessete anos.
- Você não podia deixar de meter o seu dedo intrometido, não é, Potter? – Snape perguntou, os olhos estreitos em provocação.
- Errou de novo, professor! – Harry retrucou alegremente, com um sorriso sarcástico, sempre ironizando a palavra “professor” quando se dirigia a Snape, o que fazia o professor arder em fúria. Gina estava pasma em como Harry era ousado; era quase como se ele fosse outra pessoa. – É claro que eu queria entrar na Ordem desde que soube da existência dela, no quinto ano. Mas eu admito que pensei que nunca fosse conseguir – toda aquela enrolação de que menores de idade ou jovens em idade escolar não podiam ingressar realmente me enganaram - eu já tinha desistido quando, no começo desse ano, Dumbledore me chamou e me convidou a ingressar como membro secreto.
Lupin estava pasmo. Harry continuou falando.
- A condição era que fosse realmente secreto. Eu não podia contar a ninguém, nem a meus amigos. – Rony e Hermione se entreolharam. – Bem, eu preferi não contar mesmo. Eu sabia que Rony e Hermione iam querer entrar na hora na Ordem também se soubessem que eu estava dentro, e eu definitivamente não queria – e não quero – que eles se envolvam em mais confusões por minha causa. – Harry parecia muito sério agora. – Não vou me perdoar se algo acontecer com eles, como foi com Sirius...
Gina olhou para Rony e Hermione; eles observavam Harry em choque, sem palavras suficientes naquele momento. Ela ouviu, mais tarde, Hermione murmurar:
- Tudo que ele queria era nos proteger...
- Corria entre os membros da Ordem... – a voz de Lupin os despertou. – ...que Dumbledore estava envolvido num grande plano para retardar o avanço de Voldemort com esse membro secreto...
Harry não falou por alguns instantes, apenas estudando Lupin e, depois mais demoradamente, Snape.
- O professor Dumbledore me contou o que o você tinha descoberto, Snape. – Harry abandonou toda a formalidade, deixando Snape ainda mais furioso. – No seu trabalho para a Ordem, já que, como você me deu aulas de Oclumência todo o ano passado, eu não podia descobrir sozinho. – Gina, Rony e Hermione se entreolharam. – Voldemort estava disposto a invadir Hogwarts, estava com todo um plano traçado, não?
Snape, encarando Harry com seus frios olhos negros, apenas assentiu em silêncio. Harry se virou para Lupin.
- O professor Dumbledore teve essa idéia, então. Se Voldemort descobrisse que eu estava... digamos... fora de combate, completamente inútil como parecia ser com a minha memória afetada, ele teria que mudar de planos. Voldemort traçou toda uma linha de pensamento contando com o fato de que eu poderia atrapalhar – com essa outra visão, ele foi obrigado a mudar de planos e ficou furioso... tão furioso que eu não consegui detê-lo nem com minha Oclumência e sei exatamente qual foi a reação dele quando descobriu que eu tinha perdido a memória e os comensais dele tinham demorado tantos meses para descobrir. Isso deu uma reviravolta em seus planos, ele está tendo que começar tudo do zero agora, não é? – ele se virou para Snape, que assentiu novamente, embasbacado. – Enquanto isso, nós temos tempo para a Ordem se organizar contra o ataque dele. E a vantagem é que o novo plano dele, quando estiver concluído, vai estar totalmente errado, já que eu nunca estive fora de combate, efetivamente.
Lupin, estupefato, perguntou:
- E tudo isso foi idéia do...
- Sim. – Harry confirmou antes do professor dizer. – Dumbledore pensou em tudo. Mas parece que ele subestimou vocês, não é? Porque vocês se tocaram de pelo menos uma parte do plano... ou então eu sou ruim de mentir mesmo.
- Eu não acho. – Lupin retrucou tristemente. – Você nos enganou por um bom tempo. E eu não sei se isso...
- Se isso é bom ou ruim... – Harry continuou, deprimido. – É, eu também paro para pensar nisso muitas vezes. Eu estou enganando tanta gente... o pior é enganar meus amigos, eles nunca vão me perdoar.
Houve uma pausa em que Lupin olhou com uma certa pena para Harry. Snape, que estava parado, pensando, perguntou de súbito.
