As minhas e as suas lembranças

As minhas e as suas lembranças



Hogwarts, 19 de outubro de 1997

Dizem que amar é sofrer.

Não discordo. Afinal, essa frase se encaixa perfeitamente a mim. Porém, se eu fosse encaixá-la a outra pessoa, eu trocaria um pouco a ordem das coisas e diria:

"Sofrer é não amar."

Essa frase é o retrato perfeito de um garoto que eu conheço. O nome dele? Bem, todos o sabem de cor desde que nasceram. Comigo foi assim, com meus irmãos também. Com toda e qualquer criança ou pessoa do mundo da magia foi assim. Pode-se dizer que ele, no nosso mundo, é mais conhecido do que o próprio primeiro-ministro da Inglaterra. Mas também, o primeiro-ministro é um trouxa, e esse garoto não; ele é um bruxo, e um dos bruxos mais poderosos que eu já conheci e, provavelmente, que existem. Ele derrotou o bruxo mais maligno que já pisou no solo mágico e não-mágico nesse século. Mas eu não quero falar sobre isso, todos já sabem essa história de cor.

É mesmo, eu acabei não dizendo o nome do garoto! Certo, ele se chama Harry Potter. Um nome forte, não? O dono dele também é. Aliás, ele teve que ser forte para superar tudo o que aconteceu em sua vida...

Eu conheço Harry desde que tinha dez anos de idade. Ele tinha onze. Quando eu o vi pela primeira vez me senti... como poderia explicar? Incrivelmente entusiasmada! Sim, foi assim mesmo! Nada mais natural, eu acho. Cresci ouvindo a história do famoso Harry Potter, então, por que não me sentiria dessa maneira ao vê-lo pessoalmente?

O mais inacreditável, pelo menos para mim, foi quando ele se tornou o melhor amigo do meu irmão Rony. Nossa, quando meu irmão mandou uma carta para a família dizendo isso, eu simplesmente não acreditei. Rony, meu irmão, melhor amigo de Harry Potter? Piada...

Pior que era verdade. Ok, eu acreditei no Rony, sabia que ele não era um mentiroso... Mas eu ainda precisava ver com meus próprios olhos. Tive a confirmação disso no dia em que desci as escadas da minha casa e dei de cara com o dito cujo. Lá estava ele, Harry Potter, tomando café da manhã na mesa da cozinha da Toca. Foi a experiência mais traumatizante da minha vida. Ok estou exagerando, não foi essa a mais traumatizante, mas com certeza foi a situação mais constrangedora. Fiquei vermelha feito um pimentão e subi as escadas correndo. Acho que Harry pensou que eu era maluca.

Isso não importa agora. O que importa é que eu fui para Hogwarts e caí na mesma casa que ele. Sim... Eu cruzava toda hora com ele nos corredores. E percebi que o meu entusiasmo era algo maior. Uma paixão platônica de uma garotinha. Tudo certo até aí, um dia certamente iria passar... Mesmo porque ele nunca me notou mesmo... Sim, um dia eu ia me tocar que aquilo era besteira minha.

Grande engano, e bota grande nisso.

Não passou. Ano após ano eu estava lá, gaguejando e ficando vermelha só se ele me desse um mero "bom dia". Sinto-me uma estúpida agora. Eu fui ridícula! Mas eu era uma garotinha imatura cheia de sonhos... Sonhos, estes que foram destruídos quando eu percebi que Harry gostava de outra.

É, ele gostava de uma garota da Corvinal, e eu não gosto nem de lembrar o nome dela. Ele gostava dela, e nem ao menos reparava em mim. Ele a convidou para o Baile de Inverno, e eu fiquei arrasada. Acabei indo com outro garoto no baile, o Neville. Ele até que é legal, mas confesso que não foi nada agradável quando eu voltei para a Grifinória com meus pés amassados. Neville pisoteou meus pobres pezinhos durante todas as danças... E eu ainda via o Harry, lá, olhando com inveja para o par da garota que ele gostava... Enquanto isso, meu maior desejo era que ele olhasse para mim, e não para ela. Acho que ele não me veria nem que eu ficasse na frente dele com uma placa "EI, OLHA EU AQUI!" Cego...

Ah, chegou a hora da revolta! Eu fiquei muito doida da vida! Como? Como ele podia ser tão tonto? Eu é que não seria otária a ponto de ficar esperando por ele e deixando a vida passar... Não mesmo! Parti para outra! Não dizem que um amor se cura com outro amor? Era isso que eu faria.

Conheci um garoto da Corvinal, Michael Corner. Ele se interessou por mim, eu por ele, nós começamos a sair juntos, enfim, ficamos. Até aí tudo ótimo; o problema era: eu ainda continuava prestando atenção em Harry.

Eu fiquei sabendo quando ele ficou com aquela Chang. A escola toda comentava que eles apareciam juntos às vezes e que, provavelmente, estavam ficando. Hermione me confirmou a história, dizendo que Harry tinha contado, todo bobo, a ela e Rony que tinha beijado Chang. Eu empinei o nariz e disse "Que me importa? Faça bom proveito!". Que mentira... Bem no fundo, lá num cantinho do meu coração, eu estava chorando.

E então aconteceram tantas coisas... Eles acabaram brigando, eu acabei descobrindo que Michael era um babaca... No final das contas, o que sobrou foi mesmo Michael e Chang, eu e Dino Thomas, Harry sozinho. Do jeito que ele estava, parecia que iria demorar muito a se interessar por garotas novamente. Harry tinha se machucado muito naquele ano. Talvez tenha sido o ano mais difícil para ele.

Nesse meio tempo, entre aquela época e agora, muita coisa mudou. Drasticamente, eu diria. Acabei terminando com Dino também. Ele era legal comigo, mas... não era exatamente o que eu queria. Por outro lado, Harry teve poucos relacionamentos durante esse tempo. Que eu saiba, ele ficou com umas duas garotas ano passado, o que é uma média bem baixa considerando o resto da população masculina da escola da idade dele. Por exemplo: a coisa nojenta do Malfoy ficou com umas seis ou sete garotas (que na minha opinião tinham sérios problemas mentais por agüentarem aquele garoto emplastado de gel) durante esse tempo; Simas com cinco, isso sem falar dos outros. Harry poderia ser considerado tímido perto dos demais garotos.

Bem, tímido ele sempre foi, mas eu vejo que Harry passou por várias fases. O menino que eu conheci era extremamente tímido e gentil. Ele se transformou num adolescente grosso e revoltado mais tarde. Agora, ele é uma pessoa amarga e triste. Sinceramente, eu preferia o Harry tímido, mas em vista do que ele é agora, até o Harry revoltado seria melhor.

Tenho um pouco de pena dele. Harry passou por tantas pancadas na vida, que até entendo que ele seja assim agora. Não bastasse tudo que já lhe tinha acontecido, ainda veio aquilo no final do quinto ano dele. Harry nunca mais foi o mesmo depois que Sirius morreu. Tenho a impressão de que esse foi o grande marco da vida dele.

Basicamente, existem dois "Harrys". O Harry de antes da morte de Sirius, e o de depois. O de antes poderia não ser a pessoa mais feliz do mundo, mas pelo menos ele sorria e ria às vezes. Já o outro Harry...

Eu nunca mais o vi sorrindo. Nunca. Pelo menos um sorriso que fosse verdadeiro. Harry sorri sim: quando humilha Malfoy no quadribol, quando solta frases sarcásticas para o Prof. Snape (ele não se importa mais com as detenções constantes)... Mas sorrir, sorrir de verdade... Nunca mais.

Harry é uma pessoa triste, fechada e amarga. Há dois nomes que uma pessoa inteligente e sensata não fala na presença dele: o primeiro, Bellatrix Lestrange. O pobre coitado que disser esse nome na frente de Harry recebe um olhar tão fulminante que deseja no mesmo momento nunca ter nascido. Já o segundo nome é ainda mais complicado que o primeiro: Sirius Black. Uma vez eu presenciei a cena em que Rony comentou sobre Sirius na frente de Harry; demorou vinte minutos para alguém conseguir tirá-lo do estado aéreo que se encontrava depois disso. Dizer o nome "Sirius" na frente dele é o mesmo que pedir para que ele fique calado por quase uma semana.

Talvez agora seja mais fácil entender aquelas frases que eu disse antes. "Amar é sofrer" é a minha frase, e "Sofrer é não amar" é a frase de Harry. Eu ainda o amo, mesmo que já tenha desistido dele, e sofro duplamente: por ele e por mim. Já Harry parece ter construído uma muralha em torno de si que ninguém consegue transpor. Ele não ama, ele não vive. Fazendo jus ao título que lhe atribuem: ele sobrevive. "O menino que sobreviveu."

