Hermione pára para pensar

Hermione pára para pensar



- Minha nossa! Eu tô pregado!

Gina observou seu irmão Rony praticamente se jogar como um saco de batatas em um dos bancos do vestiário do time da Grifinória. Sorriu divertida. O aspecto de Rony era indiscutivelmente lamentável. Ela fez uma careta.

- Credo... você tá horrível!

- Você não vai voltar àquele assunto, não é?

- Sobre... o seu... “pequeno” tombo?

Deitado naquele banco, com as pernas jogadas uma para cada lado, suas vestes de quadribol cheias de terra e grama, Rony soltou um suspiro e colocou um dos braços sobre o rosto sujo de terra, murmurando um “ah, não!”.

Gina sorriu novamente, escondendo uma risadinha zombeteira. Aquele era o final de mais um dos treinos de quadribol. Umas duas semanas antes, Harry tinha vindo lhe perguntar quando começariam novamente “aqueles treinos daquele jogo maluco dos bruxos”. A garota entrou em pânico quando Harry falara dessa maneira; dava a impressão de que ele ainda estava boiando mais do que tudo no mundo da magia. Quando ela perguntou alarmada se ele não sabia nem o nome do jogo, Harry disse que estava só brincando e que já tinha decorado o nome “quadribol” há muito tempo. Mas ele fez uma careta quando Gina informou que os treinos só começariam quando ele determinasse a data, afinal, Harry ainda era o capitão; quer se lembrasse disso, ou não.

Algo que intrigava bastante Gina nos últimos dias era o humor de Harry. Ele tinha estado terrivelmente depressivo durante as férias de Natal no Largo Grimmauld e permanecera assim algum tempo, até que, de uma hora para outra, mudou completamente. Ele andava mais sorridente e até mesmo brincalhão, o que estava sendo muito estranho para Gina e, mais ainda, para Rony e Hermione. Isso preocupava a garota.

Gina ensaiara várias vezes como contar toda a verdade a Rony e Hermione. Ela sabia que já estava mais do que na hora, mas sentia também que tinha deixado passar tempo demais. Como conseguiria encarar os dois tendo escondido essa história por tanto tempo? Já fazia mais de três meses que Harry tinha perdido a memória naquele dia fatídico, e as esperanças de Gina de que ele pudesse recuperá-la sozinho eram praticamente nulas. E quanto mais o tempo passava, mais ela sentia que não conseguiria continuar com aquela farsa.

Mas como contar a verdade a Rony e Hermione? Eles ficariam mais do que magoados; provavelmente iriam se sentir excluídos e traídos. Gina não podia ter escondido essa história por tanto tempo, mas ela simplesmente não conseguira contar! A verdade era que Gina tinha verdadeiro pavor de essa informação caísse em mãos erradas...

“Mentira!”, uma voz irritante gritou em seu cérebro. E, por mais que quisesse negar, Gina sabia que essa sim era a verdade.

Ela queria Harry só para ela.

Novamente, ela tinha se apaixonado por aquele garoto. Cometera o mesmo erro de se apaixonar por ele. Era tão fácil se apaixonar... ela não teve escolha.

E o pior era que ela sabia que tinha se apaixonado por uma ilusão.

Um dia Harry voltaria a ser o mesmo. E ela... ela voltaria a ser a mesma insignificante Gina.

- Vocês ainda estão aqui? Pensei que estivesse sozinho...

Rony tirou parte do braço cheio de terra da frente do rosto, mostrando apenas um dos olhos, que espreitavam Harry; ele tinha acabado de sair da sala do capitão, onde tinha se enfiado assim que o treino terminara e os outros jogadores tinham ido embora. Gina saiu de seus pensamentos com um pulo sobre o banco onde estava sentada.

- Você queria acabar mesmo com a gente essa manhã, hein, Harry? – Rony perguntou fingindo estar bravo.

- Bem, o jogo é amanhã. – Harry respondeu sem jeito, sentando-se também em um dos bancos. – Tem que ser assim, não é?

Gina apenas o observou. Ela quase não podia acreditar em como Harry tinha evoluído no quadribol; durante essas semanas, ele comandara o time da Grifinória quase como se soubesse o que fazia. É claro que ele ainda cometia deslizes... Certa vez, ele trocara os nomes das outras artilheiras; no treino seguinte, recomendara a André Kirke que rebatesse a “goles” com mais força. Gina teve um súbito acesso de tosse e, depois que este passou, Harry remendou e disse a André que rebatesse o balaço.

No entanto, tirando esses pequenos acidentes, Harry estava indo muito bem nos treinos. Capturava o pomo cada vez mais rápido e até sabia o nome de algumas manobras. Não que ela estivesse reclamando; isso era ótimo! Significava que, apesar de todos os problemas, Grifinória estava um pouco mais garantida no campeonato e a Profª. McGonagall, afinal, não teria motivos para puxar a orelha dos jogadores. Mas algumas dúvidas pulavam na cabeça de Gina como milho de pipoca.

- Grifinória versus Lufa-lufa. – a voz de Rony surgiu de um ponto distante no cérebro de Gina, e ela se forçou a voltar para a Terra; percebeu que deveria ter perdido algo, pois Rony já estava sentado no banco. – Essa nós ganhamos fácil!

- Eu não concordo. – Gina entrou finalmente na conversa. – Estão dizendo por aí que o time da Lufa-lufa está muito bom esse ano; parece que eles estão com um novo apanhador novamente, que eu saiba. E ele parece ser bom.

- Mas o nosso Harry aqui dá conta do recado, não é, cara?

Harry não parecia tão confiante quanto Rony e sorriu um pouco encabulado, lançando um olhar discreto e inquieto para Gina. Ela sorriu de volta, encorajando-o.

- Ah, é claro que o Harry dá conta... – ela falou com convicção, o que pareceu aliviar um pouco Harry. – E seria muito bom que ganhássemos esse jogo... Não podemos esquecer que Sonserina está na frente no campeonato.

Rony soltou um som de nojo.

- Blergh! – ele exclamou descontente. – Não agüento mais o Malfoy se achando pelos corredores! Um dia ainda lhe aplico uma boa detenção por ser um babaca!

Harry pareceu não reprimir um risinho baixo; naquele momento, parecia ser a vez dele observar a conversa, com seus olhos verdes concentrados. Gina também sorriu ligeiramente.

- Você sabe que não pode fazer isso, Rony...

- Assim você parece a Hermione! – ele retrucou, dizendo aquilo como se fosse algo ruim. – Mas sabem, o Malfoy anda mais babaca do que o normal... Anda soltando umas piadinhas sem sentido... – Rony se virou para Harry, com as sobrancelhas juntas. – Principalmente sobre você, não é, Harry?

