La Résistance





- CAPÍTULO QUINZE -


La Résistance


 


Alex não sabia ao certo a que horas tinha finalmente dormido e a que horas tinha acordado. Sabia, no entanto, que não dormira o suficiente. Foi acordado por um pontapé de brincadeira de Angus, e quando se levantou suas pálpebras custaram a abrir. Continuou sonolento e irritadiço enquanto Al e James limpavam os vestígios da passada dos Ases pela clareira e se embrenhavam bosque adentro. Alex os acompanhou com um bocejo.


- Você está bem? – Amel perguntou, ficando para trás para acompanhá-lo. Ele desejou que ela não o tivesse feito.


- Estou ótimo. – respondeu seco. Amel abriu a boca pra retrucar, mas para o alívio de Alex ela pareceu desistir, acompanhando-o em silêncio. James caminhava alguns passos à frente, lançando olhares furtivos de dois em dois segundos para trás.


Alex sentiu suas pálpebras pesadas e seus olhos arderem. Sonhara a noite inteira com ela daquele jeito frio e maquiavélico, e mesmo que secretamente ele desejasse aquela visão, parecia que seu sonho havia acontecido realmente; que durante aquelas horas em que estivera dormindo e fantasiando estava na verdade acordado.   


Quanta besteira, pensou, grunhindo enquanto se embrenhava nas entranhas do bosque. Sentia suas vestes grudarem em seu corpo com o suor; era Alto Verão na França e ele nunca sentira tanto calor na vida. Sentia que caminhava há horas, alheio às conversas que o rodeavam, e resmungando sozinho do calor e do sono. Se parasse de andar ele provavelmente cairia roncando encostado em alguma árvore. Foi quando seu estômago roncou sonoramente e os raios de sol perdiam sua força no céu que ele percebeu que andavam sem descanso pelo dia inteiro, e que com o horário de verão já devia ter passado das seis.


- Me explique de novo por que é que nós estamos viajando como trouxas. – ele resmungou irritado, quando sentiu um galho seco arranhar seu braço.


- Não reclame. – respondeu Angus, que caminhava à sua frente – Nós tivemos que caminhar durante três dias carregando você desacordado.


 - Não foi bem assim – corrigiu Al, que estava uns bons trinta passos à sua frente – Nós fomos com os cavalos até um vilarejo pequeno a uns sessenta quilômetros daqui. Depois tivemos que andar de lá. Lançamos um feitiço de desilusão nos cavalos e os mandamos pra cá. Espero que tenham conseguido passar pela proteção, eu avisei o Auguste pra ficar de olho nos céus, mas como eles estavam invisíveis... Bom, de qualquer modo, nós não carregamos você – acrescentou, lançando um olhar divertido a Angus – usamos o feitiço de desilusão e levitação.


Angus resmungou um “dá no mesmo”.


 


Alex, no entanto, não se deixou comover com os esforços dos amigos. Irritou-se ainda mais quando tropeçou em uma raiz alta de uma árvore e quase caiu estatelado no chão.


- E isso por que...? – insistiu, sentindo um hematoma se formar em sua canela.


Amel suspirou ao seu lado, prendendo os cabelos num rabo-de-cavalo e abanando-se com o mão pra espantar o calor.


- Porr’que aparentemant Veilliard implantou um sistema pr’a monitorar as aparatações em Paris e ao redor dela. – respondeu, com a voz cansada – Não sabemos direite como funciona esse sistema e não quer’remos arriscar.


- Isso é ridículo! – exclamou Alex indignado – Como Veilliard iria monitorar todas as aparatações da cidade? Deve ter centenas de milhares de bruxos em Paris.


Amel olhou pra ele irritada.


- Par’rece que ele desenvolveu um siste –


- Chegamos! – Al exclamou lá da frente. Alex esqueceu-se da explicação de Amel e automaticamente olhou pro ponto em que Al mantinha o olhar fixo. Parecia a continuação do bosque.


Amel, James e Angus pareciam tão confusos quanto ele. Angus adiantou-se para continuar caminhando, mas Al o impediu.


