O Leaky Cauldron



Algumas semanas depois, Sarah descia as escadas do orfanato levando as malas enormes que fizera na esperança de não precisar voltar para aquele lugar antes do próximo verão. Emily a esperava na porta, os olhos vermelhos e o rosto anormalmente inchado. Correu o restante do caminho e abraçou sua única verdadeira irmã.



- Cuide-se bem, pimentinha – fungou ela no cabelo de Sarah.



- Eu vou, não se preocupe. E você não deixe que esses idiotas daqui te coloquem para baixo. Vou escrever pra você, prometo. Mesmo que não aconteça nada de mais, então não estranhe se receber cartas falando da cor do meu teto.



Emily soltou uma risada molhada e se afastou.



- Não ligue para o que a Imperatriz disse quando você contou a ela. Seja feliz lá e esqueça dos mal amados que ficam aqui.



Agora foi a vez de Sarah rir. Das poucas coisas que sentiria falta, Emily era a mais importante.



- Agora vai – disse ela e a empurrou de leve para a porta de saída – Antes que eu agarre e amarre você aqui. Ah, já ia me esquecendo. Peguei seu café – e lhe entregou um pedaço gordo de bolo de chocolate.



Sarah agradeceu ao pegar seu café da manhã, deu-lhe um último abraço e se foi.



Encontrou Tom parado em frente à própria casa, com a expressão triste. De fora, dava para ouvir a Sra. Watson aos prantos dentro da casa. Pôs uma mão de conforto no ombro do amigo.



- Ela vai se acostumar, não se preocupe.



- É que eu odeio vê-la assim, tão triste. Eu só queria...



- Ora, se não são os esquisitinhos... – uma voz maliciosa o cortou. Sarah soube quem era antes mesmo de se virar. Joanne rebolava até eles com um sorrisinho afetado no rosto – Então quer dizer que vamos mesmo nos livrar de vocês, hein? Para mim é um alívio. – passou por Sarah e tomou seu pedaço de bolo. Começou a mastigar vagarosamente enquanto encarava a menina, como se a desafiasse a pegá-lo de volta. Tudo que Sarah pensava sobre isso era: Eca! Baba de Newell!



- Se continuar a roubar o meu café assim vai virar uma baleia. Já pensou uma balofa com espinhas? Acho que Laurent não vai gostar de ter uma namorada dessas.



- Sua pirralha! Eu não tenho espinhas! – tirou o bolo da boca e o jogou para acertar Sarah, errando por um espaço grande – Sua anormal! Que vá embora e nunca mais volte!



- Se for pra ficar longe de você, faço isso com gosto. – atiçou Sarah.



- Grrr! – rosnou Joanne e saiu marchando para longe.



Tom e Sarah ficaram olhando, divertidos.



- Você sabe mesmo onde fica o calo dela – comentou ele.



- É o mais fácil de encontrar, por que acha que ela está sempre tão alegre e radiante? – ironizou Sarah e os dois riram.



- Faz eu lembrar do seu aniversário semana passada, quando ela apareceu. – ele se referia a quando Joanne aparecera no jardim para acertar o bolo improvisado com pedrinhas de estilingue. Emily a tirara do meio dos arbustos e a encharcara com refrigerante – É bom saber que ainda tem pessoas como a sua irmã boa esperando você, não só os Newell como essa daí.



Sarah soltou um suspiro e apertou o bolso de sua mochila onde levava uma foto sua e de Emily.



- Isso é verdade.



Alguns minutos depois, o Sr. e a Sra. Watson saíram totalmente prontos, a mulher com os olhos inchados e o corpo sacudindo de leve com pequenos soluços. Eles carregaram o carro com as bagagens e entraram todos, impacientes.



- Pelo amor de Deus, crianças, não aprontem nada sozinhos... – disse a Sra. Watson quase implorando.



- Tom, você que é homem e mais velho, cuide de Sarah – recomendou o Sr. Watson em sua voz grossa.



- Mãe, basicamente não somos mais crianças, e sim pré-adolescentes. E pai, eu sempre protejo ela.



