Os Cavalheiros da Fênix



Capítulo Nove
Os Cavalheiros da Fênix


“Está acordando”, foram as primeiras palavras que escutou quando retornou a consciência. Sua cabeça doía. As imagens eram borrões indistintos.
“Dumbledore, você está bem?”, indagou uma voz conhecida.
“Meus óculos...”, disse Dumbledore.
“Ah, certo. Aqui estão eles.”, respondeu-lhe a voz.
Imediatamente, o rosto sulcado de Gobbel entrou no seu campo visual.
“Como se sente?”
“Gobbel?”
O bruxinho sorriu-lhe. Outras vinte e tantas pessoas acercavam-los. Estavam reunidos numa grande sala. Dumbledore contemplou-a. Tinha formato circular, com grandes colunas de mármore sustentando um teto abobado. Pinturas magníficas ilustravam cenas que não lhe faziam sentido algum. No teto, a figura imponente de uma fênix mirava-o. Uma grande esfera luminosa, como uma bola de fogo, flutuava sobre o salão, iluminando-o. Era esplendoroso.
“Que lugar é esse?”
“É a sede da Ordem da Fênix”, Gobbel anunciou entusiasticamente.
O Ministro da Magia se adiantou.
“Peço que me perdoe a descompostura, Dumbledore.”
Se não estivesse tão impressionado pelo ambiente colossal, Dumbledore teria recusado-se a perdoar Churchill. Mas estupefato como estava pela beleza do lugar não pôde dizer palavra. Imensos vitrais refletiam a claridade fulgurante. Um espetáculo à parte; belíssimo.
“Receio que queira algumas explicações”, disse Churchill.
“Ahã?”, Dumbledore não conseguia desviar os olhos das obras de arte e dos jogos de luz que preenchiam a atmosfera. “Ah, certo... as explicações... vocês me devem muitas...”, retrucou.
“O que quer saber?”
“Quem me atacou e por quê.”
“O nome do seu atacante é Randall”, foi Gobbel quem falou. “Jamais imaginei que Randall pudesse ser um Sem-Varinha. Lembra-se dele? Não? Achei que não se lembraria, você vira-o somente de relance quando esteve na Alemanha. Randall era um de meus pensionistas. Você me flagrou dando-lhe a ordem de despejo na manhã em que Bargaroff foi assassinado.”
A lembrança de Randall implorando para não ser colocado na rua voltou a mente de Dumbledore. Se Gobbel não lhe tivesse contado a respeito, jamais se lembraria de que vira o Sem-Varinha anteriormente ao ataque na plataforma 9/2...
“Ele tinha perdido o emprego”, disse Dumbledore, assentindo.
“Sim, e eu o julgara um feiticeiro da pior espécie. Falastrão! Não tinha habilidade com varinhas, pois não as usava usualmente. Não sei por que demorei tanto a me dar conta disso, principalmente depois que seu quarto na pensão foi invadido, Dumbledore, e o anel roubado. Era evidente que o invasor conhecia bem a casa e que tinha um álibi. Tão simples, mas escapou-me.”
“O anel com a marca da fênix! Então foi o Sem-Varinha que o levou?”
“Sim, foi Randall. Acho que ele tencionava matá-lo na Plataforma 9/2 para assumir sua identidade. Com o anel, faria contato com a Ordem – para nos espionar. Isso, é claro, por que os Sem-Varinha não sabiam quem eu era na verdade...”
Dumbledore cortou-o:
“E você sabia da existência dos Sem-Varinha o tempo todo?”, disse a Churchill.
“Não é assim, Dumbledore. Por quase 100 anos os Sem-Varinha estiveram desaparecidos. Não tínhamos motivos para acreditar que a antiga fraternidade ainda existisse”
“Nem mesmo depois do ataque na plataforma 9/2?”
“Havia outras possibilidades...”, retrucou o Ministro.
“Você podia ter forjado o ataque, por exemplo”, disse Bernard Tidwell.
“Vocês suspeitaram que eu tivesse forjado aquilo tudo?!”, exclamou Dumbledore, irritado.
“Era completamente possível. Bargaroff marcara um encontro com você naquela noite. Tencionara fazê-lo o novo guardião. Muitos bruxos sábios foram tentados pelo poder da Relíquia durante os séculos. Não podíamos correr riscos, nem descartar hipóteses. Você foi mantido sobre nossa vigilância desde o incidente em Viena”
“Vocês estiveram me vigiando?”, Dumbledore estava indignado. “Gobbel, como você pôde?”
“Se você pensa que eu tive escolha, está enganado”, replicou o bruxinho, macambúzio. Falava com sinceridade. Mas isso não diminuiu a revolta de Dumbledore.
“E a varinha quebrada implantada no meu quarto na pensão!, a marca dos Sem-Varinha!”
“Você é esperto, Dumbledore”, disse Bernard, sem parecer um elogio. “Poderia tê-la implantado lá você mesmo. Poderia ter simulado a invasão a pensão. Poderia ter sido você a matar aquele maquinista. Nós não tínhamos como saber! Ninguém mais vira o Sem-Varinha, a não ser você! A Relíquia estava desaparecida”
Dumbledore não podia acreditar... depois de tudo o que ele havia passado... como puderam imaginar que ele tivesse assassinado Bargaroff e engendrado trama tão sinistra?
“Quando pensavam em me contar todas essas coisas, seus patifes? Eu quase fui morto por causa de vocês. Sim, por causa de vocês. Esses assuntos em nada me dizem respeito. Não faço parte dessa Ordem idiota”
“Isso não é correto, Dumbledore”, bradou Dippet.
Fez-se silêncio.
“Dippet! Você também? Não posso acreditar. Você faz parte disto?”
“Sou o Grão-Mestre da Ordem da Fênix. Ou essa Ordem de Idiotas, como você tão delicadamente apelidou-nos.”
Dumbledore calou-se.
“Compreendo o que está sentido”, Dippet continuou. “Nenhum de nós gosta de ser enganado e por tanto tempo. Mas o que está em jogo é muito maior do que você e eu – do que todos nós. Quando souber de tudo, compreenderá. Antes, porém, é preciso que isto volte as mãos de seu legítimo dono”, entregou a Dumbledore um anel.
“Foi encontrado com Randall.”
“O anel de Bargaroff”, disse Dumbledore, surpreso. A marca da fênix parecia mais viva que nunca na superfície dourada.
“Não, meu rapaz. O seu anel. Seu por direito... Guardião.”
Dumbledore não fazia idéia do que fosse um guardião. Dippet respondeu:
“Caberá a você daqui a diante proteger a Relíquia e Fawkes.”
“O que tem Fawkes a ver com isso?”
“As fênix são todas criaturas divinas, mas Fawkes é especial.”
“As mentiras acabaram, Dumbledore. Você saberá de tudo. Conhecerá os segredos que nós, os Cavalheiros da Fênix, guardamos por incontáveis gerações. Segredos tão terríveis quanto maravilhosos”