- Estamos no limite da propriedade LeHavre. – ele explicou – Se você ultrapassar esse ponto vai ser azarado.


Angus hesitou.


- E como nós supostamente deveríamos passar? – perguntou, erguendo uma sobrancelha.


Al não escutou, ou fingiu não escutar. Enfiou a mão por baixo das vestes encharcadas de suor e retirou um pingente atrelado a uma corrente. Levou o pingente em forma de brasão próximo aos lábios e murmurou, com o rosto corado:


- Mãe? – chamou, mal movendo os lábios – Mãe, chegamos. 


Levou alguns minutos para Alex entender como Al esperava que sua mãe respondesse, quando uma voz grave ecoou de dentro do brasão:


- Alcebíades? Al está aí? – chamou uma voz masculina em francês.


- Pai, onde está a mamãe? – murmurou Al parecendo muito constrangido.


- Está no banho, filho. – respondeu a voz grave de Monsieur LeHavre – Onde você está?


- Nós chegamos. – respondeu Al – Estou na fronteira noroeste do bosque, pode abrir a passagem?


- Certamente.


E antes que Alex pudesse imaginar como eles abririam passagem naquele escudo invisível, sentiu uma lufada de ar frio bater em seu rosto, vinda do ponto fixo em que Al mantinha seu olhar.


- Obrigado, papai. – Al murmurou para o brasão e o enfiou sob as vestes de novo – Bom, o que estão esperando? – acrescentou, ao ver que nenhum dos Ases se mexera.


Angus, que estava mais próximo de Al, adiantou-se e atravessou o escudo, encolhendo os ombros em seguida.


- Está gelado! – exclamou, abraçando o próprio corpo.


Alex, que sentia seu cérebro derreter com aquele calor abafado do bosque, sem pensar duas vezes caminhou com passos rápidos e atravessou o véu invisível de proteção da propriedade LeHavre, sentindo como se estivesse acabado de passar por uma cachoeira seca de ar ártico.


Viu os lábios de Amel tremerem quando ela se postou ao seu lado, e James pulava com o tronco à frente, como se alguém tivesse dado um choque em suas costas.


- Credo, eu nem quero imaginar o que aconteceria se alguém tentasse passar sem abrir a passagem! – exclamou, fazendo um movimento engraçado com os ombros.


Al pareceu se incomodar com o frio tanto quanto Alex, quando se pôs ao lado dos Ases e murmurava para o brasão de novo pra que seu pai fechasse o feitiço.


- Não se esqueça de vir aqui falar com sua mãe quando chegar ao acampamento! Ela não está nada feliz com essa história de um monte de adolescentes ficarem perto de suas plantas! – Monsieur LeHavre recomendou, antes que Al pudesse esconder o pingente de novo.


- Bom, não tenho muita certeza de onde o Auguste montou o acampamento, mas tenho uma idéia. – Al começou, ainda muito corado, enquanto coçava a nuca com uma mão e com a outra segurava a varinha – Pedi pra ele fazer perto do pomar, o mais longe possível da mansão; deve estar pra lá. – e apontou para o leste.


- Nós ainda vamos ter que andar muito? – reclamou James – Estou com fome!


Al deu de ombros.


- Acho que não, mais uns cinco minutinhos acho.


 


 


Mas Al não sabia muito bem olhar as horas, Alex pensou, depois de passar uma boa meia hora caminhando pelo bosque. James resmungava quase tanto quanto ele próprio, e Alex, além de sentir os ouvidos zunirem pela falta de prática de exercícios físicos, ainda tinha que lidar com o sono e com suas pernas que não paravam de repuxar dolorosamente enquanto continuava a caminhar.


- Hm, acho que chegamos. – Al finalmente disse, embora em um tom desconfiado.


- Acha, ou realmente chegamos? – James interpelou mal-humorado – Porque você achou que tínhamos chegado uns vinte minutos atrás, depois achou a mesma coi... - 


Mas as palavras morreram. James abriu a boca, estupefato, assim como Alex. Al apontava o dedo para cima, e o olhar de todos seguiu em direção ao céu. O queixo de Alex caiu.