Gina olhou para o garoto; ele estava muito pensativo, assim como ela alguns minutos antes. A frase de Rony pareceu acordá-lo, e ele apenas deu de ombros, dizendo em tom de quem meramente constata:

- Ele é só um imbecil.

- O que Malfoy anda dizendo? – Gina perguntou só por perguntar. – As mesmas idiotices de sempre?

- E ele fala algo que não seja inútil? – Rony riu. – Ele só diz besteira...

- Você fala assim, mas bem que fica todo irritadinho quando ele diz qualquer coisa. – Gina lembrou.

Rony se levantou, espalhando terra por tudo ao redor.

- Eu não fico “irritadinho”. – disse aborrecido, olhando feio para a irmã.

- Aí está você “irritadinho” de novo... – ela caçoou.

Ele revirou os olhos.

- Mas vocês vão ficar aqui até quando, hein? Temos um almoço nos esperando!

Eles subiram juntos até a Torre da Grifinória, que estava praticamente vazia. A maioria dos alunos estava aproveitando a manhã mais amena do sábado; o tempo estava começando a ficar menos rigoroso e fazia já muito tempo que não nevava. Quando chegaram na Sala Comunal, Rony subiu correndo as escadas do dormitório masculino, ansioso por tirar toda aquela terra do corpo. Harry, que estava apenas um pouco melhor, já ia segui-lo quando Gina fez um gesto para que ele permanecesse mais na sala. Por sorte, Rony parecia tão afoito pelo banho que nem notou que Harry tinha ficado para trás.

- O que foi? – Harry perguntou com um sorriso, assim que deu meia volta para falar com Gina.

- Ah, eu estou há muito tempo para te perguntar uma coisa, Harry... – ela disse lentamente, mas em tom casual. – Você está indo bem melhor no quadribol... Como está conseguindo? Você se... – ela abaixou o tom de voz a um mero sussurro. - ...lembrou de algo?

Ele piscou rapidamente, encarando a garota à sua frente com uma leve sombra de desânimo passando pelo seu rosto.

- Oh, não. Nada, Gina.

- Eu já imaginava... – ela lamentou. – Mas, então, como você...?

- Ah, isso? – ele afastou o assunto com a mão. – Eu só... achei uns livros sobre o assunto nas minhas coisas... e li durante as férias.

Gina abriu ligeiramente a boca, surpresa.

- Então você está se empenhando bastante para...

- É o que você prefere, não é? – Harry disse de supetão. – Que mantenhamos aquilo em segredo.

Os olhos dele pareciam um pouco mais escuros ao dizer aquilo.

- Ah, sim... eu prefiro, Harry.

- Eu acho que eles... – ele indicou a escada por onde Rony acabara de subir, claramente se referindo a Rony e Hermione. - ...deveriam saber.

Gina sentiu um aperto de culpa no topo do estômago e optou por não olhar diretamente para Harry naquele instante.

- Eu sei... – sua voz era apenas um murmúrio. – Nós vamos contar. Logo. Eu prometo.

Ela sentiu algo quente e pesado no seu ombro esquerdo. Seu estômago deu três voltas seguidas assim que notou que a mão de Harry estava sobre o seu ombro e ele lhe dirigia um olhar ao mesmo tempo compreensivo e profundo.

- Ei, não se culpe por isso... Eles vão te entender. Eu te entendo.

Gina apenas assentiu, incapaz de dizer mais alguma coisa. Harry sorriu ligeiramente, piscou para ela e depois subiu as escadas pelo mesmo caminho que Rony fizera. Sozinha, Gina suspirou, imaginando se Rony e Hermione realmente entenderiam...




Quando Rony saiu do banheiro, enxugando desajeitadamente seus cabelos molhados com uma toalha, ele enxergou Harry entrando no quarto, aparentando estar perdido em devaneios. Subitamente, os dois pararam de andar e se entreolharam paralisados. Pensamentos muito diferentes surgiram na cabeça dos dois.

- Ah, você já terminou? – Harry falou primeiro, um pouco desorientado. – Que bom, eu estou horrível também. – disse, referindo-se ao seu estado depois do treino de quadribol.

Rony, porém, ainda estava paralisado. Várias imagens passaram rapidamente por sua cabeça, enquanto ele observava seu amigo pegar uma roupa qualquer no malão. Por um instante, os olhos de Rony bateram naquele mesmo canto do quarto: a janela, a cama, os objetos – não mais quebrados – sobre a mesa de cabeceira... Uma cena antiga passou pela sua mente. Ele respirou fundo. Odiava aquilo. Por que tinha que ser assim, tão ruim, tão difícil? Suspirou profundamente, sentindo um enorme peso sobre si. De todas as pessoas... de todos que poderiam... justamente ele tinha que saber. Rony não tinha certeza se era a pessoa certa para saber aquilo.

- Então... – começou com a voz lenta e rouca, preferindo observar os sapatos de Neville jogados a um canto a encarar os olhos de Harry naquele momento. - ...você e Gina ficaram conversando lá embaixo?

O barulho de roupa sendo remexida parou imediatamente. Alguns segundos se passaram antes que recomeçasse.

- Ela só queria... me perguntar... – uma longa e tensa pausa. – Ela só queria me perguntar uma coisa sobre o time.

- Ah, é mesmo?

Rony lançou um olhar de esguelha para Harry; ele ainda remexia as roupas.

- Foi. Foi isso mesmo.

Harry finalmente escolheu suas roupas (apesar de Rony ter a impressão de que eram exatamente as mesmas que ele tinha pegado primeiro), fechou o malão e passou por Rony apressadamente, na direção do banheiro. Rony não queria, mas tinha que dizer aquilo.

- Entenda, Harry... Não é só por ela...

Harry parou de andar e olhou para Rony. Por sua vez, ele percebeu que havia um quê de algo que não sabia definir nos olhos verdes de seu amigo. Harry pigarreou e disse um pouco confuso:

- Hm... Eu preciso mesmo tomar banho. Nem eu mesmo agüento meu cheiro.

Mais tarde, quando Rony descia sozinho as escadas na direção do Salão Principal, ele não conseguia deixar de pensar naquele assunto, apesar de seu estômago estar roncando (e isso costumava realmente distraí-lo de qualquer outro pensamento). Às vezes, desejava nunca ter estado presente naquela cena. Seria muito melhor não saber de nada. Ignorância, afinal, era mesmo a melhor política.