Sarah concordou com ar de riso. Tom era muito mais estabanado e precisava constantemente de sua ajuda. Não que ela nunca tivesse ficado em apuros. Uma vez Tom teve a perna mordida por um cachorro só para salvá-la. De certa forma, Sarah era menos desajeitada, mas quando se metia em confusão, ganhava o dobro de problemas, como no dia que quebrou o vidro da recepção da escola ou quando “por acidente” abriu a porteira do haras do Sr. Bern, quando foram visitar sua fazenda, e todos os cavalos fugiram.



Partiram em direção ao centro e em alguns minutos já passavam por monumentos, prédios altos, praças decoradas e chegaram à avenida próxima da entrada para o metrô. Sarah chacoalhou Tom e ele levantou na hora.



- Deixamos vocês perto do metrô, caso precisem. – disse a Sra. Watson, derramando mais algumas lágrimas.



- Qualquer coisa, ligue para nós, Tom. – anunciou o pai, entregando-lhe um celular.



- Se faltar dinheiro, pode chamar na hora – tornou a mãe.



- Você me deu mais do que o suficiente, mãe. Não vamos precisar dessa desculpa para você poder vir atrás nós. – falou Tom, sorrindo, e os dois saíram para a rua barulhenta.



A Sra. Watson desceu do carro como se não tivesse ouvido, agarrou o filho e o abraçou forte, quase como se quisesse se colar a ele para sempre. Sarah viu o rosto de Tom começar a ficar roxo. A mãe o soltou com dificuldade e entrou de novo no carro, os soluços recomeçando.



Despediram-se e Sarah e Tom ficaram sozinhos no centro de Londres vendo o carro desaparecer no fluxo do trânsito. Olharam para todas aquelas pessoas andando apressadas, para os prédios enormes, os carros em excesso, as lojas... Mas em lugar nenhum havia uma plaqueta escrito “Leaky Cauldron”, como já previam.



- Estou esperando uma de suas idéias geniais, Sarah... – disse Tom.



- Tudo bem... Se você fosse um bar de bruxo, onde ficaria?



- Hã... Acho que em um beco bem escuro, frio e bruxuleante.



Ela olhou para o amigo. Devia mesmo ficar em uma rua mais isolada, onde não chamasse atenção.



- Vamos procura-lo então.



 



Andaram pela cidade durante toda a manhã, sem encontrar nada. Passaram por ruas movimentadas, calmas, normais, estranhas, residenciais, comerciais... E tudo quanto é lanchonete e restaurante, onde Tom sempre virava a cabeça e quase implorava para entrarem.



- Temos que achar o lugar primeiro. Lá você come o quanto quiser – dizia Sarah.



A hora do almoço chegou e passou e até ela já estava com o estômago reclamando. Tinham andado sem parar e não viram nem sombra do tal Leaky Cauldron. Adentraram uma lanchonete e se sentaram, cansados e com os pés doendo.



- Ótimo... Andamos por esse centro todo e não achamos nada – reclamou Tom, tirando a mochila dos ombros – Essas malas, se reparou, são enormes e estão acabando comigo. Aquele Cabelo Azul enganou a gente, isso sim. E ainda por cima fiquei passando fome por horas. Não como desde o café da manhã! Estou a ponto de morrer desnutrido!



- Pare com tanto drama, Tom. Nós ainda vamos achar. – disse Sarah, mas sem muita convicção.



Pediram qualquer coisa mais reforçada para comer. Sarah terminou seu prato, foi até o banheiro para se trocar por roupas leves e se limpar, voltou à mesa e Tom ainda devorava sua montanha de comida. A garota revirou os olhos, mas não reclamou – talvez o excesso de comida melhorasse seu mal humor.



Quando estavam saindo do estabelecimento, um homem numa longa capa barrou-os na entrada, ficando de costas.



- Hã... Com licença, moço. Será que pode chegar um pouco... – começou Sarah, mas quando ele se virou, ela o reconheceu. Era Teddy Lupin, agora com o cabelo castanho escuro e mais comprido, indo até a orelha.



- É bom ver vocês dois – disse ele, sorrindo.



- Não dizemos o mesmo – disse Tom, zangado – Você passou uma bela de uma perna na gente. E pensar que até nossas mães acreditaram e....