- Dumbledore não pensou em nenhum momento que eu ou Lupin pudéssemos...
- Ah, sim, ele desconfiou... – Harry espantou o assunto. – Um dia, quando eu estava no Largo Grimmauld, ele pediu ao quadro de Finneus Niggelus que me chamasse e pedisse para que eu o visitasse na sala dele, aqui em Hogwarts. Eu fui de pó de flu, no meio da noite, e ele me passou algumas orientações e depois me contou que o senhor o tinha procurado. – Harry fitou Snape. – Mas ele esperava que vocês desistissem, já que estão tão ocupados com Hogwarts e a Ordem. Mas às vezes ele também pode se enganar, ele é humano. Vocês não desistiram.
- Quem mais sabia dessa história, Harry? – Lupin indagou.
- Além de mim e Dumbledore, obviamente... – Harry suspirou. – Dobby...
- Dobby, o elfo doméstico? – Snape repetiu incrédulo. Harry o olhou feio.
- Por que a surpresa? Ele é muito útil! Pelo menos alguma idéia boa eu tinha que ter nessa história, não é?
- Então essa idéia foi sua? – Lupin chamou a atenção para si. – Mas, Harry, por que logo Dobby?
- Ele é muito fiel, tanto a mim, quanto ao professor Dumbledore. Faz tudo que nós pedimos. – Harry explicou naturalmente. – O professor disse que precisaríamos de alguém que passasse os recados dele para mim e de mim para ele, eu não podia ir toda hora na sala dele, não é? Dobby fazia isso. Eu o esperava na sala comunal da Grifinória, de madrugada, quando ele ia limpá-la e arrumar a lareira. E também era uma maneira de neutralizá-lo... – Harry disse chateado. – Dobby gosta muito de mim, se ele não soubesse a verdade, com certeza iria me procurar no meu dormitório e poderia causar problemas... Rony e Hermione, que o conhecem bem, poderiam desconfiar, e se eles descobrissem o plano... eu nem quero pensar, eles poderiam se meter em encrenca... Então o professor Dumbledore e eu orientamos Dobby da maneira como ele deveria agir. Dobby é muito prestativo, não fez nenhuma objeção. É claro que ele às vezes se descuida, e isso é realmente preocupante, mas eu mesmo dou um jeito para que ele não diga nada que seja muito comprometedor.
Gina nunca tinha visto Snape e Lupin tão embasbacados como naquele momento. Lupin deixou escapar “genial” em um murmúrio, totalmente impressionado com aquela história.
- Um plano tão simples... e ao mesmo tempo, tão brilhante... – ele murmurou. – Mal dá pra acreditar...
Snape fuzilou Harry com os olhos negros.
- Alguém mais sabia? Aquela menina que sempre anda com você, irmã do Weasley...
- NÃO! – Harry gritou, e naquele momento parecia assustado. – Não pode haver a mínima possibilidade de Gina descobrir isso! – ele olhou para Lupin e Snape exaltado, como se fosse capaz de cozinhá-los a vapor se ousassem contar algo. – Nem ela, Rony ou Hermione podem sequer desconfiar. Se eles descobrirem isso... – Harry enterrou as mãos nos cabelos. - ...e alguém perceber... Voldemort poderia colocar as mãos neles e tentar obter informações... Não, isso não pode nem ser cogitado!
Estava claro, tanto para os professores naquela lembrança, quanto para Gina, Rony e Hermione que Harry estava transtornado diante daquela possibilidade. Todo o tempo, ele tentou protegê-los de Voldemort, temendo que o mesmo que acontecera com Sirius pudesse acontecer a algum deles. Depois de se acalmar um pouco, Harry voltou a falar:
- Hagrid sabia... eu contei a ele.
- Hagrid pode sair contando! – Snape exclamou. – Você é burro ou o quê de contar isso para Hagrid, Potter?
- Limpa a boca antes de falar do Hagrid, tá bom, Snape? – Harry gritou, mandando às favas a paciência com o professor. – Ele não vai contar, porque eu pedi a ele! Eu confio no Hagrid!
- Olhe aqui, Potter... – Snape se levantou, mas Lupin também o fez ao mesmo tempo, olhando para o colega ameaçadoramente.