Ele procurou avidamente por Hermione na mesa da Grifinória quando entrou no Salão Principal. Meramente percebeu que, na mesa dos professores, Dumbledore parecia cochichar confidencialmente com McGonagall, ao mesmo tempo em que os outros professores (principalmente Snape e Lupin) pareciam mais preocupados do que o normal. Rony se dirigiu rapidamente para a mesa.

- Ei, Neville, você viu a...

O queixo de Rony caiu ao ver aquilo; ele estava tão distraído procurando por Hermione, que nem se deu conta de que Neville estava acompanhado na mesa. E por ninguém menos que Loony Lovegood. Os dois pararam imediatamente de rir quando Rony se pronunciou.

- O que você está fazendo aqui? – ele perguntou num atropelo, surpreso por Luna estar sentada à mesa da Grifinória, junto com Neville. Aquilo era, no mínimo, esquisito.

Sem nenhuma razão aparente, a garota arregalou ainda mais seus olhos azuis e empalideceu ligeiramente ao observar Rony. Ele, por sua vez, não entendeu patavina. Neville olhou de Rony para Luna, parecendo ainda mais confuso.

- Eu não deveria estar aqui, já percebi. – Luna disse rudemente, levantando-se e parecendo muito chateada e aborrecida. – Não precisa tirar pontos da Corvinal por isso.

- Eu não ia fazer isso. – Rony disse confuso, achando mais do que nunca aquela garota completamente insana. – Eu só...

- Ah... – Neville suspirou, seu rosto redondo lentamente formando uma expressão de entendimento, ao mesmo tempo em que observava Rony e Luna quase como se estivesse estudando plantas na estufa três de Herbologia. – Então é isso? Poxa, eu sou mesmo lento, não é?

Ele também parecia aborrecido. Por sua vez, Luna dava a impressão de estar começando a entrar em pânico; olhava Neville de um jeito esquisito, quase como se estivesse desafiando-o a dizer mais alguma coisa, ou rir, ou sabe-se lá o quê. Depois, ela voltou seus grandes olhos azuis para Rony, e ele se assustou com o olhar irritado que a garota lhe lançara. Sem dizer nenhuma palavra que pudesse dar um pouco de compreensão a um Rony completamente abestalhado, ela deixou a mesa, soltando fogo pelas ventas.

Rony se virou para Neville, totalmente confuso. Aquela situação era... inexplicável e impossível de entender. Mas pela expressão de Neville, ao menos ele parecia entender. Bom para ele, Rony pensou.

- Anh... no final das contas, eu só queria saber se você viu a Hermione.

O tom de Neville soou estranhamente rude quando respondeu a Rony.

- Eu não tenho certeza, mas acho que ela foi para a biblioteca ou coisa do gênero.

- Ah, claro... – Rony murmurou desanimado; como se aquilo não fosse uma atitude de Hermione, não é? –, perguntou a si mesmo com ironia. – Obrigado, Neville.

- De nada. – o outro respondeu emburrado, voltando sua atenção para o seu prato de comida. Rony fez uma careta.

Olhou para as várias travessas de comida e seu estômago roncou; mas inexplicavelmente (ou talvez isso pudesse ser explicado, afinal), ele decidiu ir procurar Hermione primeiro. O almoço poderia esperar só mais um pouquinho; ele não sairia correndo no final das contas... O almoço no sábado demorava em terminar. Além disso – Rony disse para si mesmo, enquanto observava Neville comer com vontade – não parecia uma boa idéia permanecer na mesa perto de um Neville estranhamente aborrecido com ele.

Para completar “o momento das coisas sem explicação”, Rony quase deu um encontrão em Draco Malfoy quando estava saindo do Salão Principal. Ótimo, era só o que faltava, Rony pensou imediatamente, soltando um sonoro palavrão.

- Andou esquecendo sua educação por aí, Weasley? – Malfoy perguntou com sua voz arastada-irritante-forçada, rindo da própria piada sem sentido. – Cuidado, talvez a doença pegue.

Antes que Rony pudesse dizer qualquer grosseria para ele, Malfoy se encaminhou, rindo feito um babacão que era da própria piada sem nexo. Rony teve a impressão de que todos naquele lugar estavam fora da realidade; será que ele era a única pessoa sã ali?

Encarando aqueles fatos estranhos como apenas maluquice (ou imbecilidade congênita, que era o caso de Malfoy), Rony decidiu seguir para a biblioteca, apesar dos resmungos que seu estômago emitia, contrariando sensatamente a idéia.

Como ele esperava, não havia muita gente na biblioteca. Obviamente, as pessoas normais estavam no salão, comendo, que era exatamente o que Rony deveria estar fazendo. Seu estômago não parava de recriminá-lo. Ele observou a biblioteca, procurando a maior pilha de livros; não foi muito difícil encontrá-la.

- Isso ainda vai te fazer mal algum dia, Hermione. – Rony recriminou, separando duas enormes pilhas para que pudesse enxergar o rosto da garota. – Você não se cansa? Ou você só diz que não para me aborrecer?

Os olhos castanhos dela se levantaram para encarar Rony, extremamente aborrecidos. Ele riu; adorava causar esse efeito nela.

- Você deveria estar no treino.

- O treino acabou. – Rony respondeu, revirando o nariz à lembrança do que tinha acontecido. Seu estômago roncou novamente.

- Então você deveria estar comendo.

Ele finalmente se sentou, considerando a hipótese.

- Também acho... mas resolvi vir te procurar primeiro. Sabe... – ele fez uma expressão significativa. – O dia não está tão ruim... Eu queria saber se... Você não vai passar o dia inteiro enfurnada aqui, não é?

Ela fechou o livro num ímpeto tão grande que até assustou um pouco Rony. Mas ele esperava ansiosamente que ela tivesse entendido a mensagem. Hermione observou-o atentamente.

- Foi bom mesmo você ter aparecido. – ela disse séria e, com desgosto, Rony teve a ligeira impressão de que ela não tinha entendido. Decepcionado era pouco para definir como ele se sentiu. – Eu queria muito conversar uma coisa com você.

- E o que é? – ele perguntou com os ombros caídos, imaginando uma forma de dizer a Hermione que ele não estava nem um pouco a fim de conversas, mas sim de ação.

- Eu pensei muito, Rony... – ela parecia mais séria do que o normal, e até mesmo Rony achou isso preocupante. – Eu não pensei que fosse possível. – ela completou chateada. – Mas eu percebi... que não há outra explicação.

Rony esqueceu por um momento a fome e a insatisfação. Aquilo não estava parecendo certo. Ele decidiu prestar mais atenção às palavras de Hermione.