- Isso é bom. – interrompeu-o Lupin de forma jovial e Sarah encarou-o, carrancuda - Não se preocupe, eu vim salvá-los. Fiquei sabendo que estavam um pouco desorientados aqui. E também não tinham mandado a coruja para confirmar que iam estudar em Hogwarts. Deviam me agradecer, então.



Sem mais enrolação, Lupin pegou na mão dos dois e saiu andando pela rua larga.



- Sabemos andar – resmungou Sarah, soltando-se dele e Tom a imitou. Lupin deu um pequeno sorriso charmoso, como se soubesse de uma piada interna, e continuou liderando-os.



A garota esqueceu o cansaço nas pernas e teve sua ansiedade renovada. Estava acontecendo, enfim. Queria conhecer logo o lugar onde se comprava coisas mágicas.



Andaram por algumas ruas movimentadas e viraram em uma ruela pobre e quase deserta, exceto por um mendigo esfarrapado. Com certeza não tinham estado ali antes. Lupin parou bruscamente e anunciou:



- Bem vindos ao Leaky Cauldron.



Sarah se assustou com a fala repentina. Olhou ao redor, procurando o grande bar de bruxos de que falara. Estavam de frente para uma entrada pequena que, se Lupin não tivesse parado, Sarah nem notaria. Tinha a pintura cinza da porta descascada e uma única plaqueta lá no alto, escrita em garranchos: Leaky Cauldron.



- Vou deixá-los aqui, então. Tenho mais alunos trouxas para trazer. Espero que gostem. E não se preocupe com a confirmação da matrícula, eu faço por vocês – terminou de dizer. Sem mais delongas, caminhou um pouco pela rua e desapareceu no ar com um pequeno estalo.



- Acho que vou gostar de aprender isso um dia – disse Sarah a Tom e os dois entraram.



Primeiro, se assustou com o quão grande o lugar era por dentro, desproporcional com a fachada. Depois, o analisou. Era um lugar escuro e miserável. Havia umas velhas sentadas a um canto, bebendo pequenos copos de algo fumegante, uma delas fumando um cachimbo longo demais. Um homenzinho de chapéu puído conversava com o barman, que era careca e enrugado. O zum-zum das conversas parou quando eles entraram. Observaram-nos por um momento e depois voltaram às suas conversas.



O barman saiu de trás do balcão e veio recebê-los.



- Posso ajudar, crianças?



- Hã... sim. Nós queríamos alugar um quarto para três dias. – disse Sarah.



O velho a encarou longamente com olhos negros e sábios.



- Por acaso é a menina Schaffor? – indagou.



Ela se surpreendeu por ser reconhecida assim. Assentiu então, sorrindo, e estendeu a mão, que foi apertada imediatamente.



- Prazer, Senhor...



- Tom. Apenas Tom.



- Prazer, Tom. Meu amigo tem seu nome. Tom Watson. – tornou ela mostrando o amigo, que também estendeu a mão.



- Venham comigo.



Ele se virou e foi na direção de uma escada mais afastada, que dava para os andares superiores. Subiram dois lances, até o segundo andar, e seguiram por um corredor empoeirado e sombrio até uma porta de madeira escura com o número 57 cravejado em metal velho.



- Espero que fiquem bem acomodados. – disse o barman e voltou para baixo.



Sarah e Tom arrastaram suas coisas, deixando rastros limpos de poeira no chão, e entraram. Havia duas camas muito velhas, com coxas grossas demais, e móveis antigos.



- Puxa! Olhe só pra isso! – exclamou Tom, desgostoso, passando um dedo em um aparador e trazendo com ele uma boa camada de pó.



- Bom, podemos dizer que é um pouco diferente da sua mansão imaculada. – riu Sarah enquanto avaliava as cortinas comidas por traças – Mas é só por três dias. Não esqueça que Teddy Lupin disse que podemos ficar o dia todo no tal Diagon Alley, que sempre vamos ter o que fazer. Só dormimos aqui.



Ele enrugou o nariz, insatisfeito, e depositou a grande bolsa sobre uma das camas.



- Então vamos logo falar com o barman. Quero comprar meu material o quanto antes.



Sarah deixou suas coisas perto da porta, olhou significativamente para o amigo, sorrindo, e os dois saíram apostando corrida até o bar.


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