Virgínia Weasley



Gina depositou a pena sobre o diário e suspirou longamente. O sol pálido de fim de verão estava se pondo no horizonte, e seu brilho incidia sobre as páginas amareladas pelo tempo nas quais ela tinha acabado de escrever aquelas memórias. Demorou muito para que tivesse coragem de escrever novamente em um diário, por motivos que ela não gostava de lembrar e principalmente comentar. Porém, naquele momento, ela viu necessidade em fazê-lo. Seu coração estava tão pesado que ela não conseguia mais guardar tudo aquilo somente para si mesma. Como não tinha nenhuma amiga com a qual se sentisse realmente confortável para contar essas suas particularidades, ela resolveu escrever e, dessa vez, em um diário que não lhe respondesse.

Era um domingo tranqüilo em Hogwarts, o que era um milagre; tranqüilidade era um item em falta no mundo da magia naquela época. Depois que o Ministério da Magia assumiu publicamente que Lord Voldemort estava de volta, com toda sua força e poder, o caos se estabeleceu de vez no mundo mágico. Havia ataques, mortes... Estas atingiam qualquer um, não importava quem fosse. Gina perdeu a conta de quantos colegas tinham perdido parentes ou amigos... Ela mesma passou por um momento difícil como esse um pouco antes do Natal do ano anterior; seu irmão Percy fora morto quando estava num trabalho do Ministério no sudoeste da Inglaterra. O único alento para sua mãe e toda a família Weasley era que Percy partira já livre das mágoas e brigas daquela época em que a maioria das pessoas não acreditava, muito menos ele, que Voldemort estava de volta.

- Ei... Gina... - alguém a chamou às suas costas.

Ela não respondeu. Estava concentrada demais em seus pensamentos para notar qualquer coisa.

- GINA!!!

- AHHH!!! - ela exclamou assustada, sendo bruscamente interrompida em seus pensamentos por aquele grito. Assim que virou lentamente seu rosto para quem era o autor do grito, viu uma menina loira, de cabelos desgrenhados e aparência sonhadora. - Qual é o seu problema, Luna? - Gina perguntou aborrecida depois de se recompor do susto.

- Eu não tenho problema algum. - Luna Lovegood respondeu. Gina não pôde deixar de reparar no chapéu ridículo que ela usava: era azul intenso, e uma grande águia, o símbolo da casa dela, a Corvinal, estava empoleirada no alto dele. Gina riria se não estivesse tão desanimada. - Parece que você é que tem um problema, Gina. Por que não pede para Madame Pomfrey dar uma olhada nos seus ouvidos? Você pode estar ficando surda...

- Nossa, que engraçado, Luna! Tô morrendo de rir...

- Eu não pedi pra você rir. - disse Luna, dando ares de desimportância a Gina, enquanto se sentava ao seu lado no banco. - Só citei um fato.

Gina esboçou um meio sorriso. Ela e Luna eram boas amigas, apesar de Gina se aborrecer constantemente com a mania que Luna tinha de lhe perturbar a paciência quando estava chateada. Se bem que isso poderia ser engraçado às vezes.

- Pra que o chapéu? - Gina perguntou, fechando o diário com cuidado para não borrar a tinta.

Luna deu um peteleco na águia empoleirada no alto do adorno, e ela bateu as asas freneticamente, soltando um pio histérico.

- Preciso melhorar isso. - falou Luna aborrecida. - O chapéu? - ela perguntou totalmente distraída. Gina assentiu. - Oras, pra que mais seria senão quadribol?

- Quadribol?

- Claro! Corvinal e Grifinória se enfrentam daqui a quinze dias, esqueceu? Seremos rivais! - ela riu mostrando os dentes.

- Não acredito que você está contando os dias...

- Vai ser um jogaço! - Luna ignorou o comentário de Gina. - O Harry está treinando muito o seu time esses dias, não é?

Harry tinha se tornado o capitão do time da Grifinória no ano anterior; na verdade, parecia ser realmente a única coisa pela qual ele se interessava e gostava de fazer. Rony ainda era o goleiro, e tinha melhorado bastante seu desempenho durante esse meio tempo, mesmo que ainda não fosse um Olívio Wood da vida. Gina pegou uma das vagas de artilheira; apesar de se dar muito bem como apanhadora, ela tinha a consciência de que Harry era bem melhor do que ela nessa posição e devolveu-a à ele. Além disso, ela não gostava muito de ser apanhadora; era muita pressão.

- Está querendo espionar para a Corvinal, por acaso?

- Você sabe muito bem que mesmo que eu estivesse fazendo isso, ninguém acreditaria na "Loony" Lovegood aqui quando ela fosse contar. - Luna suspirou, enquanto encostava-se ao banco. No começo, Luna ficava chateada quando alguém lhe chamava de "Loony", mas depois de um tempo se acostumou e começou a encarar com naturalidade. O apelido era até motivo de piada entre Gina e ela.

- Eu estava brincando. - Gina sorriu, levantando-se e ficando de frente para a colega, enquanto abraçava o diário.

O sol já tinha se posto, e a brisa da noite já acariciava as duas garotas. Luna, que estava observando o céu distraidamente, demorou muito tempo para perceber que Gina já estava de pé; quase deu um salto quando percebeu, e também se levantou.

- Que livro é esse? - ela perguntou, apontando para o diário.

- Não é um livro, é um diário.

Luna abriu um sorriso maroto.

- Me deixa ver!

- Não!

Ela soltou um muxoxo. Gina começou a caminhar, deixando Luna para trás, e a corvinal logo se apressou para acompanhar a amiga.

- O que você escreveu aí?

- Não interessa.

- Eu não queria ver mesmo. - ela deu de ombros, como se não ligasse.

Gina riu. É claro que ela queria saber; Luna era muito curiosa, o que provava que ela era mesmo filha de um jornalista. O pai de Luna era editor do "The Quibbler", a revista mais cheia de esquisitices do mundo mágico, e o sonho de Luna era ser dona de sua própria revista.

As duas penetraram no hall de entrada conversando sobre as aulas que teriam no dia seguinte. O cheirinho familiar do jantar vinha do Salão Principal, enchendo as narinas das garotas. A águia no topo do chapéu de Luna não parou de piar até que ela desse um soco no animal.

Porém, quando elas estavam quase chegando no Salão Principal, uma pessoa veio correndo e esbarrou em Gina, que caiu de costas no chão, o diário voando de suas mãos e aterrizando dois metros adiante.

- Ai! - a garota exclamou, sentando e levando a mão direita à cabeça, sentindo-se ligeiramente tonta pelo tombo.

- Ei, mas que falta de senso de direção, hein? - Luna comentou.

- Desculpe. - a pessoa murmurou, e Gina percebeu pelo tom de voz que era um garoto, mas ainda não o tinha reconhecido por estar ligeiramente atordoada. - Você tá legal, Gina?

A primeira parte dele que Gina viu foi sua mão estendida para ajudá-la a se pôr de pé. A garota levantou os olhos para ver o rosto do garoto, e seus olhos se arregalaram. Era Harry.

Além das mudanças no seu jeito de ser, Harry tinha mudado bastante fisicamente também. No entanto, essas foram para melhor. Ele não era mais aquele menino franzina e magricela que Gina conheceu, tampouco aquele garoto que parecia ter crescido rápido demais. Harry agora tomava feições de um homem; ele era muito mais alto que Gina, e só não tinha ultrapassado Rony porque ele sempre fora realmente alto. Seus ombros estavam mais largos, e seu rosto tomava formas bem mais adultas. Os cabelos negros e despenteados estavam ligeiramente mais compridos e caíam desarrumados sobre seus olhos, dando um charme peculiar ao rosto do rapaz. Na realidade, as únicas coisas que ainda eram as mesmas eram os olhos verdes, sempre escondidos atrás das lentes dos óculos redondos, e a inconfundível cicatriz de raio na testa. De resto, Harry tinha mudado completamente.

Ele continuou a encarando, intrigado pela resposta da garota estar demorando mais do que o normal. Gina finalmente se tocou e aceitou a mão dele estendida.

- Tudo bem, Harry. Eu tô ótima. - ela falou, enquanto se levantava com a ajuda dele.

- Ah, que bom. - ele disse aliviado. - Eu pensei que tivesse acontecido alguma coisa, você demorou para responder.

- É que ela estava admirando seus belos olhos verdes. - Luna se intrometeu. Gina a olhou como se pudesse linchá-la ali mesmo. - Cruzes, foi só um comentário...

Mas, de qualquer maneira, Harry não estava mais escutando. Ele tinha se abaixado para apanhar o diário que estava no chão. Olhou-o com uma certa curiosidade antes de oferecê-lo a Gina:

- É seu, não é?

- É sim. - ela respondeu rápido, praticamente arrancando o diário das mãos dele. A última coisa que ela queria no mundo nesse momento era que ele, ou qualquer outra pessoa lesse o que ela tinha acabado de escrever ali. - Obrigada.

- "Confidências de Gina Weasley". - Luna zombou. - Deve ser uma leitura bem interessante, pena que a autora não deixe ninguém ver...

- Se você não parar de falar besteira eu juro que esse mesmo diário vai te acertar tão rápido que você nem vai saber o que lhe atingiu. - Gina respondeu seca.

