Enigmático



Gina não olhava para Harry, seus olhos apontavam para frente, como se a parede tivesse poder de hipnose. Harry tentou se recordar das poucas vezes que vira a menina abalada com algo. Gina era espetacularmente forte, de longe, até mais que Harry quando o assunto era sentimentos. Talvez o fato de ser a única menina, com agravante de ser também a caçula, de sete filhos seja a explicação para tal fenômeno. Só que, dessa vez, Gina não parecia muito forte.

- Draco… Voltou para os… Comensais? – Gina soltou, após um longo silêncio. Uma lágrima rolou pela bochecha da menina.
- Não! Ele só está pensando em ajudar...
- Ajudar? – Gina desviou os olhos para Harry – Ajudar a quem?
- Nos ajudar... – Harry falou incerto.
- Ele nem se despediu de mim…
- Ele disse que se ele se despedisse, não conseguiria partir...

Gina passou a mão pela bochecha, secando a lágrima e voltando a olhar para a parede. Harry não sabia o que dizer, então, se aproximou dela e a abraçou, como sempre fazia quando faltavam palavras para demonstrar seus sentimentos. Era péssimo com palavras, mas devia isso a Gina, por tudo que eles já viveram juntos. Ele a puxou pelo braço e envolveu seu corpo, repousando a cabeça da menina em seu ombro, acariciando os cabelos dela. Gina começou a soluçar e chorar copiosamente.

- Ele foi embora! – Ela murmurava entre as lágrimas.
- Calma, ele vai voltar... Eu sei que vai... Não vai acontecer nada com ele – Harry sussurrava, deslizando os dedos pelos cabelos ruivos e longos de Gina.

Nenhum dos dois não falou mais nada, porém, não se soltaram. Gina apertou Harry, afundando a cabeça em seu peito e chorando, como nunca Harry a vira chorar antes. Ele permaneceu ali, abraçado com ela, sentindo o perfume floral dos seus cabelos, aquele perfume que ele adorava. Depois que terminara com Gina, Harry nunca havia ficado tão próximo dela novamente como estava naquele momento. Aquilo estava começando a abalar seu coração. Tentou não pensar nisso, pois era um pensamento egoísta – Gina estava sofrendo por outro e Sophie estava sob poder dos comensais. Mas os pensamentos de Harry estavam voando: será que amava realmente Sophie? Será que ela era a mocinha da história? E Draco? Será que esse não foi um jeito dele voltar e dedurar todas as informações preciosas que descobrira com a Ordem?

A cabeça de Harry estava rodando. Administrar aqueles pensamentos era humanamente impossível.

A passagem do Salão Comunal da Grifinória se abriu, e Harry olhou por cima dos óculos para ver Rony e Hermione entrando de mãos dadas. Os namorados viram a cena com expressão triste. Gina não estava mais soluçando, mas não largou Harry tampouco.

- Gina? – Hermione falou com a voz fraca.
- Quê? – Gina murmurou, sem se desgrudar de Harry.
- Quer conversar, amiga?
- Não... Eu só quero... Dormir... – Gina se soltou de Harry, mas não antes de olhar dentro dos olhos verdes do rapaz. – Obrigada, Harry. Eu imagino o quanto esteja sendo ruim ter Sophie longe, sem saber se ela está bem... Estamos empatados. – A menina deu um sorrisinho sem graça.
- É... Eu estou... Confuso – Harry não podia ser mais sincero nas palavras. Confuso era o termo exato para tudo o que ele sentia.

Gina deu um beijo no rosto de Harry antes de subir as escadas para o dormitório feminino. Hermione e Rony sentaram-se lentamente, a menina repousando a cabeça no ombro do namorado, que deu um beijinho em sua testa. Harry sentou-se de frente para ambos, aguardando qualquer tipo de novidade que ele não ficara para ouvir. Esperou em silêncio um dos dois se manifestar, mas Hermione estava mordendo insistentemente o lábio inferior, como sempre fazia quando estava pensativa ou aflita com algo, e Rony tinha o olhar distante, lembrando o de Gina a poucos minutos atrás. Decidiu, para suprir sua necessidade de informações, quebrar o gelo.

