capítulo 12



Na manhã seguinte, bem cedo, Felipe chegou. E foi logo dizendo ao hóspede da família que precisava mesmo lhe falar. Porém, era véspera de Natal e os irmãos o envolviam a todo instante, o que dificultou a conversa que queria ter com “John Smith” a sós.
O almoço foi a coisa mais ruidosa que Snape já vira na vida. E olha que ainda faltava a família de Neuza...

À noite, todos foram para a infalível “Missa do Galo”. Martinho e Beatriz nunca deixavam de ir, e este ano fizeram questão de todos os filhos – e convidado – acompanhando.
Quando Sarah chegou à sala, os irmãos, brincaram com ela, assobiando e fazendo piadinhas. Ela usava um vestido preto, os cabelos presos num “rabo de cavalo” alto, brincos de argola de prata, sapatos de salto, enfim, ela estava “arrasando”.
Mas o que chamou a atenção de Snape foi outra coisa... Ao ajeitar a echarpe que acompanhava o vestido, ela deixou à mostra uma corrente de prata em seu pescoço, que sustinha um pequeno medalhão também de prata, em forma oval.
Esquecido de qualquer coisa, sem ao menos imaginar que poderia ser considerado inconveniente, ele caminhou até ela, resoluto, e tomou o medalhão entre os dedos, que ao ser tocado por ele, soltava suaves faíscas azuis e verdes... Examinou-o com atenção, causando estranheza a todos, que silenciaram, esperando sua explicação.
- Onde você conseguiu isso? – ele perguntou por fim.
- Tenho desde criança... – Sarah respondeu, em tom assustado.
- Sim, meu filho. Era a única coisa que ela tinha consigo, quando a encontrei. Além das roupinhas, claro – Martinho tentou ser engraçado, mas Snape o fitou, sério:
- Você tem certeza disso? – perguntou.
- Claro, homem. – Martinho parecia exasperado com sua repentina rispidez - Ela o tinha no pescoço, eu até achei isso muito perigoso, uma corrente tão fina no pescoço de uma criança é algo completamente impróprio... mas até foi daí que tiramos a idéia de chamá-la de “Sarah”.
- Esqueceu, meu velho? Que a primeira idéia foi Serena? – Beatriz atalhou – Por causa da inscrição atrás?
Enquanto Snape virava a pequena medalha para tentar ler a inscrição em letra muito fina e miúda, pra caber no pequeno espaço, Martinho explicou:
- Sim... era o nome gravado em sua roupa... Mas o achamos muito estranho... então optamos por Sarah.
- Ah, então “tá” explicado! – Berenice exclamou, quebrando a tensão – Por isso ela gostava da Serena... Mas vocês podiam ter usado esse nome mesmo, qual o problema?
- Até parece que você não conhece o pai que tem... – André comentou por sua vez, brincalhão.
Sarah tomou a mão de Snape, fazendo-o soltar o medalhão, pois já começava a sentir-se mal com aquilo.
Ele percebeu que fora longe demais, então deu uma desculpa esfarrapada de ser apreciador de jóias antigas e aquela o ter atraído irresistivelmente como colecionador que era... mas Sarah não se deu por satisfeita.
Ela própria começou a analisar a jóia, não pela primeira vez, mas com associações novas brotando em sua mente.

Não sabia o detalhe de ter o nome “Serena” gravado em suas roupas de bebê, e sempre atribuíra àquela jóia a escolha do nome por seus pais. Um duplo “S” em prata, com uma minúscula esmeralda cravada no centro, gravado em uma placa de prata pouco menor que uma moeda de dez centavos. Só agora, no entanto, percebia não ser um duplo “s” como sempre pensara. Era na verdade, um “S” apenas, com uma espécie de serpente lhe servindo de “sombra”.
Então, ela se lembrou do que poderia ter parecido a Snape. Sim, só podia ser. Ele associara o “S” e a serpente a Salazar Slyterin... Mas, como ela poderia ter algo que fizesse alusão a um dos fundadores de Hogwarts? Era só coincidência...
- Não é? – perguntou a ele, na caminhada até a igreja, que ficava apenas a algumas quadras.
- O que? – ele perguntou, como se não soubesse do que ela estava falando.
- Coincidência. Minha medalha ter algo que parece o símbolo de Salazar Slyterin...
- Acredito que sim. Mas, sinceramente, por um momento, me assustei ao vê-lo. E também...
- O que? – Sarah se assustou com sua expressão sinistra, pela primeira vez tendo consciência de que era um bruxo, e dos mais poderosos, ali ao seu lado.
- É que – Snape suspirou, como se desistisse de esconder algo dela – Há uma forte irradiação de magia nele, eu pude sentir, pude ver, mesmo sem a varinha. Amanhã, por favor, me deixe examiná-lo direito. Quero ler a inscrição do verso. Talvez seja a resposta...
Sarah sobressaltou-se. Como ela poderia trazer por tanto tempo um objeto mágico consigo, sem saber?
Felipe, próximo a eles, acompanhou a conversa com expressão enigmática, pensando consigo mesmo que não poderia adiar mais a conversa com seu amigo “desmemoriado”. E que, pelo jeito, ele não estava mais tão desmemoriado assim...