- Credo, que violência! - Luna fingiu um tom indignado. Essas demonstrações "carinhosas" eram comuns entre as duas, e elas mesmas achavam muito divertido. - Bem, vou-me embora já que ninguém me quer! Adeus!

E Luna foi embora com o nariz empinado. Os olhos de Harry acompanharam a garota, e depois caminharam, perplexos, até Gina, que segurava o riso.

- Estou preocupado. - ele falou.

- Por quê? - Gina perguntou confusa.

- Acho que a loucura dela pode estar começando a te afetar.

Gina riu. Às vezes Harry era engraçado sem saber, mas mesmo que ele fizesse piadas, nunca ria. Ela parou assim que reparou isso. Os olhos dele sempre eram opacos, como agora.

- Bem... Se está tudo direito aqui acho que já posso ir. Desculpe pelo descuido. - ele falou, referindo-se ao encontrão, e saiu da direção dela, começando a subir a escadaria para o primeiro andar.

- Você não vai jantar? - perguntou Gina.

- Não. - ele respondeu rápido, mas provavelmente percebeu que fora grosso, porque parou de subir, e se virou para olhá-la, completando: - Estou atrasado e sem fome também.

- Atrasado pra quê?

Assim que fez a pergunta, Gina desejou não tê-la feito. Sentiu-se tão intrometida quanto Luna. Harry pensou por alguns instantes, e respondeu:

- Coisa minha. A gente se vê.

E ele subiu as escadas, sumindo de vista. Gina deu de ombros, e seguiu seu caminho de volta ao Salão Principal. Harry deveria estar indo fazer alguma coisa importante, e não era à ela que ele iria contar. O garoto tinha se tornado tão fechado, que era difícil ele contar as coisas até mesmo para Rony e Hermione, imagine Gina.

O Salão Principal estava cheio e barulhento como de costume. O barulho de talheres batendo nos pratos podia ser ouvido em meio à barulheira que os alunos faziam com suas conversas. O cheirinho de comida invadiu novamente as narinas de Gina, embriagando-a. Antes de se dirigir à mesa da Grifinória, ela viu Luna sentada à mesa da Corvinal; até pensou em chamá-la para se sentar com ela, mas a garota estava tão entretida com seu bife com batatas, que Gina achou melhor conversar com ela mais tarde.

- Oi. - ela falou, assim que se sentou ao lado de Rony e de frente a Hermione.

- Oi, Gina! - os dois responderam ao mesmo tempo, felizes por ela ter chegado e finalmente poderem ter com quem conversar. Gina sabia muito bem o porquê disso.

Rony e Hermione ficaram pela primeira vez no sexto ano deles, mas nunca tiveram um relacionamento que durasse mais de uma semana. Muita gente já tinha notado que os dois se gostavam, e parecia que só eles mesmos que ainda não tinham percebido. Porém, mesmo que se gostassem, eles eram briguentos e teimosos demais para passarem muito tempo juntos. O namoro deles, se é que aquilo poderia ser chamado de namoro, tinha sempre esse constante "vai e volta". Atualmente eles estavam na fase do "vai", e quando isso acontecia, não se falavam de maneira alguma até que viesse a "volta". Harry, assim como Gina, bem que tentava apaziguar essas brigas, mas a paciência do garoto já se esgotara há muito tempo, tanto que, na maioria das vezes em que Rony e Hermione começavam a brigar, ele fingia que não via.

- Ah, então ainda não estão se falando? - Gina perguntou, enquanto se servia de purê de batatas.

- Como assim, "estão se falando"? - Rony perguntou com cinismo. - Não tinha ninguém aqui até você chegar, como eu poderia falar com alguém?

Gina viu Hermione lançar um olhar de profunda raiva contida para Rony. Foi difícil segurar o riso.

- Onde você estava, Gina? - foi a vez de Hermione perguntar, tentando desviar a atenção de Gina de Rony para ela. - Eu não te vi o domingo inteiro.

- Eu estava nos jardins. - respondeu Gina, enquanto engolia um pedaço particularmente grande de bife. - Apenas passando o tempo.

- Sorte sua. - Rony disse com desgosto. - Eu passei o dia inteiro fazendo tarefas e mais tarefas de casa... Ainda vou enlouquecer por causa desses N.I.E.M.s desgraçados...

- Os N.I.E.M.s são ainda mais importantes que os N.O.M.s, pois são o passaporte para ingressarmos nas nossas carreiras após Hogwarts. - Hermione falou com seu tom de sabe-tudo. - Mas teremos um descanso semana que vem com a visita a Hogsmeade.

- Estou contando os minutos para que esse dia chegue... - suspirou Rony.

Gina riu para o seu prato de purê. Subitamente, Rony e Hermione perceberam que estavam se falando, e logo tentaram desfazer o equívoco virando um para cada lado. Dois minutos depois, constrangido, Rony deu uma desculpa qualquer e saiu da mesa, deixando Gina e Hermione a sós.

- Vocês são tão infantis... - comentou Gina.

- "Nós"? - ela perguntou ofendida. - Ele é infantil!

Gina lhe lançou um olhar significante. Hermione se ajeitou na cadeira, mas tentou manter a pose.

- Ok, eu sou um pouquinho teimosa às vezes...

- "Pouquinho"? "Às vezes"?

Hermione emburrou a cara, mordendo o lábio inferior antes de dizer:

- "Muito teimosa a toda hora." Essa frase é melhor?

- Muito melhor. - Gina terminou o purê, e tomou um grande gole de suco de abóbora. - Qual foi a causa da briga essa vez?

Hermione se recostou na cadeira, desanimada.

- Rony continua implicando com a minha tentativa de libertar os elfos domésticos. Ele falou umas coisas muito idiotas para mim quando viu que viu a carta que eu quero mandar para o Ministério em favor da liberdade dos elfos. Nós discutimos e deu nisso.

Gina achou melhor não dizer que achava que havia coisas bem mais urgentes a serem resolvidas numa época de guerra, do que a causa dos elfos. Mas ela também sabia que seu irmão poderia ser bastante irritante quando queria.

- Por que vocês não conversam? - ela sugeriu.

- Não há diálogo entre nós. Rony é um cabeça dura.

- Então não sei como te ajudar...

- Você já faz muito me escutando. - Hermione sorriu. Gina retribuiu o sorriso timidamente. - Mas vamos mudar de assunto. E você, hein, Gina?

- Eu o quê? - ela perguntou, enchendo a boca com um generoso pedaço de pudim de chocolate.

Hermione sorriu marotamente.

- Oras, você sabe! - ela piscou. - Eu reparei que você e aquele garoto da Corvinal andam conversando bastante...

Gina desviou a cabeça para ver o garoto ao qual Hermione se referia. Ele estava conversando com alguns amigos, não muito longe de Luna, que agora devorava, assim como Gina, o pudim de chocolate.

- Ah, o Kevin? - Hermione assentiu, sorrindo. - Nós só somos amigos, acho que nem isso... colegas é a palavra certa.

- Hum, hum... Sei, mas parece que não é o que ele quer ser exatamente.

- É claro que é o que ele quer! - Gina falou categórica. - E se não for, ele vai ter que querer!

Gina e Hermione passaram o resto do jantar falando sobre banalidades. Hermione bem que tentou falar sobre suas ansiedades com relação aos N.I.E.M.s, mas Gina logo contornou o assunto, que recaiu sobre a visita a Hogsmeade. Naquela época de guerra, cada visita ao condado era um acontecimento diferente, pois a freqüência das visitas diminuiu bastante se comparado com os outros anos.

- Eu realmente queria que eu e Rony nos acertássemos antes dessa visita. - Hermione suspirou, enquanto ela e Gina caminhavam juntas na direção da Torre da Grifinória depois de terminarem o jantar.

- Ah, Hermione, então conversa com ele! Deve ter um jeito de vocês se acertarem!

- Não... Eu é que não vou me rebaixar!

Gina bufou.

- Ok, então faça o que quiser! - ela exclamou. - Por mim tudo bem, eu sei que vocês sempre acabam voltando mesmo...

Hermione olhou de esguelha para Gina e deu de ombros.

- Mas vai ser uma situação bastante constrangedora, sabe? Eu e Rony não vamos estar nos falando, e o Harry vai ficar naquela situação chata de ficar se dividindo entre nós dois que eu sei...

- Eu esbarrei nele quando vinha jantar. - Gina comentou. Hermione franziu as sobrancelhas.

- Esbarrou como?

- Ele veio correndo e me derrubou.

Hermione riu.

- Nossa, eu sabia que ele andava meio distraído, mas nem tanto.

Gina riu também.

- Você tem idéia para onde ele poderia ter ido? - ela perguntou com curiosidade. - Ele estava com tanta pressa...

- Eu acho... - Hermione pensou por alguns instantes. - ...que ele foi falar com o Dumbledore, mas não tenho certeza. Harry nunca fala direito o que vai fazer quando sai assim...