- Alguma coisa importante depois que eu saí? – Perguntou em tom casual.
- Não... – Rony respondeu, sem olhar para ele, acariciando distraidamente os cabelos de Hermione – Minerva só falou mesmo da ida ao Brasil... Eu estou louco pra ir, dizem que essa época lá é bem quente...
- Sirius e Remo? Vocês viram depois? – Harry tentou ser mais específico.
- Eles estavam conversando e de repente sumiram... – O ruivo comentou, ainda com o olhar perdido. Hermione agora mordia o dedo polegar.
- Mione? – Harry arqueou a sobrancelha ao mirá-la.
- Eu? – Hermione o olhou, surpresa – Quê?
- Pensando em quê?

Hermione fez aquela expressão tão bem conhecida de Rony e Harry – Aquela que diz “eu não queria contar, mas estou sendo obrigada”. Parecia muito aflita, seja lá o que estivesse pensando, era algo muito sério. Rony intensificou as carícias em seu cabelo, como se a incentivasse a falar. Por fim, após um suspiro, ela expôs suas opiniões.

- Daniel... – Ela vomitou a palavra de tão rápido que a pronunciou – Vocês não o acham muito... Enigmático?

Harry e Rony se entreolharam. Até que enfim, pensou Harry, alguém concordava com ele em algum ponto. Daniel estava no topo da sua lista de “pessoas para ficar com o pé atrás”, e não era de hoje. A princípio, Daniel pareceu um cara muito legal, até demais, como naquele dia que foi apresentado à Ordem, no dia do aniversário de Harry, quando ele lhe deu o livro... Com o tempo, Harry viu que aquele Daniel, que ele conheceu não passava de um personagem, o mesmo que ele encenou no dia que se passou por aluno de intercâmbio, falando gírias que nunca mais utilizou em conversas, por mais informais que fossem.

- Eu concordo... – Harry falou antes que Hermione explodisse de tão rubra que estava – Inclusive, eu pedi para que ele me encontrasse amanhã após o café para conversarmos.

Hermione pulou da poltrona, fazendo Rony instintivamente dar um pulo no susto.

- O que você vai falar com ele!? – Ela perguntou, nervosa e com os olhos arregalados.
- Bom, eu vou o sondar... – Harry franziu o cenho – Que cara é essa?
- Sondar o quê? Por Merlin... Não fale, não pergunte nada sobre a doença dele!
- Quê...? – Harry fez uma careta. Nem lembrava disso.
- Por que, Mione? – Rony perguntou, confuso.
- Nada... Eu andei pesquisando... – Hermione tentou parecer mais calma – Deve ser super duro assumir uma doença crônica como... A dele.
- Qual é a doença dele? – Harry se interessou. A menina empalideceu.

- Eu não sei ao certo... Mas... Se for o que estou pensando... Pode ser... Fatal. – Ela falou, gaguejando. Nunca antes pareceu tão incerta, como se tivesse vergonha do que falava.
- Ok, eu não toco no assunto da doença... Mas tem coisas tão estranhas no Dan... Tipo, ele nunca usou uma daquelas gírias que falou quando se apresentou pros alunos...
- Eu só o vejo falando assim com os outros... – Rony comentou, balançando a cabeça.
- E ele estava agora pouco falando com o Christian... – Harry prosseguiu – Eu acho que ele sabe desse sequestro da Sophie mais do que a gente imagina...
- Ele defendeu Amanda como se fossem amigos de infância... Até Sirius percebeu isso – Hermione parecia se recuperar da aflição inicial. – Não é estranho? Tem muitos furos na história dele, é verdade...

- O que você acha, Mione? – Harry quis saber. Hermione suspirou.
- Harry... Eu acho que tem várias contradições. Se ele conheceu Amanda há pouco tempo, como ela despertou tanta confiança dele? Ele me parece um cara tão inteligente... Aliás... Daniel é muito inteligente... As conversar que tive com ele... Nossa, ele entende de tudo, tem coisas do mundo trouxa que ele sabe e eu, nascida trouxa, nem sonhava em saber... Aquele livro, Harry... O Pequeno Príncipe?
- Que tem? – O garoto odiou a lembrança do livro, com certeza, a próxima pergunta de Hermione seria “você o leu?” e ele seria muito sincero ao dizer que não passou da dedicatória.
- Esse livro é indicado por psicólogos nos casos de depressão, seja ela infantil ou não... Vocês sabiam?

