Psicologia






CAPÍTULO 16 - PSICOLOGIA


 - Porque está aqui, Lily? – perguntou Austin, um homem magro e careca, com cara de bondoso. Ele usava óculos de aros pretos e grossos e tinha uma voz calma que estava começando a irritar Lily. Ele olhava interrogativamente para Lily, que se encontrava acomodada em um divã preto.


 - Não sei. – ela respondeu, simplesmente. – E você, porque está aqui?


 Austin não esperava que Lily respondesse daquela maneira. Na verdade, todas as pessoas com quem houvera trabalhado eram sempre colaborativas e respondiam suas perguntas e diziam o que sentiam. Mas essa mulher não dizia nada com nada, não respondia suas perguntas com decência, e quem acabava falando da vida era o próprio. O psicólogo aqui era ele!


 - Bem, eu trabalho aqui. – respondeu, como se fosse óbvio. – Mas e você? Porque está aqui?


 - Porque não pergunta à mulher que ligou aqui e marcou a consulta? – rebateu Lily, divertida. Marlene a havia arrastado para aquele maldito consultório para se recuperar da “situação com James” da semana passada. Como se ela precisasse de mais essa.


 Austin suspirou, cansado.


 - De acordo com a Srta. McKinnon, você passou por um trauma e precisa desabafar. – comentou ele. – Mas até agora, você não disse uma palavra.


 - E eu deveria ter dito?


 - Sim, já que lhe perguntei. – impacientou-se o homem.


 - Então, talvez não tenha feito as perguntas certas.


 Austin largou a prancheta que segurava em uma mesa. Normalmente, ela estaria cheia de anotações, mas não daquela vez. Apertou o polegar e o indicador na ponte do nariz, procurando se acalmar. Mas a vontade dele era socar o sorriso divertido que sua paciente lhe lançava.


 - Vamos começar de novo, está bem? – sugeriu, sentando-se.


  Lily deu de ombros.


 - Como quiser.


 - Me diga a primeira coisa que vem à sua cabeça.


 - Comida.


 Austin franziu a testa.


 - Comida?


 - Pois é, estou morrendo de fome. – disse Lily. – ‘Tá a fim de almoçar comigo?


 O homem balançou a cabeça negativamente.


 - Não posso sair com pacientes.


 - Ora, e porque não?


 - Vai contra os termos do consultório.


 Lily pareceu indignada.


 - Que absurdo! – exclamou. – A burocracia invadiu até os interesses da psicologia!


 Austin concordou com a cabeça.


 - Para você ver como anda esse país e... – interrompeu-se, lembrando de alguma coisa. – Mas não estávamos falando disso.


 - Tem razão.


 - Aonde estávamos?


 - Íamos sair para almoçar.


 - Ah, sim, almoço e... – mas interrompeu-se de novo. – Não! Não. – disse, mais para si mesmo. – A consulta. Sua consulta. Enfim, voltando à sua consulta...


 Lily estava se divertindo. Não sabia que era tão fácil driblar um psicólogo.


 - Diga. – pediu, esperando.


 - No que pensa quando te mostro essa imagem? – ele perguntou, levantando um pedaço de papel com algumas manchas pretas.


 - Em comida.


 - Comida?


 - Pois é. Especificamente em macarrão.


 - Macarrão?


 - Pois é, conheço um lugar ótimo aonde vende comida italiana. ‘Tá com fome? Podemos ir comer lá.


 - Eu até gosto de comida italiana e... – lembrou o que estava fazendo ali. – Não. Já disse que não saio com pacientes.


 - O que é uma pena, você é um ótimo partido. – acentuou Lily.


 Austin suspirou.


 - Lily, pode se concentrar na consulta?


 Lily tentou parecer séria.


 - Tudo bem. – prometeu.


 - O que te perturba no momento?


 A ruiva pareceu pensar.


 - Fome. – respondeu. – Aliás, estou morrendo de vontade de comer um grande sanduíche.


 Austin gemeu de desgosto e colocou as mãos na cabeça, massageando as têmporas. Calma, disse a si mesmo.


 - Porque insiste em falar de comida? – perguntou, sem conseguir se conter.


 - Pelo mesmo motivo que as pessoas normais.


 - Que seria...?


 - Já disse. – respondeu Lily. – Estou com fome.