- Severo! – ele exclamou de sobreaviso. – Nós combinamos que só faríamos essa entrevista com Harry se você não levasse para o lado pessoal! Que coisa, quando você vai perceber que ele não é Tiago?
Snape encarou Lupin por alguns instantes, respirando muito rápido, e depois resmungou algumas coisas baixinho, com rabugice. Harry parecia muito chateado depois de alguma das palavras de Lupin.
- É verdade, professor... Eu não sou o meu pai, eu sou pior que ele.
Lupin fitou Harry com surpresa. O garoto parecia miserável naquele momento.
- O máximo que meu pai fazia... era humilhar colegas da escola... – e lançou um olhar furtivo para Snape, que estava ainda mais pálido de raiva. – Mas ele se endireitou, não é? Quanto a mim... eu minto para meus próprios amigos, engano tanto meus inimigos quanto as pessoas que eu gosto... e ainda vou ter que... ah, é melhor nem pensar nisso agora...
Gina, Rony e Hermione se entreolharam com desânimo. Sabiam a que Harry se referia. Ele sabia, muito antes de fazê-lo, que teria que matar Voldemort.
- Eu contei para Hagrid... – Harry disse com a voz fraca. – Porque simplesmente não suportava mais... Todos os dias, fingindo para todos... eu não agüentei. O professor Dumbledore não gostou disso, mas o próprio Hagrid ficou ao meu lado e pediu ao professor que não se zangasse comigo. O professor entendeu... ele sabe o quanto é horrível para mim fingir que sou uma pessoa que não sou todos os dias. Eu precisava desabafar com alguém... e Hagrid... foi muito compreensivo. Se não fosse por ele, eu não saberia dizer se poderia continuar aqui, agüentando...




Rony, Hermione e Gina aterrizaram na última lembrança que Lupin lhes mostrara. Estavam em um dos corredores de Hogwarts, e não demorou muito para que localizassem Harry, retirando um pedaço de papel das patas de Edwiges, que bicou sua orelha carinhosamente. Gina observou-o atentamente, enquanto ele mordia os lábios, lendo o bilhete; não o veria mais depois dessa última lembrança. Por isso, não queria vê-las; era como se estivessem trazendo Harry de volta à vida, mas a verdade era que ele não estava mais ali, ele jamais estaria. Logo, Gina sairia da Penseira e acordaria daquela ilusão, e tudo que teria seria aquele vazio no peito e a ausência de Harry...
Rony leu o bilhete por cima dos ombros do amigo. Harry dobrou o papel e colocou-o no bolso assim que terminou de lê-lo e, então, apertou o passo, quase correndo.
- O que estava escrito, Rony? – Hermione perguntou, enquanto os três corriam para acompanhar os passos de Harry.
- Era de Dumbledore. – ele respondeu ofegante. – Ele pediu para Harry encontrá-lo em sua sala.
Harry correu até o Saguão de Entrada, até que colidiu com uma garota que vinha entrando pelas portas junto com uma amiga. Gina viu a si mesma no chão, o seu diário tinha voado dois metros adiante, e Luna comentava alto:
- Ei, mas que falta de senso de direção, hein?
- Desculpe. – Harry murmurou, sem graça. Gina, agora, pôde perceber que ele a fitava com os olhos ligeiramente brilhantes e irrequietos. – Você tá legal, Gina? – ele perguntou, estendendo a mão para ajudá-la a se levantar.
- Tudo bem, Harry. Eu to ótima. – ela disse depois de algum tempo, no qual observara-o. O que ela não tinha percebido daquela vez era que Harry a também tinha observado aquele dia.
Gina sentiu Hermione fitá-la com um olhar perspicaz. A garota sussurrou em seu ouvido, com um sorriso triste nos lábios:
- Você notou, não?
Gina sorriu, talvez pela primeira vez desde que Harry se fora, suspirando longamente. Harry já gostava dela naquele momento. Hermione já tinha lhe dito isso uma vez, mas ela não quisera acreditar; ele gostava dela há muito tempo, e Gina nem se dera conta disso...
- Atrasado pra quê? – a Gina da lembrança perguntou.
Depois de alguns instantes, Harry respondeu, esguio:
- Coisa minha. A gente se vê.