Havia um pequeno vilarejo montado trinta metros acima de suas cabeças. Centenas de casinhas de madeira flutuavam atreladas aos grossos troncos de pinheiros; lembrando a Alex uma estranha cidade construída de casas na árvore. Algumas árvores, as mais altas, abrigavam mais de uma casinha, e outras pareciam sobradinhos, com dois andares.


A densa copa das árvores escondia parcialmente as casinhas, e no centro dos pinheiros havia um enorme carvalho de mais de quarenta metros de altura, abrigando o que parecia um enorme salão de dois andares, escondido em partes pela copa densa da árvore.


Vários pontinhos voavam entre as casinhas, e quando um deles passou rasando por sua cabeça, o obrigando a se abaixar e derrubando um distraído Angus no chão, Alex percebeu que se tratava de bruxos e bruxas em vassouras, voando entre as casinhas.


- Ôpa, foi mal aí! – um rapaz magro e alto de olhos castanhos e cabelos na altura dos ombros exclamou, ajudando um Angus mal-humorado a se levantar – Tá tudo certo? Ainda to aprendendo a voar nesse troço.  


- Tá tudo ótimo. – Angus resmungou, limpando as vestes.


O rapaz sorriu para o pequeno grupo, demorando seus olhos em Amel de um modo que fez James rosnar.


- Ah, vocês devem ser os cavaleiros. – disse, com um sorrisinho – Frea nos contou de vocês. Os seus cavalos devem ter tido mais sorte, chegaram anteontem.


- E você é? – exigiu James com uma carranca.


- Ôpa, sou Marcilio Mallet. – cumprimentou ele – Qual de vocês é o Alcebíades?


Dessa vez foi Al quem rosnou.


- Êta grupinho estressadinho o de vocês né? – observou Mallet, ainda sorrindo bem-humorado – Frea pediu que avisássemos se um tal de Alcebíades LeHavre chegasse, por isso estou perguntando.


- Quem é Frea? – perguntou Al e sem esperar uma resposta, embalou – Onde está o Auguste?


Antes de Mallet pudesse responder, uma vassoura se aproximou e aterrissou graciosamente no gramado próximo ao grupo.


Uma jovem bruxa minúscula, duas cabeças mais baixa que Alex se aproximou. Seus cabelos negros eram impecavelmente simétricos, na altura do queixo, e uma franja igualmente impecável cobria sua testa. Ela usava um óculos redondo de aros grossos e o que parecia um uniforme escolar com um brasão no colete.


- Ô, alô, Frea! – cumprimentou Mallet distraído – Estava agora mesmo falando... –


- Obrigada, Marcilio. Eu assumo por aqui. – cortou ela com uma voz impaciente – Toulouse está procurando por você. Parece que tem alguma coisa a ver com aparar as cerdas das vassouras. É melhor você se apressar, ele não está nada satisfeito. – ela acrescentou, enquanto o rosto de Mallet ficava vermelho.


- Ahn, certo. – ele murmurou – Vou ver o que ele quer.


E do mesmo modo estabanado que aterrissou, ele decolou, resmungando.


- Desculpem se ele foi inconveniente. Calouros, vocês sabem, sempre dando trabalho. – acrescentou a moça revirando os olhos – Sou Frea Forsetes, representante do corpo estudantil da Universidade Bruxa de Paris e fundadora da La Résistance. E vocês devem ser Al – ela embalou, cumprimentando Al com um aperto de mão – Alexander - (lançou um olhar enigmático a Alex) –, Potter – (olhou demoradamente para James enquanto dava-lhe as mãos, fazendo Amel bufar).


Frea desviou os olhos de James para encarar Amel. Seus olhos percorreram a morena de cima a baixo, analisando-a.


- Imaginei você diferente – ela finalmente disse, olhando rapidamente para Alex antes de voltar seus olhos pra Amel novamente – Você deve ser Aya Wood, filha do famoso jogador?