 - Não pode estar com fome desde que chegou aqui, à duas horas atrás!


 Lily o encarou com a testa franzida.


 - Você tem algum problema com peso?


 - Não!


 - Então porque não gosta de falar de comida?


 Austin gemeu de desgosto.


 - Porque sou psicólogo e estou no meio de uma consulta.


 - Entendo.


 Austin suspirou de novo. Estava cansado. Não estavam chegando em lugar algum com aquilo tudo.


 - Veja só, Lily. – começou o homem, juntando as mãos. – Se não me contar os seus problemas, não vou poder te ajudar.


 - Eu nunca disse que queria ajuda.


 - A negação é um dos primeiros sinais.


 - Não. – retrucou Lily. – A negação está mais para uma conclusão. Ela serve para quem sabe que fez algo errado e que uma consulta imbecil em um consultório de psicologia com um homem cheio de dinheiro não vai resolver porra nenhuma. Ela é usada para quem não quer concertar o problema, porque sabe que não merece.


 Agora sim estavam começando uma boa conversa.


 - Mas falar a respeito ajuda a desabafar. – assinalou Austin, com a voz suave.


 - Não quero desabafar. Não com você. – respondeu Lily, a voz monótona.


 - E porque não?


 - Porque você não entenderia. Porque você tem a vida perfeita. Você tem uma família, um emprego descente, uma casa adorável e a vida inteira pela frente.


 - Você também tem a vida inteira pela frente.


 - Não acho que possa chamar isso de vida.


 - O que seria uma vida para você?


 - Não mereço uma vida.


 - Porque acha isso?


 - Porque é a verdade.


 - O que é “a verdade”?


 Lily olhou para a cara de Austin, com as sobrancelhas erguidas. Durante todo o diálogo não havia alterado o tom de voz nem uma vez, como se o assunto não a interessasse.


 - Não é da sua conta.


 - Não vai nem experimentar me contar?


 - Você, por um acaso, conta detalhes da sua vida para pessoas estranhas?


 - Bem, eu... Não.


 Lily sorriu, satisfeita.


 - Então não tente me obrigar a te dizer nada. Você não tem moral para isso. Sem contar que, quando chegar em casa, você já vai ter esquecido tudo o que eu lhe disse. Porque os meus problemas não valem nada para você.


 Austin ficou chocado.


 - Como pode dizer isso, Lily?


 - Porque é a verdade. – respondeu simplesmente. – Mas não precisa tentar arrancar nada de mim. Vou pagar pela consulta de qualquer modo. Vai receber seu salário. E então vai poder levar seus filhos ao McDonnald’s e comprar um vestido de grife para a sua mulher. – comentou. – Ah, e ela com certeza vai descer a calcinha até os tornozelos para você depois disso. – acrescentou, lembrando das palavras de James no Aspinnal’s.  


 O queixo do homem caiu em assombro. Mas... o que?! Nem se conheciam e ela se sentia no direito de falar aquelas coisas para ele? Era certo que ele mal conhecia as pessoas com quem conversava, mas ainda assim esperava respeito delas... E era certo também que o que Lily havia dito era verdade, mas Austin jamais admitiria isso.


 Lily riu de leve. Um riso suave.


 - Feche a boca, doutor. – sugeriu ela, se levantando do divã. – Ou me sentirei tentada à beijá-lo.


 Austin arregalou os olhos e sua boca se abriu mais ainda. Lily riu, enquanto pegava o maço de cigarros na bolsa. O homem era muito parecido com James. Principalmente porque não aguentava ouvir sacanagens de uma mulher. Talvez esse fosse o motivo pelo qual ela decidira provoca-lo.


 Lily chegou bem perto de Austin e disse:


 - Ainda vamos almoçar juntos, doutor. – e roubou um selinho dele, o que fez o homem se afastar, estupefato. Ela sorriu, maliciosa. – Passo aqui um dia desses para marcarmos, ‘tá? – e foi embora.


 


000


 


 - VOCÊ DISSE O QUE?! – berrou Marlene ao ouvir a história de Lily.


 Katherine cutucou o ouvido, para ver se ainda estava funcionando. Lily jogou a cabeça para trás e riu com gosto. As três estavam dentro do carro de Marlene, indo para o apartamento da mesma. A morena dirigia, sendo que Kate sentava no banco do carona e Lily no banco de trás.


