Capítulo 11




Capítulo 11

O primeiro que encontrou não servia.

Qualquer vibração perturbava a imagem. Estava desajustado. O espelho, de pinos
frouxos, desequilibrava-se facilmente. Além disso, o microscópio precisava de
condensadores e polarizadores. Tinha só uma porta-objetiva, e cada vez que queria
variar os aumentos devia trocar a lente.

Mas era previsível. Não sabia nada de microscópios, e levou para casa o primeiro
que havia encontrado. Três dias mais tarde o lançava contra a parede e o fazia em
pedaços.

Em seguida, mais tranqüilo, foi á biblioteca e procurou documentação sobre
microscópios.

Na próxima vez não o levou, até assegurar-se de que era um bom instrumento: três
porta-objetivas, condensador e polarizador, boa base, movimentos precisos, diafragma, boas lentes. Uma amostra mais, disse a si mesmo, da estupidez de trabalhar embriagado. Sim, sim, repetiu de mau humor.

Obrigou-se a passar várias horas estudando o instrumento.

Trabalhou com o espelho até conseguir dirigir um raio de luz sobre o objeto desejado em poucos segundos. Familiarizou-se com as lentes, desde a de três polegadas até a de um doze-ávos de polegada. Quebrou treze platinas, até que aprendeu a colocar uma gota de óleo de cedro em cada uma e baixar em seguida a lente suavemente, até tocar a gota.

Depois de três dias de plena dedicação, aprendeu a manipular os estriados parafusos de ajuste, a manobrar o diafragma e os condensadores e iluminar a platina com precisão.

Logo obteve assim imagens definidas e claras.

Em seguida deparou-se com o problema mais árduo. Apesar dos seus esforços não
podia evitar a presença de alguma partícula de pó. Por isso às vezes lhe parecia estar estudando rochas.
Resolver isto era especialmente difícil, pois quase a cada quatro dias eclodia uma
tormenta de areia. Finalmente instalou uns protetores de tule.
Aprendeu a trabalhar com método. Descobriu que a desordem (e o tempo que
empregava em procurar as coisas) fazia que o pó se acumulasse nas platinas. Sem ajeitar, quase jogando, destinou logo um lugar para cada coisa: platinas, placas, provetas, pinças, pires, agulhas, produtos químicos.

Descobriu, surpreso, que a ordem lhe produzia um verdadeiro prazer. A herança do velho Fritz, ao fim de tudo, aprovou sorrindo.

Em seguida conseguiu uma amostra de sangue.

Dedicou vários dias a preparar umas gotas e as pôr na platina. Durante um tempo não confiava que o conseguiria.

Mas ao fim de uma manhã, por acaso, como se fosse um assunto sem importância,
colocou a sua trigésima sétima amostra de sangue sob as lentes, concentrou a luz,
ajustou os espelhos, e em seguida o diafragma e o condensador. Cada segundo parecia aumentar o ritmo de seus batimentos cardíacos, pois, de algum modo, intuía que esta vez sim. O momento chegou. Conteve o fôlego.

Ali, movendo-se delicadamente na platina, havia um germe.

Nomeio-te “Vampirus”. As palavras lhe ocorreram enquanto olhava pela lente ocular. Consultou um texto de bacteriologia e descobriu que uma bactéria cilíndrica era um bacilo, uma varinha protoplasmática que se movia no sangue por meio de uns fiozinhos, projeções da membrana celular. Estes flagelos agitavam vigorosamente o líquido ambiente e moviam o bacilo.

Durante um momento permaneceu olhando o microscópio, incapaz de pensar ou
seguir adiante.

Fosse o que fosse que estava ali, na platina, era a origem do vampiro. Todos os séculos de superstição se desvaneciam naquele instante.

Os cientistas tinham razão então; tratava-se de bactérias. Havia restado a ele,
Harry Potter, de trinta e seis anos, sobrevivente, completar a pesquisa e descobrir o
assassino: um germe dentro do vampiro.

De repente, uma profunda depressão lhe estorvou. Ali estava agora a resposta, mas era muito tarde. Tratou ansiosamente de animar-se à vista dos resultados, mas não pôde. Não sabia por onde começar. O problema parecia insolúvel. Como poderia curar aos que ainda viviam? Não sabia nada sobre bactérias.

Bom, saberei!, Prometeu interiormente. E se obrigou a estudar.

