Dumbledore e Randall



Capítulo Oito
Dumbledore e Randall


Alvo Dumbledore trancara-se no quarto por todo o dia. Já não agüentava mais os olhos daqueles urubus do Ministério sobre ele. Tratavam-no como um garotinho indefeso.
Pela janela, via dois guardas parados na entrada da propriedade. Alguns outros circulavam pelo gramado da Mansão Dumbledore; varinhas em mãos, conversando moderadamente. Outros ainda estavam dentro da casa conjurando feitiços e encantamentos para protege-lo contra quaisquer invasores. A vida se transformara num inferno desde que aparatara no átrio do Ministério da Magia, ferido. Nem ao menos deixavam-no ir ao térreo sem escolta. O Ministro, Wallace Churchill, que Dumbledore apoiara nas eleições, mostrara-se imediatamente temeroso à situação. Mas por motivos equivocados.
Churchill e seu gabinete concluíram que o ataque ao embaixador partira de uma das milícias pelo desarmamento dos trouxas. Marchas contra as “POMPAS” e as “LUZES ECLÉTICAS” não eram tão incomuns agora. Partidários do LEVANTE ganhavam cada vez mais a simpatia da Comunidade Mágica.
Faz algumas décadas, o LEVANTE fora criado por bruxos e bruxas cuja alcunha era revelar a existência dos Bruxos aos Trouxas. “ACABEM COM ESSA FARSA”, “REVELEM OS BRUXOS”, “LIBERDADE AINDA QUE TARDIA”, “O MUNDO NÃO É DOS TROUXAS”, entre outros, era seu lema, que parecia estar em cada casa de bruxo da Inglaterra nesse momento.
Charles Hildegard, que há anos lutava por um lugar ao sol como Ministro da Magia, podia ser visto com o buttom vermelho e branco do LEVANTE preso a capa aonde quer que fosse. A legenda “LIBERDADE É DIGNIDADE” brilhavam como néon na superfície do buttom. Não fazia dois dias, Hildegard estivera com membros do LEVANTE num grande e emocionante discurso no povoado de Hog’s Mead. Falavam das novas armas dos trouxas, enfatizando a “POMPA DE NÚCLEO”, capaz de destruir o mundo inteiro. Dumbledore acompanhara as notícias pelo Profeta Diário. O correspondente do Profeta deixara escapar um escárnio quanto à “pompa de núcleo”.
O ataque na Plataforma 9/2 não saíra nos jornais. O Ministério e o Porfº Dippet abafaram tudo. A família do maquinista morto receberia uma indenização e uma ajuda de custos, garantira-lhe Dippet, mas manteriam aquela história em sigilo.
“Não seria de bom tom para Hogwarts estar envolvida num escândalo desses”, concluíra o diretor, temeroso quanto à reação dos pais dos alunos, caso viessem a saber que o trem no qual seus filhos eram conduzidos supostamente em segurança para escola fora atacado por um homicida desconhecido.
“A ‘pompa de núcleo’”, Dumbledore murmurou para si, lendo o Profeta Diário. “É bomba, seu idiota”. Atirou o jornal para o lado.
Poucos eram os bruxos que levam a sério à história da “pompa do Fim do Mundo”. Mesmo Dumbledore acreditava apenas em parte dela. Entretanto, não deixava de ser preocupante. Os trouxas, em geral, não eram confiáveis. E um poder como aquele nas mãos deles poderia... Bem, poderia ser o Fim do Mundo. Ao menos, o fim do mundo como o conhecemos. Dumbledore andara pesquisando o assunto em artigos e revistas dos trouxas, mas era-lhe muito difícil compreender o jargão científico. Ainda não conseguira assimilar a idéia de radiação, só para citar um exemplo.
Por causa de todo esse falatório, o LEVANTE estava sendo contaminado por novos ideais. E isso também era uma preocupação. Já não se falava em liberdade para a Comunidade Mágica, mas em represália as novas descobertas dos trouxas. Sim, a palavra era mesmo essa: contaminado. Contaminação. O partido estava sendo tomado pelos radicais. Gente que não se importaria de ferir e matar quem quer que fosse.
Durante muito tempo, os Bruxos tinham convivido em paz com os Trouxas por estarem convictos de terem o controle. Mas as certezas haviam se esvaído, e isso os amedrontava. Os trouxas jamais os haviam visto com bons olhos. Bruxos mais alarmistas já começavam a falar em caça aos bruxos. Dumbledore, entretanto, não acreditava nisso. Não chegariam a tanto.
Na pg. 8 do Profeta Diário, uma testemunha, que se dizia agente secreto do Ministério e preferia não se identificar, afirmava ter estado em contato com uma nova invenção dos trouxas (mais uma?) com a qual os cientistas deles (os quais o Profeta chamara de “peentistas”) poderiam descobrir quem era e quem não era bruxo. A tal testemunha ainda afirmava ter visto com seus próprios olhos um Escudo Refletor de Feitiços, capaz de fazer os trouxas imunes aos bruxos.
Há alguns dias começara a boataria de que os Bruxos e os Trouxas rumavam para guerra e que esta teria início a qualquer momento.
Uma bruxa, de Little Hangleton, dizia estar cavando um abrigo para ela, o marido e os filhos. E que fabricara um novo tipo de poção antitrouxa, podendo ser adquirida por 500 galeões. Uma pechincha, a bruxa enfatizara.
Cidadãos de vilarejos afastados diziam a todo o momento terem sido atacados pelos trouxas. Alguns, inclusive, fotografavam seus corpos, onde se via cicatrizes, contusões ou queimaduras atribuídas a temível LUZ ECLÉTICA.
O Pasquim noticiara que aeronaves dos trouxas estariam atacando durante a noite Comunidades de Bruxos e Bruxedos. O FOGO QUE VEM DO CÉU, era a matéria de capa, na qual se via a foto suspeitíssima de uma nave em forma de disco disparando um raio contra uma casinha em chamas.
Wallace Churchill, irmão do Ministro dos Trouxas, tentava inutilmente desmentir os boatos.
O mundo estava enlouquecido, pensava Dumbledore, abismado. As pessoas já não sabiam discernir entre o real e a pura fantasia. Londres estava em pânico. Os radicais emergiam para o poder. Era o tempo propício para governos bárbaros. Propostas ensandecidas ganhavam o apreço da população assustada. Dumbledore temia o que poderia surgir de um cenário assim.
E com todo esse caos o Ministério ainda teimava em se preocupar em encher a sua casa de seguranças. Sentia-se invadido, roubado. Queria privacidade. Não fora o LEVANTE nem nada parecido que o atacara na Plataforma 9/2, e ele precisava ficar a sós para pensar no assunto. E ainda havia o anel roubado. O anel de Bargaroff que o Sem-Varinha levara.
Por que mataram Bargaroff?
Por que queriam o anel?
Por que tentariam matá-lo?
O que significaria a fênix tatuada na mão de Bargaroff?
Fawkes estaria relacionada a tudo isso? Como?
Por que havia o mesmo símbolo no anel?
Uma fraternidade? Qual?
Por que a marca da fênix era-lhe estranhamente familiar?
Nenhuma resposta. Sua cabeça doía. Droga! Não lhe ocorria nada. Quando poderia se ver livre daqueles urubus? Gostaria de saber. Talvez devesse fazer uma viagem. Afinal não poderiam proibi-lo, não era um prisioneiro. Riu. Talvez fosse...
Inquieto, Dumbledore tomou um banho para relaxar. Depois, revendo uma papelada antiga, acabou esbarrando num álbum de família. Abriu-o e foi passando de fotografia em fotografia. Parou na foto de uma moça jovem, loira. A moça sorria abraçada a um homem alto, de cabelos ruivos e olhos muito azuis. Nada mais nada menos que o próprio Dumbledore.
Fazia tempo que ele não olhava para a foto da moça e muitos anos que não a via. Não queria vê-la. Para falar a verdade, nem sabia por que ainda mantinha aquela foto ali. Pensou em joga-la fora, mas acabou desistindo. Chorou. Jamais perdoara a filha. E no entanto, jamais se livrara do vazio e da falta que ela fazia.
“Você está morta!”, gritou para foto.