 - Exatamente o que você ouviu. – respondeu a ruiva, simplesmente, tragando o cigarro e soltando a fumaça pelas narinas.


 Marlene parou no sinal vermelho e bateu a cara no volante, soltando um gemido de desgosto.


 - Quando marquei a consulta, queria que você tirasse um peso das costas e não falasse porcarias ao psicólogo! – lamentou-se Marlene.


 Kate balançou a cabeça negativamente.


 - Você deveria saber que isso nunca daria certo, Lene. – resmungou a loira, ajeitando os cabelos, distraidamente.


 - Mas devia! – resmungou Marlene. Lily soltou um risinho divertido. – Não sei o que fazer com você, Lily. – resmungou Marlene, olhando a amiga pelo retrovisor.


 Lily deu de ombros.


 - Não tem que fazer nada. – disse a ruiva, simplesmente, jogando o cigarro pela janela e acendendo outro. – Aliás, deveria parar de se meter na minha vida. – completou, soprando a fumaça.


 - Eu tento! – impacientou-se Marlene. – Mas você andava tão péssima que tive que fazer alguma coisa!


 Foi Kate quem riu dessa vez.


 - Ora, o que esperava que ela fizesse? – perguntou à morena. – Cometesse suicídio?


 - É – concordou Lily, soprando fumaça novamente. – Não faço muito o tipo que se joga de cima de um prédio por uma desilusão amorosa.


 Marlene brecou o carro ao ouvir isso e se virou para olhar a amiga.


 - Como é que é?! – fez ela. – Você parecia péssima nos últimos dias! Mal saia de casa, vivia trancada no quarto, como se não tivesse o mínimo de amor a vida! Eu fiquei preocupada, porque, apesar de tudo, você é minha amiga e eu não suportaria se alguma coisa te acontecesse! Não zombe de mim por procurar uma solução, Lil’s.


 - Quem estava zombando de mim era você! – retrucou Lily. – Por me mandar para aquele consultório ridículo para falar dos meus problemas!


 - Eu achei que daria certo! Achei que poderia adiantar! – defendeu-se Lene. – Dizem que falar sobre o assunto ajuda a superá-lo! Eu sou prática, fui na solução mais óbvia!


 Lily se irritou.


 - ÓBVIA?! – berrou, se inclinando no assento. – UMA SOLUÇÃO ÓBVIA?!


 - VOCÊ TINHA QUE FALAR SOBRE ISSO EM ALGUM MOMENTO! NÃO PODE IGNORAR O ASSUNTO PARA SEMPRE! – rebateu Marlene no mesmo tom.


 - E QUEM FOI QUE FALOU EM IGNORAR?! EU PRETENDO ESQUECER!


 - VOCÊ TENTOU ESQUECER O SEU PAI! – acusou. – ME DIGA SE DEU CERTO!


 - TEM IDÉIA DE QUANTOS MALDITOS PSICÓLOGOS EU VISITEI PARA TENTAR ESQUECER?! SE NÃO DEU CERTO COM MEU PAI, ACHA QUE VAI DAR CERTO COM O JAMES?!


 Marlene ia responder, mas a briga foi interrompida por Kate:


 - AH, QUAL É, GENTE! – exclamou ela. – SERÁ QUE DÁ PARA PARAR DE BRIGAR?!


 Lily e Marlene trocaram um olhar mal-humorado.


 - Lene, ela não quer ajuda, ‘tá bem?! – continuou Kate, se dirigindo à Marlene. – Aceite que ela prefere a morte à se consultar com um psicólogo. E, Lily, pare de descontar sua raiva em nós duas. Não temos nada a ver com seus problemas, mas ainda assim tentamos te ajudar, porque amamos você. – Katherine encarou ambas as amigas como se fosse mãe delas. – Agora já chega, ok?


 - Ótimo. – fez Lily, soprando a fumaça do cigarro.


 - Ótimo. – retrucou Marlene.


  Katherine fez que sim com a cabeça, enquanto tossia ao se engasgar com a fumaça do cigarro. Lene ia responder com um inicio de conversa inútil, mas um carro buzinou atrás dela, fazendo-a acelerar.


 - Calma! – ela berrou pela janela, enquanto saia com o carro.