E subiu as escadas. Os três o seguiram, deixando a outra Gina para trás. Harry tomou alguns atalhos até chegar ao gárgula de pedra que escondia a passagem para a sala do diretor, dizendo a senha. Eles o acompanharam enquanto subia a escada em espiral, até que Harry bateu três vezes à porta.
- Pode entrar. – disse a voz cansada de Dumbledore.
Harry abriu a porta. Dumbledore não estava sentado à sua escrivaninha, mas sim, observando o fim do pôr-do-sol pela janela. Não olhou para Harry quando o rapaz entrou e encostou a porta atrás de si.
- O senhor queria falar comigo, professor?
- Sim, Harry. Sente-se.
Harry, no entanto, permaneceu de pé. Parecia ansioso.
- O que está acontecendo, professor? – perguntou em um tom muito sério.
Dumbledore respirou fundo e se virou para Harry, os olhos pesarosos.
- Voldemort, Harry. Voldemort está pronto para nos atacar. Aqui, em Hogwarts.
Os olhos de Harry se arregalaram. Ele parecia ter perdido o chão. Porém, permaneceu de pé, encarando o diretor à sua frente.
- Como?
- O que você ouviu, Harry. Ele está pronto. O Professor Snape descobriu na última reunião dos Comensais.
Harry torceu o nariz à menção de Snape, mas não comentou a respeito. Levou as mãos à cintura, nervoso, seus olhos correndo de um lado para outro, como que em busca de uma saída para aquela situação.
- Nós não estamos preparados, professor! – ele disse um pouco mais alto. – E aqui, Hogwarts! E todas as pessoas que vivem aqui?
- Eu sei, Harry, por isso o chamei. – Dumbledore disse seriamente. – Você sabe porque ele está vindo a Hogwarts, não?
- Por minha causa! – Harry quase gritou, dando um passo à frente, encarando Dumbledore frente a frente. – Por isso eu quero ir embora, professor, eu não posso continuar aqui, colocando em risco a vida de tantas pessoas! Se eu estivesse longe, se eu fosse embora para procurá-lo, como eu queria desde o início...
- NÃO! – Dumbledore sobrepôs sua voz à de Harry, que se calou. – Você não vai sair daqui, Harry. Eu não vou permitir.
Harry o fitou incrédulo por alguns instantes, até que seus lábios se abriram em um sorriso enviesado, de zombaria.
- O senhor não pode me manter aqui, professor. Eu vou embora. Eu vou atrás de Voldemort antes que ele venha até mim. Eu vou cumprir a profecia. E nem o senhor, nem ninguém, vai me deter.
Harry deu as costas a Dumbledore, precipitando-se para a porta, mas o bruxo se adiantou e segurou o rapaz pelo braço. Harry se virou encolerizado, os olhos faiscantes:
- Eu já disse que o senhor não pode me manter aqui. E o senhor sabe disso. Eu só fiquei aqui, até agora, em seu respeito. Mas eu não vou permitir que a vida de todas essas pessoas seja colocada em risco por minha causa!
- Harry...
- O senhor não está vendo como está sendo imprudente? – ele se livrou das mãos de Dumbledore. – Céus, professor, são seus alunos!
Pela primeira vez, Dumbledore pareceu ofendido e realmente nervoso. Seu rosto se fechou e, por um momento, ele até poderia ser capaz de dar um tapa em Harry.
- Eu sei que são meus alunos, Harry, e em hipótese alguma, eu os colocaria em perigo, sabendo o que está por vir. Não ouse duvidar do quanto eu prezo a segurança de todos os jovens que estão sob o teto da minha escola!
Houve um breve momento de silêncio, no qual os dois apenas se mediram. Harry não retrucou.
- Mas você, Harry, é um desses jovens também e é essencial. Eu não posso deixar você se jogar nessa missão sozinho, não posso deixar que vá até Voldemort e encontre...
- A morte? – Harry completou ousado. – O senhor não acredita que eu possa vencê-lo, é isso?
Dumbledore engoliu em seco.
- Você sabe que não é isso.
- Então o que é?!
Eles se mediram novamente, à mesma altura. Naquele momento, não eram mais aluno e mestre, mas, sim, dois homens discutindo em pé de igualdade.
- Nós precisamos de tempo, Harry. E eu sei como obtê-lo. E você vai me ajudar.

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