Eles chegavam à igreja. Tomaram lugar num dos compridos bancos de madeira, toda a família cumprimentando e sendo cumprimentada por conhecidos, o “hóspede” chamando atenção de várias cabeças que se viravam para observá-lo não tão discretamente, como seria de se esperar. Neuza, os filhos e o marido já estavam lá, e logo a família Laurent estava ainda maior, com os sogros e cunhados de Helena se juntando a eles.
No retorno para casa, todos se preocuparam em colocar seus presentes sob a árvore, pois o almoço de Natal, Helena e os filhos estariam lá, era o momento em que a família abria tradicionalmente os presentes.
Somente após todos terem feito isso, e terminado mais um imperdível e delicioso lanche de “mamãe” Beatriz, é que se recolheram. Então, quando a casa se fez em silêncio, Snape saiu de seu quarto e colocou também seus presentes sob a árvore.
Por um minuto, ficou olhando as luzes que piscavam. Lembrou-se do salão principal de Hogwarts, invariavelmente enfeitado pelas árvores que Hagrid trazia da floresta e os professores ornamentavam de forma mágica.
Lembrou-se do teto encantado da escola, refletindo o céu estrelado e também neve caindo. Não, não teria neve em seu Natal este ano. Mas teria presentes e almoço em família... isso sim era novidade para Severus Snape!

O dia amanheceu mágico e lindo, como Sarah se apressou em comentar ao abrir a janela da sala.
O sol brincava lá fora, e muitas crianças já iam pela rua, experimentando e mostrando aos outros os brinquedos novos.
- Esta é a melhor parte da manhã de Natal. Por isso, gosto quando não chove. – ela explicou para Snape, que a fitava curioso, enquanto se reuniam para o café da manhã em família.
A mesa esta manhã estava ainda mais caprichada, com bolos confeitados, frutas, doces, enfeites. Beatriz se superara, como se isso fosse possível.
Quando Snape lhe disse isso, e ela respondeu com um tímido “bondade sua”, as filhas cutucaram-se entre si e dispararam a rir.
A mãe ralhou com elas, vermelha como uma das maçãs na mesa, mas seus beijos a fizeram esquecer a brincadeira.

Os votos de “Feliz Natal” a cada vez que mais um membro da família chegava à grande mesa da cozinha eram sinceros e contagiantes.
A manhã passou entre preparativos, onde até Snape se viu às voltas com legumes na cozinha, desejando intimamente poder usar sua varinha e resolver logo o problema, mas Sarah adivinhou seus pensamentos e brincou:
- Uma vez na vida, você terá um Natal trouxa, meu caro professor de poções! – e piscou para ele.
Ele sorriu de volta, e de repente, isso foi bom. Sorrir era novidade para o sempre carrancudo e mal-humorado ex-professor, mas estava se tornando cada vez mais comum em seus dias ali.
Mas não tinha certeza se aquele Natal seria totalmente trouxa... afinal, Sarah ainda não vira seus presentes!

***

Snape estava certo em imaginar a reação de Sarah ao entender o que ele tinha feito. Só uma coisa não previra: ela ficara realmente preocupada com ele! Com sua segurança! Afinal, feitiços executados em presença de trouxas mereciam advertência imediata, pelo menos, era assim nos livros.
Depois de tranqüilizá-la sobre isso, pois os fizera em condições especiais de proteção, repreendeu-a por não ter aberto o seu ainda, ao invés de ficar entretida com o “falso” xadrez de bruxo que ele dera aos filhos de Neuza, peças iguais às do filme de Harry Potter, que se moviam para a casa enunciada em voz alta pelos jogadores. “Tecnologia japonesa” fora a conclusão de Martinho e explicação ideal para todos.

Sarah obedeceu, mesmo ainda curiosa com os presentes dos outros. E maravilhou-se ao ver o lindo vestido que ele lhe dera. A etiqueta interna dizia ser de Madame Malkin.
Era um vestido de festa, num tom de verde oliva, tomara que caia, levemente drapeado até uma faixa larga, bordada de dourado e prata, que deixava a cintura bem marcada. A saia abria em roda suave, levemente pregueada também. O tecido parecia veludo, porém mais fino e suave.Poderia parar por aí e seria um vestido normal, que ela poderia usar em qualquer festa que fosse, mas tinha um xale, ou melhor, um falso xale. Na verdade era um bolerinho com uma imensa gola xale, terminando num barrado da mesma faixa bordada que marcava a cintura. O xale cobria os ombros e braços até a altura dos cotovelos.

Enquanto todos agradeciam os presentes incomuns, mas seguramente não mágicos, ele tranqüilizou Sarah mais uma vez – com exceção do jogo de xadrez que ele apenas “incrementara um pouco” - foi a sua vez de receber presentes. Isso sim o surpreendeu. Martinho e Beatriz, Berenice e até os filhos de Neuza haviam se preocupado em presenteá-lo.
Sarah brincou que desta vez, apenas desta vez, atendera ao seu gosto pessoal, presenteando-o com uma camisa de seda, preta.
Ele riu. E, de repente, sentiu-se realmente parte daquela família. E beijou Sarah no rosto, dizendo-lhe com sinceridade:
- Se eu tivesse uma irmã, teria que ser você! Este é o melhor Natal que já tive, obrigado.
Ela o fitou com os olhos cheios d’água, e até Martinho pareceu emocionado com tal declaração.

Felipe foi o único a permanecer em silêncio, observando-os. E decidiu-se: depois do almoço, sem falta, conversaria com o inglês. Aquilo precisava ser esclarecido o quanto antes, e a família toda estaria envolvida, afinal. Então, resolveu que a conversa teria a participação também de seu pai.

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