- Esquisito... Se bem que o diretor não estava mesmo no Salão Principal...

- É verdade. - Hermione parou de falar e refletiu por alguns minutos antes de dizer: - Às vezes eu tenho umas hipóteses muito malucas sobre o que o Harry vai fazer nessas saídas bruscas...

- É mesmo? - Gina perguntou intrigada.

- É sim... - Hermione riu. - Mas é um pouco descabido... Às vezes eu fico imaginando... - ela baixou o tom de voz. - ... se ele não teria se juntado à Ordem da Fênix!

Gina deixou o queixo cair.

- Como é que é?

- Eu disse que era descabido.

- Mas por que não poderia ser verdade?

- Ora, Gina, você sabe muito bem que menores de idade não podem entrar na Ordem!

- Mas o Harry não é menor de idade. Ele fez dezessete em julho.

Hermione não disse nada por alguns instantes. Gina a tinha pego desprevenida.

- Mesmo assim! Ele é muito jovem, você não lembra como foi com os gêmeos no meu quinto ano? Eles não puderam entrar na Ordem naquela época, e já eram maiores de idade.

- É, tem razão. - Gina ponderou. Lembrava-se muito bem da indignação de Fred e Jorge a respeito disso; eles só sossegaram quando conseguiram entrar na Ordem também, o que foi um pouco depois de Percy falecer.

- O Harry tem muitos afazeres. - Hermione disse de súbito. - Tem os N.I.E.M.s, o quadribol... ele não teria tempo nem cabeça para a Ordem.

- Pode ser.

- Peskipksi Pesternomi! - Hermione exclamou, e a Mulher Gorda abriu a passagem para a Grifinória.

Gina fez uma careta.

- De quem foi mesmo a idéia de colocar essa senha?

- Rony. - disse Hermione desgostosa. - Eu nunca deveria ter permitido que ele a escolhesse.

- Meu irmão e suas gracinhas... - Gina suspirou. - Lembre-me de dar umas boas pancadas na cabeça dele para ver se entra no tranco!

- Se algum dia a gente voltar a se falar, pode deixar que eu mesma o farei.

Hermione riu, assim como Gina, e as duas entraram no salão comunal da Grifinória.



*******



Hermione parou bruscamente de pentear seu cabelo e depositou a escova na penteadeira. "É, não está tão ruim para quem não tem namorado para se enfeitar...", ela pensou, suspirando, enquanto passava os dedos distraidamente pelos seus cachos castanhos.

Ela caminhou até a janela do dormitório feminino do sétimo ano. Dava para ver a manhã nublada de outono pelo vidro da janela. E também era possível ouvir as conversas fúteis das suas companheiras de quarto...

- O Simas me convidou para ir no "Madame Puddifoot"! - Lilá comentou entusiasmada. - E se ele tentar me beijar?

- Eu tomaria cuidado, Lilá... - Parvati respondeu. - O Simas é um tremendo galinha...

"É, você deve saber bem, Parvati...", Hermione pensou com sarcasmo. "Já ficou com ele umas três vezes!"

Ela suspirou, virando-se e apoiando as mãos no parapeito da janela. Não adiantava ficar mais ali, se arrumando. A única coisa que aconteceria seria ela ouvir mais coisas a respeito de feitiços de beleza e garotos. Não seria nada agradável. Tirando datas especiais, Hermione não usava esse tipo de feitiços, e garotos também não era um assunto que lhe agradava no momento, não depois de quase duas semanas sem ao menos falar com Rony.

Ninguém deu pela sua falta quando ela saiu silenciosamente do dormitório. Caminhava devagar, pensando aonde poderia ir. Provavelmente Rony e Harry estariam na sala comunal, e ela poderia ir falar com eles... Não. Não estava a fim de dar de cara com Rony naquele momento. Provavelmente iria passar o resto do dia com aquele mal-educado andando em Hogsmeade, e não precisava passar mais tempo olhando, ou melhor, tentando não olhar, para aquela cara emburrada dele. Teimoso... Por que não dava o braço a torcer de uma vez? Passou pelo dormitório do sexto ano. Sim, talvez pudesse ir conversar um pouco com Gina. Ela, assim como Hermione, também não compactuava das conversas vazias das colegas do seu quarto.

- Posso entrar? - Hermione perguntou depois de abrir uma fresta da porta.

Uma garota morena, que conversava animadamente com uma amiga, parou de falar instantaneamente. As duas olharam para Hermione, deram um sorrisinho, e comentaram algo entre si. Mesmo sem ter ouvido, Hermione sabia do que elas falavam: seu cabelo. Dane-se, ela não estava a fim de arrumá-lo muito mesmo.

- Hermione! - Gina exclamou do outro lado do quarto, onde estava sentada na sua cama, colocando os sapatos. - Vem aqui!

Hermione caminhou até a ruiva, sentando-se ao seu lado na cama dela. Gina terminou de arrumar seus sapatos e sentou-se ereta, postando as mãos nas coxas e sorrindo para a garota ao seu lado.

- A que devo a honra da visita da monitora-chefe? Ou será que fiz algo de errado?

Tanto Hermione, quanto Rony, tinham conseguido os cargos de monitores-chefes no começo do sétimo ano, mesmo sempre se metendo em encrencas junto de Harry. Hermione desconfiava, ou melhor, tinha certeza que havia dedo de Dumbledore e da Profª. McGonagall na nomeação dos dois.

- Claro que não... - Hermione riu, cruzando os braços. - Só resolvi dar uma passadinha aqui.

- Pensei que você estivesse com Rony e Harry.

Hermione suspirou desanimada. Gina ergueu as sobrancelhas.

- Não me diga que você e meu irmão ainda estão brigados!

- Tá bom, eu não digo.

- Ah, vocês dois... Quando vão mudar?

- Talvez nunca.

- É o que parece. - Gina lamentou, levantando-se. - Vamos embora daqui estou cheia desse lugar... - ela indicou as garotas que riam de alguma coisa e falavam aos cochichos.

- E para onde vamos? - Hermione perguntou quando já estavam encostando a porta atrás de si.

- Para a sala comunal, onde mais?

- Rony deve estar lá...

- Ah, Hermione! Vocês têm que parar com isso!

- Fala isso pra ele!

- Ok, eu te faço companhia agora, mas depois vou ter que te deixar... Vou encontrar a Luna mais tarde para irmos juntas a Hogsmeade.

- Obrigada, Gina! - Hermione exclamou contente, juntando as mãos.

As duas desceram as escadas que davam na sala comunal, e não foi muito difícil ver Harry e Rony sentados no chão, próximos da lareira, jogando xadrez bruxo. Harry olhava entediado para o tabuleiro, esperando a sua vez, enquanto Rony analisava demoradamente sua próxima jogada. Quando Hermione e Gina se aproximaram, Harry levantou os olhos para elas.

- Bom dia, garotas.

Gina respondeu com um sorriso, enquanto Hermione fez questão de dizer:

- Bom dia, Harry.

A reação de Rony foi imediata. O joelho dele se levantou sozinho e acabou esbarrando no tabuleiro, fazendo com que as peças se espalhassem no chão. A rainha e o bispo brancos fizeram gestos raivosos para o garoto.

- Viu o que você fez, Harry? Você me desconcentrou!

- Eu? - o garoto perguntou com os olhos arregalados. - Você se atrapalha todo só porque ouviu a voz da Mione, e eu é que te atrapalhei? Sai dessa vida, cara.

Imediatamente, tanto Rony, quanto Hermione, ficaram sem jeito. Gina suprimiu uma risadinha, mas ao perceber o clima pesado, tentou mudar de assunto:

- Vocês souberam da nova loja de doces que abriu em Hogsmeade? Parece que ela vai fazer concorrência com a Dedosdemel!

E eles começaram uma conversa banal sobre a visita a Hogsmeade que seria dali a pouco. Hermione e Rony faziam um grande esforço para não falarem entre si, mas Harry, sutilmente, fazia-os se dirigirem um ao outro sem que notassem. Quando eles percebiam, já era tarde demais, e Gina já estava rindo, enquanto Harry os mirava com um olhar vitorioso.

Quando já era quase dez da manhã, os quatro resolveram sair do salão para irem para Hogsmeade. Gina tinha combinado com Luna às dez e quinze na porta de carvalho que dava para os jardins. Assim que enxergou a amiga, ela se separou do trio, deixando para Harry a tarefa de agüentar Rony e Hermione sem se falarem.

- Hum, você tem andado muito com os três ultimamente, não é? - Luna perguntou como quem não queria nada para Gina, assim que a garota se aproximou.

- O mesmo de sempre, Luna. - a corvinal lançou um olhar para Harry e depois se voltou para Gina. - Não começa.

- Eu não disse nada! Você me ouviu dizendo alguma coisa?

Gina lhe lançou um olhar fulminante, e Luna se calou por apenas um minuto, quando começou a falar novamente:

- Eu falei com o Kevin hoje. - ela comentou, enquanto as duas davam suas autorizações para Filch, que as analisava profundamente.