“Nos tempos imemoriais, uns poucos humanos descobriram a magia. Esses foram chamados Majins – ou Magos ou Bruxos. Nos primórdios, o Talento não era ocultado dos demais e as criaturas mágicas andavam livremente pela Terra. No entanto, confiantes em seu poder, houve dentre os bruxos aqueles que quisessem aproveitar-se dos não-mágicos, a quem chamavam Trouxas. Acreditavam que, sendo os Trouxas criaturas inferiores e desprovidas do dom da magia, eles deviam ser feitos servos. Escravos dos Majins.
“Muitos bruxos e bruxas foram contra os ideais dos que vieram a ser conhecidos como Atlânticos – devido à imensa ilha que habitavam no Oceano Atlântico. Ou Atlantis, como consta nas lendas e na cultura do Povo Trouxa. Numa guerra sangrenta, os Atlânticos foram vencidos, e a paz, restaurada. Uns poucos Atlânticos sobreviveram, porém, e juraram vingança.
“O tempo passou e o mundo havia mudado. Os Atlânticos há muito tinham desaparecido do pensamento dos bruxos e trouxas. Todos acreditavam desabitado o continente de Atlântida. Não imaginaram que um plano maléfico estivesse sendo tramado. Nem que magia muito antiga estivesse sendo invocada com o objetivo único de fazer o mal.
“Assim inesperadamente o Povo de Atlântida retornou ao continente. Não mais como seres humanos comuns, mas como deuses. Por séculos eles se aprimoraram na magia antiga e haviam atingido a utopia da imortalidade. Como guerreiros imortais, eles foram invencíveis. Ninguém pôde impedi-los. O número de Atlânticos contava 10.000, e o número não se modificou, para mais ou para menos, em mil anos, que foi o tempo de seu império.
“E foi por essa época que o Grande Sábio, o Criador, cuja magia antiga fora profanada, voltou-se contra os Atlânticos, lançando fogo do céu, condenando-os ao abismo profundo do Seol – o Mundo Inferior –, onde habitariam por todas as Eras do mundo. Imortais, sim, mas sem comida e luz do sol, os Atlânticos enfraqueceram dia após dia, perdidos nas galerias de túneis do centro da Terra. Desejando a morte sem encontrá-la...”