- Aonde você está tentando chegar, Mione?

- Eu quero que você chegue à mesma conclusão que eu cheguei, Rony. – ela disse com pesar. – E não é uma conclusão agradável.




O sol estava quase se pondo; Gina podia observar os finos raios opacos e avermelhados penetrarem sorrateiramente pelas janelas da biblioteca. Ela se recostou à cadeira, espreguiçando-se com vontade. Logo em seguida, fechou seu livro de Feitiços que utilizava como consulta.

- Acho que já está bom por hoje, não é, Luna?

À sua frente, Luna não pareceu ouvir a pergunta. Ela continuou observando a mesma página que observava há quase meia hora, sem mover os olhos.

- Luna? LUNA!

- Ai, credo! – a garota reclamou, olhando para Gina com uma careta. – Precisa ser tão escandalosa?

Madame Pince recriminou Gina pelo ataque do outro lado da sala também. A garota se abaixou ligeiramente na cadeira.

- Você estava viajando de novo, Loony!

- E daí? – a outra resmungou chateada. – Algum problema com isso?

- Tem sim! Você não parece muito bem, desde que chegou.

Luna encarou Gina profundamente através de seus olhos azuis esbugalhados. Gina suspirou.

- Tem algo a ver com Neville?

Pela segunda vez, Luna deu um enorme pulo na cadeira onde estava sentada. Mas, Gina a observava com tanta astúcia, que Luna pareceu ter certeza de que não adiantaria tentar enrolá-la.

Não tinha sido há muito tempo que Luna tinha contado a Gina que ela e Neville estavam juntos. No início, Gina tinha achado um pouco... inusitado, mas depois se acostumou com a idéia e até achou que eles combinavam. Neville andava bem mais alegre, e Luna, por sua vez, menos distraída, o que indicava que algo importante estava mesmo ocorrendo. Gina ficava feliz por ela finalmente estar começando a esquecer seu irmão.

No entanto, naquele momento, Luna não parecia muito feliz, tampouco atenta, o que era um mal sinal tratando-se dela. Ela fechou também seu livro de Feitiços, apoiando a cabeça sobre ele com evidente desânimo. Gina observou-a compreensivamente, esperando que falasse algo.

Luna começou a contar uma história esquisita, que envolvia o almoço, Neville e Rony. Ela contava tudo aos atropelos, fazendo comentários esquisitos (como era o seu estilo), e o que Gina entendeu fora que Rony tinha aparecido na mesa da Grifinória, onde Luna e Neville estavam sentados, e perguntou sobre Hermione. Isso desencadeou uma reação adversa em Luna, o que fez com que Neville percebesse coisas que não eram para ser percebidas. Bem, era isso que Gina tinha entendido, apesar de achar que algumas partes não faziam muito sentido.

- E eu acho que Neville percebeu tudo... sobre mim e... o seu irmão.

Gina suspirou, recostando-se à cadeira e mirando pensativa a amiga.

- Luna, na realidade, nunca existiu você e Rony.

- É, mas você sabe como eu...

- Você gosta do Neville? – Gina perguntou subitamente, tanto que assustou Luna, que acabou levantando a cabeça de cima do livro.

- Bem, eu... – ela começou, parecendo procurar as palavras certas. – Eu me divirto com ele... nós conversamos... ele é como você, sabe? Não liga que eu seja esquisita.

Gina sorriu.

- Então... pra quê ficar pensando no meu irmão?

Luna bufou, exasperada.

- Diz logo que ele nunca olhou para mim a não ser como a “Loony maluca”. – ela murmurou chateada. – Ele acha que eu tenho um parafuso solto.

Gina se inclinou na mesa, encarando Luna duramente.

- Eu não sei como você meteu na cabeça que gosta dele, mas você sabe muito bem que ele e Hermione se gostam há séculos! Eu sei que é chato ouvir isso, mas é a verdade... – Gina emendou após a careta que Luna fez. – E você tem o Neville agora... ele é legal, apesar de não ser um bom dançarino. – a garota riu, lembrando-se do Baile de Inverno do Torneio Tribruxo, anos atrás. Luna sorriu ligeiramente também.

- Acho que você tem razão. – ela murmurou, observando a janela sonhadoramente. – O Neville é legal mesmo.

- Então vá falar com ele.

- E se ele tiver mesmo notado a coisa certa?

- Daí você conta a verdade, oras.

- Gina, o lugar da maluca aqui já está ocupado por mim, sabia?

- Luna, se ele gosta de você, vai te entender. – a outra retrucou, ignorando o comentário sarcástico. – O Neville é compreensivo, não é um cabeça-dura como meu irmão.

- Você acha?

- Eu acho... – Gina começou, fechando todos os livros e juntando-os. – ...que já estudamos demais hoje e que você deve procurar o seu namorado nesse sábado à noite.

Luna enrubesceu levemente.

- Ele não é meu namorado.

- Vocês estão juntos há mais de duas semanas, não é? Eu acho que isso se chama namoro. – Gina disse convicta. Luna revirou os olhos. – Ah, pára de ser chata, vai, vai logo embora falar com ele.

Luna se levantou, rindo.

- Você é bastante persuasiva quando quer, não é?

Gina ergueu as sobrancelhas, lançando-lhe um olhar que dizia com todas as letras que ela estava expulsando a amiga dali. Antes de ir, Luna olhou a janela novamente.

- Eu acho que você também deveria ser decidida quando ao seu “queridinho”. Por que você não pede ajuda ao Hagrid? – Luna perguntou de súbito, e Gina não entendeu o que ela queria dizer. – Quer dizer, ele está sempre com o Harry, não é? Poderia ajudar vocês dois a se entenderem, sei lá...

Mais do que intrigada, Gina encarou Luna recolhendo o seu material e saindo da biblioteca. Ela se levantou e pôs-se a observar os jardins pela janela como a amiga fizera. Suas sobrancelhas se juntaram com desconfiança ao ver Harry caminhando pelos jardins, em direção ao castelo.

Aproximadamente meia hora após isso, Gina cruzou a passagem do retrato, carregando seus livros e anotações nos braços. Algumas pessoas que estudavam olharam-na com recriminação quando a garota soltou tudo que carregava numa mesa com estrondo. Por trás dos livros de Gina, Harry deu um salto em sua cadeira e olhou para a garota um tanto assustado.

- O que você está fazendo? – Gina perguntou um tanto rude, encarando Harry com um olhar acusador. Ele, parecendo bastante confuso, fechou um livro que aparentemente estava estudando.

