Um Estranho no Parque



No dia seguinte, Sarah acordou cedo. Iria ao Chessington World of Adventures com uma van do bairro. Tinha conseguido juntar dinheiro ajudando no orfanato e acobertando uns e outros em seus delitos. Juntando as economias, conseguira o suficiente. Isso e um patrocínio da Sra. Watson.



Tinha ido ver a mãe no dia anterior a fim de informá-la, pagar de boa filha inteirando-a suas atividades e tudo mais, como ela mesma tinha recomendado que fizessem. Pena que eram uma família tão estranha. Sarah nem sabia mais por que continuava a chamar a Sra. Newell de mãe, deveria aceitar de uma vez que era uma órfã e que vivia em um orfanato. Ponto.



Mas acordara para se divertir, por isso varreu os Newell da cabeça e pulou animada da cama. Parou em frente ao espelho e se avaliou. Sarah sempre fora magricela, um dos motivos que a faziam parecer frágil aos olhos das outras crianças. Era sempre o primeiro e último erro que cometiam. Tinha olhos muito azuis, que contrastavam com seus cabelos negros e ondulados e eram emoldurados por sobrancelhas que ficavam mais arqueadas e delineadas conforme crescia. Bochechas rosadas sobre a pele clara, nariz levemente arrebitado e queixo fino faziam Emily dizer que Sarah tinha um rosto de anjo para poder esconder a diabinha que era na verdade.



De vez em quando, ao sair de casa, gostava de analisar as pessoas nas ruas, em busca de traços em comum. Mas não havia ninguém parecido com ela, em qualquer lugar que fosse. Sentia essa necessidade irracional de se conectar com qualquer coisa que a levasse a não ser tão sozinha. Mas, infelizmente, o era e precisava recordar a si mesma disso.



Espantou os pensamentos ruins e correu para se aprontar. Lavou-se antes que qualquer outro, colocou uma roupa apresentável, pegou um boné cor-de-rosa que roubara de Joanne e terminou de arrumar as coisas dentro da bolsa de bottons. Desceu para o café e foi a primeira da fila do refeitório, pegando seu prato de ovos mexidos e praticamente sugando-o. Saiu correndo pela mansão e porta afora, onde encontrou um impaciente Tom esperando no banco do jardim.



- Tom! Por que não entrou? – indagou ela, ofegante pela correria.



- Achei que ia demorar mais. E você está atrasada! – protestou ele.



- Não importa – disse ela, agarrando a mão do amigo e correndo com ele para a rua – Ainda temos tempo de sobra para pegar a van.



Foi uma viagem animada com a criançada contando músicas de grupo e o guia fazendo brincadeiras improvisadas. Logo que chegaram ao parque, compraram os passes dos brinquedos mais radicais e fugiram das vistas do guia ao entrar no primeiro brinquedo que encontraram.



Passaram o dia rindo e se divertindo, gastando todas as recompensas que puderam ganhar. Tom vomitou depois que saíram da Montanha-Russa invertida, mas insistiu em colocar a culpa no cachorro-quente que havia comido. Sarah apenas riu e se compadeceu dele, ainda muito ocupada lidando com a adrenalina que ganhara no brinquedo.



E o dia passou rápido e radical com Tom se aventurando a ir em tudo, mesmo que às vezes ficasse verde. No meio da tarde, dirigiram-se para as atrações aquáticas, a fim de compensar o calor, e foi onde ficaram até bater a fome novamente.



Estavam caminhando e procurando um lugar de que gostassem para comer quando aconteceu. Sarah e Tom avistaram um quiosque vendendo comida mexicana e se direcionavam para lá quando um bando de corujas, um grande parlamento, passou sobrevoando o parque, voando baixo, bem acima de suas cabeças.



O estranho era que apenas eles dois haviam notado aquele fenômeno mais que bizarro. Bom, pensou Sarah, tentando ser racional, adultos quase nunca viam as coisas legais... Então duas das aves se destacaram do grupo e ficaram sobrevoando as cabeças deles, fazendo círculos, quando deixaram cair duas cartas idênticas e foram embora com as outras. Sarah apanhou a que caiu em sua direção e leu o remetente:



 



Srta. S. Schaffor



Land of the Dragons



Chessington World of Adventures



Rodovia Leatherhead



Chessington



Londres



 



Era um papel pardo escrito em tinta verde numa caligrafia fina e inclinada. Tinha um emblema totalmente estranho a ela: Uma grande letra “H”, envolvida por um leão, uma serpente, uma águia e um texugo.