Randall não se incomodava com a segurança. Não poderiam detê-lo.
O terreno era protegido contra aparatação/desaparatação. Teria de se esgueirar de outras maneiras. Flutuou um pouco acima do muro. Observou os guardas andando de lá pra cá no quintal, distraídos, conversando sobre Quadribol ou sabe-se-lá-o-quê.
Seria fácil.
Pegou a capa da invisibilidade e cobriu-se com ela. Encantando seu próprio corpo para voar, transpôs o muro. Pousou na grama e encaminhou-se para a Mansão Dumbledore. Era um casarão antigo, em estilo gótico, com janelas cumpridas e escurecidas. Passou sorrateiramente por um guarda quando este falava para o parceiro sobre a classificação da Irlanda no Campeonato Mundial de Quadribol.
Qual janela?, Randall se perguntava.
Tornou a voar, subindo devagar para a capa não lhe escapar do corpo. Ventava, e, volta e outra, seus pés ficavam descobertos. Vasculhou as janelas e só encontrou cômodos vazios. Mais para frente, deu com a visão de um corredor impecavelmente decorado, onde mais dois guardas passeavam armados com suas varinhas. Randall não lhes dispensou mais que um olhar.
Após 20 minutos de investigação minuciosa pelas vidraças da Mansão, finalmente encontrou quem procurava: Alvo Dumbledore. Ele acabava de gritar “Vocês está morta!” para o que parecia ser uma foto. Que estranho, pensou Randall. Dumbledore jogou o álbum de fotografias contra a parede e caiu na cama.
Desgraçado, Randall continuou pensando. Havia lhe escapado antes, mas dessa vez ele terminaria o serviço. Tocou a Poção Polissuco no bolso da capa. Tudo ia dar certo agora. Ainda tinha as marcas de Fawkes no rosto e não se esquecera daquele pássaro idiota. Levaria a fênix para o Mestre. Quando estivesse terminada sua utilidade, a petrificaria e lançaria para as profundezas do oceano. A única maneira de matar-se uma fênix.
Mas isso ficaria para mais tarde. Por ora, era em Dumbledore que tinha de se concentrar. Fê-lo pagar pela afronta e tomar o seu lugar. Encostou o indicador no vidro da janela. No segundo seguinte, só havia um buraco ali. Passou para dentro.
Dumbledore deve ter sentido o deslocamento de ar, pois se virou na hora em que ele entrou. Randall puxou a capa.
“Então nos reencontramos, Dumbledore? Saudades?”
Estirou o braço para Dumbledore. Uma áurea verde circulava pelos seus dedos.
“Avada Kedrava!”