 Lily não foi tão simpática assim. Ela se debruçou na janela e berrou:


 - PASSA POR CIMA! – e mandou o dedo do meio.


 


000


 


 “Não sei exatamente quando ele decidiu ir embora da minha vida. Não sei quando ele decidiu que minha vida não parecia tão boa para ser compartilhada. Não sei quando ele me viu como uma velha e não como a ‘mulher surpreendente’ que ele dizia ter conhecido. Não sei porque ele não tentou conversar sobre o assunto, antes de me dar as costas e ignorar o que vivemos. Não sei como ou quando começou essa mudança. Mas basta-me saber que aconteceu. E que doeu. Muito mais do que deveria.


 “A única coisa que tenho certeza é que um dia ele levantou e não me deu bom dia. Nem aquele sorriso tipicamente adolescente, do qual eu costumava me orgulhar. Ele não me beijou, não me abraçou, não me dirigiu nenhum toque promíscuo. Apenas colocou meu cabelo atrás da orelha carinhosamente e disse que iria buscar nosso café da manhã.


 “Então, ele saiu pela porta e nunca mais voltou. Não posso dizer que não fiquei triste. Na verdade, fiquei arrasada durante vários dias. Mas, mesmo ele não tendo me dito absolutamente nada, eu reconheço os motivos dele. E eu o respeito por isso. E sei que, por mais confortável que fosse a minha vida, e por mais que eu o amasse, eu jamais seria a mulher perfeita para ele. Porque eu era velha, eu era covarde, eu era sozinha. Ele era vivo, livre e feliz. E, com o passar do tempo, deixei de ser uma perspectiva atraente.


 “E acho que sempre soube que aquele dia chegaria. Acho que só estava esperando a verdade bater na minha cara para reconhecê-la. Tanto que a cena de ele saindo pela minha porta me parecia estranhamente familiar. Como uma visão do futuro que eu já havia presenciado.


 “Não posso dizer que não esperei que ele voltasse. Seria uma das minhas piores mentiras. A verdade é que todas as vezes que escutava a campainha, meu coração acelerava e eu pensava em mil e uma maneiras de recebe-lo de volta; todas as vezes que o telefone tocava, eu pensava em mil e uma maneiras de atender; quando chegava a correspondência e eu pensava em mil e uma maneiras de responder. Mas não era ele tocando minha campainha. Não era ele ao telefone. E a correspondência eram apenas contas a pagar.


 “Eu fora esquecida. Jogada para o fundo do guarda-roupa. Uma lembrança que ele nunca desejara ter tido.


 “Nunca mais achei ninguém como ele, que me fazia esquecer meu nome, quem eu era, o que fazia. Mas, um dia, eu achei um homem com a minha idade. E esse homem me amou e me fez feliz, preenchendo todo o tempo que perdi sofrendo. E eu morri ao lado desse homem, me perguntando como estaria o meu menino e se, um dia, tivemos chance de ter esse futuro.


 “A resposta é ‘não’. Mas, ainda assim, não consigo me arrepender. Eu amei quantas vezes foram necessárias para ser feliz.


 “O que vi da vida? Sinceramente, não sei. A maioria das coisas que vi, ficaram perdidas na minha memória. Embora, uma delas, vai estar sempre em alto relevo, gravada no meu túmulo.


 “Ame cada dia.”


 


 E fim. E James fechou o livro, abismado com as últimas linhas do grosso best-seller. Katherine tinha razão. Lily tratara sua história com carinho. Como se realmente quisesse fazer parte dela. Como se fosse importante.


 Por mais que tentasse, nos dias seguintes, James não conseguiu tirar aquelas ultimas partes da cabeça. Ficava relendo e relendo os parágrafos, remoendo as lembranças e os arrependimentos. A página do livro ficou marcada de tantas vezes que parara ali.


 Questionava-se sobre o fato de Lily ter terminado o livro antes de ele descobrir tudo. E que o final se encaixava perfeitamente. Como se ela soubesse que James a deixaria em algum momento.


 E acertou, não foi?, pensou consigo mesmo. Você foi mesmo embora.


 Mas, pior do que isso, era o trecho: “Mas, um dia, eu achei um homem com a minha idade. E esse homem me amou e me fez feliz, preenchendo todo o tempo que perdi sofrendo.”.