- E daí?

- Daí que ele falou de você.

- E daí? - Gina perguntou desinteressada, enquanto as duas caminhavam pelos jardins. As nuvens estavam bem escuras.

- Ora, Gina, vai dizer que você não nota que ele tá a fim de você? Até eu, que sou louca e desligada, noto!

Gina se virou para ela, com um olhar condescendente.

- Você não é louca... Loony.

Luna tentou fazer uma expressão brava, mas não conseguiu e riu com Gina.

- Não tenta fugir do assunto, Srta. Weasley! - ela insistiu. - O Kevin pediu para eu te perguntar se você quer ir encontrá-lo no Madame Puddifoot. Você vai?

- Não.

- Você é durona, hein?

- Todas as relações que eu tive não deram certo, Luna, porque eu justamente não gostava de verdade dos garotos que estavam comigo. Da próxima vez que eu tiver alguma coisa com alguém, quero que seja verdadeiro.

- É... - Luna suspirou, enquanto olhava marotamente para um certo trio à frente delas, mais especificamente para um garoto de cabelos despenteados. - Talvez não tenha dado certo porque você ficava pensando numa certa pessoa...

- Eu juro que nunca mais, nunca mais mesmo, conto alguma coisa pra você, Luna! - Gina retrucou emburrada.

- Você não precisava contar. Qualquer um percebia.

- Mas eu desisti, entendeu? D-E-S-I-S-T-I! Já era, eu sei que isso é tempo perdido. Não sou idiota a ponto de ficar insistindo em algo que nunca vai acontecer!

- Calma, Gina, não tá mais aqui quem falou! - ela falou levantando as mãos, numa atitude defensiva. Gina não teve como não sorrir. - Pra onde vamos, então?

- Dar uma volta. Preciso refrescar minhas idéias.

Apesar do tempo feio, Hogsmeade estava bem agradável para passear e se divertir naquele dia, ainda mais para alunos que estiveram trancados no castelo por mais de um mês. Gina e Luna foram na Dedosdemel, na Zonko’s e na Dervixes e Banges. Depois de quase meia hora para Gina arrancar Luna de frente de uma banca de revistas, as duas começaram a planejar para onde iriam a seguir.

- A gente podia ir ao correio. - Luna sugeriu, enquanto lambia seu sorvete. As duas tinham passado na sorveteria antes.

- Já estou cansada de corujas. - Gina respondeu. - Posso ver um monte se for no corujal. Mas podíamos ir à loja de animais! Tem uns gatinhos lindos lá!

- Não tem lugar melhor, não?

- Ah, Luna, eu já te esperei na banca, agora é a sua vez!

A loja de animais estava com o costumeiro cheio de cocô de animais, mas Gina não se importou e foi direto na parte onde estavam os gatos. Luna a seguiu, sem dar muita importância aos bichos, ainda lambendo distraidamente seu sorvete enquanto observava o resto da loja. Foi nesse momento que Gina sentiu dedos no seu ombro.

- Pára de me cutucar, Luna! - Gina exclamou, virando-se para olhar a garota.

- Olha quem tá ali! - ela apontou para um grupo próximo ao balcão.

Hermione e Rony estavam com os rostos virados, enquanto Neville, segurando Trevo e uma sacola de compras nas suas mãos, estava entre os dois, totalmente sem jeito. Harry estava falando com a vendedora, comprando alguma coisa.

- O que é que tem? - Gina perguntou.

- Vamos até lá, oras!

Luna puxou Gina, praticamente carregando-a até onde estavam os outros.

- E quanto aos gatinhos que eu queria ver?

- Você os vê depois, garota! Que coisa!

- Ah, tá...

- Oi, pessoal! - Luna exclamou, assim que as duas chegaram perto do grupo.

Rony e Hermione olharam intrigados para as duas, enquanto Neville parecia agradecido por ter mais gente que não estivesse brigada perto dele. Luna não deixou essa escapar despercebida:

- Viemos te salvar desses dois malucos, Neville! - Luna exclamou animada, apontando para Rony e Hermione, que lhe lançaram olhares fulminantes. Neville parecia bem tentado a concordar com Luna.

- Sua doida! - Gina exclamou, dando uma cotovelada em Luna. - Se toca!

- Mas é verdade!

Hermione ia dizer algo quando a voz de Harry, que tinha se aproximado, se sobrepôs a dela:

- Ela está certa. Vocês dois estão muito chatos com essa briga ridícula. - Rony fez uma careta para o amigo. Harry não se importou. - Vocês fazem qualquer um subir pelas paredes! Deu pena do Neville, sabe?

- Não, tudo bem... - Neville fez um gesto displicente.

Hermione olhou para o menino com um olhar fuzilante, e Neville tremeu.

- Afinal, você comprou ou não o remédio da Edwiges? - Rony perguntou a Harry.

- Tá aqui. - ele respondeu, mostrando a pequena sacola. - Já podemos ir, se é isso que tá querendo insinuar.

- Vamos pra onde, agora? - Hermione perguntou.

- Que tal o Três Vassouras? - Rony sugeriu e, assim que percebeu que tinha respondido uma pergunta de Hermione, fechou a cara.

- Ótimo! - Harry exclamou, e apontou para Gina, Luna e Neville. - E vocês três estão convidados também, porque eu juro que vou ter um ataque de nervos se tiver que agüentar sozinho mais um minuto que seja de Rony e Hermione brigando!

Harry ignorou solenemente as caras emburradas que os dois amigos lhe mostraram depois dessa frase, e os seis garotos seguiram para o Três Vassouras. O bar estava quase inteiramente cheio, e eles penaram para achar uma mesa sobrando. A única que conseguiram era no fundo do bar e, pior, ao lado da de um grupo de sonserinos que incluía Draco Malfoy, Crabbe e Goyle.

- Ei, Granger! - Pansy Parkinson, que também estava no grupo, gritou assim que os garotos se acomodaram em suas mesas. - Há quantos dias você não penteia esse ninho de aranhas em cima da sua cabeça?

A mesa da Sonserina explodiu em gargalhadas. Rony olhou mais atravessado para a sonserina do que a própria Hermione. Neville murmurou bem baixinho:

- Se a gente ignorar, eles vão parar.

Mas Hermione, que não estava em um de seus melhores dias, já tinha se virado e dito:

- Desde do dia em que você bateu as suas fuças numa porta e ficou com essa cara amassada, Parkinson! Ah, esqueci, você já nasceu assim prejudicada, né?

Foi a vez da mesa da Grifinória começar a rir. Harry apenas sorriu levemente. Madame Rosmerta se aproximou da mesa, e perguntou o que eles queriam.

- Seis cervejas amanteigadas. - Harry, que era o único que não gargalhava na mesa, pediu.

- E então, Potter? - Draco Malfoy, depois que Madame Rosmerta foi embora, se virou para a mesa dos garotos. - Quando você vai morrer, hein? Nenhum dementador foi à sua casa nas férias te matar dessa vez, não?

Instantaneamente, a mesa dos grifinórios ficou em silêncio absoluto. Todos estavam paralisados; aquilo não era assunto que se brincasse, mas em se tratando de Malfoy, qualquer coisa poderia ser esperada. Harry se virou calmamente para o sonserino e falou, como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo:

- Não se preocupe, Malfoy. Quando eu morrer, não vou me esquecer de te visitar toda noite para puxar o seu pé!

O sorriso no rosto do sonserino se desfez como por mágica. Luna começou a rir escandalosamente, enquanto os outros apenas sorriam, não era possível saber se pela frase de Harry ou pela risada de Luna. Madame Rosmerta se aproximou com as bebidas, deixando um papel na mesa dos sonserinos.

- A conta que vocês pediram, garotos. E sem querer ser inconveniente, mas é que o bar está cheio, se vocês não foram consumir mais nada, tem outras pessoas precisando de mesas.

Luna riu mais escandalosamente ainda, enquanto os outros apenas abafavam risadinhas depois de verem os sonserinos serem praticamente expulsos do bar. Antes de ir embora, Malfoy olhou ameaçadoramente para Harry, que apenas retribuiu com um sorriso sarcástico.

Depois de muitas piadas sobre os sonserinos, o assunto da mesa variou para piadas sobre os professores mais chatos. Luna começou a comentar sobre um artigo do "The Quibbler", mas ninguém deu muita importância a isso. Lá fora, o tempo estava cada vez mais feio. Depois de duas rodadas de cervejas amanteigadas, Harry se levantou bruscamente.

- Ué, aonde você vai? - Rony perguntou.

- Tenho que ir a um lugar. - Harry respondeu, enquanto olhava rapidamente seu relógio de pulso. - Não vou demorar, eu acho.

- Você não pode esperar um pouco, Harry? - Hermione olhou apreensiva pela janela e viu as nuvens negras no céu. - Se você for agora, provavelmente vai ser pego pela chuva.