Embora feliz pela pergunta dela não abordar os interesses pelas leituras dele, Harry ficou ainda mais surpreso com tal declaração. Para ele, o livro não passava de um conto infantil que até Duda já tinha lido, ou usado como suporte de copo, um dia. Rony, graças aos céus, parecia estar boiando ainda mais no assunto. Harry nem considerou que ele nunca tivera experiência trouxa.

- Eu não sabia... É um livro infantil – Harry falou amargurado.
- É um livro super importante! Se você tivesse lido, você entenderia! – Ela retrucou irritada. Nem precisava perguntar se ela já havia lido, claro. Qual será o livro que Hermione ainda não lera? Provavelmente aqueles ainda não publicados.
- E como diabos esse livro entrou no assunto? – Rony soltou, estressado.
- Ele é mestiço? Nasceu trouxa? – Hermione falou, olhando com certa decepção para Rony.
- Não, ele tem sangue puro, pelo que disse um dia desses... – Rony respondeu, dando de ombros.
- Como você sabe? – Harry arregalou os olhos.
- Ele me contou. Nós conversávamos, antes de... Fazermos as pazes, Harry. Eu o conheci antes de você, eu acho.

Rony comentou, ligeiramente sem graça pela lembrança da briga no ano anterior com Harry, que lhe rendera algumas cicatrizes bem feias. Harry também ficou sem graça. O assunto estava tomando um rumo meio sinistro, mais do que as confusões sobre Daniel. Sensível como sempre, Hermione retomou as rédeas da conversa, antes que os dois rompessem em choro.

- Então, como conhece tão bem o mundo trouxa? Se eu só soube desse detalhe sobre o Pequeno Príncipe quando ele, baseado em estudos importantes, me contou?
- Sei lá, ele parece que não existe... Poxa, ele é um cara pintoso... – Rony comentou, intrigado.
- Pintoso? – Hermione riu, corando as bochechas – Meu amor, desculpa... Mas Daniel é lindo! As meninas estão suspirando por ele... Reparem, todos os olhos não saem da mesa da Lufa-Lufa quando ele está lá... Ele é bonito até demais... Pro meu gosto.
- Valeu, Hermione... – Rony fechou a cara. – E por que ele não namora nenhuma delas?
- É uma boa pergunta... – Harry pareceu pensativo – Ele nunca, nunca falou de namorada! Como um cara tão inteligente, atraente e simpático não namora?

- Era o que eu estava pensando também... Parece que ele não quer se envolver... Eu vejo isso, as meninas falam com ele, e ele sempre escapa. Lisa Turpin, da Corvinal, esses dias, tropeçou na frente dele para chamar a atenção, ele a pegou instintivamente, evitando que ela se estabacasse no chão, mas apenas deu uma recomendação de “cuidado” e seguiu o rumo dele... – Hermione contou, enquanto enrolava distraidamente uma mecha do cabelo com os dedos.
- Ah, pelas barbas de Merlin! E se ele for gay? – Rony arriscou aterrorizado.

Hermione e Harry se entreolharam, assustados. Depois, os três estavam trocaram olhares, percebendo que cada um fazia uma força descomunal para não rir. Desistindo, romperam em risos. As gargalhadas ficaram altas e a mulher gorda os repreendeu, pelo horário já avançado para esse tipo de excessos. Hermione se espreguiçou depois do chamado, e se retirou para o dormitório, dando um beijo selinho em Rony antes de sair. Logo depois, Rony subiu as escadas, bocejando, deixando um Harry com a cabeça a mil por hora no Salão Comunal, e sem nenhuma vontade de dormir.

Sem pensar duas vezes, saiu novamente do Salão Comunal. Desejava que estivesse com sorte, assim ainda encontraria Sirius, quase não teve tempo de falar com o padrinho. Foi andando pelo mesmo lugar de onde lembrou ter vindo quando saiu da Sala Precisa, mas os corredores estavam muito desertos. Ele seguiu em frente, decidido que, caso não visse mais ninguém, caminharia até a sala de Remo, para saber o que Sirius tanto falava com ele. Remo nunca dormia cedo, disso ele sabia, então, sempre tinha a opção de conversar com ele. Ao virar em um corredor, entretanto, uma voz chamou seu nome.