- Eu estava estudando... hum... – ele olhou a capa do livro. – Transfiguração. A minha turma vai ter um teste na próxima aula e isso aqui é muito complicado para minha cabeça... – Gina se sentou um tanto aborrecida, e Harry a encarou com cautela. – Você poderia me explicar depois?

- Claro.

- Você tá brava com alguma coisa?

- Eu te vi saindo da cabana do Hagrid. – Gina disse num tom ríspido, encarando-o profundamente nos olhos. – O que você estava fazendo lá?

Harry piscou e enrugou ligeiramente as sobrancelhas, observando Gina ainda com a mesma cautela de antes, como se estivesse com medo que ela lhe jogasse um daqueles grandes livros na cabeça ou coisa parecida. Quando ele falou, parecia estar medindo as palavras:

- Eu fui entregar uma redação do Rony que estava atrasada, ele me pediu. – Harry explicou normalmente. – O Hagrid não parece ser um professor tão rigoroso como os outros; ele não se importa quando eu cometo deslizes na aula dele.

Gina sorriu ligeiramente, finalmente relaxando um pouco.

- É claro, Hagrid sempre foi nosso amigo... Ele gosta muito de você.

- Eu acabei percebendo isso também... – Harry sorriu timidamente. – Ele sempre me chama para ir lá na cabana dele, tomar chá. É legal, mesmo que meus dentes grudem com os bolinhos.

Aquilo despertou algo na mente de Gina.

- Então você realmente tem ido constantemente na cabana dele?

Harry parecer ser pego de surpresa.

- Isso é errado? – ele perguntou confuso.

- Ah... – Gina suspirou. – Não que seja errado, mas é que... bem, se Hagrid perceber a verdade sobre você... – ela disse num sussurro. – Bem, ele tem a língua um pouco solta, sabe? Não é por mal, mas seria perigoso...

A boca de Harry se entreabriu e ele observou Gina novamente com cautela.

- Eu acho que você não tem com o que se preocupar... Quer dizer, eu tomo bastante cuidado para parecer... natural, você sabe.

- É, eu sei que você se esforça... – Gina murmurou, sentindo-se novamente culpada pelo seu extremo egoísmo. Ela resolveu mudar totalmente de assunto. – Onde estão Rony e Hermione?

- Ah, eu não vi Hermione o dia inteiro. – Harry respondeu distraído. – E Rony acabou de aparecer aqui. Por falar nisso, ele pediu que eu e você fôssemos encontrá-lo junto com Hermione na sala do... como era mesmo o nome que ele disse? Ah, eu acho que era um sigla... “A.D.”, ou algo do gênero... Faz sentido pra você?

Fazia sentido para Gina. O que ela não conseguia entender era o que Rony e Hermione poderiam querer na antiga sala da Armada de Dumbledore, que era conhecida como “Sala do Requerimento”. Uma súbita aflição começou a corroer Gina por dentro, assim que ela teve uma certa idéia do que aquilo poderia significar...

- Harry, o Rony não disse qual era o assunto? Ou por que eles não esperaram aqui na sala comunal mesmo?

- Não. – Harry respondeu sem entender. – Mas, sei lá... O Rony parecia um pouco... como é mesmo a palavra certa? Acho que... ressentido, ou chateado... De qualquer maneira, ele não estava normal. Há algo errado acontecendo, Gina?
- Eu acho que sim... – ela murmurou alarmada, suspirando pesadamente. – Algo muito errado aconteceu, Harry. E eu sou a culpada.




Hermione passeou os dedos delicadamente pelas capas dos livros de Defesa Contra as Artes das Trevas, arrumados cuidadosamente nas estantes. Era estranho voltar àquela sala depois de tanto tempo. Ela se lembrava das vezes que estivera ali, anos antes, tendo aulas de Defesa junto a outros tantos alunos rebeldes como ela, tendo Harry como professor. Era o início da guerra; agora, era a guerra, e tudo parecia somente se complicar a cada dia.

Ela deixou sua mão cair, desistindo de olhar para aqueles livros. Suspirou profundamente. Estivera há tanto tempo atrás daquela pista, de uma resposta para suas dúvidas, e agora que finalmente conseguira desvendar aquele mistério, sentia-se completamente vazia, como se aquilo tivesse acabado de arrancar suas últimas esperanças. Ela ainda não conseguia acreditar no quão... fantástico... era tudo aquilo, mas apesar de seu desejo de que fosse apenas uma fantasia de sua cabeça, tudo era verdade. Não tinha como não ser. Ela se sentia enganada, traída... Na realidade, Hermione não sabia se ficava com raiva ou preocupada. As circunstâncias que a fizeram descobrir aquilo não foram as mais certas e isso a enfurecia; no entanto, a gravidade do assunto era tal, que ela não conseguia deixar de se afligir com aquela nova situação.

A porta da sala se abriu, e Hermione se virou inquieta para ver quem tinha entrado. Rony a encarou com pesar, encostando a porta; o mesmo ressentimento do momento no qual Hermione o fez chegar àquela conclusão ainda estava estampado no seu olhar. Ele caminhou até as almofadas, jogadas a um canto, e sentou-se com profundo desânimo sobre algumas delas. Encarava o nada à sua frente com tal desencanto, que Hermione chegou a sentir pena dele; contudo, sabia também que se sentia quase da mesma maneira que Rony.

- Eu falei com ele. Não pareceu entender muito bem a situação. – ele soltou uma risada sem alegria, procurando não olhar para Hermione. – Só agora as coisas fazem sentido, não é? Como eu fui estúpido todo esse tempo!

Ele enfiou as mãos nos cabelos, desalentado, e apoiou a cabeça sobre os joelhos, suas pernas ligeiramente dobradas. Hermione encostou-se ao parapeito da janela, encarando-o também com pesar.

- Não se recrimine... Eu também fui muito estúpida, Rony.

- Mas ao menos você acabou percebendo isso um dia. – ele disse com a voz abafada por ainda estar com a cabeça sobre os joelhos. – Eu continuaria sendo feito de idiota para sempre.

- Não é assim também. – ela retrucou exasperada. – Ah, Rony... é claro que você notou as diferenças, os deslizes, as dicas... as frases sutis...

Ele finalmente levantou a cabeça. Seus olhos estavam opacos quando voltou a encarar o nada à frente como se visse várias coisas; os cabelos ruivos estavam um tanto desgrenhados.

- Mas eu nunca chegaria à conclusão certa. – ele exclamou ligeiramente histérico de raiva; Hermione não sabia se era daquela situação ou dele mesmo. – Eu provavelmente sou o cara mais tapado da face da Terra!