- Uma chuvinha não vai me derreter.

Luna riu demasiadamente mais uma vez; todos a olharam como se ela tivesse problemas mentais, mas mesmo assim ela demorou um pouco para parar de rir. Rony encostou-se ao banco e sorriu marotamente.

- Isso tá me cheirando a um encontro... É aquela menina do sétimo ano da Corvinal, Harry? Aquela que tá a fim de você?

As bochechas de Harry ficaram ligeiramente avermelhadas assim que ele notou que todos na mesa estavam olhando para ele. Rapidamente, ele emburrou a cara, e uma veia saltou na sua têmpora.

- Como é mesmo o nome dela? - Rony se perguntou.

- Eu acho que era Celine! - Neville se intrometeu, mas acabou recebendo um olhar fuzilante pela segunda vez no dia, a diferença era que quem o lançava agora era Harry.

- Isso! - Rony exclamou. - É ela, não é, Harry?

- Você está sendo inconveniente, Rony! - Hermione, para espanto de todos, se dirigiu ao garoto. Rony ficou tão surpreso, que por alguns instantes, não sabia o que responder.

- Eu só fiz uma pergunta, e não foi nada de mais! E eu também não estava falando com você, Hermione!

Gina, Luna e Neville se entreolharam entediados. Era o início de mais uma briga entre os dois. Harry suspirou desanimado.

- Você é um insensível!

- E você uma intrometida!

- Rony... Hermione...

- Idiota!

- Chata!

- RONY! HERMIONE!

- CABEÇA-DURA!

- SABE-TUDO!

Harry bufou de irritação. Parecia não adiantar mesmo tentar chamá-los à realidade.

- Desiste. - Gina sugeriu.

- É o que eu vou fazer mesmo. - ele olhou para os outros três, tentando ignorar a discussão dos amigos. - Vocês avisam esses dois que eu os encontro mais tarde?

- Não se preocupe! - Luna disse num tom brincalhão.

- É, não vamos esquecer. - Neville completou. Harry o olhou com descrença; Neville era a pessoa mais esquecida da face da Terra.

- Deixa que eu aviso. - Gina completou.

Harry assentiu e, depois de acenar para eles, deixou o bar. Demorou mais alguns minutos para que Rony e Hermione parassem de discutir e percebessem a ausência do garoto.

- Muito suspeito... - Rony comentou após alguns minutos. - Eu ainda acho que é um encontro. E vocês?

- Tem coisas mais interessantes a se fazer do que discutir os compromissos do Harry, não é? - Gina perguntou irônica. Rony se debruçou na mesa, olhando inquisidoramente para a irmã.

- É mesmo? Parece que você sabe onde ele foi...

- Eu? Por que eu saberia?

- Bem... - Rony se encostou novamente no banco. - Saberemos se é realmente um encontro se você sair daqui sozinha daqui a pouco...

Luna, Neville e até mesmo Hermione deram risadinhas da insinuação de Rony. Gina emburrou a cara e olhou muito brava para o irmão. Quando é que ele iria parar com essa besteira? Já não era daquele dia que ele dizia essas coisas, mas nunca aconteceu e nem aconteceria. Tolice.

Seria mesmo?



*******



A chuva caía forte na calçada em frente a uma loja de modas fechada há muito tempo. As gotas que ricocheteavam no chão molhavam os tênis de Rony e penetravam pelos furos dele. "Droga. Por que tudo que eu tenho é ruim?"

Ele desviou os olhos dos seus próprios calçados velhos e olhou de esguelha para Hermione. Os dois estavam debaixo de uma pequena marquise, esperando a chuva melhorar. Ela olhava vagamente para a chuva, parecendo estar com o pensamento muito distante.

Aquele silêncio o incomodava. Ele daria tudo para saber o que ela estaria pensando naquele momento. Será que estaria pensando nele? Não... Hermione não era uma dessas garotas que ficava suspirando pelos cantos só porque brigou com o namorado. Ela era diferente, e exatamente por esse motivo Rony gostava dela.

Porém, ela bem que podia ser um pouco menos orgulhosa, não é? Tudo bem... Talvez ele tivesse exagerado, mas não era para tanto também... Quase duas semanas sem ao menos olhar direito na cara dele? "Ninguém merece..."

- Parece que aqueles três fizeram isso de propósito! - ela comentou, quebrando o silêncio.

- Fizeram o quê?

- Nos abandonaram... Eu e você...

- É, pode ser... - Rony tentou disfarçar seu constrangimento. Ele sabia que Gina, Luna e Neville tinham deixado-os sozinhos de propósito. Mas o que Hermione não desconfiava, era que Rony tinha pedido isso à irmã...

- E Harry? - Hermione exclamou de súbito. - Ele disse que voltaria, mas nem deu as caras.

Rony também pediu para que Harry se ausentasse assim que pudesse, mas ele não contaria isso a Hermione. Harry não se importou, disse que tinha mesmo umas coisas para resolver. Rony olhou novamente de esguelha para Hermione. Droga, porque essa marquise tinha que ser tão pequena? Isso também o constrangia...

- Nos molharíamos muito se saíssemos nessa chuva, não é?

- Acho que sim. - ele respondeu.

Novamente silêncio. Rony não conseguiu dizer mais nada, assim como Hermione. Ela começou a brincar com seus cachos do cabelo ligeiramente molhados. Não era muito confortável ficar olhando para Rony. Por que eles tinham que estar tão próximos? O braço dele roçou o seu. Hermione tremeu involuntariamente, e desgrudou do braço dele. A chuva molhou o seu outro braço. "Ótimo, agora tenho que escolher entre encostar nele ou me molhar!"

- Por que a gente tem que brigar tanto? - ele perguntou de súbito. - Hermione se assustou tanto, que acabou dando um passo para trás e ficando com parte do corpo na chuva. Rony se virou para olhá-la. - Vai acabar pegando um resfriado desse jeito!

Ele a segurou pela mão e a puxou bruscamente. Hermione acabou dando de cara no peito dele, e Rony respirou mais fundo para sentir o cheiro do cabelo molhado dela. A garota logo se desvencilhou dele, e se virou para o outro lado, aturdida.

- O que você tinha perguntado mesmo?

- Por que a gente briga sempre?

- Talvez por você ser tão teimoso... - ela respondeu tímida. - E eu também...

- Sabe? Eu nem lembro direito por que brigamos dessa vez... - ela se virou para olhá-lo. - Mas... se... eu te magoei... muito...

"Droga por que é tão difícil dizer?"

"Será que ele vai dizer o que eu estou pensando? Ao menos uma vez ele vai admitir que errou?"

O barulho da chuva quebrava o silêncio. De que importava que a marquise era pequena e que começava a chover de vento? Eles estavam se molhando e nem ligavam. Estavam muito próximos um do outro, e não era mais motivo de constrangimento... Era até muito bom.

- Eu... eu...

Um som parecido com uma pancada se sobrepôs ao constante som da chuva batendo no chão. Um grito. Vários gritos. Rony e Hermione se entreolharam, assustados.

- O que é isso? - ela perguntou aflita.

Os olhos de Rony se arregalaram, enquanto ele olhava fixamente para um ponto atrás da garota.

- HERMIONE!

Antes que pudesse se dar conta de qualquer coisa, Hermione viu-se envolvida pelos braços de Rony, que a empurrou para o lado, fazendo com que eles caíssem com um som aquoso no chão enlameado de terra batida. Uma voz gritou uma maldição e, por baixo do corpo de Rony, Hermione pôde ver o brilho de um feitiço sobre suas cabeças.

Rony saiu de cima dela, mas não de sua frente, protegendo-a com o corpo. Ela pôde ver melhor o que estava acontecendo, mas sua visão não foi nada agradável. Um homem encapuzado, vestido de preto, apontava uma varinha para eles.

Um Comensal da Morte.



*******



Gina encostou-se a uma parede, colocando a mão sobre o peito que subia e descia. A chuva batia insistentemente na sua face, e ela já estava completamente encharcada. Mas isso não era importante. Perto do que estava acontecendo, nada era mais importante do que escapar.

Tinha acabado se separando de Luna e Neville na confusão. Sua respiração continuava descompassada, e duvidava que fosse se acalmar logo. Ela fechou os olhos por um segundo. Aquelas imagens... haviam Comensais da Morte... dementadores... lembranças ruins...

Ela olhou para a varinha que estava na sua mão trêmula. Bem que tentou fazer o feitiço do patrono que, num dia distante, Harry começou a ensinar nas suas aulas do E.D. Mas nem ela ou Luna tinham conseguido algo muito substancial. Neville tinha sido atingido por uma maldição quando tentava duelar com um Comensal. Tolo, ele não tinha chance contra um Comensal adulto e bem treinado. Será que estaria bem? E Luna?

Gina abriu os olhos bruscamente. Não podia ficar ali. Parada, num lugar aberto como aquele, era um alvo fácil. Precisava achar um local seguro. Enfrentar Comensais era algo totalmente diferente quando se estava junto dos outros, como foi no seu quarto ano. Sozinha, ela não tinha certeza se conseguiria...