- Ei, Harry... – Daniel apareceu como por milagre, do nada.
- Ah... Dan... – Harry tentou disfarça o susto que levara.
- Procurando alguém?
- Não... Eu só... – Harry desistiu de responder – Você está indo dormir agora?
- Não, completamente sem sono... – Daniel deu de ombros.
- Podemos então...
- Ter aquela conversa? – O rapaz completou – Claro... Se você não estiver muito cansado...
- Eu não estou com sono também. Se importa de irmos para um lugar mais... Reservado? Eu não sei se ainda tem pessoas pelos corredores...
- Não tem mais ninguém, todos já foram... – Daniel assegurou. Harry pensou como ele podia saber de tudo, sempre, mas não achou pertinente perguntar.
- Ah... Ainda assim... No meio do corredor não me parece um lugar muito próprio.
- Sei, sei... Venha...

Daniel caminhou adiante e Harry o seguiu, observando-o. Daniel andava ligeiramente nas pontas dos pés, como se fosse muito leve, ele nunca tinha percebido isso antes. Não era algo perceptível, entretanto, mas era engraçado para um garoto, e, ele tinha que admitir, era um cara bonito e charmoso até para andar, Hermione estava certa, mesmo que Rony tivesse quase um colapso ao ouvir tal declaração. Daniel chegou até certo ponto e a porta da sala precisa se abiu.

- Privacidade... – Daniel murmurou por entre um sorriso de canto de boca.
- Perfeito. – Harry fez um sinal positivo com a cabeça.

Muito diferente do júri de antes, a Sala Precisa estava menor, com uma lareira e poltronas macias, muito confortável. Harry se jogou numa das poltronas, denunciando que estava cansado, sim. Daniel permaneceu de pé, com os braços na frente de peito, analisando Harry.

- Sobre o que gostaria de falar? – Daniel não fez rodeios.

Harry se espantou com a pergunta direta, tanto que faltaram palavras apropriadas.

- Ah... Dan... Eu quero que saiba... Eu confio... – Harry fez uma careta – Eu quero confiar em você... Mas eu preciso esclarecer umas coisas...
- Que tipo de coisas? – Daniel não se sentou e isso começou a incomodar Harry.
- Sente-se aí... – Apontou a poltrona da frente. Daniel olhou pra trás.

- Estou bem em pé – Voltou a olhar Harry, imóvel como uma estátua. – Então?

Harry sentiu-se ligeiramente confrontado pela resistência de Daniel. Então, mesmo com todo seu cansaço, levantou e ficou de frente para ele.

- Como você pode confiar tanto em Amanda? – Harry soltou sem pensar. Esse não era seu principal interesse.
- Porque ela é uma pessoa que me inspira confiança. Eu a conheço muito bem para dizer que ela não está do lado dos comensais, e não fará nada contra Sophie.
- Isso não me convence...
- É só essa mesma sua dúvida quanto a minha conduta? – Daniel não mudou a expressão.
- Não... Na verdade... – Harry vacilou um pouco – Eu não sei nada sobre você... Eu queria saber mais...
- Sim? Como o quê? Minha cor favorita, meu tipo de garota? – Daniel debochou.

Harry trincou os dentes de raiva. Era mais difícil do que ele pensava, Daniel não se abalava, e ainda o intimidava de alguma forma. Era como se ele fosse inquebrável, indecifrável. O mesmo não poderia ser dito de Harry – cada vez mais achava que Daniel estava sempre um passo a frente dele, espertamente tendo respostas polidas e coesas para tudo.

- Você parece sempre saber tudo... É muito novo para ser Auror, é inteligente... Mais do que isso... Até Hermione se surpreende com as coisas vindas de você... Como você consegue? Digo, ser assim?

Daniel arqueou uma sobrancelha como se não tivesse entendido a pergunta. Harry fez cara de tédio e então reformulou as palavras, após um longo suspiro.

- Você tem um conhecimento imenso. Não é todo mundo que impressiona Hermione como você impressionou, quer dizer, exceto Chris, mas um dia, ele mesmo disse a ela, depois que ela elogiou a inteligência dele, que parte do que ele sabia era a mãe quem o ensinava, como poções. Mas sobre Defesa contra as artes das trevas, sobre mundo trouxa e sobre feitiços, era com você que ele aprendia. Ele sabe de coisas sobre trouxas que nem Hermione, que nasceu trouxa, nem eu, criado como trouxa, sabemos! Como você sabe tanto se é tão novo?