Quando atirara o álbum de fotografias, o espelho na parede caíra e se despedaçara. Dumbledore pulou na cama e vasculho as almofadas atrás de sua varinha. Voltava-se para limpar a bagunça, mas parou a meio movimento. Um arzinho frio pressionou-se contra a sua orelha, seguido de um deslocamento. Havia alguém no quarto, concluiu. E não demorou muito até Randall se revelar.
“Então nos reencontramos, Dumbledore? Saudades?”, disse Randall, rindo.
Dumbledore levantou a varinha ao tempo que Randall preparava-se para lançar a Maldição da Morte.
“Avada Kedrava”
O jarro de flores em cima do criado-mudo saiu voando em disparada, interpondo-se entre Randall e Dumbledore. O disparo verde do feitiço da morte destruiu o jarro completamente, lançando dezenas de pequenos fragmentos pelo ar. Dumbledore, contudo, escapou intacto.
Com um movimento de punho, Dumbledore disse:
“Imobilus”
“Impedimenta”, alvejou Randall, repelindo o feitiço.
“Petrifico Totalus”
“Protego. Avada Kedrava”
Dumbledore jogou-se para o lado. Um buraco chamuscado de chamas surgiu na cama onde ele estivera há pouco. Mirou Randall e disse:
“Incendium”
Chamas vermelhas brotaram pelo corpo de Randall, que não conseguiu repeli-las. Dumbledore levantou-se. O Sem-Varinha corria pelo quarto pegando fogo. Gritava. Não conseguia pensar em nenhum contra-feitiço.
Dumbledore derrubou-o e lhe extinguiu as chamas com outro feitiço. Conjurou cordas ao redor de Randall, apertando-o bem. Não sabia a extensão de seu poder, por isso resolveu não se afastar muito, embora ele parecesse desmaiado. Da porta, gritou pelos guardas. Era incrível como nenhum deles não aparecera ainda, apesar das gritarias de Randall. Não havia ninguém nos corredores. Dumbledore avançou um pouco pelo corredor e já chegava as escadas quando avistou os guardas. Liam tranqüilamente o Profeta Diário.
“O Brasil tem grandes chances de vencer a Copa Mundial nessa temporada”, iam dizendo.
“Ei, guardas”, chamou Dumbledore, irritado.
E seguiu explicando o sucedido enquanto corriam de volta ao quarto onde Randall encontrava-se, vencido.