A água molhava seus sapatos toda vez que pisava em alguma poça. Ainda podia ouvir os gritos distantes. Aquilo era perturbador... e desesperador. Não havia ninguém por perto para sua sorte... ou azar. Ela começou a subir uma ladeira, desajeitadamente. Assim que chegou no topo, viu a Casa dos Gritos. E se fosse se esconder ali?

"Não, Gina, isso é covardia! Você vai ficar escondida aí, sem fazer nada? Desça e enfrente tudo isso como uma grifinória!"

Mas ela estava sozinha. Sentia a varinha gelada na mão direita, e a chuva ainda batia no seu rosto; seus cabelos estavam pesados de tão molhados. Seus olhos se arregalaram; sons de passos pisando em poças d’água invadiram seus ouvidos. Ela apertou ainda mais os dedos em volta da varinha.

Os passos cessaram. Gina estava paralisada. O que faria agora? A chuva parecia cair cada vez mais forte, e já era possível ouvir o som de trovões nas redondezas. Temia pelo que veria se virasse o rosto para olhar quem tinha se aproximado. As gotas de chuva escorriam pelo seu braço e pingavam pela ponta da varinha no chão de terra.

- Vire-se, garotinha.

Era a voz de uma mulher. Havia zombaria na voz dela. Gina sentiu o sangue correr mais quente nas veias; a varinha tremia na sua mão de tanto apertá-la. O que ela faria agora? Não podia simplesmente se virar e olhar para a mulher. Sabia que isso seria suicídio. Não tinha muita chance, mas talvez se... Sim, era um plano idiota, mas talvez lhe desse ao menos tempo.

Gina se virou rapidamente, com a varinha apontada, e antes mesmo que a mulher tivesse tempo para lhe lançar um feitiço, gritou:

- Estupefaça!

Um jato de luz saiu da varinha de Gina, bem na direção da mulher, que rapidamente conjurou uma barreira à sua volta. O feitiço de Gina ricocheteou, e ela teve que correr para que não a atingisse. A mulher começou a rir.

- Menininha tola! Acha mesmo que pode contra mim? - ela disse com aquela voz gelada, rindo, ao mesmo tempo em que retirava o capuz, revelando um rosto que, com certeza, um dia já tinha sido muito belo. Gina prendeu a respiração ao reconhecê-la. - Pense duas vezes. Uma garotinha como você, que mal largou as bonecas, não tem a mínima chance contra Bellatrix Lestrange!

"É ela mesma!", Gina pensou com desespero. A mulher que tinha matado Sirius, o padrinho de Harry, e que também tinha enlouquecido os pais de Neville! Se nem eles, que eram aurores e membros da Ordem da Fênix puderam contra essa mulher, como Gina conseguiria escapar dela? Estava com um problema, um enorme problema.

- O que foi? - Bellatrix perguntou com uma voz divertida. - A menininha está com medo? Para seu azar, garotinha, a mamãe não está aqui...

Gina apertava tanto os dedos em volta da varinha, que quase estava furando sua pele com as unhas. Um sentimento totalmente novo se formou dentro dela. Não era medo ou temor, era raiva... orgulho. Aquela mulher não iria zombar dela, não poderia permitir isso. Ela era uma grifinória, uma Weasley! Ela iria lutar.

- Petrificus Totalus! - Gina exclamou com a varinha apontada.

Bellatrix se desviou, gargalhando, e o feitiço atingiu uma árvore atrás dela. Gina também mudou de posição; ficaria em desvantagem se permanecesse num lugar só. Mas não havia muito para onde ir; de um lado, a ladeira por onde subira; do outro, um barranco bastante inclinado. A Casa dos Gritos estava no meio de tudo, mas Gina não iria fugir para lá de maneira alguma.

- Vou te mostrar um feitiço de verdade, garotinha! - Bellatrix disse com sua voz zombadora. - Crucio!

Gina se jogou no chão dois segundos antes do feitiço atingi-la, e ele passou zunindo pela sua cabeça. Ela sentiu a terra molhada sujando seu rosto, enquanto a chuva ainda batia no seu corpo. Bellatrix ainda ria, o que fez Gina ficar mais enraivecida.

"- Pronto. - falou Harry, quando ela voltou a se sentar novamente. - Devemos ir para a prática agora? Eu estava pensando, em primeiro lugar, nós deveríamos tentar Expelliarmus, vocês sabem, o Feitiço de Desarmamento. Eu sei que é bem básico, mas eu achei isso muito útil-

- Ah, por favor! - disse Zacharias Smith, levantando seus olhos e cruzando os braços. - Eu não acho que Expelliarmus é exatamente o que vai nos ajudar contra Você-Sabe-Quem, você não acha?

- Eu já usei esse feitiço contra ele. - replicou Harry com calma. - Isso salvou a minha vida em Junho."

Mas é claro, por que não tinha pensado nisso antes? Se conseguisse desarmar Bellatrix, conseguiria uma grande vantagem. O problema seria desarmá-la, mas pelo menos Gina tinha que tentar. Ela se levantou e apontou a varinha novamente para Bellatrix, que gargalhava. Estreitou os olhos e gritou:

- Expelliarmus!

Bellatrix sorriu vitoriosamente e, também com a varinha apontada, exclamou:

- Protego!

O Feitiço de Desarmamento ricocheteou e, antes que Gina pudesse sequer pensar em fazer alguma coisa, ele a atingiu em cheio. A garota foi lançada para trás, e ela viu sua varinha voando para longe do alcance de suas mãos. Sentiu as costas batendo com força na terra molhada quando aterrizou; uma pedrinha muito irritante estava pinicando a região das suas costelas.

A chuva bateu nos seus olhos quando ela os abriu. Um pouco tonta pelo baque, Gina se sentou e levou um susto ao perceber onde se situava; por poucos centímetros não tinha caído barranco abaixo. Seus olhos rapidamente buscaram pela varinha, porém, quando esticou a mão para apanhá-la, Bellatrix gritou:

- Pare! Não ouse fazer isso!

Pelo canto dos olhos, Gina viu a varinha da mulher apontada diretamente para seu coração. Bellatrix estava a alguns metros dela, mas mesmo assim, se lançasse um feitiço dali, ele seria certeiro. Sua mente funcionava a mil. Correu os olhos para o outro lado; estava entre Bellatrix e um barranco assustadoramente íngreme. Não tinha escolha: estava encurralada.

- Acho que você perdeu, garotinha... - Bellatrix sorriu. - O jogo acabou para você...

Gina pôde ver quando a mulher abriu a boca para dizer o feitiço mortal. Fechou os olhos. Estava morta, não havia escapatória. Pelo menos tinha lutado... O que seria de sua família depois de perder mais um filho? Sua mãe, seus pais, seus irmãos... Ela tinha fracassado com todos eles...

- Locomoto Mortis!

Gina abriu os olhos exatamente no momento em que Bellatrix caiu de joelhos no chão, com as pernas totalmente paralisadas. Atrás dela, Gina pôde ver, boquiaberta, Harry com a varinha apontada e um olhar de ódio no rosto. Gina não se lembrava de tê-lo visto dessa maneira alguma vez na vida; sua expressão era tão fria e dura, que até mesmo ela ficou assustada. Parecia que ele seria até mesmo capaz de matar Bellatrix bem ali...

Tudo aconteceu muito rápido depois disso. Bellatrix conjurou o contrafeitiço, e logo se pôs de pé novamente. Ao mesmo tempo, Gina se jogou para pegar sua varinha. Harry conjurou uma barreira para o feitiço que Bellatrix lhe lançara, e ela correu para não ser atingida de volta.

Gina se levantou trêmula. O que deveria fazer? Deveria interferir? Harry parecia saber muito bem como se portar num duelo como esse. Ele e Bellatrix trocavam feitiços totalmente desconhecidos para Gina. Mas mesmo assim, ela se via na obrigação de ajudá-lo. Segurou a varinha com firmeza e mirou-a em Bellatrix. Precisava acertar.

- Impedimenta!

O feitiço acertou a mulher, que cambaleou para trás, caindo no chão, atordoada. Harry ficou tão surpreso, que acabou abaixando a varinha e olhando surpreso para Gina. Os dois trocaram olhares por um segundo, mas Gina não conseguiu traduzir o que dizia o inexplicável brilho nos olhos verdes do rapaz. Eles não perceberam que Bellatrix conseguiu se levantar e apontou a varinha para Gina.

- Avada Kedrava!

A cena toda aconteceu em milésimos de segundo. Harry virou o rosto rapidamente para Bellatrix a tempo de ver a luz verde saindo de sua varinha. Ele girou sua capa e desaparatou. Um instante depois, reapareceu na frente de Gina, e ela se viu envolvida pelos braços dele, que a empurraram para trás sem pestanejar. Ainda abraçados, eles caíram no barranco.