 O que queria dizer? Lily pretendia mesmo esquece-lo? Achava mesmo que nunca o teria de volta? Um homem apareceria em sua vida, para preencher o lugar dele? Se John – nome que recebera no livro – voltasse para Laura – nome de Lily no livro -, eles teriam alguma chance de ficarem juntos para sempre? Teriam filhos? Morreriam juntos, deitados um ao lado do outro?


 Mas ele jamais poderia saber. Porque John não voltou. E Laura encontrou alguém que a fez feliz. Lily também encontraria alguém, mais cedo ou mais tarde. Provavelmente mais cedo, já que era uma mulher maravilhosa. Isso, é claro, se James decidisse que não queria voltar.


 James voltaria?


 


000


 


 - Mas que droga! – reclamou Leona, batendo o punho no tabuleiro de xadrez, fazendo algumas peças voarem e se espalharem pelo chão.


 Katherine e Leona estavam estiradas no chão da sala de estar, com um tabuleiro de xadrez entre elas. Fora sugestão de Kate jogarem aquilo, alegando que era uma boa distração para um dia de chuva. Leona preferia voltar para o quarto, para jogarem algo “bem mais interessante do que xadrez”. Mas ambas acabaram ali. E a loira estava ganhando.


 - A inteligência é o que comanda esse jogo. – comentou Kate, reposicionando as peças que tinham caído.


 Leona franziu a testa.


 - Pensei que tivesse dito que era a paciência. – rebateu.


 - Isso também. – cedeu Kate, rindo, e comendo uma das peças de Leona.


 Os olhos da moreninha se arregalaram e ela entreabriu os lábios, indignada.


 - Como fez isso? – perguntou, meio alterada. – Não pode comer minha torre! – negou.


 - É claro que posso comer sua torre! – afirmou Katherine.


 Leona gemeu de desgosto.


 - Quem foi que inventou esse jogo estúpido? – ela perguntou, parecendo indignada. – Afinal, para que isso serve?


 Kate abriu a boca para responder, mas a campainha tocou. Ela e Leona se entreolharam. Depois olharam para a porta.


 - Está esperando alguém? – a loira perguntou.


 Leona deu de ombros, culpada.


 - Deve ser o James. – e se levantou em um movimento ágil para abrir a porta.


 - E o que James estaria fazendo aqui? – perguntou Katherine, acusadora, se levantando e indo atrás da namorada.


 A porta foi aberta por Leona, que olhou James e o ignorou, olhando para a mulher ao seu lado e dizendo:


 - Eu disse que era o James.


 - E porque ele está aqui? – perguntou Kate, também ignorando James.


 - Porque não pergunta à ele?


 - Por duas boas razões. Primeira: ele com certeza não sabe como chegar à minha casa.


 - Foi uma razão só.


 Kate deixou essa passar.


 - Porque deu meu endereço para ele, Lê?


 - Porque ele me ligou e disse que precisava falar com você.


 - Porque ele precisaria falar comigo?


 - Essa é uma boa pergunta. Como também não achei resposta para ela, fiz questão de estar presente aqui quando ele viesse, caso tentasse alguma coisa com você.


 Katherine riu.


 - Obrigado pela preocupação. Mas, caso ainda não tenha notado, eu não sou do tipo que gosta de homens.


 - Mas você é mulher. E James com certeza faz o tipo que gosta de mulheres.


 James, por sua vez, ficou olhando a conversa, ainda do lado de fora da casa, se perguntando quando lembrariam que ele estava ali. O que não demorou muito.


 - Ah, oi, James. – fez Leona, dando um tchauzinho.


 - Oi, Lê. – cumprimentou James, hesitante. – Posso entrar?


 Leona se virou para Katherine.


 - Ele pode entrar?


 Katherine se virou para James.


 - Oi, James. Entre, por favor.


 O garoto entrou.


 - Você tem uma bela casa, Katherine.


 - Obrigado. – Kate respondeu, guiando os adolescentes para a sala. – Não gosto nem de lembrar o quanto paguei por ela. – e sorriu daquele jeito seguro.


 Leona foi saltitando até o tabuleiro de xadrez no chão e se esparramou de frente para ele, deitando de bruços. Kate se instalou na outra extremidade do tabuleiro e fez sinal para James se sentar ali mesmo no chão, perto delas.