- É claro que não é! Ah, meu Deus... – Hermione suspirou, deixando seus ombros caírem. – Isso tudo é tão... inacreditável. Será que eu cheguei mesmo à conclusão correta?

- Não tem como ser outra coisa. – Rony murmurou, agora encarando o chão e fazendo desenhos imaginários nele com as pontas dos dedos. – Tudo se encaixa, Hermione... Os deslizes dele nas aulas, o jeito retraído como ele nos trata... A maneira tímida como ele comanda o time de quadribol e muitas vezes se atrapalha com o que está dizendo! A... – ele respirou fundo, mordendo o lábio inferior. - ...estranha aproximação dele e de Gina! Tudo, Mione, tudo faz sentido!

Hermione encarou Rony tristemente, cruzando os braços e soltando um longo e pesado suspiro.

- Eu mal posso acreditar... que eles conseguiram nos enganar por tanto tempo!

- Por que eles fizeram isso, Hermione? – Rony perguntou magoado, finalmente encarando-a. – Eu não consigo entender! Nós não somos confiáveis? O que nós fizemos para que...

Um barulho na porta os silenciou de imediato. Inconscientemente, Hermione se aprumou onde estava e tomou uma postura muito mais firme do que seus sentimentos poderiam permitir. Rony permaneceu da mesma maneira, encarando a porta como se visse através dela.

Gina entrou primeiro; ela não olhou diretamente nem para Rony ou Hermione. Parecia um tanto desorientada e descabelada; respirava muito rápido, como um gatinho assustado, mas em seus olhos havia um certo desafio, ao menos Hermione teve essa impressão. Logo em seguida, Harry entrou, encostando a porta atrás de si; Hermione não saberia defini-lo ao certo: a primeira imagem que ele passava era de alguém que não estava entendendo direito o que acontecia, porém, se fosse observado com mais atenção, havia algo a mais no olhar que ele lançou tanto a Rony quanto Hermione.

- Por que vocês nos chamaram justamente aqui? – Gina perguntou num tom que meramente fingia ser casual, ao mesmo tempo em que cruzava os braços e observava a sala, ainda sem olhar para o irmão ou Hermione. – Eu não estou entend...

- Ah, você está entendendo sim, irmãzinha. – Rony retrucou com fúria reprimida, suas orelhas começando a ficar perigosamente avermelhadas. – Você está entendendo tudo perfeitamente.

Harry passou por trás de Gina, observando Rony com uma expressão que Hermione não conseguiu definir. Parecia que ele quase disse algo, mas acabou por permanecer calado. Ele encostou-se à mesa do “professor”, que pertencia antigamente a ele, apesar de Harry nunca ter-se sentado ali ou tomado uma posição austera de um professor naquelas aulas do A.D. Hermione reparou que os nós dos dedos de Harry se esbranquiçaram quando ele os fechou na borda da mesa.

- Você está sendo rude, Rony.

Hermione percebeu que ele iria retrucar e aquilo acabaria por se transformar em uma briga entre os irmãos. Ela não queria isso. Tudo o que ela queria era entender o porquê de toda aquela história.

- Eu quis que viessem para cá, Gina. – a garota interveio antes que Rony falasse primeiro. – O que nós vamos conversar aqui não pode ser ouvido por mais ninguém. – ela continuou, recebendo o olhar ligeiramente receoso de Gina. – Poderia ser perigoso... para Harry.

Ela sentiu quando Harry a encarou. Hermione devolveu o olhar, mas por mais que se esforçasse, não conseguia definir o que estava escrito no verde daqueles olhos. Por sua vez, Harry desviou o olhar e encarou Gina significativamente. Ela pareceu entender; deu um passo para trás, bufando e torcendo as mãos.

Gina abriu a boca para dizer algo, mas a voz que ouviram não era a dela. Harry surpreendeu a todos quando finalmente se pronunciou, lenta e calmamente, apesar de não estar olhando para ninguém – seu olhos vasculhavam a sala, quase distraídos.

- Não adianta, Gina. Eles já sabem de tudo.

- Você queria que eu contasse desde o começo, não é? – ela disse rapidamente, um leve tom de culpa começando a tomar conta de sua voz. – Você insistiu... desde o começo.

- Evitaria essa cena. – ele voltou a falar com calma, ainda sem olhar para ninguém. Hermione abaixou os olhos e, mais uma vez, notou que os nós dos dedos dele estavam brancos e tremiam ligeiramente. – Além disso, você me disse logo de cara que eles eram meus melhores amigos. E eu pude perceber que eles me queriam bem quando passei a conviver com eles. Gina, não há por que continuar escondendo...

Gina soltou um soluço muito alto e fechou os olhos com força. Hermione, apesar de ainda magoada, teve uma certa dó dela. Rony, no entanto, estava furioso.

- Então foi você que não quis contar, Gina? – seu tom era duro. – Foi você desde o começo!

Harry finalmente focalizou seu olhar em alguém; ele encarou Rony com firmeza, apesar de esconder algo no olhar também.

- Não a culpe. – pediu com um tom humilde. – Todo esse tempo, só o que Gina fez foi me ajudar. Se não fosse por ela, eu nem sei que rumo horrível as coisas poderiam ter tomado. – ele respirou fundo; parecia estar sendo difícil para ele também. – Talvez eu devesse ter tomado uma decisão e contado, mas...

- Mas eu te pedi que não contasse. – Gina completou, tentando esconder a voz ligeiramente embargada e os soluços que começavam a ficar mais aparentes. – Não tente me defender, Harry, a culpa foi só minha. Eu é que fui muito... egoísta.

- A culpa não é sua! – Harry exclamou alto e em um tom mais firme do que o normal; naquele instante, foi como se Hermione tivesse a impressão de ter tido um vislumbre do antigo Harry. Mas era só impressão, pois no instante seguinte ele voltou a ficar tímido e retraído. – Eu entendo que vocês dois estejam com raiva. – ele disse, referindo-se agora a Rony e Hermione. – Mas eu não vou permitir que culpem Gina.

Subitamente, Rony se levantou. Parecia maior do que realmente era; Hermione chegou a se assustar um pouco com isso. Ele caminhou diretamente para Harry, encarando-o com uma certa selvageria.

- Eu não entendo, Harry. – ele praticamente cuspiu, seus olhos muito estreitos e suas orelhas muito vermelhas. – Você nem lembra quem é, como pode então ter todo esse... carinho por Gina, a ponto de defendê-la assim, mesmo sem conhecê-la de verdade?