- O-o que é isso?! – indagou, confusa.



- Eu não tenho a mínima idéia... – respondeu Tom espiando a carta de Sarah e lhe mostrando a sua. Estava tudo igual, exceto pelo nome, endereçada ao “Sr. T. Watson”.



- Uma coruja deixou cair isso, Tom! E está escrito o lugar onde nós estamos nesse momento! Como...



- Vamos abrir, oras! Fazemos as perguntas depois.



Com um pouco de relutância, Sarah a abriu e leu:



 



 



Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts



 



Diretor: Daimon Crown



(Ordem de Merlin, Segunda Classe, Grande Feiticeiro).



 



 



                        Prezada Srta. Schaffor,



 



                        Temos o prazer de informar que V.Sa. tem uma vaga na Escola



            de Magia e Bruxaria de Hogwarts. Estamos anexando uma lista dos



            livros e equipamentos necessários.



                        O ano letivo começa em 1º de setembro. Aguardamos sua coruja



            até 31 de julho, no mais tardar.



 



 



            Atenciosamente,



 



 



                        Minerva McGonagall



                        Diretora Substituta



 



 



- Já ouviu falar dessa... escola? – tornou Sarah, perdida.



- Não... Isso é... escola de bruxaria! Mas o que...



Tom gaguejava, tão confuso quanto ela.



- E o que quer dizer “Aguardamos sua coruja?”. – tornou ele – Qual a pessoa sã que realmente tem uma coruja?



Sarah o ignorou, pensando por um momento. Todas as bizarrices que lhe aconteciam. O passeio ao zoológico. O jogo em equipe na escola. A noite do terror em que Rob lhe pregara mais uma peça. Seria... seria possível? Ela encarou aquelas palavras na carta como se tivessem ganhado pelos ou garras, mas com uma pontinha de esperança.



Enquanto estavam ali parados, tentando dar sentido àquilo, um homem se aproximava cada vez mais deles. Tom percebeu primeiro e cutucou a amiga. Sarah o encarou, meio estupefata, enquanto vasculhava a memória e tentava lembrar se já conhecera alguém tão exótico. Sem sucesso.



Era jovem e bonito, mesmo que tivesse cabelos azuis e despenteados e usasse uma capa longa azul marinho. Sarah associou aquela pessoa única aos personagens de vídeo game que os garotos do orfanato costumavam jogar. Não era nada promissor. Ele continuou andando para eles e quando estava bem próximo, abriu um sorriso atraente e indagou:



- Sarah Schaffor e Tomas Watson?



- Hã... sim. Na verdade, prefiro... prefiro Tom – respondeu o amigo, vacilante, como se não tivesse certeza do próprio nome.



- Eu sou Edward Lupin, mas pode me chamar de Teddy. Gostaria de conversar com vocês dois por um momento. Querem comer alguma coisa?



- Não, obrigada – tornou Sarah rapidamente – Nós vamos ao brinquedo. Com licença – e puxou Tom com força.



- O que está fazendo? – Tom sussurrou quando se distanciaram um pouco.



- Não aprendeu nada com a sua mãe? Não devemos falar com estranhos!



- Na verdade, não sou um estranho – disse uma voz bem ao lado deles, sobressaltando-os. Sarah estreitou os olhos para ele.



- É sim. – teimou sem largar o braço de Tom – Nunca vimos você na vida, tenho certeza. As pessoas se lembram de você quando tem cabelo azul. Vai ver nem se chama Teddy Lupin. – resmungou.



- Eu sou como vocês.



- Como nós – repetiu Sarah, sarcástica, e soltou um risinho. No entanto, Tom o encarava, assombrado. O que havia com ele, afinal?



- Sim. – respondeu Lupin simplesmente – Sei que pensaram ser uma pegadinha ou qualquer outra coisa, mas também que estão se lembrando de coisas que acontecem ao seu redor. Coisas inexplicáveis, incontroláveis... certo, Tom? – ele se virou para o garoto e lhe deu uma piscadela. Tom ficou branco na hora.