 Katherine comeu outra peça de Leona.


 - Ei, não era minha vez de jogar? – acusou Leona, raivosa.


 - Você moveu o peão, lembra? – retrucou Kate, rindo.


 Leona franziu a testa em concentração, tentando pensar em um movimento para comer qualquer peça de Katherine. A loira sorriu, examinando a namorada com carinho.


 James percebeu o olhar da mulher e se perguntou se um dia Remus olhara Leona de forma tão doce. Se eles um dia realmente se gostaram. Leona e Kate pareciam mais um casal do que Remus e Leona.


 - Eu desisto. – concluiu Leona, jogando o tabuleiro e as peças para o lado.


 Katherine riu, mas não fez objeção. Leona se virou para James.


 - Agora nos diga o que veio fazer aqui, querido James. – pediu, deitando-se de costas e jogando as pernas no sofá.


 James se ajeitou no lugar. Katherine o olhou, interrogando-o com o olhar. Achara que nunca mais o veria depois da conversa que tiveram no apartamento dele. E ainda mais depois da briga que tivera com Lily. Talvez fosse melhor não deixa-lo saber que concordava perfeitamente com os argumentos da amiga.


 - Eu vim falar sobre o livro. – disse, e mostrou que carregava o exemplar de Love Each Day.


 Katherine franziu a testa, confusa.


 - O livro? – perguntou suavemente.


 James deu de ombros.


 - O final dele, mais precisamente.


 Kate fez que sim com a cabeça, mostrando compreensão. Ela sabia exatamente do que se tratava. Virou-se para Leona.


 - Lê, não quer buscar um suco? – sugeriu.


 Leona bufou audivelmente.


 - E é assim que se manda uma pessoa dar o fora. – resmungou, se levantando e indo para a cozinha.


 Katherine jogou-lhe um beijo. Depois se levantou e andou calmamente até uma das estantes da sala. Ela buscou um titulo especifico, examinando cada prateleira minuciosamente. Quando voltou, trazia em mãos um exemplar surrado de Papo de Mulher. Ela estendeu o livro para James e se sentou em frente à ele.


 James examinou a capa. Cada palavra do titulo era uma cor diferente, deixando-o de certa forma bem divertido. A imagem mostrava todo tipo de objeto feminino: calcinhas, sutiãs, batons, esmaltes, sapatos, vestidos brilhantes, telefones, perfumes e várias outras coisas.


 O garoto encarou a mulher à sua frente. Kate sustentou seu olhar e disse:


 - Jude e Mandy. Eram os nomes que Lily nos deu no livro. – contou. – As duas se conheceram em um evento de Engenharia Civil. Elas conversaram. Encheram a cara de whisky. E acordaram juntas no dia seguinte. – narrou, sendo breve. – Elas tiveram um romance muito divertido durante a história toda. Riram, conversavam, saíram para dançar. Passaram o Ano Novo juntas, sabia? – ela riu, como se tivesse tendo uma boa lembrança. – Elas escreveram uma lista de coisas que queriam fazer antes de o ano acabar. E realizaram tudo aquilo juntas no dia 31 de dezembro. Foi uma das coisas mais legais que Mandy já havia feito.


 - Mandy era você?


 - Sim.


 - E... – começou James, pesando o livro nas mãos. – O que aconteceu no final?


 Kate pegou o livro e abriu na última página. Ela o estendeu de volta para James.


 - Leia. – ordenou.


 James baixou os olhos para a página e leu os últimos parágrafos:


 


 “E um dia ela se foi. Passou pela porta decidida, daquele jeito orgulhoso que eu costumava adorar. Ela não disse adeus. Mas também não disse se voltaria. Deixou para trás toda a discussão, cheia de palavras sujas e inúteis, para que eu remoesse sozinha.


 “Nunca vou saber se ela queria ou não que eu fosse atrás dela. Porque eu não fui. Eu apenas andei até a porta e a fechei com cuidado depois que ela passou por lá.


 “Joguei as lembranças fora. Suturei todos os ferimentos do coração. Me desliguei do passado como nunca fiz. Fechei meus olhos para o mundo. Fingi que não era nada. E corri para fora de casa em busca de um outro alguém, como se ela nunca tivesse existido.