A atmosfera tornou-se fúnebre de repente. Alex sentiu todos os olhos se voltarem pra ele, inclusive o de Frea. Sentiu sua garganta fechar e os olhos arderem de cansaço e sono. “Aham! Sono.. puif!” “Cala a boca!”. Antes que seu corpo pudesse reagir de forma vergonhosa sem seu consentimento na frente de todos, Amel a corrigiu:


- Não, sou Amelie. – respondeu ela rapidamente, lançando olhares ansiosos a Alex.  


 - Ah, sim. – Frea disse lentamente, seus olhos desconfiados vagueavam de Alex para Amel – Desculpe. Auguste me falou de você; disse que você é excelente com feitiços de cura e dá de dez a zero nos estudantes curandeiros.


- Ele é muito generoso. – murmurou Amel corada.


Frea, que ainda parecia muito curiosa pela reação do grupo com a simples confusão de nomes, embora não tocasse mais no assunto, afastou seus olhos de Amel para encarar Al.


- Auguste está na mansão fazendo qualquer coisa. – disse ela, parecendo aborrecida por não conseguir dar mais detalhes sobre as atividades do Ás – Pediu para que eu os recepcionasse caso chegassem antes de ele retornar. Pediu pra que você fosse à mansão. 


Al assentiu.


- Tenho que ver minha mãe, ela não vai sossegar se não conseguir um jantar decente com toda a família – Al suspirou, e depois se voltou para Frea – Você pode mostrar a eles o acampamento?


Ela meramente assentiu, observando Al desaparecer em seguida.


- Achei que não podíamos aparatar. – resmungou James observando um ponto vazio – Não foi por isso que a gente veio andando pra cá?


- Não se pode aparatar e desaparatar de fora pra dentro nem de dentro pra fora do escudo de proteção dos LeHavre. – explicou Frea, começando a caminhar pelo acampamento e fazendo sinal pra que os quatro a acompanhassem – Mas aqui dentro podemos. Os que estão de vassoura estão de patrulha, pra poder ver a movimentação além das árvores.


Pararam em frente ao grande carvalho; que parecia muito mais imponente agora de perto.


- Aqui em cima está o Grande Salão e a Enfermaria no primeiro andar, e o Quartel-General e a Sala de Estratégias no segundo – explicou Frea – Todos fazem as refeições juntos, no salão. E as reuniões com os líderes das tropas serão realizadas no Quartel-General.


- Líderes das tropas? – perguntou James espantado – Que tropas?


- Você verá. – Frea sorriu.


 


Alex começou a sentir fisgares na nuca por ficar o tempo todo olhando pra cima enquanto Frea explicava como as casinhas estavam divididas; a maioria delas era usada como dormitório para os estudantes, que aparentemente não paravam de se alistar.


- Temos alguns estudantes que estão treinando pra serem aurores, o que nos é muito útil, já que sabem tudo sobre disfarces e feitiços. Uma pena que sejam tão arrogantes – comentou, enquanto eles caminhavam pelo bosque em direção ao campo de treinamento da Divisão Aérea – E temos também alguns aspirantes a curandeiros que são igualmente úteis; Auguste sugeriu que você se juntasse a eles, Amelie – ela acrescentou, enquanto Amel corava – Lógico que temos alguns outros que não são muito úteis dado à necessidade do momento; jornalistas, tratadores de criaturas mágicas, advobruxos...; bom, alguns deles participavam de atividades extracurriculares na Universidade, como os times de quadribol e os clubes de xadrez, então podemos usá-los pra voar ou pra participar da Divisão Estratégica, de modo que nenhum talento seja perdido... ah, olá Toulouse!


Eles haviam chegado a uma clareira apertada e abafada, onde vários rapazes e moças vestindo um uniforme azul-marinho corriam de um lado para o outro, pingando de suor. Um rapaz careca e corpulento, mais alto que James e Alex estava a um canto com um apito na boca, observando atentamente os seus recrutas.   