Dumbledore ouvia o que Dippet chamara de “Relatos Antigos”. No entanto, não foi capaz de perceber relação entre a história e os Sem-Varinha. Interrompeu Dippet e pediu por explicação.
“Chegaremos lá com paciência”, respondeu-lhe Dippet, seco. E prosseguiu.


“Temendo que um dia os Atlânticos pudessem retornar do Seol, os bruxos da época dedicaram-se a viajar pelo mundo afora selando os sem-número portais entre este mundo e o Mundo Inferior. Com o tempo ficou cada vez mais difícil encontrá-los. Contudo, haveria sempre portais abertos para alguém que se dedicassem com a finco a procurá-los. Esse alguém foi o jovem bruxo Grindewald, o Tirano.
“Pouco se sabe sobre os primeiros anos de Grindewald. Ele vivia numa pequena aldeia, onde hoje é a Suécia, e teve contato através de seu mestre, que permanece uma incógnita na História, com os Relatos Antigos. Nessa Era, os Atlânticos haviam transitado para o mito, e do mito para a lenda. Muitos já nem conheciam sua história verdadeira e muita fantasia foi anexada aos fatos. Também os sábios da época consideravam todos os portais entre a superfície e Seol destruídos. Pensavam que o perigo havia passado.
“Grindewald fazia parte de uma minoria em seu tempo que acreditava veemente na veracidade da história do povo de Atlântida. Esses eram ridicularizados. Ninguém os levava a sério por acreditarem nas lendas antigas – lendas das quais civilizações e religiões dos Trouxas derivam. Até então nada se comprovara, e os bruxos que sabiam da verdade ajudavam conscientemente a escarnecer de pessoas como Grindewald. Não viam com bons olhos aqueles que alimentavam demasiado interesse pelo Povo Maldito. E, como os fatos comprovariam, estavam certos por fazê-lo.
“Grindewald desejava mais que tudo a imortalidade. Era sua ambição, seu sonho. Ele tentou por anos seguidos desvendar os segredos dos Atlânticos, mas a magia antiga se perdera quase por completo. Assim Grindewald resolveu dedicar-se a encontrar um caminho para o Seol. Acreditava que nos pólos da Terra, regiões comumente desabitadas, existiriam portais que haviam passado desapercebidos dos bruxos antigos. Ele estava certo.
“Viajando pelo frio intenso das montanhas de gelo, cercado pela neve, Grindewald enfim encontrou, já em idade avançada, um dos últimos portais do Mundo Inferior. Mergulhando na mais profunda escuridão, aonde nenhum mortal jamais ousara ir, o bruxo desceu ao encontro do povo de Atlântida e de seres ainda mais fantásticos e perigosos.
“No Seol, Grindewald proclamou um pacto aos Atlânticos. Se lhe revelassem o segredo da magia antiga e da imortalidade, ele os libertaria da escuridão e juntos vingar-se-iam dos bruxos – traidores, amantes dos trouxas – e tiranizariam os não-mágicos para sempre.
“Os Atlânticos cumpriram sua parte do trato fazendo de Grindewald um imortal. Não se sabe bem como. De alguma forma, a essência de vida do buxo foi dividida e compartilhada com uma criatura sagrada e pura... Uma fênix. No caso específico de Grindewald, Fawkes.”


“Fawkes”, repetiu Dumbledore.
“A fênix possui metade da essência vital de Grindewald. Por isso ele não pode morrer. Nem ser morto.”
“E como se pode vencê-lo?”
“Não pode”, disse Dippet, sombrio. “Pelo menos, não da maneira convencional”
“O que os bruxos daquela época fizeram quando Grindewald retornou do Seol?”, quis saber Dumbledore.
Dippet conferiu as horas.
“É tarde. Não temos mais tempo a perder. Portanto serei breve.”