Perdera os sentidos por um ou dois segundos, no máximo. Vira Dumbledore sair, e só agiu quando seus passos se afastaram pelo corredor. Tentara, por algum tempo, livrar-se daquelas cordas. Fora impossível. Nenhum encantamento era capaz de libertá-lo. O laço ia ficando mais apertado. Dumbledore o pegara. Havia falhado.
Randall olhou para os estilhaços do espelho pelo piso. Respirou fundo, preparando-se para sua última e mais amarga missão. As lágrimas corriam pelo seu rosto.


Parado no umbral do quarto, Dumbledore fitava o corpo do homem – do qual nem conhecia o nome. Um pedaço de espelho estava cravado na garganta parcialmente degolada do Sem-Varinha. O sangue escorria abundante. A boca estava aberta num último gorgolejo de vida e de dor. Os olhos, vazios e distantes. O homem se fora.
“Morto”, Dumbledore balbuciou, estarrecido.
“Suicidou-se”, murmurou um dos urubus... digo, guardas do Ministério.
“Por quê?”, perguntou outro.
“Para não responder as minhas perguntas nem as do Ministério da Magia”, Dumbledore deu um soco na porta. “Droga!”
“Vamos chamar reforços”, avisaram os guardas.
Meia hora depois, havia gente pela casa toda. Agentes do Departamento de Crimes Praticados por Magia removiam o corpo agora. A noite já parecia encerrada quando um homem formalmente vestido aproximou-se de Dumbledore.
Cumprimentou-o.
“Alvo Dumbledore, eu suponho”
Dumbledore não conhecia o sujeito, mas apertou-lhe a mão.
“Sim, sou eu”
“Bernard Tidwell, Ministério da Magia”, o agente mostrou-lhe as credenciais.
“Pois não...”
“Preciso que o senhor me acompanhe ao Ministério, embaixador”
“E eu posso saber por quê?”
“Mas é claro. Trata-se de praxe. Precisamos tomar-lhe um depoimento. Não vai durar mais que uma hora”
“Uma hora? Não posso falar-lhe aqui mesmo?”
“Não, não pode. Sabe, é a lei. E...”, o agente abaixou a voz para um sussurro. “O Ministro gostaria de ter uma palavrinha com o embaixador”
“Eu... não sei... Bem, vamos. Também preciso falar com o Ministro”
Seria uma boa oportunidade de contar-lhe dos Sem-Varinha, pensou. Churchill não dera crédito a sua história. Segundo ele dissera, fazia muitos e muitos anos que não se ouvia falar na fraternidade dos Sem-Varinha. Hoje não passavam de uma lenda. Nem mesmo se sabia se ela existira, de fato. Quem dirá que ainda existisse.
Saíram da casa e caminharam pelo terreno em silêncio. Quando atravessaram a área protegida da Mansão Dumbledore, aparataram em dois estalos secos. Chegaram ao átrio do Ministério. Bernard Tidwell conduziu Dumbledore ao elevador. Mesmo no tardar da hora, ainda havia bastante pessoal trabalhando no Ministério da Magia. Escravos, pensou Dumbledore.
O andar do Ministro. A porta do elevador abriu-se e eles seguiram por um amplo salão até a porta dourada do gabinete oficial. Dumbledore imaginou se um dia seria ele a estar atrás daquela porta. A perspectiva não era tão agradável.
Bernard avançou sem rodeios para o gabinete. Dumbledore o seguiu.
Wallace Churchill estava a sua espera, de pé e de varinha em punho.
“Ministro, o que se passa aqui...?”, Dumbledore ia perguntando.
“Desculpe, Dumbledore. Mas você não me deixou alternativa”
Um disparo partiu da varinha de Churchill, atingindo-o no peito. Dumbledore trouxera sua varinha, mas não teve tempo de reagir. O salão desapareceu na escuridão que tomou suas vistas e ele caiu esparramado no chão.

Continua no próximo capítulo...

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