- Olá Frea. – ele respondeu, seco, sem nem ao menos desviar o olhar – Queria mesmo tirar algumas satisfações com você. Por que você me mandou aquele inútil do Mallet? Já disse que quero ele bem longe das minhas vassouras.


- Ah, desculpe por isso. – Frea disse despreocupada – Não tenho muita paciência pra lidar com ele, e ele estava incomodando os cavaleiros


Ao escutar a palavra cavaleiros, Toulouse finalmente desviou os olhos para observar o grupo. Seus olhos avaliadores vagaram por Angus, Alex e James, e pararam por um bom tempo em Amel. Antes que James começasse a protestar, ele perguntou para a morena:


- Você voa?


- E-eu? – Amel gaguejou, olhando para os Ases em busca de apoio, mas todos eles pareciam tão estupefatos quanto ela – Eu não! Os cavaleiros são eles.


- Sim, estou ciente. Auguste falou deles, mas não contou se você voava. – Toulouse retrucou, com os olhos apertados – Você daria uma boa armadora.


- Uma... o quê


Mas Toulouse já não prestava mais atenção em Amel; voltou-se para James com o cenho franzido, como se estivesse imaginando pra que utilidade ele teria.


- Potter? Você vai voar naquele etoniano robusto, né? – embalava Toulouse, e assim que James assentiu, ele apertou os olhos de novo – Bom, pelo pouco que Auguste me disse sobre você, acho que você ficaria bem na defesa, vigiando o bem-estar dos outros, mas vou ter que ver você voar pra confirmar isso. Você vai se alistar na Divisão Aérea, certo?


E embora aquela última sentença fosse uma pergunta, Toulouse disse de um jeito que não abria opção pra James responder qualquer coisa, a não ser um dar de ombros incerto.


- E você, Morlevat – ele murmurou – Você voa no graniano albino, estou certo?


Alex meramente apertou os olhos.


- Bom, pelo que Auguste disse você daria um bom ponta-de-lança. Agüenta o ataque direto desde que não tenha que ficar se preocupando com o resto. Eh, isso mesmo... E o seu cavalo alado é rápido, e bem agüenta uns feitiços... Tentamos um feitiço do sono pra acalmar ele quando chegou, mas ele não cedia nem a pau.


Alex não soube o que responder e continuou calado. Seus olhos ardiam por uma boa noite de sono e só de observar as dezenas de rapazes e moças agora deitados no chão fazendo abdominais ele ficara cansado.    


 - Anglade... – Toulouse disse para Angus apertando os olhos avaliadores – Queria te usar pra lateral esquerdo, mas Auguste disse que tem outros planos pra você... Uma pena, mas pelo menos poderemos usar seu caval... BELLAC! – berrou, voltando-se para os recrutas de repente, como se tivesse olhos na nuca – Não você, Cassandra... Calíope! O que pensa que está fazendo aí? Pegando um bronzeado? Levanta sua bunda molenga daí e dá trinta voltas na clareira! 


Bufando, uma jovem de longas cabeleiras louras presas num rabo de cavalo se ergueu e começou a correr. Ela vestia um short minúsculo e um top que não escondia muita coisa. Angus assobiou, impressionado.


- É é, bonitinha, mas eu não me meteria com ela se fosse você. – comentou Toulouse – Tem um gênio terrível essa aí.


Angus pareceu não escutar. Estava atento a jovem como um leopardo que farejara uma gazela.


- Bom, acho que vocês querem um descanso, estou certa? – disse Frea, parecendo desconfortável com o olhar atrevido de Angus – Eu vou mostrar o dormitório de vocês, você pode falar com eles amanhã – acrescentou, para Toulouse, que abrira a boca pra protestar – Eles vieram andando pra cá durante três dias, não vão ser muito produtivos hoje.


 Toulouse remexeu-se, desconfortável.


- Amanhã às 5 da manhã, aqui na clareira. – disse ele – Não precisam trazer os cavalos, quero testar a resistência física de vocês primeiro.


- Resistência...? – começou James, fazendo uma careta horrorizada, mas Toulouse já havia dado as costas a eles e voltava a berrar com a jovem loura pra ela fazer cinqüenta flexões.