“Grindewald revelou-se pouco confiável. Quando deixou o Mundo Inferior, traiu os Atlânticos, lacrando ele próprio o portal que encontrara. Desejava o poder para si e não tencionava dividi-lo.
“Declarando-se o Único Grande Deus, começou seu reinado de terror. Muitos bruxos aliaram-se a ele; uns por medo, outros por adoração. Os bruxos que o contrariavam eram mortos. Assim como os trouxas; que Grindewald decidira eliminar de uma vez por todas.
“Grindewald sonhava criar um mundo inteiramente mágico. Acreditava que os trouxas eram uma espécie inferior de humanos, e que eles e sua descendência estavam enfraquecendo o sangue-mágico ao longo das gerações de mestiçagem. A superioridade numérica dos trouxas sempre fora um fato. Segundo Grindewald, eliminando-os os não-mágicos desapareceriam por completo. O que é, invariavelmente, uma ilusão.
“Os trouxas foram massacrados. Os que escaparam tiveram de se esconder em regiões remotas, desoladas. Como era de se esperar, Grindewald seguia triunfante. Com os bruxos submissos ao poder do Imperador-Deus.
“Foi quando surgiu uma estirpe de bruxos corajosos, que se arriscaram a ir as profundezas do Seol, o Mundo Inferior – também conhecido como o Exílio. A risco da própria vida e alma, eles pediram aos Atlânticos que os ajudassem a vencer Grindewald. Tomados de ira pelo traidor, os Atlânticos concordaram.”
“Assim contaram da magia antiga aos bruxos e da energia fundamental. A energia da vida. Se os bruxos conseguissem uma grande carga de energia vital, poderiam conjurar um Cristal de Armor, onde encerrariam a alma de Grindewald eternamente.
“Porém um pequeno grupo como eles não teria energia vital o suficiente para aprisionar um bruxo tão poderoso. Foi necessário que mil pessoas fossem sacrificadas, entregando a energia de suas próprias vidas, para que Grindewald fosse, enfim, vencido. Do grupo original, um único bruxo sobreviveu à batalha, e foi ele quem começou a Ordem da Fênix. Reunindo-se com os demais bruxos, convenceu-os de que seria melhor se daquele dia em diante bruxos e trouxas vivessem separados, pois entre os não-mágicos havia muita desconfiança e medo.”


“Então foi por essa Relíquia que os Sem-Varinha mataram Bargaroff”, disse Dumbledore.
“Compreende o porquê do valor da Relíquia?”, perguntou-lhe Dippet.
“É o Cristal de Armor... É onde está a alma do bruxo Grindewald. Os Sem-Varinha querem libertá-lo? É isso? Porque se for...”
“Os Sem-Varinha são uma ordem antiga. Tão antiga quanto nós. Como lhe contei, houve quem venerasse e amasse o Imperador-Deus. Seu séqüito de seguidores lutou durantes centenas de milhares de anos para encontrar a Relíquia e trazê-lo de volta.”
“E eles conseguiram pôr as mãos sobre a Relíquia alguma vez?”
“A Relíquia passou em muitas mãos durante esta Era, e Grindewald retornou sobre diversas identidades.”, contou Dippet. “Quando um bruxo entra em contato direto com a pedra, seu corpo é lentamente possuído pela alma de Grindewald. Com o tempo, a alma original é completamente expurgada da matéria.”
“Com quem está afinal essa Relíquia? O que aconteceu naquela noite em Viena?”
“Não sabemos ao certo. Bargaroff de alguma maneira conseguiu aparatar de sua casa levando a pedra consigo. Em algum momento ele a passou para alguém. E devido aos ferimentos dos Sem-Varinha, ele acabou morto e a Relíquia desaparecida. É por isso que você está aqui. Só você pode encontrá-la, Dumbledore.”
“Eu... Mas como...”
“Fawkes”, disse Churchill, que se mantivera em silêncio até então. “Fawkes está ligada à essência de Grindewald, e pode captá-la em qualquer lugar. Por isso Randall tentou roubá-la na Pensão Gobbel.”
“Mas não era o anel...”
“O anel foi somente uma idéia repentina. Seu objetivo era encontrar Fawkes. Por sorte, a fênix não estava no quarto. O desastre foi felizmente impedido pelo acaso”
“Qual seria as conseqüências se esse Grindewald retornasse?”, perguntou Dumbledore. Suas pernas estavam rígidas. Fazia pelo menos 1 hora que estava sentado ouvindo aquela história.
“As conseqüências seriam terríveis”, disse Dippet. “Para os bruxos e para os trouxas.”
“É possível que os Sem-Varinha descubram o paradeiro da Relíquia sem a ajuda de Fawkes?”
Gobbel entregou a Dumbledore um jornal alemão. O jornal noticiava que um túmulo fora violado no cemitério. O túmulo de Bargaroff! Seu corpo havia desaparecido misteriosamente.
“Não é provável que funcione, mas é possível extrair as lembranças de um morto”
Dumbledore se levantou.
“Precisamos ir até a minha casa e pedir a Fawkes que nos ajude o mais depressa possível.”
“Não será preciso. Você é o guardião, lembra-se? Invoque Fawkes e ela virar ao seu auxílio.”
Dumbledore ergueu sua varinha para o teto e chamou pelo nome da fênix – não tinha idéia se funcionaria. Numa espiral de chamas, Fawkes surgiu, triunfante. Suas penas vermelhas e douradas brilhando ainda mais intensamente na luminosidade do Salão da Fênix. Os muitos quadros de sua própria figura fitavam-na com reverência.
Os Cavalheiros da Fênix curvaram-se todos, admirados pelo sagrado que emergia da criatura.

Continua no próximo capítulo...

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