Algumas espécies de bacilos, quando as condições de vida se tornam desfavoráveis, são capazes de criar neles mesmos uns corpos chamados esporos.
Assim, condensam os conteúdos celulares em um corpo de forma oval e
grossas paredes. O corpo se separa em seguida do bacilo e o esporo fica livre, e é
resistente às mudanças químicas e físicas.

Mais tarde, quando as condições de vida melhoram, o esporo germina, conservando todas as qualidades do bacilo original.
Potter, de pé, com os olhos fechados, agarrava-se com força a borda da pia da
cozinha. Encontraria algo ali, disse-se a si mesmo, algo. Mas o que?
Suponhamos, continuou, que o vampiro não consiga sangue. As condições estariam contra o bacilo vampirus.

Mas para proteger-se a si mesmo, o bacilo cria o esporo, pondo em coma ao
vampiro. Logo, quando as condições ambientes mudam, o vampiro se reanima.
Mas como pode saber o germe aonde há sangue? Potter deu um murro na pia.

Releu o capítulo. Tinha algo ali. Pressentia-o.

Quando as bactérias não se alimentam adequadamente, seu metabolismo se
altera e produzem bacteriófagos (proteínas inanimadas, auto-reprodutoras). Estes
bacteriófagos destroem as bactérias.

Quando não há sangue, o metabolismo será anormal, os bacilos absorverão água e
se romperão no fim, destruindo as células.

Outra vez apareciam os esporos. Tinha que incluí-los no quadro.

Bom, caso o vampiro não entre em coma e caso seu corpo se decomponha sem
sangue, o germe pode criar ainda seus esporos e...

Claro! As tormentas de areia!

Os esporos livres eram transportados pelas tormentas. O pó machucava a pele, e os
esporos se alojavam nessas pequenas feridas. Uma vez dentro, o esporo podia germinar e multiplicar-se por fissão, destruindo os tecidos. O bacilo passava assim dos corpos decompostos, venenosos, para tecidos sãos. Os venenos alcançavam
eventualmente a corrente sanguínea.

O processo ficava completado.

E tudo sem vampiros de olhos injetados em sangue, inclinados sobre formosas mulheres adormecidas. Tudo sem morcegos que voam atrás das janelas.

O vampiro era um ser real. Mas ninguém tinha averiguado sua verdadeira história.
Potter recordou então algumas pragas.

A queda de Atenas foi similar à praga de 1975. Antes que pudessem reagir, a cidade já havia perecido. Os historiadores falavam da peste bubônica. Potter, entretanto, acreditava que o culpado era o vampiro.

Não, não precisamente o vampiro. a partir de agora, aquele espectro assassino seria sobre tudo uma ferramenta do germe; seu papel seria o do vilão da história. O germe que havia propagado seu açoite enquanto o povo fugia aterrorizado.
E a peste negra, aquele mal espantoso que varreu a Europa, destruindo quase
três quartos da população? Vampiros também?

Quando eram as dez da noite, a Potter doía a cabeça e sentia os olhos inchados
como globos. deu-se conta de que tinha fome. Tirou carne da geladeira, deixou-a no forno e tomou uma ducha.

Sobressaltou-se ao ouvir um golpe em um lado da casa.

Em seguida sorriu aborrecido. Esteve tão abstraído durante todo o dia, que tinha
esquecido a manada.

Enquanto se secava, tratou de recordar. Não distinguia, entre os vampiros da rua, os vivos, dos ativados pelos germes. Estranho, pensou. Devia haver alguma diferença entre as duas classes, pois seus disparos só destruíam a alguns, deixando
incólumes a outros. Os mortos, presumivelmente, podiam resistir às balas.
E lhe ocorria outro problema. Por que só vinham os vivos? E por que só uns
poucos e não todos os do bairro?
Potter tomou um copo de vinho com a carne e lhe surpreendeu o bom sabor de tudo. A comida habitual lhe tinha sabor de madeira. O trabalho me tem aberto o apetite, pensou.

Além disso, não estava interessado no uísque. Sacudiu a cabeça. Era
dolorosamente óbvio o que procurava na bebida.

Da carne só deixou os ossos. Em seguida foi à sala com o resto do vinho, tocou uns
discos no toca-disco e se recostou na poltrona.

Ficou ali escutando a primeira e segunda sonata do Daphnis e Cleo, de Ravel, com as luzes apagadas exceto os abajures da parede. Durante um momento se esqueceu
totalmente dos vampiros.

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