- Onde estão nossos cavalos? – perguntou Alex, de repente sentindo falta de Leo.


James franziu a testa, um pouco envergonhado.


- É mesmo, onde eles estão? – ecoou.


- Ah, estão escondidos no bosque, perto do dormitório de vocês. – respondeu Frea, novamente fazendo sinal pra que eles a acompanhassem (Angus teve de ser arrastado por uma Amel que revirava os olhos).


Eles fizeram o caminho de volta ao grande carvalho, parando em frente a um pinheiro alto que acoplava um pequeno sobradinho há vinte metros de altura.


- Achamos melhor que vocês ficassem juntos. – Frea explicou – Nesse dormitório tem quatro camas; duas no primeiro andar e duas no segundo. Amelie, você ficará nessa casinha aqui do lado – e apontou para uma construção minúscula no pinheiro ao lado – Auguste e Alcebíades provavelmente dormirão na mansão, a mãe deles não tem um gênio muito fácil, sabem. – acrescentou, suspirando – Os cavalos estão um pouco mais embrenhados no bosque, ali atrás. Acho melhor você dar uma olhada no seu, Alexander, ele não está muito feliz de ter ficado preso.


 Alex assentiu, conhecendo o gênio de Leo o suficiente pra não tomar as palavras dela como exageradas. Sentiu seus olhos arderem de novo e não conseguiu conter um bocejo.


- Estão cansados, podem dormir por hoje. – disse Frea – Talvez Auguste queira vê-los depois do jantar, pra explicar algumas coisas. Parece que vocês vão fazer parte da Divisão Aérea, mas Auguste quer que você – virou-se para Angus – faça outra coisa. Ah, você também Amelie. Talvez ele te mostre a Enfermaria depois.


- Por que Auguste quer que eu faça outra coisa? – Angus começou a protestar, esquecendo momentaneamente de sua presa loira.


Frea o analisou com cuidadosa curiosidade.


- Acho que ele quer usar sua memória pra fins mais produtivos. – ela disse – Bom, de qualquer modo ele fala com vocês depois que retornar da mansão.


Ela deu um breve aceno de cabeça pra eles e virou-se para ir embora, quando James quase gritou:


- Espere aí! – ela voltou-se para ele com um olhar curioso – Eu... quer dizer, nós, não comemos nada desde ontem...! Será que não...?


Frea deu um sorrisinho.


- O refeitório é ali – disse, apontando para o carvalho a sua direita – O horário da janta já passou, mas se quiser, pode ir ver na cozinha se sobrou alguma coisa.


James olhou para os outros, provavelmente não querendo ir sozinho ao lugar desconhecido.


- Bom, eu não me importaria de bater uma boquinha. – disse Angus dando de ombros.


- Eu também estou com um pouco de fome. – Amel admitiu.


Àquela hora Alex sentiu seu estômago roncar, mas os olhos que ardiam falaram mais alto e ele disse que preferia dormir.


Ele observou os três seguirem em direção ao carvalho antes de aparatar pra dentro do sobradinho, lembrando a si mesmo de ir visitar Leo depois de um cochilo.


Aparatou no segundo andar do casebre, que constituía em um pequeno aposento de decoração rústica de madeira. Havia duas camas de coluna que lhe lembrava as camas do dormitório de Hogwarts, um pequeno sofá de dois lugares e duas escrivaninhas talhadas toscamente em madeira. Entre as duas escrivaninhas havia uma grande janela que lhe lembrava uma saída de emergência, e, observou depois, havia uma escada externa acoplada a ela que dava pro primeiro andar.


Alex suspirou e largou-se em uma das camas, fechando os olhos automaticamente em busca de um pouco de alívio. Desejou uma poção do sono sem sonhos, mas estava tão cansado que tinha esperança de não sonhar qualquer coisa.