- Como você... eu não... isso é... – ele balbuciou, olhando de Teddy Lupin para a carta e de volta – Quer dizer que isso que eu faço, essas coisas que acontecem comigo... é magia? – terminou com um fio de voz.



- Eu não acredito, Tomas! – exclamou Sarah, exasperada – Você não pode estar dando trela para o que esse cara está dizendo! – ela falava com mais convicção do que sentia.



- Mas é que... não sei, explicaria tanta coisa...



- Explicaria não, explica – rebateu o outro, olhando inquisitivo para Sarah e de volta para Tom – Você é um Muggle, ou pessoa não mágica, que ganhou o dom da magia. Ninguém sabe por que isso acontece, mas, esporadicamente, nascidos Muggles se tornam bruxos. Talvez você tenha algum como antepassado. E essas coisas que acontecem com você quando está chateado ou com medo, são manifestações de algo que Hogwarts vai te ajudar a controlar. Você é um bruxo e deve ser ensinado como tal.



A esse ponto, Tom sorria de orelha a orelha.



- Então não vou mais botar fogo na minha mãe? – indagou, esperançoso.



- Receio que não – riu-se Lupin.



- Lá se vai os planos do meu pai em me tornar um executivo de sucesso! – tornou Tom e riu com gosto.



Sarah o encarava sem saber o que pensar. Por um lado, aquilo tudo era a mais completa loucura, impensável! Mas por outro... Seria verdade? Tantas coisas estranhas aconteciam com ela. A chuva de ponche que acertara os garotos do orfanato quando resolveram amarrá-la e humilhá-la na noite de Helloween. As bolas turbinadas no jogo de queimada. A água da piscina quando Kate quase a afogara. E a cobra... ela conversara com aquela cobra no zoológico. Seria possível? Seria... Bruxaria?



Se fosse verdade, ela poderia ir embora daquela casa lotada de ovelhas branquinhas. Ela poderia descobrir sobre sua família, sua verdadeira família.



- Sarah, você não é e nunca foi Muggle – disse Lupin, trazendo-a de volta à conversa – De fato, você provém de uma família bruxa tradicional e incrivelmente poderosa. Nunca foi muito bem explicado o que houve com você, nem se estava viva. Para felicidade de muitos, seu nome apareceu nas inscrições de Hogwarts e aqui estamos.



            - Mas... mas como? Como isso pode existir – a cabeça de Sarah dava voltas.



            Lupin soltou uma gargalhada sonora e algumas pessoas que passavam olharam curiosas.



- Esse, minha querida, é um dos grandes mistérios do universo!



Os garotos não puderam deixar de sorrir com ele. Eles se entreolharam, ambos pensando o mesmo: por que nunca me disse nada? Sarah deu de ombros.



- Era piração demais para compartilhar até mesmo com você! – e riu.



- Sei bem o que quer dizer – falou Tom e lhe deu uma cotovelada de brincadeira. Virou-se então para Lupin, mais relaxado agora. – Então... bruxos?



- Bruxos – repetiu ela tentando assimilar – E o que é... – deu uma olhada na carta – Hogwarts, exatamente?



- Já não está óbvio?



- Não – ela respondeu na mesma hora – Tudo o que sabemos até agora é que é uma escola pra gente como nós. Eu gostaria de saber, especificamente, se é um internato, se vou ficar longe daqui por pelo menos muito tempo.



Lupin coçou a cabeça.



            - Não sabe nada sobre nada?



            - Nem eu – Tom pontuou.



            - Sim, mas Sarah deveria saber... Você vive com quem sabe, não? – disse dirigindo-se a ela.



            - Não, não. A única na minha casa que consegue fazer isso sou eu. Mas antes de falar sobre Hogwarts, queria que você me contasse alguma coisa sobre meus pais!



Lupin a fitou com um expressão que poderia ser pena.



- Bom, eu ainda era jovem quando tudo aconteceu – ele disse – Mas as pessoas comentam. Sei que eles foram grandes bruxos em sua época, muito importantes.



- Se fossem tão incríveis assim, não teriam me abandonado. – rebateu ela, mordida. Nunca deixara de pensar nisso.