Harry encarou Rony de volta, parecendo estar se controlando para não dizer algo grosseiro. O clima estava tão tenso, que era possível sentir o ar pesado ao redor. Gina engoliu em seco, observando Rony e Harry com certo temor. Hermione respirou rápido; não entendia por que Rony agia dessa maneira quando o assunto era o possível relacionamento entre Harry e Gina.

- Ela me ajudou. – Harry disse controlado; Hermione reparou novamente nos nós dos dedos dele. – Desde que eu acordei sem me lembrar sequer de um minuto anterior da minha vida, ela esteve ao meu lado, me ajudando. Eu posso não conhecê-la como... o outro Harry a conhecia, mas esse Harry aqui a conhece bem o suficiente para respeitá-la e considerá-la.

Tudo aconteceu tão rápido em seguida, que Hermione mais tarde não saberia narrar todos os fatos com clareza. Ela só conseguiu ver um borrão, que era o braço de Rony, dirigir-se muito rápido na direção do nariz de Harry e acertá-lo em cheio. Ela ouviu Gina gritar “HARRY! RONY!”, mas não viu o que aconteceu em seguida pois já tinha praticamente pulado para cima de Rony, tentando segurá-lo, mesmo sabendo que seria inútil – ele era muito mais forte que ela, obviamente. Enquanto procurava puxar Rony, Hermione teve o rápido vislumbre de Harry deslizar pela mesa, espalhando vários objetos, que caíram no chão; houve um barulho estridente de vidro quebrado quando Harry tentou se segurar na outra ponta da mesa, tentando não cair pelo outro lado.

Hermione sentiu-se jogada para trás quando Rony recuou, desvencilhando-se dos braços dela ao seu redor. O borrão que era Gina passou pela sala, na direção de Harry, mas ele também se desvencilhou dela com gesto da mão esquerda, afastando-a. Gina recuou, respirando depressa, sua boca entreaberta ao encarar Harry. Ele, por sua vez, levou a mesma mão esquerda – de onde saía um fino corte desde o dedo mínimo até a palma da mão, escorrendo um fio de sangue – até o nariz, pressionando-o levemente. Quando tirou a mão e a encarou, claramente pôde perceber que também escorria um pouco de sangue pelo nariz. Rony realmente poderia ser perigoso quando estava com raiva.

- FRANCAMENTE, O QUE RAIOS DEU EM VOCÊ, RONY WEASLEY? – Hermione gritou chocada.

Rony recuou vários passos, dando um encontrão na estante de livros, que se moveu assustadoramente. Pela sua expressão, ele parecia horrorizado consigo mesmo e sinceramente arrependido quando voltou a olhar Harry, sangrando pelo nariz e pela mão, e murmurou transtornado:

- Me... me desculpe, Harry... Eu me... descontrolei.

- Oh, é mesmo? – Gina retrucou sarcasticamente, sua voz se elevando a um tom histérico de raiva. – Se você não nos avisasse, nós nem íamos notar, Ronald!

Rony se sentou novamente sobre as almofadas, enfiando as mãos nos cabelos e murmurando palavras ininteligíveis. Hermione se voltou para Harry, que estava saindo de cima da mesa, ainda com a mão esquerda sobre o nariz. De todos, ele parecia o mais calmo, apesar de ter sido o mais afetado.

- Tudo bem... – ele murmurou. – Não tem problema, Rony.

- É claro que não está “tudo bem”! – Gina exclamou com a voz aguda. – O espertalhão do Rony te deu um soco! E você está sangrando!

- Está tudo bem, o.k.? – Harry repetiu irritado, aparentando pela segunda vez no dia ser, ao menos por um instante, ele mesmo. Ele olhou Rony, afundado em sua própria miserabilidade nas almofadas. – Não fique assim, Rony, a sua atitude foi... totalmente compreensível.

- Só se for pra vocês, porque eu estou boiando. – Hermione disse aborrecida. Ela viu, pelo canto dos olhos, Rony finalmente levantar a cabeça e encarar Harry com um olhar confuso. Bufando de irritação, ela caminhou até Harry, puxando a varinha. – Vamos, deixe eu ver o estrago.

Ele recuou ligeiramente, juntando as sobrancelhas ao ver Hermione com a varinha em punho. Ela bufou impaciente.

- Vamos, Harry, eu não vou te azarar ou coisa parecida.

De algum lugar lá atrás, Gina soltou um som indignado, e Rony resmungou. Harry estendeu a mão esquerda um pouco receoso, e Hermione segurou-a com delicadeza, analisando o corte; não era tão ruim, mas certamente poderia infeccionar se fosse deixado assim de qualquer jeito. Seus olhos correram para a mesa, onde havia um peso de papel de vidro, rachado e manchado; provavelmente fora ali que Harry se cortara.

- Você sente algum pedaço de vidro dentro da pele? – Hermione perguntou, pressionando levemente o corte na mão do amigo, que fez uma careta.

- Não. Acho que não tem nada aí.

- Hum... alguém tem um lenço?

Gina e Rony, que apenas assistiam atentos, não se pronunciaram. Com a mão direita, Harry vasculhou o bolso de trás da calça e tirou um lenço muito amassado e com uma mancha rosada nele. Hermione tinha a impressão de que já o tinha visto em algum lugar; Gina arregalou os olhos ao vê-lo.

- Serve. – Hermione disse, apanhando o lenço. Mas ela ainda precisava de água; assim que pensou nisso, uma pequena tigela cheia d’água apareceu sobre a mesa. Parecia que a sala tinha entendido a mensagem.

Gina se aproximou para ver melhor o que Hermione estava fazendo; Rony também parecia um pouco preocupado, mas permaneceu onde estava, talvez por vergonha, já que fora o causador de tudo. Enquanto limpava o ferimento, cansada daquele silêncio, Hermione voltou a falar:

- Agora que todos já estão mais calmos... – ela disse, passando o lenço molhado sobre o corte; Harry fez outra careta. - ...acho que podemos conversar melhor. – Rony emitiu um ruído desanimado; Gina, um de irritação. – Na realidade, o que nós realmente queremos saber, é por que vocês não contaram absolutamente nada do que aconteceu com Harry – levando-se em conta que eu e Rony somos amigos dele há anos – e depois que nos explicarem isso, seria interessante que nos contassem o que aconteceu durante esse tempo. Como Harry se esqueceu de tudo e coisas do tipo. – Hermione finalizou calmamente, apesar de toda aquela agitação.