E assim, ignorando como sempre seus desejos, assim que fechou os olhos ela apareceu novamente; no começo apenas um peso gelado e macio pendurado às suas costas, e conforme ele entrava mais fundo em seu próprio subconsciente ela passou a tomar forma; os cabelos castanhos, o sorriso brilhante, a voz empolgada e feliz... Mas ele não conseguia sentir o cheiro dela.


- O que está fazendo? – ele perguntou, inclinando a cabeça para encará-la – Desça daí!


  - Não posso. – Aya choramingou pendurada em suas costas – Alex, seja bonzinho pra variar; acho que quebrei meu pé.


Assim que Alex contorceu-se para analisar melhor o tal pé quebrado de Aya, percebeu que andava sem rumo por uma praia deserta. As ondas de água salgada quebravam na areia ao seu lado, e do outro havia várias árvores que ele não sabia identificar.


- Por que estamos aqui? – perguntou, tentando ignorar o fato há pouco percebido de que Aya estava provavelmente semi nua às suas costas e ele mesmo vestia apenas um calção de banho.


- Não sei. – ela respondeu, distraída – Mas acho que seria muito bom se a gente pudesse achar nossa casa... Oh, olha! Tem algumas pessoas vindo aí. Talvez eles saibam onde é!


E ela apontou para um pequeno grupo de pessoas que caminhavam na direção oposta aos dois. Eles estavam longe para Alex distinguir suas feições, mas pelas formas parecia um casal com duas crianças pequenas.


Ao passo que a pequena família se aproximava, Alex sentiu algo estranhamente íntimo ao observá-los, como se de algum modo os conhecesse. Um homem alto e forte carregava um menino que não passava dos dois anos em um dos braços, e a bonita mulher advertia o outro menino, uma réplica exata do primeiro, para que ele não corresse em direção ao mar.


- Que família bonita, né? – Aya comentou, admirada.


Alex soltou um murmúrio de concordância, sua atenção focando-se no homem pelo menos uma década mais velho que ele, e que se assemelhava imensamente a... ele mesmo.


Apertou os olhos, sentindo um formigamento na boca de seu estômago; o homem tinha o mesmo cabelo loiro escuro que ele e uma expressão de contida satisfação no rosto. Ele agora observava a mulher correr atrás do outro menino, um olhar divertido e sutilmente apaixonado fazendo cintilar seus olhos verdes. Reconheceria aquela expressão mesmo se se deparasse com uma versão sua de oitenta anos: o mesmo olhar devoto e o sorriso puxado de canto de lábio que ele tinha certeza que se apossava de seu rosto cada vez que Aya adormecia ao seu lado.


- Que pai bonitão. – Aya comentou em suas costas, não fazendo questão nenhuma de manter a voz baixa. Alex não pôde evitar de sorrir. Como um ímã seu olhar seguiu o de sua versão mais velha para a mulher ao seu lado: esguia, sorridente, os cabelos castanhos compridos e os olhos amendoados brilhantes de êxtase: Aya.


A versão mais velha de Aya era como uma estranha familiar; ela tinha a mesma risada contagiante e os mesmos olhos misteriosos de quem vai aprontar alguma coisa, mas algo nela – talvez sua postura ou o modo como ela ralhava autoritária com o menino – lhe era um pouco intimidante; como se ela fosse uma mulher poderosa e inteligente, que deveria ser tratada com muito respeito e dignidade.


- Gêmeos! – Aya observou, alegre, quando a família se aproximou mais, provavelmente escapando-lhe dos olhos que aqueles eram eles mesmos, no futuro – Olha Alex, são iguaizinhos! Sempre quis ter gêmeos! Mamãe disse que a probabilidade é grande, já que o papai e tia Emma são gêmeos e que na família dele tem um monte, também. Se bem que deve ser meio caótico cuidar de duas crianças ao mesmo tempo, mas olha – ela apontou com um aceno quando a versão mais velha dela mesma rodopiou o serelepe menino no ar, ambos rindo alegremente – Eles parecem tão felizes.


- Parecem mesmo. – Alex respondeu, mal disfarçando uma pontada de orgulho em sua voz, sem conseguir tirar os olhos da Aya mais velha. Sua família.