 “Eu sorri. Eu chorei. Eu beijei. Eu amei. Eu sofri. Eu decepcionei e fui decepcionada. Eu errei. Vivi de novo e a esqueci, como uma criança esquece uma boneca antiga ao ganhar uma nova.


 “Mas nunca encontrei ninguém igual à ela. Ninguém com quem pudesse ter meu papo de mulher. E só me dei conta disso muito tempo depois, quando já estava velha, deitada na cama e descobri, com assombro, que daquela noite eu não passaria. E eu sentiria falta do nosso papo de mulher.


 “E como sentiria falta.”


 


 - Ela terminou esse livro um pouco antes de eu descobrir tudo. E, mesmo assim, adivinhou o que eu faria. Sabia que eu iria embora.


 James fechou o livro e o devolveu à Kate.


 - Você também foi embora, não foi? – conjecturou a loira. – Foi isso o que aconteceu no final?


 O garoto assentiu.


 - Sim. O seu livro tem o mesmo final que o meu. Ela adivinhou que eu iria embora.


 Kate fez que sim com a cabeça, compreensiva. Ela se levantou e devolveu seu livro para a estante, alisando a lombada dele com carinho.


 - Como ela soube? – James perguntou, encarando as costas dela.


 Katherine se virou para olhá-lo e respondeu:


 - As pessoas sempre acabam deixando-a, James. – comentou. – Primeiro a mãe dela, depois o pai... EU. – ela riu, constrangida. – Porque você seria diferente?


  O moreno sentiu um bolo no estomago. Sabia o que era aquilo. Culpa. Consciência pesada. Ou como quiser chamar.


 Todos a deixavam. Não perdoavam os erros dela. Sempre iam embora. Lily engolia todos os defeitos de todo mundo com quem convivia, mas ninguém engolia os dela. As pessoas a criticavam, julgavam e condenavam, e esqueciam de si mesmas.


 James fizera a mesma coisa. Abandonara-a. E Lily sempre soube que ele o faria. Desde o inicio. Desde o dia em que o vira entrando pelo Aspinall’s. Sabia, mas ainda assim tentou. E os dias que passara com ela foram os mais incríveis de toda a sua vida.


 Ainda assim, mesmo sabendo que a amava, ele passou pela porta. E não voltou.


 O celular de Katherine tocou e ela pediu licença à James para atender. Ele concordou com um aceno distraído, perdido nos próprios pensamentos.


 - Alô? – fez a loira, encarando James enquanto falava. Estava ligeiramente preocupada com o garoto.


 - Kate, você sabe perfeitamente que sei aonde fica a chave reserva da sua casa e que posso entrar ai quando bem entender, não?


 Katherine congelou no lugar. Seus olhos claros se arregalaram, a imagem de James sentado na sala impregnada neles.


 - Lily? – arfou.


 James, que estava distraído, levantou a cabeça ao ouvir o nome. Ele encarou o telefone na mão da mulher, resistindo ao impulso de arrancá-lo da mão dela.


 - Não. Sou do banco e estou ligando para avisar que seu cartão de crédito foi bloqueado por falta de pagamento. – disse Lily, irônica.


 - Hã... bem, eu... isto é... – gaguejou Kate, incomodada.


 - Deixe disso. – cortou Lily, impaciente. – Você sabe que sou eu, eu sei que é você e só liguei para checar uma coisa.


 James mantinha os olhos fixos em Katherine, que pigarreou, desconfortável.


 - Checar o que?


 - Bem, como eu ia dizendo, posso entrar ai quando quiser, mas queria ter certeza de que não vou encontrar você e Leona em uma posição desconfortável.


 - Hum... – fez Kate. – Vá direto ao ponto, sim?


 - Estou na sua porta. Se tiver alguém nú, que se vista em um minuto. É o tempo que vou esperar.


 Katherine prendeu a respiração. Mas que droga. Ela lançou um olhar significativo para James e fez movimentos com as mãos, indicando que saísse dali. Mas ele não se moveu. Não que não tivesse entendido. Ele não queria ir e não entendia porque deveria.


 - Você não deveria estar em casa? Isto é, eu me lembro de ter deixado você e Marlene lá à algumas horas. – comentou Kate, rezando para que James entendesse o recado e desse o fora. Ela está aqui!, Kate queria dizer.


 Lily riu do outro lado da linha.