Foi Gina quem começou a falar. Ela se sentou sobre a mesa, perto de Harry e Hermione. Rony permaneceu todo o tempo sobre as almofadas, quieto. Gina resolveu contar tudo; desde o dia que Harry perdera a memória até o porquê dela não ter contado. A razão que Gina mostrou foi puro medo de que a informação caísse em mãos erradas, e a situação de Harry pudesse se complicar ainda mais. Hermione achou aquilo bastante sensato, mas mesmo assim notou que havia algo mais. Gina não disse, mas Hermione acabou notando que o acidente acabou por aproximá-la de Harry. E juntando ao que a garota tinha dito antes sobre ter sido egoísta, Hermione teve a nítida impressão de que Gina teve medo sim, mas medo de perder Harry para os dois melhores amigos dele na única situação que realmente pôde aproximá-los.

Hermione sabia muito bem que, apesar de negar, Gina nunca tinha deixado de gostar de Harry. Ela apenas chegou ao seu limite e achou que seria inútil continuar insistindo num caso perdido. É claro que Hermione também tinha constantemente a impressão de que Rony também era um “caso perdido”, mas mesmo assim ela nunca tinha deixado de gostar dele. Ficou óbvio que o acidente e a inevitável aproximação de Harry e Gina, já que fora ela quem presenciara os fatos, foram cruciais para que o sentimento voltasse a aflorar na garota. Hermione só ficou em dúvida se algo tinha chegado a acontecer entre os dois durante aquele tempo; sensatamente, Gina não fez nenhuma menção sobre o assunto por causa de Rony. Entretanto, apesar de tudo, Hermione torcia para que algo tivesse acontecido. Tinha motivos para isso.

- Alguém mais sabe sobre isso que aconteceu? – Hermione perguntou. Durante todo aquele tempo, apenas ela e Gina falavam. Harry parecia apenas concentrado na conversa, sem vontade de se manifestar. Rony, por sua vez, ainda estava envergonhado pelo seu descontrole.

- Não. – Gina afirmou categoricamente. – Tomamos muito cuidado para que ninguém percebesse nada. Eu até cheguei a dar aulas a Harry das matérias, até mesmo aulas de quadribol. Ninguém além de vocês dois, que sempre foram os mais próximos a Harry, poderia ter notado a diferença.

- Você tem certeza, Gina? – Hermione insistiu, ao mesmo tempo em que murmurava um feitiço sobre o corte de Harry, que se fechou instantaneamente. – Quero dizer... pessoas como Dumbledore, Lupin, Hagrid... membros da Ordem... nenhum deles notou?

- Eu acho que não. – Gina respondeu, mas não parecia mais tão convicta. – Bem, minha mãe notou algo diferente, mas não acho que chegou a alguma conclusão definitiva...

- Então era isso? – Rony, depois de muito tempo, disse algo. Quando todos se viraram para encará-lo, viram que ele estava com as mãos no rosto, apenas observando-os. – Bem que eu achei esquisito a mamãe vir me perguntar se tinha acontecido alguma coisa com o Harry.

- A mãe de vocês foi muito boa comigo. – Harry murmurou tristemente. – Ela parecia querer fazer de tudo para me agradar.

Gina e Rony trocaram um olhar cúmplice e inesperadamente sorriram.

- A Sra. Weasley é mesmo muito gentil e tem um carinho especial por você, Harry. – Hermione explicou, ao mesmo tempo em que limpava o nariz. – Mas acho que você mesmo pôde perceber isso. Bem, não há mais nada que eu possa fazer por aqui, não sei como fechar um ferimento no nariz. – a garota disse, recuando alguns passos para ver como o amigo estava. – Talvez fosse melhor você ver Madame Pomfrey amanhã.

- A enfermeira, Harry. – Gina explicou pacientemente, parecendo já muito acostumada à expressão confusa que o garoto fez.

- Ah, não tem necessidade. – ele afastou o assunto com a mão. – Está realmente muito bom, Hermione, você é mesmo talentosa, como Gina disse.

Hermione não conseguiu reprimir um sorriso presunçoso.

- Você falou esse tipo de coisa também? – perguntou, encarando Gina, que sorriu e deu de ombros.

- Eu tinha que dar detalhes, não é?

Rony se levantou e se aproximou, encarando Harry com arrependimento.

- Foi mal mesmo, Harry...

- Eu já disse que está tudo bem. – Harry insistiu, mostrando um sorriso brincalhão. Agora Hermione entendia por que ele andava mais alegre ultimamente; não se lembrava das coisas horríveis de seu passado. Ela tinha se esquecido como era o Harry alegre. – Além disso, você não bate forte... – ele caçoou.

Rony soltou um indignado “há”.

- Pois eu te vi deslizar na mesa, cara!

- Se eu te batesse, você ia parar na parede! – Harry brincou.

Hermione também tinha se esquecido de como era Harry brincando. Ela viu Gina soltar uma risadinha mínima, e depois calar-se novamente, séria.

- Eu não deixei de contar a vocês por não confiar... – ela murmurou envergonhada, sem encará-los nos olhos. – Eu juro que não foi por isso.

Algo nas palavras dela despertou uma certa tristeza súbita em Harry.

- Nós entendemos, Gina... – Hermione disse com um tom compreensivo. – Agora já passou.

Gina levantou os olhos, timidamente, sorrindo.

- E agora... – Rony começou. - ...vocês vão ter mais dois aliados, não é?

- Vocês não descobriram nenhuma maneira de recuperar a memória? – Hermione perguntou subitamente; Harry encarou-a. – Quer dizer, deve haver uma maneira! Harry não pode continuar assim pra sempre!

Gina parecia desanimada quando voltou a falar.

- Eu tentei... procurei em tudo quanto era lugar... Não encontrei nada. No início, cheguei a pensar que Harry poderia recuperar a memória sozinho, com o tempo, mas ele nunca chegou a se lembrar de nada. A única coisa que ainda me dá esperanças é que ele nunca esqueceu como se joga quadribol.

Harry deu uma risadinha, mas depois voltou a ficar sério. Ele não disse nada. Foi Rony quem falou primeiro, dando uma piscadela para o amigo.

- É, você realmente não esqueceu como se apanha o pomo, não é? Pelo menos vamos ganhar o campeonato!

Gina revirou os olhos, como sempre fazia quando Rony era excessivamente confiante no quadribol. Hermione insistiu no assunto que dera início àquilo.

- Eu vou tentar achar algo... deve haver alguma coisa, em algum lugar! E quatro cabeças pensam melhor do que duas, não é?

Ela piscou, e Gina sorriu timidamente. Rony também sorriu e encarou Harry, que era o único sério. Quando os outros o olharam, como se tivesse acordado de um devaneio, ele sorriu, mas Hermione sentiu que havia algo errado naquele sorriso.

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