- Quantos filhos você quer ter? – Aya perguntou curiosa, acenando alegremente pra família que acabara de cruzar seu caminho. A versão velha de Alex retribuiu o sorriso de Aya e seu olhar atravessou o de Alex, seguido por um breve aceno de cabeça; uma sensação poderosa de esperança aqueceu seu peito àquela hora, como uma promessa de um futuro distante e feliz; como que com aquele pequeno gesto seu “eu” do futuro lhe dissesse: “Aguente firme. Essa pode ser a sua vida. Essa pode ser a mãe de seus filhos”.


Alex sentiu seu corpo inteiro se aquecer com esse pensamento, e foi inevitável conter uma lágrima que teimava em escapar em seus olhos. Poderia ele ter uma família? Conseguiria ele dizer a Aya todos os sentimentos que ele tolamente guardara por um par de anos? Conseguiriam eles serem felizes mesmo com a soturnidade dele e o temperamento ruim dela?


- Ei, olha lá! O que é aquilo? – Aya interrompeu sua linha de pensamentos, apontando com certa aflição para alguma coisa que a as ondas trouxeram do mar para a costa. Alex apertou os olhos, uma sensação horrível apagando todas as suas esperanças de momentos antes ao notar que o objeto se assemelhava muito a um corpo humano.


Depositou Aya delicadamente na areia; lembrando-se de ter cuidado com seu pé supostamente quebrado, e a passos muito vagarosos começou a se aproximar do corpo. As pequenas ondas se chocavam com a pessoa mas ela não parecia reagir.


- O que está fazendo? – ele ralhou, quando viu que Aya o acompanhava. Não queria que ela visse o que quer que fosse aquilo.


- Quero ver. – ela respondeu em um sussurro, parecendo pouco à vontade – Parece uma mulher.


- O seu pé não está doendo? – ele perguntou, desconfiado.


Aya deu de ombros e passou à sua frente na direção do corpo. Completamente indiferente a sua pergunta. Ele suspirou, entre resignado e aborrecido, e a acompanhou. A cada passo ele sentia seu cérebro protestar: “Não se aproxime. Não se aproxime!”, mas seu corpo parecia ter vontade própria àquela hora e ele finalmente chegou perto o suficiente para, com um ardor no peito, reconhecer o tal corpo na areia.


- Ah, coitadinha! – Aya exclamou, adiantando-se para o corpo e ajoelhando-se para checar se ela ainda estava viva.


Alex deu um passo para trás, horrorizado. Devia ter percebido antes. Devia ter reparado que aquele corpo usava as mesmas roupas que ela, naquela funesta noite... –


Deu mais dois passos para trás, afastando-se de ambas as Ayas e sentiu todo o ar ser roubado de seu cérebro. Não conseguia raciocinar. Não conseguia ordenar seus pés a fugir dali; a leva-lo de volta para o encontro com a família feliz; com a sua família feliz.


- Alex! Alex! – a versão “viva” de Aya o chamava, aflita – Venha me ajudar! Precisamos salvá-la! Alex!


A voz dela tornou-se um eco em sua cabeça, e ele sentiu o cenário inteiro se dissolver em sua visão – “Alex!”, ela ainda o chamava, angustiada, mas ele não podia se mover. “Alex! Volte!”; ele queria voltar, queria gritar para ela espera-lo. Queria que ela soubesse que ele faria de tudo pra tê-la de volta, que ele trocaria, sem hesitar, sua vida pela dela. “Alex, por favor!”, ouvi-la soluçar e implorar era a pior coisa do mundo. Por que raios suas pernas não se moviam?


 “Alex! Alex! Eu preciso de você!”


“Alex, volte! Por favor! Por favor!”


- Alex! – uma voz grave chamou.


Ele esticou seus braços para tocá-la. “Vai ficar tudo bem!


- Alex, já são quatro e meia! – a voz grave ecoou de novo.


Uma lágrima escorreu por seu rosto “Aya, eu amo você!


- ALEX! – James berrou.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.