 - Eu sei. Mas Sirius fez o favor de aparecer, e os barulhos que vinham do quarto estavam se tornando impossíveis de ignorar.


 Katherine riu, nervosa.


 - Dá para imaginar...


 Leona apareceu na porta da sala carregando uma bandeja com três copos de suco vermelho. Ela depositou tudo na mesinha de centro.


 - Já posso entrar? – perguntou Lily.


 - Ah, espera mais um pouquinho, Lil’s. – pediu Katherine e tampou a saída de voz do celular com a mão. – Lily está aqui! – sussurrou urgentemente para os dois.


 Leona arregalou os olhos, assombrada. James sentiu um sorriso automático surgindo em seu rosto.


 - Ah, mais que merda. – lamentou-se Leona, sussurrando. – E agora?


 - James, saí pela porta dos fundos, ‘tá? – pediu Kate. – Rápido. – acrescentou.


 Mas o garoto não se moveu. Não sairia dali.


 - Não vou. – respondeu. – Vou ficar.


 Katherine mandou-lhe um olhar urgente.


 - Eu sei que quer conversar com ela, mas, confie em mim, não é uma boa hora.


 - E qual seria a melhor hora?


 - James, ela está magoada. – tentou. - Foi ao psicólogo hoje, ok? – acrescentou, achando que talvez pudesse dar certo.


 - Lily foi ao psicólogo? – surpreendeu-se Leona.


 A loira ignorou os dois adolescentes e voltou ao telefone.


 - Lil’s? – chamou. Ninguém respondeu. A linha tinha caído. – Ela desligou. – anunciou Kate, beirando o pânico. Ela estava entrando. Por Deus, e se eles brigassem? Não aguentaria os dois sozinha e Marlene estava sabe-se lá fazendo o que!


 O próximo som foi o da porta abrindo.


 


000


 


N/A: vou parar o capitulo aqui. Porque se eu não parasse, vocês não iam ler a fic, né?


Pessoal, obrigado pelos comentários no último capítulo, e desculpe ter demorado tanto para postar este, mas precisava cria um clima de suspense, né?


Eu ia terminar tudo aqui, mas decidi que 18 páginas já era mais do que satisfatório. O resto, só no próximo!


Espero que gostem,


Beijo.


 

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Comentários (5)

  • Leticia Horan

    Amei Thomas sério, quando eu tava na praia sua fic foi meu passa tempo lia em todo lugar e eu realmente amei esse cap acho que li umas 4 vezes haha Tomara que o James reconquiste a Lily (yn) Bjossss a sua fic é perfeita!!

    2013-01-02
  • Maria _Fernandes_99

    Tipo, eu não vou repetir sempre a mesma coisa e blá, blá, blá, porque já sabes. Eu só achei que os finais que a Lily escrevia íam sempre no fim para os velhos, ela não é velha! BeijocasP.S: Quando vais postar a tua nova fic com os papeis ao contràrio? Fico à espera :) 

    2012-12-06
  • Sah Espósito

    Posso dizer que amei.. foi divertido e doce... Lily e foda.. até o psocologo sofre na mao dela!e.......(Sabe vou parar por aqui pq voce me deixou muito curiosa! rsrs)    

    2012-12-06
  • Neuzimar de Faria

    Cara, que capítulo bacana! Universo alternativo e eu gosto, viu? Agora, coitado do psicólogo: vai precisar de um psicólogo, tadinho! rsrsrsrs

    2012-12-05
  • Spencer Cavanaugh

    Tipo, eu tô maluca aqui, só você para nos deixar curiosas assim, e eu não abandonaria a fanfic, tá bom demais esse capitulo foi bom demais :/ fiquei mortissima de pena da Lily, sempre sendo abandonada coitada ,mas James vai conquistar ela, eu espero que conquiste....No caso a palavra certa não seria 'Conquistar' seria 'Reconquistar' ela realmente deve tá p, mas talvez aconteça algo....THOMAS NÃO NOS DEIXE CURIOSA! Nem consigo pensar direito aqui kkkkkkkkkk serio, não consigo mesmo não, tô curiosa, querendo saber o que o próximo capitulo espera....James já leu, já entendeu e agora o que rola ? kkkkkkk espero que algo bom. Bem até o próximo capitulo *-*bjoos! 

    2012-12-05
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