- É uma longa história, mas seus pais não te abandonaram porque quiseram. Foram mortos. Ou é no que todos acreditam, porque nunca foram encontrados. O sequestro e morte é o mais provável, foi o que os mais experientes aurores disseram. A história toda é um mistério, mas você não foi deixada com qualquer um. Na verdade, sua localização é tão secreta que só pudemos saber com a ajuda de um feitiço combinado com os dados do Ministério da Magia. E uma ajudinha do Tom, é claro, que convive com você e foi localizado. Isso é tudo que sei.



Sarah não fazia idéia do que seria um auror, nem acompanhava a história de Teddy Lupin, então não fez os milhares de perguntas que despontaram por sua cabeça.



- Agradeço todos os dias pelos meus pais terem me deixado para uma família tão boa como a minha. – disse sarcasticamente.



- Já disse que não te abandonaram.



- Não interessa! – Sarah alteou a voz – Para mim, foi assim. É assim que me sinto. Eles me abandonaram! Como um filhote de cachorro sem dono que se deixa por aí. Olha o buraco onde fui parar!



- Sarah... – disse Tom, cauteloso.



Ela não percebera que uma ventania muito forte começara, à medida que se irritava. O amigo pôs a mão em seus ombros e ela foi se acalmando. O vento cessou, retornando para uma brisa agradável. Sarah respirou fundo e tornou a perguntar:



- O que é essa escola, Hogwarts?



- Ah, sim – falou Lupin, parecendo feliz com a mudança de assunto – Bom, é a melhor escola do mundo da Magia para os jovens bruxos. Vocês vão ter matérias e professores que ensinarão vocês a viver e sobreviver no nosso mundo, tudo voltado para controlar o poder que está aqui – e apontou para o peito dela e de Tom.



- Piegas... – resmungou Sarah para si mesma.



Lupin sorriu torto e deu uma olhada no relógio, sobressaltando-se.



- Puxa, já é tão tarde! Escutem aqui. Vocês têm que ir para o Leaky Cauldron, um bar bruxo no centro de Londres. Quando chegarem lá, procurem pelo barman e ele vai guiá-los até o Diagon Alley, onde vão comprar o material escolar. A lista está na carta que receberam. Quando chegarem ao Diagon Alley, vão até o Gringotts. É o banco dos bruxos onde Tom pode trocar o dinheiro Muggle pelo de bruxo e Sarah vai encontrar a poupança que sua família possui – e passou uma chave grande e dourada para a garota – Mostre isso a um dos duendes e peça pelo cofre dos Schaffor. Depois podem comprar o material usando o dinheiro que pegarem e também a hospedagem no Leaky Cauldron até o dia de embarque. Em primeiro de setembro, vão para a Estação de King’s Cross. A passagem para o trem de Hogwarts fica na plataforma Nove Três Quartos. Atravessem a parede e encontrem um bom compartimento. Não se esqueçam de levar toda a bagagem. Agora tenho que ir. Boa sorte.



E então o bruxo simplesmente desapareceu. Sarah e Tom esfregaram os olhos ao mesmo tempo para se certificarem de que não estavam loucos, mas não havia nenhum sinal de Lupin.



- Você prestou bem atenção no que ele disse? – indagou Tom com a voz rouca.



- Acho que não. Entendi ele dizer “Atravessem a parede”.



- Eu também. Acha que ele é algum tipo de bruxo fumado?



Isso fez Sarah rir. Ela era má influencia para Tom.



- Não sei... – respondeu rindo – Mas essa chave parece ser realmente de ouro. – disse pesando-a na mão – Se for realmente a chave de um cofre e ele não ficou com ela, podemos ter certeza que é descente.



- Ou então mais louco do que pensávamos.



Era um bom ponto. Não que ela faria algo errado se estivesse no lugar dele ou nada assim, mas as pessoas surpreendiam.



- Só quero ver a cara da Emily quando eu contar tudo. Ela vai virar do avesso. – ela parou e pensou um pouco – Ou então vai rir da minha cara e indicar um hospício à Sra. Newell.



- Pois eu só quero saber como vou contar para a mamãe que tenho que ir para um colégio interno e para o papai, que é para bruxos.



- Só de imaginar você explicando isso ao casal estrela, já fez meu dia – tornou ela, rindo mais ainda.


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