O rapaz comprimiu o lábio, deixando-o numa linha fina, mirando Harry com um olhar perdido, como se tentasse responder sua pergunta de um jeito mais claro possível. Harry, por sua vez, sentiu como se ele estivesse arrumando uma boa desculpa. Aproveitou isso para continuar o interrogatório.

- Você fala de igual para igual com Remo, eu já percebi isso também. A dedicatória do livro que você me deu... Seria o tipo de coisa que um pai falaria para um filho. E... – Harry gaguejou um pouco antes de prosseguir – Eu ouvi Christian dizendo pra você que sabia o quanto ele desde pequeno queria conhecer o pai, mas... Vocês têm quase a mesma idade, embora eu sinta que ele tem um respeito absurdo por você, e ele não parece ser do tipo que respeita muita gente...

- Harry – Daniel o interrompeu, sem se mover, com o mesmo olhar perdido – Acho que você, melhor que ninguém, sabe o quanto a vida às vezes exige que amadureçamos mais rápido que os demais da nossa idade. É isso, eu amadureci mais. Eu posso aparentar ser muito novo, mas meu interior... Não é compatível com minha idade.

Houve um momento de silêncio constrangedor após a declaração de Daniel. Harry reparou o quão amargurada fora tal revelação, e tentou se colocar no lugar dele, mesmo não sabendo o que o levava a falar tal coisa. Tudo bem, Harry precisava ser maduro, mas isso não queria dizer que era, e isso o envergonhou. Ele não era maduro. Daniel dava um banho de maturidade nele. Por bem, decidiu mudar de assunto, ignorando as recomendações de Hermione.

- E sobre sua doença? Como é?
- É uma doença incurável – Daniel respondeu tão rápido que era até estranho – Eu vou morrer com ela...
- Você... Vai morrer? – Harry não escondeu o pavor – Morrer? Ela mata?
- Ah, não... Ela não mata. Eu disse que morreria com ela, não devido a ela... – Daniel esboçou um sorriso fraco, que logo se desfez – Eu tenho que aprender a conviver com ela, mas... Sinceramente... Preferia morrer mesmo.
- É uma doença como a de Remo? – Harry sentiu um arrepio a perguntar isso.

Chegara onde queria chegar: doença incurável, poção, sala revirada... Essa era uma das possibilidades. Mas Daniel riu, dessa vez, em alto som.

- Remo é doente? Você acha que ser um lobisomem é doença? Ou acha que eu sou um lobisomem também?
- Ah, não... – O rapaz tentou esconder seu desconcerto, falando mentalmente um palavrão enorme – É porque ele também teve que aprender a conviver com isso...
- A diferença da minha... Digamos, doença... Para a de Remo, é que ele só fica doente na lua cheia, eu, não. Eu tenho isso 24 horas por dia, e se eu não tomar meu soro, eu posso... Sofrer.
- O que Rony e Hermione viram na sala de Remo aquele dia? Eu percebi que eles estão com... Medo... De você.
- É... Estava perdendo o efeito do soro...
- Soro? – Harry estranhou. Poção não era chamada soro, não até onde ele sabia.
- É, é como se chama a minha poção... Quando o efeito acaba, eu viro um... Monstro... De tanta dor... – A expressão de Daniel ficou sofrida, como se ele estivesse sentindo a tal dor.
- Mas que doença é essa? Qual o nome? – Harry insistiu.

Outro momento de silêncio constrangedor se fez. Harry imaginou novamente uma boa desculpa sendo arquitetada na cabeça do rapaz, mas dessa vez, não entendia o porquê. A face de Daniel não se amenizou, estava tensa, dolorosamente curvada numa expressão de angústia, como se ele estivesse atravessando um calvário ao pensar na tal doença.

- Se importa se eu não falar sobre isso? – Daniel falou por fim – Eu não gosto, é um assunto que não me faz bem.
- Ah, desculpa...
- Acabaram suas dúvidas? É só isso que te preocupa? - Perguntou novamente, dessa vez, arqueando as duas sobrancelhas e enrugando a testa.
- É... Por hora, sim... – Harry mentiu. Na verdade, estava sentindo-se muito cansado e a dor da cicatriz parecia querer voltar.