Bellatrix ficou parada, a varinha ainda apontada para o nada. Ela observou a luz verde do seu feitiço se perder no céu escuro, que acabara de ser iluminado por um trovão. A chuva escorria gelada pelos seus cabelos. Ela sorriu; tinha vencido. Mas ainda não era tempo de sorrir, lembrou-se.

Caminhou com cautela até o barranco. Eles deveriam ter caído, ela os viu cair... mas não custava checar. Olhou com cuidado para baixo, a varinha ainda a postos para qualquer emergência. Não havia absolutamente nada ali. Nenhum sinal, nenhum vestígio deles... O sorriso se alargou no seu rosto.

Eles tinham mesmo caído. Provavelmente já estariam mortos. Somente um milagre os salvaria, mas Bellatrix não acreditava em milagres. Ela tinha, praticamente, matado Harry Potter. Receberia as maiores honrarias que um Comensal da Morte poderia receber. Finalmente, seria a mais importante, o braço-direito do Lord das Trevas...

- O mestre precisa saber disso agora...

Sua risada ecoou por todo o lugar.



*******



A terra se misturava à chuva enquanto eles caíam. Gina teve que fechar os olhos para não ser cegada pelas pedras que rolavam no seu rosto. Harry a apertava contra si, mas ela ainda sentia os pedregulhos do barranco rasgando suas roupas e furando sua pele. O mesmo deveria estar acontecendo com ele também. Gina teve medo; eles morreriam.

O barranco parecia não terminar nunca, e eles continuavam rolando sobre a terra molhada misturada aos pedregulhos. Gina podia ouvir o som da chuva batucando nos seus ouvidos, e os trovões altos ecoando na escuridão para onde ela estava caindo. Como Harry teria lhe achado ali? Por que ele fez isso? Ele salvou sua vida, mas eles morreriam dali a pouco, de qualquer maneira.

Finalmente, a descida terminou, e eles pararam de rolar no chão reto e sólido. Gina ainda permaneceu com os olhos cerrados por alguns instantes. Estaria viva ou morta? Ainda sentia a chuva batendo no seu corpo. Isso era morrer? "Não!", uma voz gritou dentro de sua cabeça. Gina, com surpresa e euforia, percebeu que estava viva.

Ela abriu os olhos e, com o coração disparado, percebeu que estava sobre o corpo de Harry. Rapidamente, saiu de cima dele e se ajoelhou ao seu lado. Ele estava desacordado. O seu rosto estava virado para o lado contrário, e os cabelos despenteados caíam sobre ele, de forma que Gina não conseguia enxergar direito a face do rapaz. A garota segurou o rosto dele e o virou delicadamente para ela. Seus olhos se arregalaram, e ela respirou mais fundo.

O rosto de Harry estava repleto de cortes feios, além de estar muito sujo de terra. Isso se devia um pouco a Gina também; para protegê-la enquanto caíam, ele acabou se ferindo daquela maneira. Ela tencionou acariciar o rosto dele, mas se deteve. Não, não era momento para aquilo.

Levantou a cabeça e tentou enxergar alguma coisa lá em cima. O barranco era mesmo muito íngreme e profundo; Gina não acreditaria que tinha mesmo sobrevivido senão sentisse seu coração bater tão depressa no seu peito. Será que Bellatrix ainda estaria lá no alto? Não dava pra ver... E se ela viesse procurá-los? E se desaparatasse ali, atrás deles, querendo terminar o serviço? Precisavam sair dali.

- Harry... - Gina chamou o rapaz, cutucando-o delicadamente. - Acorda, Harry...

Nada. Nenhum sinal. Gina começou a ficar preocupada. E se ele tivesse batido a cabeça, ou coisa assim? Cutucou-o novamente. Nada, ele nem se mexia... Não podia permanecer ali também, precisava ir para um local mais seguro... Mas aonde?

Ela olhou para os lados, e a única coisa que existia por ali era um monte de árvores. Talvez, se levasse Harry até o meio das árvores... Seria mais difícil para Bellatrix achá-los. Gina se levantou e segurou Harry pelos ombros, começando a puxá-lo.

- Ah! - ela suspirou, soltando-o.

Não conseguiria desse jeito. Nem ao menos conseguiu movê-lo! Gina pensou por alguns instantes, cutucando Harry de vez em quando, mas ele ainda não se mexia. "O que eu faço?" Subitamente, ela teve um estalo. Mas é claro, onde estava com a cabeça para não pensar nisso logo de cara?

"Só espero que funcione...", ela pediu.

Gina apontou sua varinha para Harry e exclamou:

- Mobilicorpus!

Lentamente, o corpo de Harry começou a se mover. Gina caminhou com ele por alguns minutos até achar uma grande árvore, onde o colocou sentado, encostando-o no tronco. Ele ainda não tinha acordado; aquilo estava angustiando Gina, e ela estava começando a ter pensamentos ruins a respeito.

- Harry... - ela chamou mais uma vez, mexendo de leve no garoto. Nada. - Harry!

Gina segurou o rosto dele entre as suas mãos e sentiu suas mãos molhadas. Olhou-as e viu que estavam sujas de sangue. Sangue de Harry... Ela tirou da frente do rosto dele as várias mechas que o cobriam e pôde ver melhor: havia um grande rasgo na testa dele, bem próximo à cicatriz, e vazava muito sangue. Ele provavelmente tinha batido a cabeça...

"Ah, não... Por favor, isso não está acontecendo..."

Ela estava começando a se desesperar. Harry não acordava de maneira alguma... E se tivesse sido grave? E se... não! Não queria nem pensar nessa hipótese! Se ela estava viva, ele também tinha que estar!

Gina aproximou seu ouvido do peito dele e, depois de alguns segundos, conseguiu ouvir seus batimentos cardíacos. "Graças a Deus... Ele está vivo." Ela se afastou e olhou para o rosto dele. Mesmo assim, poderia ter acontecido algo grave. Cutucou-o novamente, mas nada aconteceu. "Pense, Gina... pense... pense... AH! Sua burra! Você é uma bruxa ou o quê, sua tonta?"

Ela pegou novamente sua varinha e apontou-a para o peito do rapaz. Aquilo funcionaria, tinha que funcionar! Se não funcionasse, aí sim ela não saberia mais o que fazer. Respirou fundo e disse:

- Enervate!

Ele não abriu os olhos. O coração de Gina estava quase saindo pela boca. Ela se aproximou mais dele, e seus rostos ficaram muito próximos. "Céus, ele não se moveu nem um centímetro! Por favor, abre os olhos..." Ela pôde sentir a respiração dele. Então ele estava respirando? De desesperada, Gina passou a eufórica.

- Harry...

Lentamente, ele abriu os olhos. Primeiro, ele a encarou vagamente, como se não a estivesse vendo direito. Eles estavam realmente muito próximos um do outro. Harry piscou algumas vezes até seus olhos se arregalarem.

- AHHH!

Ele empurrou Gina com força, e ela caiu sentada no chão úmido. Harry estava colado ao tronco da árvore, olhando para a garota com uma expressão assustada. Gina estava atordoada. O que ele estava fazendo?

- Har...

- Quem é você? - ele perguntou de supetão. - O que você tá fazendo aqui? Que lugar é esse? Por que você tava em cima de mim?

Gina não conseguiu absorver todas as perguntas que Harry fez no curto espaço de tempo de cinco segundos. Era impressionante a velocidade com a qual ele conseguiu falar tudo aquilo. Ela se sentou melhor no chão, enquanto ele a olhava como se ela fosse um bicho ou coisa assim. Gina se aproximou dele, mas Harry levantou a mão e exclamou:

- Enquanto você não se explicar, também não vai se aproximar!

Gina ficou paralisada. Aquilo não estava fazendo sentido algum... Por que ele estava agindo assim? Será que estava brincando com ela? Mas ele parecia estar falando sério... Além do mais, Harry não era de brincadeiras. Ele era até sério demais...

- Espera um pouco, Harry. Respira fundo e se acalma, ok? - ele ergueu as sobrancelhas, mas ainda manteve uma posição defensiva. - Sou eu, a Gina! Ora, vamos! Nós nos conhecemos há anos, não é possível que...

- Eu não conheço nenhuma Gina... - ele falou devagar. - E não me chamo Harry também.

Gina engoliu em seco. Aquilo não era sério, não era possível... Talvez ela estivesse sonhando... Sim, ela provavelmente bateu a cabeça na queda do barranco e logo Harry iria lhe acordar, perguntando como estava. Sim, era isso.

- Isso não tem graça, Harry... Pode parar com essa brincadeira, tá legal?

Ele a olhou como se quem estivesse brincando fosse ela.

- Não estou brincando. Eu não te conheço, garota.

Um trovão ecoou distante. A chuva ainda caía forte sobre eles. Aquilo era real... assustadoramente real. Não era um sonho, como Gina gostaria que fosse, e Harry não parecia estar brincando, tampouco.

"Oh, céus... Ele perdeu a memória!"

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