Daniel o olhou por um momento, desenrugando a testa e afrouxando os músculos antes tão tensos e rígidos.

- Agora, posso eu te fazer algumas perguntas?
- Hã? – Harry não escondeu a surpresa – O que quer saber?
- Como estão seus avanços em controlar sua mente. – Novamente, a falta de rodeios de Daniel o chocou.
-Err.. Desculpa, mas eu não queria falar sobre isso agora... – Ele deu um jeito de fugir do assunto – Está muito tarde... Podemos deixar essas perguntas para amanhã?
- Como queira... Mas Harry, eu só quero ajudar, tudo bem?
- Certo, eu agradeço.
- Vá dormir, acho que hoje você teve muitas emoções juntas... – Daniel piscou tentadoramente.
- Você não vem? Quer dizer, não vai dormir? – Harry se virou da porta da Sala Precisa, olhando Daniel imóvel.
- Ah, não... Eu vou pensar em algumas coisas... A noite me inspira.


***


- Você entendeu tudo, Liz?
- Sim... Eu entendi.

Liah mantinha os olhos cor de mel fixado nos azuis de Liz, olhando tão internamente, que parecia querer ler seus pensamentos através das pupilas dilatadas da menina. Liz estava pálida, os lábios descoloridos, e sua expressão era um misto de terror e desespero.

- Por Rudá, pelo amor de seus iguais, Liz... Não comente com ninguém! Nossa segurança... A sua, a minha, de Julio... Da escola! Depende desse sigilo!
- Eu sei! Liah! Não podemos desistir desse torneio maldito?
- Não, Liz... Não acho que seja certo... – Liah falou, num tom quase pesaroso. – Rosário já implorou isso, mas Mariú, Julio e eu não achamos certo... E o que falaríamos para cancelar? “Ow, a professora de adivinhação viu um monte de tragédia” Eu sei que eu sou a maluca da história, ninguém acredita em mim...
- Eu acredito em você... – Julio sorriu timidamente, passando a mão pelos cabelos negros de Liah.
- Meu amor... Eu sei, mas...
- Bernardo acredita... – O homem continuou, agora acariciando o rosto dela. – Liz... Acredita, não é?
- Claro... – Liz deu um sorrisinho bobo. Era tão lindo ver aquele casal. Liah e Julio eram almas gêmeas, isso era incontestável.

Um ruído oco soou, Liah e Julio olharam para a mesma direção – a porta da sala da diretoria da Rudá. Quando ela se abriu, a cabeça de Bernardo surgiu, com um sorriso nos lábios, olhando para o casal e para a aluna ali sentada. Liz viu todo rodar quando se levantou, segurou no ombro de Liah para não cair, e ainda assim tentou sorrir, como se dissesse, inutilmente, que estava tudo bem. Não soube se Bernardo acreditou na sua péssima atuação, ou se ele ignorou seu comportamento estranho, mas o diretor apenas os cumprimentou, mantendo os olhos em Liah, e dela, os rolando até Liz.

- Então, a nossa querida Liz aceitou o cargo de tradutora oficial do Torneiro Tribruxo? – Ele falou, com um sorriso no rosto bronzeado.
- Ah, sim! – Liah parecia esplendida – Liz aceitou! Ela já está a par de tudo sobre o Torneio, e ficou encarregada de mostrar a escola para nossos visitantes...
- Ah, agradecemos muito, Liz! – Bernardo falou sinceramente – Sabe como é, nem todos em Korõaran falam inglês, e nossos visitantes muito menos falam português...
- Não é nada, Diretor! Eu fico feliz por ser útil... – Liz tentou mais uma vez sorrir.

- Liah, você tinha razão... Eles vão antecipar a vinda... Estarão chegando na segunda semana de dezembro.

Liah estremeceu. Liz sentiu o choque em seu corpo, já que ainda mantinha a mão em seu ombro. Julio ficou alerta, olhando para a amada.

- Então... Dentro de um mês? – Liah estava mais branca que o seu normal.
- Sim... Acho que aquela suas observações aos alunos já pode ser praticada... Por favor, venham os dois e peçam a Mariú e Rosário para comparecerem à minha sala hoje, após o término das aulas do dia. Temos que correr contra o tempo agora.

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